quinta-feira, 7 de julho de 2011

Opinião – José Álvaro Moisés – Parlamento no fosso

A revolta popular no mundo árabe é uma força revolucionária que está gestando perspectivas novas. Mas veja que, no caso do Egito, a desmobilização ocorreu quando a junta militar que assumiu o poder prometeu uma nova Constituição. Ou seja, a ideia de que se ia institucionalizar foi uma resposta, boa ou má, aceita pelos manifestantes. Outra coisa é quando se defende a destruição das instituições. Aí, o risco que se corre é o da violência, da submissão dos mais fracos pelo poder dos mais fortes. No Brasil, ou no mundo, a democracia representativa precisa de reformas. Mas ela não está em questão. Precisamos valorizá-la e melhorar sua qualidade.

José Álvaro Moisés, cientista político e professor da USP. Entrevista: Parlamento no fosso. Aliás/O Estado de S. Paulo, 3/7/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

Dilma desmonta esquema de corrupção da época de Lula
Senado aprova Copa com sigilo e sem licitação
Light terá que reformar 1.170 bueiros críticos
Sede da prefeitura saírá da lista de imóveis vendáveis
Fla vence e já é vice-líder

FOLHA DE S. PAULO

Denúncias derrubam o 2° ministro de Dilma em 1 mês
Empreiteiras só querem bancar 5% do trem-bala
Projeto prevê que taxistas saibam primeiros socorros
Poupança perde R$ 3 bi em 6 meses, pior marca desde 2006

O ESTADO DE S. PAULO

Denúncias derrubam mais um ministro do governo Dilma
Estoques de carros sobem e montadora dá férias coletivas
Para nova chefe do FMI, fluxo de dólares no Brasil preocupa

VALOR ECONÔMICO

Crédito tributário chega a R$ 87 bi em grandes bancos
Preço do etanol bate recorde de época de safra
Nascimento se demite e PR ainda exige o cargo
Desafio

ESTADO DE MINAS

Último ato de ministro tira R$ 2,7 bi de Minas
Assembleia acaba com pensão de ex-governadores
Senado aprova MP que põe sigilo em licitações

CORREIO BRAZILIENSE

Alfredo já era, mas quem pega Valdemar?
Porco fora da lei
Freio nos supersalários
"Jeitinho" para obras da Copa

ZERO HORA (RS)

Cai mais um ministro sob suspeitas de corrupção
RS é um dos líderes em desarmamento
Devassa em oito prefeituras
Gaúcho morre em choque de aviões em SP

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Denúncias derrubam o ministro dos Transportes
Aviões da FAB se chocam e quatro morrem
Números da dengue sofrem queda no País
MP da Copa passa no Senado com facilidade

Dilma desmonta esquema de corrupção da época de Lula

Pressionado por denúncias de corrupção, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, foi forçado ontem a pedir demissão, após ficar em situação insustentável diante das suspeitas de superfaturamento e cobrança de propina em órgãos como Dnit e Valec. As denúncias de corrupção envolvendo o mesmo grupo político vêm da época do governo Lula, e Nascimento era um nome do ex-presidente no Ministério de Dilma Rousseff. Irritada, a presidente cobrou explicações e convocou reunião com o secretário executivo do ministério, Paulo Sérgio Passos, que foi nomeado ministro interino. Fora do governo, Nascimento reassumirá a presidência do PR e tentará fazer o sucessor

Fim de linha para Nascimento

Ministro cai e Dilma negocia substituto com PR, preocupada em evitar mais escândalos

Gerson Camarotti, Chico de Gois, Maria Lima e Cristiane Jungblut

Fortemente pressionado pelo Palácio do Planalto e por setores do próprio partido, o PR, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, perdeu ontem o cargo que exercia pela terceira vez nas gestões petistas. Ele caiu cinco dias após a denúncia da revista "Veja" sobre cobrança de propinas a empreiteiros em contratos executados por empresas ligadas à pasta. A situação de Nascimento, que já era frágil desde sábado, tornou-se insustentável logo nas primeiras horas da manhã, depois da revelação feita pelo GLOBO de que a empresa de Gustavo de Morais Pereira, filho de Nascimento, tivera um crescimento de 86.500%, com seu patrimônio passando de R$60 mil para R$52 milhões em menos de três anos.

Nascimento será substituído interinamente pelo secretário-executivo do ministério, Paulo Sérgio Passos, nome que Dilma deseja confirmar como definitivo, mas ainda sem o aval do PR. Os escândalos de corrupção na área de transportes levaram o antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) a ter seu nome trocado para Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em 1999, mas a situação não mudou. A cúpula afastada do setor de transportes esta semana é alvo de suspeitas de corrupção desde 2009, no governo Lula.

As suspeitas sobre o patrimônio de parentes de Nascimento deixou a presidente Dilma Rousseff com a certeza de que não havia muito mais o que esperar para que seu auxiliar deixasse o cargo. Ela mandou recados de que era necessário uma explicação imediata, o que não aconteceu. Diante disso, ela escalou a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, para conversar com integrantes da bancada no PR na Câmara e no Senado. Já era um aviso prévio de que o ministro estava por um fio no cargo.

Reunião no Planalto sem o ministro

Mas Nascimento só percebeu que estava esvaziado politicamente e que não tinha mais condições de continuar quando Dilma convocou ontem Passos para uma reunião no Palácio do Planalto, sem avisá-lo. A reunião entre Dilma, Passos e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, foi para tratar das obras do PAC dos Transportes.

Por volta das 15h, Nascimento foi à sede do PR, onde estava o secretário-geral do partido, deputado Valdemar Costa Neto (SP), para articular sua saída, mas também a sua volta à direção do partido - ele era presidente licenciado. Assim, comandará a sua própria sucessão no governo Dilma.

- Nem o Paulo Sérgio nem o Planalto me comunicaram nada sobre essa reunião. Fui atropelado e não sou mais ministro. Não tenho mais condições de continuar. Não podemos continuar, eu e minha família, mais expostos - disse Nascimento na reunião com colegas do PR, enviando em seguida sua carta de demissão.

Nascimento avisou que iria viajar para o Amazonas, antes de reassumir o mandato de senador. E não deu entrevistas. Na carta de demissão, "em caráter irrevogável", disse que tem "a determinação de colaborar espontaneamente para o esclarecimento cabal das suspeitas levantadas em torno da atuação do Ministério dos Transportes". Também enviou requerimento à Procuradoria Geral da República pedindo a abertura de investigação e autorizando a quebra dos seus sigilos bancário e fiscal.

Dilma também manteve ontem silêncio sobre a crise. Após participar de uma solenidade de sanção do projeto de lei que instituiu o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), evitou perguntas dos repórteres sobre Nascimento. Até Ideli, sempre solícita, escapou da imprensa.

Logo depois, Dilma mandou Ideli para um almoço com a bancada do PR na Câmara. A intenção era aferir o clima e demonstrar que era impraticável a permanência de Nascimento. A ministra saiu da reunião com a decisão de que a queda ocorreria ontem. Outra conversa foi marcada, para a tarde, com a bancada do PR no Senado.

No momento em que Ideli se reunia com deputados do PR na casa do líder Lincoln Portela (MG), Nascimento e Valdemar já discutiam a carta de renúncia, e contabilizavam o peso do partido (42 deputados e sete senadores) para comandar as articulações.

Na reunião com os deputados, Ideli já deixara escapar que Nascimento estava fora e garantiu que a vaga do ministério continuará com o PR.

- A ministra chegou dizendo que a vaga era do PR. Eu achei esquisito, porque, se ia vagar, era porque Alfredo estava fora. Disse que o Ministério dos Transportes era muito cobiçado por todos os partidos, mas que o nome seria do PR. Entendemos, então, que, ou o Alfredo sairia por conta própria, ou a presidente Dilma o convidaria para sair - relatou um dos deputados.

A queda de Nascimento foi avaliada com cautela pelos políticos aliados. Mas o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), adversário político de Nascimento, não poupou elogios a Paulo Sérgio Passos:

- Não é só Dilma que gosta de Paulo Sérgio Passos. Muita gente gosta. É um técnico excepcional! Todos concordam que ele, sim, faria aquela máquina funcionar direito.

A presidente, no entanto, vai ainda negociar com o PR a escolha do substituto definitivo de Nascimento. Caso não consiga nomear Passos, um técnico de sua confiança, a presidente tentará se cercar de cuidados no comando do Dnit, foco de inúmeras irregularidades. Um dos nomes cotados para o cargo é o de Hideraldo Caron, um técnico gaúcho. Pesa contra ele, no entanto, o fato de ser filiado ao PT - o que o PR não estaria disposto a aceitar.

FONTE: O GLOBO

Senado aprova Copa com sigilo e sem licitação

O governo venceu a batalha no Senado e aprovou com folga o regime especial que dispensa licitações e mantém o sigilo sobre custos de obras da Copa. O texto agora vai a sanção presidencial

Copa: Senado aprova regime especial

Projeto vai à sanção presidencial, mas oposição e Procuradoria prometem recorrer ao STF

Geralda Doca

BRASÍLIA. Depois de ceder e alterar o texto na batalha travada na Câmara para aprovar a medida provisória (MP) 527, o governo conseguiu unir a base aliada no Senado para, com facilidade, aprovar ontem o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) nas obras da Copa de 2014 e das Olimpíadas do Rio, em 2016. Por 46 votos a favor e 18 contra, sem que a oposição apresentasse destaques, os senadores mantiveram o texto aprovado pelos deputados, que segue agora à sanção da presidente Dilma Rousseff.

Sem força para rejeitar a proposta no Congresso, os partidos da oposição prometeram ingressar com ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o novo regime. O Ministério Público Federal (MPF), que se posicionou contrário à MP, ameaça fazer o mesmo.

O RDC substituirá a Lei de Licitações nos empreendimentos que servirão à Copa e às Olimpíadas. O objetivo do governo é acelerar as obras. O item mais questionado é a contratação integrada. Esta dispensa a apresentação de projeto básico, que poderá ficar a cargo do vencedor da licitação, que, assim, cuidará de todas as fases da obra. Isso permite a assinatura de contrato com base apenas em um anteprojeto.

Também há críticas à possibilidade de sigilo de preço no edital. O governo alega querer evitar conluio de empresas, mas há quem tema brechas para o superfaturamento. Na Câmara, para conseguir a aprovação, o governo "clarificou o texto", deixando expresso que os valores estarão disponíveis o tempo todo para os órgãos de controle.

Os deputados haviam suprimido o artigo que concedia superpoderes à Fifa e ao Comitê Olímpico Internacional (COI), que poderiam pedir aditivos aos contratos fora dos tetos estabelecidos pela legislação. Além disso, o governo, para facilitar a aprovação no Senado, intensificou o corpo a corpo e sinalizou ao PMDB, que impunha obstáculos, que poderá estender o RDC aos aeroportos de todas as capitais, e não mais apenas aos das 12 cidades-sedes.

Maia: contratação integrada é "raposa do galinheiro"

Segundo o relator da medida, senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), o trabalho de convencimento do ministro do Esporte, Orlando Silva, junto aos líderes dos partidos da base no Senado na terça-feira foi fundamental para costurar um entendimento, permitindo a votação da MP:

- A vinda do ministro foi importante para construir um consenso de que o RDC vai aprimorar a Lei de Licitações. As mudanças feitas no texto na Câmara também foram fundamentais - afirmou.

Ao discursar contra a MP, o líder do PSDB, senador Álvaro Dias (PR), citou as denúncias de propina em licitações no Ministério dos Transportes que levaram à queda do ministro Alfredo Nascimento. Segundo ele, se o atual regime já permite esse tipo de irregularidade, o novo será ainda pior:

- Além da flagrante inconstitucionalidade dessa proposta, ela ainda abre portas e janelas para a corrupção desenfreada.

O senador Agripino Maia (DEM-RN) chamou o RDC de "raposa do galinheiro", citando o regime de contratação integrada.

- Esse regime é viciado, já contestado de antemão - protestou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), citando a posição contrária do Ministério Público Federal.

O MPF aguardava apenas a aprovação da MP para recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a modalidade. Segundo o procurador Athayde Ribeiro Costa, coordenador do grupo de trabalho da Copa, a proposta contém vários itens inconstitucionais, não aumenta a transparência na gestão pública e amplia as brechas para superfaturamento.

Ribeiro Costa disse ao GLOBO que enviará ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pedido para que ele entre com uma Adin no Supremo. Só Gurgel tem autoridade para encaminhar esse tipo de ação.

- Além de ferir a Constituição, é um cheque em branco para ter obras superfaturadas - disse o procurador, referindo-se à chamada contratação integrada. - Isso é gravíssimo. Não tem como fazer um bom trabalho se você não sabe exatamente o que está contratando.

Procurador classifica proposta de inconstitucional

Ribeiro Costa também critica os artigos 29 e 30 do RDC, que falam da pré-qualificação "global e permanente". Segundo ele, na prática o governo poderá selecionar um grupo de empresas, restringindo a disputa. A palavra global abre a possibilidade da subcontratação, ou seja, para empreiteiras fora do ramo, explicou.

O procurador disse que a permissão para que a Infraero utilize o RDC é ilegal, pois, como estatal, ela deve cumprir o processo normal de licitação. A Infraero, segundo ele, poderia adotar um regime diferenciado se fosse uma sociedade de economia mista, como é a Petrobras.

Ele disse ainda que a chamada Matriz de Responsabilidade, lista de todas obras essenciais à realização da Copa no Portal da Transparência, está atrasada. Também não estão definidas as ações nas áreas de segurança, comunicação e tecnologia, por exemplo, necessárias ao evento.

Para Ribeiro Costa, a proposta que institui o RDC é inconstitucional porque transfere ao Executivo o poder de escolher que obras serão incluídas no novo regime. Quem regula uma licitação é a lei, ressaltou.

FONTE: O GLOBO

Parlamento no fosso: Entrevista Prof. José Álvaro Moisés

Estudo inédito mostra que o "presidencialismo de coalizão" no Brasil acaba por esvaziar a atuação do Congresso

Ivan Marsiglia

Lançado sexta-feira de modo inusual na tradição acadêmica - via internet, em formato e-book - O Papel do Congresso Nacional no Presidencialismo de Coalizão traz uma nova e preocupante visão das instituições democráticas no País. A tese central do cientista político José Álvaro Moisés, coordenador do estudo, é que "a democracia incorporou a hipertrofia do Poder Executivo herdada do período militar".

A pesquisa, realizada pelo Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, baseia-se em dados empíricos sobre o desempenho do Parlamento brasileiro entre 1995 e 2006, abrangendo os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso e o primeiro de Luiz Inácio Lula da Silva. Mostra que, se por um lado o chamado "presidencialismo de coalizão" resolveu o problema da governabilidade - apontado no estudo pioneiro do cientista político Sérgio Abranches em 1988 -, por outro esvaziou de protagonismo o Congresso Nacional. E prejudicou seu papel de fiscalização do Poder Executivo.

Na entrevista a seguir, o professor José Álvaro Moisés expõe os riscos embutidos nesse padrão de funcionamento das instituições, fala da consequente deterioração da vida política no País e discute os percalços vividos pela presidente Dilma Rousseff com sua base de apoio no Congresso.

Que novidades a pesquisa traz?

Nosso estudo está situado em uma agenda de pesquisas sobre a democracia apoiadas em dados empíricos. Ele se insere numa tradição de trabalhos realizados desde os anos 90 sobre Legislativo e Executivo. A contribuição nova, creio, é um olhar que não se restringe ao ângulo da governabilidade - segundo o qual o Congresso tem respondido de maneira positiva ao Executivo e mostrado um padrão de funcionamento em que parlamentares são disciplinados em relação aos partidos e suas lideranças. Isso é importante, e diversos colegas da área de ciência política, como Fernando Limongi, Angelina Figueiredo, Fabiano Santos e Amorim Neto já o afirmaram. Já não existe o risco, sintetizado na formulação clássica do Sérgio Abranches sobre o "presidencialismo de coalizão": a ideia de que temos um pluripartidarismo fragmentado, governadores fortes demais e um federalismo problemático que impediriam o Executivo de agir. Mas os estudos de meus colegas não tratam das consequências desse padrão de funcionamento. A pergunta que fica é: se o Congresso tem sua agenda fundamentalmente definida pelo Executivo, atendendo à governabilidade, como ficam a representação da diversidade da sociedade e suas funções de fiscalização?

Qual é a resposta?

Que todos os incentivos institucionais existentes desde a Constituição de 1988 quase que forçam os parlamentares a se comportarem de maneira reativa e positiva em relação ao Executivo. E perde-se a dimensão de accountability, ou seja, de autonomia do Congresso para, nos casos necessários, corrigir a ação do Executivo. Isso não quer dizer que, na doutrina de divisão de poderes, Executivo e Legislativo tenham que entrar em conflito, mas não se pode perder essa ação permanente de fiscalização.

Como se explica que em um quarto de século o Congresso tenha passado de uma situação de protagonismo, com a Constituinte e o debate sobre parlamentarismo, para o padrão atual, "mais reativo que proativo"?

Tem a ver com decisões tomadas no contexto da formação do "centrão", durante a Constituinte. Não podemos esquecer que ela se realizou sob a égide do governo Sarney. E que as escolhas institucionais feitas estavam muito focadas no que houve no período 1946-1964 - quando tivemos momentos de paralisia decisória por conta da queda de braço entre o Executivo e o Legislativo. O regime militar introduziu uma mudança em relação a esse aspecto com os decretos-lei. Hoje, a continuação dos decretos-lei são as medidas provisórias. Manteve-se a hipertrofia do Executivo que caracterizava o regime militar após a redemocratização. Isso prejudica a qualidade de nossa democracia. Um sistema democrático não pode representar a ditadura da maioria sobre a minoria. Já no século 19 John Stuart Mill chamava a atenção para isso.

Apesar da maioria folgada que possui nas duas casas, a presidente Dilma Rousseff tem tido grande dificuldade nas votações no Congresso. Isso não contradiz sua hipótese?

Isso é ocasional, parte do jogo através do qual se arma o funcionamento do presidencialismo de coalizão. Temos uma situação em que a presidente eleita não foi a figura que liderou a formação da coalizão. Então, está tendo que enfrentá-la agora, ex post facto, depois que o governo começou. O que os parlamentares da base aliada estão dizendo? "Nós formaremos a coalizão majoritária se forem respondidas as nossas demandas de distribuição de cargos e de recursos das emendas." Veja bem, não estou dizendo que isso é ilegítimo. Partidos existem para disputar o poder. O problema é em que condições. No caso brasileiro, em vez das condições de estabelecimento da coalizão estarem subordinadas à negociação pública de um programa, isso não ocorre. Por isso, Dilma está numa saia justa, obrigada a fazer uma série de concessões que havia dito que não faria.

Esse tipo de negociação explica por que o Congresso é tão impopular? O estudo registra que 80% dos brasileiros desconfiam da instituição e menos de 16% a aprovam.

São dados que trouxe de minha pesquisa anterior, sobre a desconfiança dos cidadãos nas instituições. Creio que há uma percepção dos eleitores de que as instituições não estão funcionando para aquilo que foram criadas. E aí temos duas leituras: uma diz que na democracia o que importa é que as instituições produzam decisões. Outra que, além de decisões, as instituições têm uma dimensão valorativa, que diz respeito a sua missão. Qual é a do Congresso? Incorporar a diversidade de posições da sociedade. Entretanto, como afirma meu colega professor Edson Nunes, da PUC-SP, no Brasil todo mundo está representado dentro do Congresso - mas este não age de forma a responder a essa representação. Sentimentos e aspirações da sociedade que colidam com a maioria jamais se realizam. Claro que nem sempre a opinião pública é justa com o Congresso. Por exemplo, verificamos na pesquisa que as CPIs produzem resultados de fato, encaminham relatórios ao Ministério Público e fazem proposições em lei para corrigir os problemas detectados. Mas isso não aparece de maneira clara para o eleitor. Se você pensar em todo o período democrático, dos anões do orçamento ao mensalão, passando pelos desmandos na compra de ambulâncias, há uma dimensão positiva que pouco aparece nas pesquisas de opinião. Não por acaso, 1/3 dos eleitores brasileiros acredita que a democracia poderia funcionar sem o Congresso ou partidos políticos. É perigoso ter por muito tempo uma percepção pública que deslegitime as instituições.

O sr. citou o "mensalão". Um trecho da pesquisa afirma que ele teria sido consequência da dificuldade de compreensão por Lula do presidencialismo vigente. Pode explicar?

Fernando Henrique sempre soube que o presidente sozinho não governa. No seu primeiro mandato, Lula não levou isso em consideração. No segundo, ele corrigiu. A experiência do "mensalão", desse ponto de vista, foi educativa. Lembre-se que antes de Lula assumir houve uma tentativa liderada pelo futuro ministro José Dirceu de fazer aliança com o PMDB, que Lula vetou. Seu governo ficou apoiado numa coalizão incompleta, com um ministério formado em grande parte pelo PT, e se desestabilizou. Autores como o professor Lúcio Rennó, da UnB, dizem que o presidencialismo de coalizão depende da virtude do presidente. Se o mandatário tiver habilidade e capacidade de negociar, cria uma base homogênea para acompanhá-lo.

Como se faz isso?

Com base em um programa de governo, claramente anunciado. Dizer para a sociedade: "Vai haver coabitação de partidos no governo, mas o programa que eles têm a realizar é este aqui". Como fiz parte do governo Fernando Henrique, o que vou dizer agora pode soar como observação parcial. Mas quero fazê-lo, tomando um passo de distância. Desde antes do início do governo, o presidente admitiu que o PFL faria parte da coligação. Chamou o PFL para governar e compartilhar responsabilidades. Por exemplo, foi feita uma correção na estrutura financeira, pelo Proer, apesar de uma série de bancos serem administrados por lideranças do PFL. O Econômico, na Bahia, foi fechado, o que deixou Antônio Carlos Magalhães muito bravo. O mesmo ocorreu no Paraná, com o Bamerindus. Em Minas Gerais, foi o banco da família Magalhães Pinto. Todos segmentos conservadores que faziam parte do bloco do governo. Mas o programa foi cumprido. É possível fazer uma composição com forças que não sejam homogêneas e, ao mesmo tempo, manter uma linha programática durante todo o mandato. Quando isso não ocorre o governo pode ficar sujeito a chantagens de sua base, como tem acontecido com a presidente Dilma.

Nota-se nos últimos anos um certo esvaziamento no perfil dos parlamentares. Quase não se veem mais os grandes tribunos. É um sintoma do problema que o sr. aponta?

É o resultado dessa deterioração na vida política, no padrão de comportamento e de decisões do Parlamento. Nós citamos na pesquisa o depoimento de parlamentares que em 2010 decidiram não disputar as eleições. Jefferson Péres foi um deles. Pedro Simon disse que não iria, acabou disputando, mas também se diz desiludido. Figuras de qualidade acabaram se afastando da vida parlamentar - porque esta perdeu importância. A hipertrofia do Executivo sobre o Legislativo é tal no Brasil hoje que o presidente praticamente define a agenda das casas, a partir dos líderes e da composição das mesas. E, além das medidas provisórias, tem a prerrogativa exclusiva de definir o orçamento e a famosa possibilidade de pedir "urgência" ou até "urgência urgentíssima" (risos). É o recurso do recurso.

Isso não ocorre em outras democracias?

Muitos cientistas políticos consideram haver no mundo uma tendência de fusão dos Poderes Executivo e Legislativo. Aparentemente, isso seria mais visível no parlamentarismo, onde o líder do Parlamento se transforma em chefe de governo. Ainda assim, o presidente brasileiro é provavelmente um dos mais poderosos do mundo. Nos EUA, onde as instituições foram formadas sob forte influência de Montesquieu, os federalistas estavam preocupados em criar pesos e contrapesos para as instituições. Há alguns meses, congressistas americanos ameaçaram votar um orçamento que não correspondia ao desejo do governo Obama. O impasse só se resolveu mediante uma negociação de natureza institucional, entre os dois poderes.

Fala-se em "hiperativismo do Judiciário". O presidente do STF, Cezar Peluso, argumentou que "o Legislativo tem que legislar". É uma resposta ao vazio deixado pelo Legislativo?

Sim. Eu não concordei com a decisão do STF a respeito da cláusula de barreira, por exemplo. Mas a lei, que foi produzida no Congresso, tinha problemas de tecnicalidade jurídica. O Congresso, às vezes, mesmo quando toma decisões importantes não leva em conta os cuidados necessários para que a lei não seja barrada no Supremo. Será que não foi o que aconteceu com a Lei da Ficha Limpa, que veio como uma legítima aspiração da sociedade? É mais um problema de eficácia do Legislativo. Outro exemplo é a união civil de homossexuais, definida pelo STF. Ela não poderia ter sido objeto de lei no Congresso? Tenho certeza de que há projetos nesse sentido lá. O problema é que eles nunca tramitaram. Descobrimos que há 26 mil projetos parados na Câmara e 8 mil no Senado. Mas incluir ou não um projeto para votação nas casas depende da vontade da coalizão majoritária.

O desempenho deficitário do Parlamento brasileiro dificulta o trabalho da oposição?

Como toda a lógica do sistema vai na direção de estimular os parlamentares a aprovarem proposições feitas pelo Executivo, isso induz a uma diluição do papel da oposição. Parlamentares que queiram ter suas emendas contempladas são obrigados a incluí-las nos programas do governo. E acabam empurrados a votar com a coalizão majoritária. Claro que há questões de interesse nacional, as quais a oposição pode e deve apoiar. Mas quando se verifica que em 45% das votações a oposição segue a orientação do governo, algo está errado.

O filósofo espanhol Daniel Innerarity disse sobre a ""primavera árabe"" e os movimentos na Grécia e Espanha que ""há um assalto generalizado contra a ideia da intermediação, uma visão segundo a qual a vontade geral é algo que se pode construir sem instituições"". A democracia representativa está em crise?

Vi essa afirmação e estive dialogando com o professor Renato Janine Ribeiro sobre isso. Acho que, primeiro, é preciso separar os casos. O anseio por democracia no mundo árabe não se confunde com a situação na Grécia e Espanha, que têm instituições, estruturas partidárias, direitos garantidos. Ainda que existam déficits de representação, democracias como a Itália e França introduziram mecanismos de consulta direta à população, como plebiscitos e referendos. A revolta popular no mundo árabe é uma força revolucionária que está gestando perspectivas novas. Mas veja que, no caso do Egito, a desmobilização ocorreu quando a junta militar que assumiu o poder prometeu uma nova Constituição. Ou seja, a ideia de que se ia institucionalizar foi uma resposta, boa ou má, aceita pelos manifestantes. Outra coisa é quando se defende a destruição das instituições. Aí, o risco que se corre é o da violência, da submissão dos mais fracos pelo poder dos mais fortes. No Brasil, ou no mundo, a democracia representativa precisa de reformas. Mas ela não está em questão. Precisamos valorizá-la e melhorar sua qualidade.

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO

Tempos sábios, tempos tolos :: Zander Navarro

Continuaremos atacando os cânones da produção do conhecimento e propondo "alternativas", como se o resto do mundo fosse errado?

Dickens publicou "Um Conto sobre Duas Cidades" em 1859, e o primeiro parágrafo da obra se tornou célebre, evocando as contradições daqueles tempos.

Seria, segundo o cronista da aspereza vitoriana, simultaneamente, o melhor e o pior dos mundos.

Uma época em que os cidadãos teriam tudo diante de si, mas também nada perante a sua existência.

A lembrança literária é oportuna para reavivar a recente polêmica em torno do excêntrico livro adotado pelo MEC, que pretende naturalizar alguns barbarismos de linguagem. É outro sintoma das múltiplas faces de um danoso e subterrâneo processo em andamento no período contemporâneo.

Na primavera democrática, vale tudo, e qualquer aspecto tortuoso da vida social é confundido com a necessidade de contestação política e de um passado a ser banido, zerando a história.

Esse difuso comportamento, indistinto em suas origens, mas sobrepondo ação partidária, primária ideologização, visões anárquicas ou mágicas, voluntarismo político e fundamentos religiosos (provavelmente da esquerda católica), vem também contaminando gradualmente a ciência brasileira.

Desde os anos 90, prenunciando sombrios impactos futuros, têm sido rebaixados os papéis da ciência e dos cientistas. Curiosa regressão, pois ocorre quando o país ostenta uma legião de especialistas em todos os campos, com inéditos níveis de aperfeiçoamento científico.

São movimentos insidiosos, que vão corroendo as práticas de pesquisa, instaurando um populismo que se pretende científico. E são tendências graves, pois usam fundos da sociedade; muitas autoridades sancionam essa ação destrutiva, o que confunde socialmente. No limite, deseduca e distorce o valor universal da ciência.

Cito três exemplos. Primeiramente, a publicação "Transgênicos para Quem?", lançada com fanfarra em cinco cidades.

É livro que não resistiria a nenhuma análise, pois reúne um amontoado de fantasias ideológicas, sem nenhum lastro factual.

Um deplorável panfleto financiado com fundos públicos. E reacionário, por ser este um tema vencido em nossos dias.

Em segundo lugar, o recente documento da SBPC e da ABC, que pretenderia se contrapor à mudança do Código Florestal. Assinado por respeitáveis cientistas, seu arrazoado deveria iluminar a controvérsia sobre o novo Código. Mas não: o texto parece ter sido feito às pressas. Ao fim e ao cabo, uma intervenção inútil, ainda se arvorando como representativa da comunidade científica.

Finalmente, registre-se a audiência pública destinada à discussão de uma notável conquista da ciência brasileira, uma variedade transgênica da Embrapa que permite controlar uma das maiores ameaças à produção de feijão, causada por um vírus.

Um feito digno de manchetes, que nos enche de orgulho. Mas a audiência foi circense, pois ONGs e o representante do Consea, ligado à Presidência, carnavalizaram o evento, com argumentos infantis e ostensivamente anticientíficos.

Ficam as perguntas que os brasileiros precisam responder: queremos o conhecimento científico? A ciência é inimiga do povo? Continuaremos atacando os cânones da produção do conhecimento e propondo "alternativas", como se tudo aquilo feito no restante do mundo fosse errado? E o que dizer de tantos absurdos patrocinados com recursos públicos?

Quando debateremos com transparência e sem intimidação os rumos da ciência brasileira?

Zander Navarro, 59, é sociólogo e professor na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Entre 2003 e 2010 foi professor e pesquisador no Instituto de Estudos sobre o Desenvolvimento, na Inglaterra.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Feudos:: Merval Pereira

A dificuldade para encontrar um substituto para o agora ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento está no fato de que o ministério se transformou em um feudo do PR, e ao que tudo indica é o mesmo Alfredo Nascimento, agora na sua encarnação de senador da República e presidente do PR, que comandará a escolha do seu substituto, o que não faz o menor sentido, mas, no "presidencialismo de coalizão", ganha um sentido todo próprio.

O perigo desse sistema de coalizão política que nós temos é que os ministérios acabam se transformando em feudos partidários, e a partir daí os políticos filiados a esses partidos recebem favores, oferecem favores para que outros engrossem as fileiras partidárias com a certeza de receber os mesmos favores, e montam esquema de negociações com as empresas privadas que dependem das obras do ministério.

O governo Lula utilizou o mensalão e outras benesses para atrair o maior número de parlamentares para os partidos de sua base aliada, até que montou o que temos hoje no governo Dilma, uma coalizão que reúne o maior número de partidos políticos já reunidos por um governo na redemocratização.

Agora, estamos vivendo uma nova etapa, com os partidos encastelados em seus feudos, oferecendo vantagens para que políticos engrossem suas fileiras. Quanto maior o partido, mais força ele terá dentro da coalizão governamental.

A permanência do PR à frente do Ministério dos Transportes é um sintoma de que a crise política não se dissipará tão cedo.

Dificilmente o governo encontrará alguém dentro dos quadros do PR que tenha condições de alterar a sistemática implantada pelo partido nesses últimos sete anos.

Dois ministros terem sido demitidos do governo Dilma Rousseff em apenas seis meses é um fato político relevante que traz consigo dois significados que se contradizem: de um lado temos um governo que está contaminado por práticas políticas nefastas; por outro, bem ou mal este mesmo governo reage a denúncias de corrupção e acaba se livrando dos acusados, com maior ou menor dificuldade em cada caso.

A unir os dois demitidos - o ex-ministro-chefe da Casa Civil Antonio Palocci e o ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento - há o fato de terem sido indicações, quase imposições, do ex-presidente Lula, o que certamente quer dizer alguma coisa.

Palocci foi imposto por Lula na equipe que coordenou a campanha eleitoral de Dilma, mas, com o tempo, ganhou a confiança da candidata e assumiu o posto mais importante do governo com plena aceitação da presidente eleita, que passou a ter nele seu homem de confiança.

Já o ex-ministro Alfredo Nascimento não contava com a confiança da presidente desde os tempos em que ela comandava a Casa Civil, e só ficou no Ministério dos Transportes porque o ex-presidente Lula o impôs, entre outras razões para manter seu amigo petista João Pedro, suplente de Nascimento, no Senado.

A demissão do ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento era inevitável desde que as denúncias da revista "Veja" evidenciaram que estava montado naquele ministério, ocupado pelo Partido da República (PR) há sete anos, um esquema de corrupção que envolvia todos os seus órgãos executivos, do Departamento Nacional de Infraestrutura (Dnit) à Valec, cujos dirigentes foram demitidos.

A única razão para que sua demissão não tenha saído antes é a mesma que impede hoje a presidente de nomear seu substituto: ela não tem força política para prescindir dos 40 deputados federais e cinco senadores que formam a bancada do PR, presidida justamente por Alfredo Nascimento, que reassume seu cargo no Senado (serão agora seis senadores) e a presidência do partido, para complicar mais ainda a situação.

A presidente esperou que a chamada grande imprensa colaborasse mais uma vez, fazendo novas denúncias, enfraquecendo o ministro para que ele caísse de podre, como aconteceu.

A gota d"água foi a reportagem do GLOBO de ontem mostrando que o filho do ministro fazia parte daquele grupo especial de "empreendedores" que os governos petistas produzem: da noite para o dia, viu os lucros de sua empresa de construções crescerem mais de 86.000%, o mesmo que aconteceu com o filho do próprio presidente Lula e também os filhos da ex-ministra Erenice Guerra, que substituiu Dilma na Casa Civil, de nada saudosa memória.

A prosperidade espantosa do filho do ex-ministro Nascimento foi gerada, em alguns casos, também pela negociação com empresas que financiaram a campanha eleitoral do PR e tinham negócios com o Ministério dos Transportes.

Novas denúncias devem continuar a aparecer, já que nesses sete anos em que o Ministério dos Transportes foi transformado em feudo do PR muitas negociatas ainda não conhecidas devem ter sido feitas, a medir pelas denúncias que já apareceram.

FONTE: O GLOBO

Montanha-russa:: Dora Kramer

No governo José Sarney o nome do presidente era sinônimo de crise. Ficou famosa frase do então senador Fernando Henrique Cardoso - "a crise viajou" - numa ocasião em que se referia à ausência dele do País.

Em circunstâncias distintas Dilma Rousseff vai cumprindo o mesmo destino. Diferença fundamental é que Sarney governava em ambiente de inflação alta, economia desorganizada, vaivém de planos econômicos e um Congresso Constituinte todo-poderoso, protagonista absoluto da cena política e social.

O que seria uma vantagem, na comparação, acaba contando pontos contra a presidente, que conta com estupenda maioria na Câmara e no Senado, fundamentos da economia postos, popularidade alta e oposição desarticulada.

Em tese, portanto, Dilma teria tudo para governar com relativa tranquilidade, em ambiente de brandura.

Na prática, porém, o que se vê é um permanente alvoroço. Em seis meses desde a posse há no País crises demais e governo de menos sob a gerência de Dilma.

E isso por que a oposição não lhe cria problema algum, ao contrário: há semanas não faz outra coisa que não seja se embasbacar com uma carta enviada à figura mais alta do maior partido adversário que, no entanto, já não pretende mais disputar o poder.

A sociedade guarda dela uma boa imagem - por ser mulher, "durona", nada afeita às deselegâncias do antecessor etc. - e a imprensa, se já não saúda seu "estilo" como nas primeiras semanas, ao menos lhe dá o benefício da dúvida.

Não obstante as condições favoráveis, o que se tem é uma rotina preocupante de avanços inúteis e recuos desnecessários.

São seis meses e seis revezes. O mais grave, por erro de condução do próprio governo, produziu nada menos que a perda do chefe da Casa Civil em episódio de hesitação presidencial ao longo de 23 dias. Só aí, foi-se quase um mês.

Houve a administração atabalhoada da votação do Código Florestal na Câmara, houve o tira e põe em relação à Lei de Acesso à Informação (sigilo eterno de documentos oficiais), houve o episódio das emendas parlamentares remanescentes de 2009, há ainda preocupação com o comportamento dos aliados em relação a uma possível convocação do ex-diretor do Banco do Brasil Expedido Veloso para falar sobre a participação do ministro Aloizio Mercadante na operação aloprados e agora houve a crise no Ministério dos Transportes.

Demitido ontem em função do surgimento de novas provas de corrupção na pasta, Alfredo Nascimento esteve por dois dias como cadáver insepulto que 48 horas antes figurara em nota oficial da Presidência como merecedor de "toda a confiança" por parte da chefe do governo.

Dá a impressão de que ou o governo não tem todas as informações ou não se dispõe a usá-las, a menos que saiam na imprensa.

Se o plano original era demitir, e era, pois do próprio Palácio do Planalto saiam informações de que Nascimento não emplacaria o fim de semana no cargo, por que a nota? Por que a expressão de confiança, por que o titubeio?

Para nada, a não ser para aumentar a nada lisonjeira série de mandos e desmandos de uma presidente a caminho de consolidar a suspeita de que não fazia a mais pálida ideia do que a esperava quando aceitou se candidatar à Presidência sem experiência real de poder, desprovida da compreensão de que o trato competente da política numa democracia não é uma escolha. É um imperativo.

Bom combate. O senador Mário Couto bateu-se ferrenhamente por longo tempo no Senado contra a indicação de Luiz Antônio Pagot para a diretoria-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), denunciando a conduta que viria a resultar em sua demissão.

Couto combateu só, sob a complacência silente de seus pares, que agora, com a volta de Alfredo Nascimento à Casa, conviverão como iguais com um ministro demitido por denúncia de corrupção.

O fato de não ser o único nessa condição a transitar pela República não ameniza. Antes agrava a situação daquilo que certa vez o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Melo definiu como "a rotina de desfaçatez" que assola o Brasil.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

É pegar ou largar :: Eliane Cantanhêde

Alfredo Nascimento já foi tarde do Ministério dos Transportes. A questão é saber se ele vai, mas o PR fica, mantendo uma das pastas mais ricas da República.
PR, aliás, significa Partido da República, mas passa ao largo das práticas republicanas. Não tem ideologia, programa e objetivos, gerando uma dúvida: o que afinal une Alfredo Nascimento, Blairo Maggi e Valdemar Costa Neto?

É a união deles que faz a força. Controlam cerca de 40 deputados federais e agora 7 senadores (com a volta de Nascimento), ajustam essa tropa a favor ou contra o Planalto e administram o bojudo orçamento dos Transportes -que já era suspeito na era FHC, com o PMDB, e continuou na de Lula, com o PR.

Dilma está diante de duas opções: romper esse círculo vicioso, nomeando um bom técnico para o ministério, ou ceder à pressão e ficar refém do PR, engolindo um outro Nascimento qualquer na pasta. Seria como eliminar pessoas, mas mantendo os esquemas e práticas.

Note-se que o governo Dilma já vive mais uma crise, e das boas, nem bem terminou o seu primeiro semestre. E foram crises éticas, criadas por irregularidades e enriquecimentos ilícitos.

Assim como Palocci caiu da Casa Civil por negócios mal explicados que multiplicaram seu patrimônio por 20 num estalar de dedos, Nascimento volta para o Senado sob acusação de propinas e superfaturamentos que podem estar por trás do crescimento do patrimônio da empresa do seu filho em 86.500%. É isso mesmo, segundo o jornal "O Globo": 86.500% em dois anos.

Funciona assim: o ministério repassa recursos para a empresa SC Carvalho, que os transfere para empresa do filhote de 27 anos do ministro. O menino é um gênio, um novo "Ronaldinho".

O desafio de Dilma é se livrar de gente e de partidos assim, mas garantindo sustentação política e votos no Congresso. Fácil não é. Mas quem disse que seria?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Presidencialismo de corrupção ajuda Dilma:: Cristian Klein

Os seis meses do governo Dilma Rousseff já são quase suficientes para mostrar o estilo da presidente da República. Ou pelo menos o esboço de um comportamento que vai se formando por um processo de tentativas e erros.

Dilma demorou a defenestrar o ex-ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Tinha razões pessoais e políticas para não jogá-lo ao mar. Palocci era um companheiro das jornadas de campanha presidencial, homem de confiança de Lula e, como se isso ainda fosse necessário no estágio da estabilização da democracia brasileira, um nome que agradava aos grandes agentes do mercado.

Dilma foi reticente, cuidadosa mas, curiosamente, livrou-se de Palocci no momento em que ele já sonhava com a reabilitação, após o parecer favorável do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

A presidente precisava e não perdeu a oportunidade de dar exemplo. Descobriu sua melhor estratégia de sobrevivência e de dominação.

Escândalos contribuem para firmar seu estilo

Dilma tem um problema crônico de relação com a classe política - por não pertencer a ela. É essencialmente técnica e não tem paciência para os salamaleques e o intrincado jogo de ocupação de espaços de poder. Sua vocação é executar. Mas parece ter aprendido rapidamente que sua fragilidade - o desgosto pela barganha - pode se tornar uma vantagem no trato com os políticos.

Políticos gostam muito de barganhar. E nem sempre se dão bem com isso. Desfrutam dos benefícios advindos da habilidade de persuadir, pressionar, mas se tornam vulneráveis quando o comportamento ultrapassa os limites da ética e da lei.

Podem escapar da devida punição legal em virtude da falta ou da ineficácia dos mecanismos de controle da corrupção. Mas a própria escassez de espaços e recursos - ainda que o governo federal, por exemplo, tenha mais de 20 mil cargos em comissão para distribuir - contribui para uma espécie de mínima autodepuração.

A escassez faz com que até mesmo correligionários transformem-se em adversários. O chamado "fogo amigo", na esfera governamental, parece ser o equivalente da competição intrapartidária, na arena eleitoral, onde candidatos da mesma legenda travam uma disputa por votos, ainda que menos frequente do que se imagina, num mesmo reduto eleitoral.

A disputa interna geralmente é o melhor caminho para se descobrir a podridão. Não à toa, alguns dos maiores escândalos políticos brasileiros revelaram-se graças a brigas familiares como as de irmão contra irmão (Pedro x Fernando Collor) e ex-mulher contra marido (Nilceia x Celso Pitta). A novidade, e talvez um avanço, é que, ultimamente, os conflitos têm cada vez mais uma origem partidária. Quem sabe um dia cheguem mais à tona pelas instituições responsáveis.

O "fogo amigo" esteve entre as causas do estouro do caso Palocci. E agora também aparece no episódio que acaba de derrubar o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PR).

Se na primeira demissão Dilma titubeou, mas exonerou Palocci quando ele ainda dava sinais de vida, desta vez a presidente foi rápida no gatilho.

Dilma já percebeu que deverá sempre agir de forma implacável quando alguém de seu governo for pego em irregularidades - e não como Lula, que tergiversava. É seu trunfo e a arma com que o discurso técnico pode se fortalecer diante de argumentos geralmente muito mais fortes e viscerais como os que representam interesses corporativos e partidários explícitos.

Em outros governos, tudo o que um presidente não quer é o estouro de casos de corrupção. Nenhuma crise é boa. Há sempre o risco de as denúncias respingarem no chefe de governo. Mas no caso de Dilma Rousseff eles têm sido úteis, ainda mais quando ela olha ao seu redor e não vê no horizonte uma oposição que lhe ameace.

A ameaça e o indesejável são internos ou mesmo intestinos. A saída de Palocci foi uma ótima chance para Dilma dar uma cara mais sua ao governo e minimizar a sensação de déjà vu de Lula. Aproveitou as trocas na Casa Civil e nas Relações Institucionais e se cercou de ministras mulheres, agora não mais em Pastas a maioria periféricas, mas centrais.

A demissão de Alfredo Nascimento - uma herança pesada de Lula - dá novamente à presidente uma oportunidade de indicar para um ministério tão importante um nome de seu agrado (ou que menos lhe desagrade). Somente com fatos fortes, como escândalos de corrupção, Dilma poderá desfazer acordos firmados por seu antecessor. Foi pelas mãos de Alfredo Nascimento que o PT conseguiu entrar com mais vigor no Amazonas, Estado onde o partido obteve alguns dos maiores percentuais de votação nas últimas eleições presidenciais. A parceria era tão firme que Lula indicou um grande amigo seu, João Pedro, como suplente de Nascimento. Sem um motivo de força maior, Dilma se sentia inibida de demitir o ministro e, com a volta de Nascimento ao Senado, desalojar um compadre de Lula do Congresso.

Dilma pode não torcer para que venham mais escândalos. Afinal, em seis meses, já é a quarta troca que faz em seu ministério (Casa Civil, Relações Institucionais, Pesca e Transportes). A presidente, contudo, tem conseguido fazer do limão a limonada; da agenda negativa, uma aplicação de métodos e lições para melhorar sua governabilidade.

Por mais que se diga que o Brasil é um país onde reina um hiperpresidencialismo, a administração Dilma Rousseff tem mostrado o contrário, num claro cenário de divisão de forças entre o Executivo e Legislativo - e a despeito da enorme base aliada na Câmara e no Senado.

As atribuições de poder são constitucionais, mas não estão dadas. Podem mudar, como o projeto do senador Aécio Neves (PSDB-MG) de limitar a possibilidade de edição de medidas provisórias pelo (a) presidente. O perfil de Dilma, distante do mundo político, também não ajuda, e talvez não seja por acaso que uma proposta desta esteja prosperando justamente em seu mandato.

Na política não há vácuo. Mas, por outro lado, há muita sujeira. E, num momento em que se duvida da capacidade de Dilma de prevalecer sua vontade (Código Florestal, corte de emendas parlamentares), a presidente aproveita os erros do governo a seu favor.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Marina e PV perdem com desfiliação, dizem verdes

Ex-senadora vai se desligar hoje da sigla

SÃO PAULO - Tanto o PV quanto Marina Silva perdem com a sua desfiliação da legenda, apontam aliados da ex-senadora. Ela irá anunciar a saída do partido hoje.

Para ela, faltará visibilidade e estrutura partidária para os planos eleitorais de 2014. Já os verdes se desvinculam dos 20 milhões de votos obtidos por ela nas eleições presidenciais do ano passado.

Desgastada após tentar, sem sucesso, mudar a direção nacional do PV, Marina se desfilia contrariando a opinião de aliados próximos, como o deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ). Ele ainda considera ser possível alterar a estrutura da sigla.

"O PV tem uma marca forte, de 25 anos. Ela perde isso. Seria melhor democratizar o partido por dentro. Mas ela preferiu outro caminho", disse Sirkis, coordenador da campanha de Marina.

Na avaliação do deputado, a saída da ex-senadora torna o PV "meramente uma legenda, não mais um partido".

Marina será seguida por seus aliados mais próximos como o ex-candidato a vice-presidente Guilherme Leal, o coordenador da campanha, João Paulo Capobianco, e o ex-presidente do PV de São Paulo, Maurício Brusadin.

Outros aliados da ex-senadora permanecerão no PV, tentando retirar José Luiz Penna da presidência.

O ex-deputado Fernando Gabeira afirma ser possível aguardar uma "renovação à altura do novo momento" da sigla, após a votação de 2010.

"Ainda vou me reunir com a direção do PV. Se decidirem que não vai haver democratização e a sua direção nunca mais será alterada, saio."

Não está nos planos do grupo dissidente criar um novo partido antes do ano que vem, quando ocorrem as eleições municipais.

A intenção é se articular com sindicatos e ONGs em um movimento que será a base de uma eventual sigla a ser formada e buscar "os caminhos que possam levar à superação das carências de representatividade do atual sistema político brasileiro".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Marina lança movimento em ato de saída do PV

Cristiane Agostine

São Paulo - "Não tenho mais a ilusão da juventude, do partido perfeito, mas acredito que homens e mulheres de bem podem aperfeiçoar as instituições". A frase foi dita por Marina Silva ao filiar-se ao PV em agosto de 2009, dias depois de sair de deixar uma trajetória de 30 anos no PT. Hoje, menos de dois anos depois de ingressar no partido e de concorrer à Presidência pela legenda, a ex-senadora anunciará a saída da sigla, junto com aliados.O evento, em São Paulo, deve se transformar em um protesto ao presidente nacional do PV, deputado José Luiz Penna (SP) e à burocracia partidária. Os aliados da ex-senadora pretendem reunir cerca de 300 pessoas, entre lideranças políticas e sindicais, empresários e representantes de organizações da sociedade civil. O comando da sigla, no entanto, minimiza o impacto da saída da ex-senadora e critica o grupo de Marina pela crise interna do partido.

Além de Marina, devem anunciar a desfiliação os empresários Guilherme Leal (vice na chapa presidencial) e Ricardo Young, o ex-secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente João Paulo Capobianco, o ex-presidente do Ibama Basileu Margarido e o ex-deputado Luciano Zica. "Sairão todos que entraram com Marina em 2009", disse Young. Fora do partido, se articularão em um movimento e só deverão criar um partido depois de 2012.

Pelo menos dois expoentes continuarão na sigla: o deputado Alfredo Sirkis, vice-presidente do PV e presidente do diretório do Rio, e o ex-deputado Fernando Gabeira. Sirkis teme a perda do mandato e Gabeira quer disputar a Prefeitura do Rio.

A saída de Marina se dá depois de meses de divergências com a direção do PV. Desde a eleição de 2010, os aliados da ex-senadora buscam espaço na estrutura partidária, mas enfrentam a resistência do presidente José Luiz Penna. A briga interna intensificou-se no começo deste ano, quando o grupo de Penna decidiu mantê-lo no cargo, adiando a renovação do comando da legenda. O deputado preside o PV desde 1999.

Os "marineiros" reclamam da falta de democracia interna. "O acordo feito em 2009 não foi cumprido", disse Young. "Fizemos o que pudemos, mas o PV insistiu em continuar como cartório. Não podemos nos confinar em um partido arcaico", afirmou. Entre as críticas, está o "expurgo" a dirigentes ligados a Marina. Citam como exemplo São Paulo e o afastamento de Maurício Brusadin da presidência do diretório.

No PV, os diretórios são comandados por comissões provisórias, nomeadas por Penna. Os "marineiros" criticam também a ausência de diálogo com o dirigente.

A direção do PV, no entanto, reclamou da "falta de compreensão dos aliados da ex-senadora. Dizem que abriram espaço na Executiva para aliados de Marina e introduziram uma "cláusula de consciência" no programa do PV, para que a ex-senadora pudesse divergir da sigla por razões religiosas, em temas como aborto e união de homossexuais.

"Lamento pela saída de Marina, mas seus aliados fizeram um tensionamento artificial dentro do partido", disse o deputado Sarney Filho (MA). "Deveria haver mais compreensão. As mudanças internas partidárias estão sendo feitas, mas alguns não entenderam a complexidade do funcionamento partidário", afirmou. Sarney Filho foi um dos articuladores da filiação da ex-petista ao PV. "Marina foi levada pelo grupo", opinou. Procurado, Penna não quis falar sobre a crise no PV.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Oposição: Nascimento ainda deve explicações

No Congresso, partidos dizem que demissão não basta e cobram continuidade das investigações sobre ex-ministro

Cristiane Jungblut e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Os problemas de Alfredo Nascimento estão longe de acabar com sua demissão do cargo de ministro dos Transportes. Ele retomará o mandato de senador pelo Amazonas sob a mira da oposição. O PSOL vai formalizar hoje representação contra Nascimento junto ao Conselho de Ética do Senado para que ele se explique e seja investigado. Na Câmara, o PSDB, o DEM e o PPS também cobraram a continuidade das investigações pelo Ministério Público e sugeriram que a presidente Dilma Rousseff aplique o mesmo rigor em outras áreas suspeitas do governo e não apenas na pasta comandada pelo PR.

- Este caso não se resolve com a demissão do ministro. Considero que o senhor Alfredo Nascimento deve explicações também ao Senado. Afinal, ele é membro desta Casa e terá de se explicar perante o Conselho de Ética - adiantou o líder do PSOL no Senado, Randolfe Rodrigues (PA), da tribuna.

Líderes da oposição lembravam ontem que a presidente Dilma Rousseff já foi obrigada a mexer em quatro ministros em apenas 30 dias, sendo que nos casos de Alfredo Nascimento e de Antonio Palocci, que deixou a Casa Civil, por suspeitas de irregularidades - Ideli Salvatti e Luiz Sérgio foram trocados de pasta.

PSDB pede a MP que também investigue filho de ministro

O líder do PSDB na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP), pediu ao Ministério Público que também investigue as denúncias de enriquecimento suspeito do filho de Alfredo Nascimento, Gustavo de Moraes Pereira, e de Mauro Barbosa, seu ex-chefe de gabinete.

- A permanência do ministro Alfredo Nascimento, que já era insustentável, tornou-se insuportável. Mas o afastamento do ministro não esgota a necessidade de aprofundamento das investigações sobre desvio de dinheiro público, transferência de recursos para parlamentares e partidos - disse o líder tucano, estocando a presidente Dilma Rousseff: - Tanto o ministro Antonio Palocci como Nascimento eram ministros do governo Lula. Conviveram com Lula e com Dilma. São quatro ministros em 30 dias. Se o presidente Lula passava a mão na cabeça de todo mundo, espero que a presidente Dilma não tenha o mesmo comportamento.

Na mesma linha, o líder do DEM na Câmara, deputado ACM Neto (BA), disse que há outros casos de corrupção no governo, sem entrar em detalhes.

- O governo está podre. Em 30 dias, é a quarta alteração de ministro, sendo o segundo por problema de corrupção. O problema está no governo, não apenas no Ministério dos Transportes. Dilma era ministra da Casa Civil, a todo-poderosa no PAC. Não aceito a visão simplista de que se limita aos Transportes - disse ACM Neto.

Para o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), a revelação do esquema de corrupção no Ministério dos Transportes indica que o "mensalão" descoberto na gestão do ex-presidente Lula continua. Guerra fez cobranças sobre a participação do PT na gestão do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit).

- A presidente Dilma deveria conhecer esses fatos, que não começaram no seu governo. Mas ela estava no governo passado e era uma superministra - disse Guerra. - A iniciativa da presidente Dilma de afastar praticamente todo mundo deve ser elogiada, mas quem vai ser punido daqui para a frente? A presidente vai atuar em outras áreas que estão do mesmo jeito ou vai punir apenas o PR? A pessoa não pode ser firme e honesta apenas pela metade. E, se quiser fazer um governo austero, a presidente terá o nosso apoio.

O presidente do PPS, deputado Roberto Freire (SP), também quer que Nascimento seja investigado no Conselho de Ética do Senado, além de defender a continuidade das investigações no Ministério Público sobre cobrança de propina em contratos do Ministério dos Transportes. Para o senador Pedro Simon (PMDB-RS), Nascimento poderá enfrentar problemas com o Conselho de Ética.

- Não vai dar nem para argumentar que se trata de um assunto anterior ao seu mandato. Se ele tivesse entendido o recado da presidente Dilma no último fim de semana e pedido demissão antes, teria deixado seu filho fora disso - disse Simon.

Para o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Nascimento "caiu tarde":

- A presidente tomou as medidas pela metade quando afastou apenas parte da cúpula do Ministério dos Transportes no último fim de semana.

Da parte do governo, o discurso foi de que a presidente Dilma agiu de forma rápida.

- O importante é que a presidente foi rápida, as decisões foram tomadas de forma a combater qualquer tipo de crise - disse o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), resumindo como "lamentável" a situação no Ministério dos Transportes.

No Senado, a mobilização pela instalação de uma CPI sobre o Dnit perdeu força com a queda de Nascimento. A oposição já computava ontem o apoio de pelo menos 23 senadores em favor da instalação da CPI do Dnit, mas, com a saída do ex-ministro, parte dos governistas que ainda avaliavam a possibilidade de dar seu apoio às investigações recuou.

FONTE: O GLOBO

Comissão do Senado reprova tanto voto em lista fechada como 'distritão'

Líder do governo quer levar debate sobre sistema de votação para plenário

BRASÍLIA. O Senado não conseguiu chegar ontem a um consenso para alterar o tão criticado modelo que rege atualmente a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) rejeitou tanto a proposta de emenda constitucional (PEC) que previa a adoção do sistema de votação proporcional com lista fechada - pelo qual os candidatos seriam dispostos em ordem predeterminada por seus respectivos partidos - como o sistema apelidado de "distritão", que acaba com o voto proporcional e garante que só candidatos mais votados sejam eleitos.

O senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo, só conseguiu o apoio de seus colegas de partido para seu parecer contra a proposta de lista fechada, que figurava entre as 11 aprovadas pela Comissão de Reforma Política do Senado. Jucá encampou a proposta do vice-presidente da República, Michel Temer, pela qual cada estado seria um "distritão", onde apenas os candidatos mais votados à Câmara dos Deputados e a Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores seriam eleitos.

Para alguns, voto em lista seria inconstitucional

Com 12 votos contra e nove a favor, o relatório de Jucá foi rejeitado. O líder quer levar o debate para o plenário.

Nas duas horas de debate, Pedro Taques (PDT-MT), Francisco Dornelles (PP-RJ), Aloysio Nunes (PSDB-SP) e Demóstenes Torres (DEM-GO) afirmaram que o voto em lista seria inconstitucional por ser indireto.

O líder do PT, senador Humberto Costa (PE), rebateu lembrando que o sistema proporcional previsto pela Constituição permite que o eleitor decida se votará no candidato ou no partido e que a lista preordenada seria apenas uma modalidade da regra já em vigor.

- Hoje, o eleitor dá o voto aos partidos. A diferença é que passaria a votar numa lista em que os candidatos seriam ordenados pelo partido - disse o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE).

Diante do impasse, por enquanto prevalece o sistema de votação proporcional que vem sendo criticado por permitir que um candidato puxador de votos eleja colegas de partido ou da coligação, mesmo que esses tenham sido pouco votados.

FONTE: O GLOBO

A Dilma-2009 apoiava ‘o Alfredo’ para ‘qualquer cargo’

No ano da graça de 2009, época em que Dilma Rousseff e Alfredo Nascimento coabitavam o governo Lula, ela enxergava nele uma “pessoa talentosa”.

Nessa época, Dilma era pré-candidata à Presidência e Nascimento preparava-se para disputar o governo do Amazonas.

Instada a comentar as pretensões eleitorais do colega de Esplanada, Dilma soou assim:

“Acho que o Alfredo tem todas as condições de ser, de pleitear qualquer cargo, inclusive o de governador do Estado do Amazonas...”

“...E, para o que ele for, para o que ele pretender ser, terá sempre o meu apoio”.

Em 2010, derrotado nas urnas, Nascimento pretendeu ser, de novo, ministro dos Transportes. Dilma o nomeou, sob aplausos de Lula.

Levado às manchetes em posição constrangedora, Nascimento viu o apoio de Dilma, que era “para sempre”, ruir em quatro dias.

Moral: em política, mais vale a eloquência do não-dito do que a superficialidade do declarado. Ou ainda: em boca fechada não entra mosquito.

FONTE: BLOG DO JOSIAS DE SOUZA

A precariedade e o preço da base governista. E o debate do presidencialismo de coalizão::Jarbas de Holanda

Em um plano, a incerteza – ou quase certeza negativa – sobre a capacidade da presidente Dilma Rousseff de administrar as demandas e as contradições da base governista da Câmara e do Senado e, por extensão a perspectiva da emergência de tensões agudas entre o Executivo e o Congresso ao longo de seu governo. Em outro plano, os persistentes índices de avaliação social crítica da atuação e do próprio papel do Legislativo – em face da dependência praticamente completa de suas decisões ao governo, e reforçados por sucessivas denúncias de irregularidades envolvendo sobretudo parlamentares dos partidos da base mas também dos oposicionistas. A combinação das variáveis desses dois planos tem trazido para a ordem do dia do debate institucional o conteúdo e a prática do “presidencialismo de coalizão” – expressão cunhada em 1988 pelo cientista político Sérgio Abranches para definir o tipo ou modelo peculiar de governabilidade do Brasil gerado pela última Constituinte – que terminou subordinando a preparação do parlamentarismo a um fecho presidencialista. No qual os Decretos-Leis do Executivo do regime autoritário foram substituídos por Medidas Provisórias (MPs) dos presidentes eleitos.

Esse debate passou a incluir as avaliações de amplo estudo acadêmico coordenado pelo professor da USP e cientista político José Álvaro Moisés, que foi lançado sexta-feira da semana passada pela internet (em formato de e-book), com o título “O papel do Congresso Nacional no Parlamentarismo de Coalizão”. A tese central do estudo – segundo reportagem/entrevista de Ivan Marsiglia, no Estado de S. Paulo, de domingo último - “é que a democracia incorporou a hipertrofia herdada do período militar”. “A hipertrofia do Executivo sobre o Legislativo é tal no Brasil de hoje – assinala o coordenador do estudo – que o presidente praticamente define a agenda das duas Casas, a partir dos líderes e da composição das mesas. E, além das MPs, ele tem a prerrogativa exclusiva de definir o orçamento e a famosa possibilidade de pedir “urgência” ou até urgência urgentíssima. É o recurso do recurso”. O problema básico da prática desse tipo de presidencialismo, apontado pelo estudo, é a montagem de alianças eleitorais tão amplas como a tecida por Lula para sua candidata presidencial, sem compromisso correspondente com um programa. O que juntou seus participantes foi a soma da alta popularidade do lulismo com o acerto de cargos, verbas e outros favores da máquina federal. Acerto (ou promessa) também predominante como critério de composição do novo governo, feita igualmente à margem de um compromisso pragmático. Comparação entre as administrações de FHC e de Lula formulada por José Álvaro Moisés: “Fernando Henrique sempre soube que o presidente sozinho não governa. No seu primeiro mandato, Lula não levou isso em consideração. No segundo ele corrigiu. A experiência do “mensalão”, desse ponto de vista, foi educativa. Lembre-se que antes de Lula assumir houve uma tentativa liderada pelo futuro ministro José Dirceu de fazer aliança com o PMDB, que Lula vetou. Seu governo ficou apoiado numa coalizão incompleta, com um ministério formado basicamente pelo PT, e se desestabilizou”.

As MPs e o Legislativo – Finalmente, o Senado vai deliberar sobre uma matéria institucional relevante: a revisão do rito das MPs. Podendo enfrentar, ao menos em parte, o principal mecanismo da prática distorcida do “presidencialismo de coalizão” e o fator maior do aviltamento das funções do Congresso - o uso abusivo dessas MPs. Nas próximas semanas, o plenário da Casa votará um substitutivo de Aécio Neves (a uma emenda do presidente José Sarney a projeto do Executivo) que restringe essas MPs: regulando o caráter de relevância e urgência das medidas propostas, o processo de tramitação e a admissibilidade delas pelo Legislativo, bem como vedando o “contrabando” de matérias estranhas à natureza da MP original. Artigo de Aécio Neves no Globo de domingo, intitulado “O dia D das MPs”, começou, assim, a justificar o substitutivo que apresentou e o empenho para sua aprovação: “Estaremos diante de uma escolha crucial entre o caminho da necessária recuperação dos princípios básicos que regem as prerrogativas essenciais do Congresso ou o adensamento de uma subserviência que não serve ao país”. E concluiu: “Como se vê este não é um tema árido, afeito apenas ao mundo da política e aos especialistas. Ele tem tudo a ver com os valores básicos do país que sonhamos e queremos ser e com o Parlamento que merecemos e podemos ter”.

Jarbas de Holanda é jornalista