Há uma visão distorcida na prática política brasileira sobre as prévias partidárias para a escolha de um candidato. Enquanto nos Estados Unidos as prévias são um fato corriqueiro, e quase sempre o vencido apoia o vencedor, aqui no Brasil tem-se a percepção de que o partido sai rachado do embate interno.
O candidato tucano à Prefeitura de São Paulo, José Serra, saiu com uma vitória de 52% dos votos das prévias partidárias, mas está sendo visto como o grande derrotado.
Para se ter uma ideia do que isso significa, Serra teve a maioria absoluta dos convencionais que votaram, mais votos que seus dois adversários somados, quando precisaria ter pouco mais de 33% para sagrar-se vencedor da disputa.
Na disputa de 2008 nos Estados Unidos, Barack Obama ganhou de Hillary Clinton com pouco mais de 53% dos votos dos convencionais democratas e custou a fechar um acordo com Hillary. Hoje, ela é sua secretária de Estado, com grande prestígio político.
Mesmo tirando o caráter partidário da maior parte dos que adotam a análise de que a vitória de Serra foi uma derrota, é verdade que na cultura brasileira um candidato só sai consagrado de uma prévia se vencer pelo menos com 70% dos votos.
Será preciso sair de uma disputa interna com votação de ditador africano, que ganha as eleições com quase 100% dos votos, para ser considerado um candidato consagrado pelas urnas.
Mas, se por acaso Serra vencesse por 70% ou 80% dos votos, seria acusado de ter manipulado a eleição com a ajuda do governador Geraldo Alckmin.
Como sempre, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vocalizou a oposição, colocando o dedo na ferida petista.
Ressaltou a realização de prévias como uma vantagem do PSDB em relação ao PT na escolha do candidato a prefeito de São Paulo, deixando em segundo plano a votação em si.
A democracia interna tucana se impôs como fato político, enquanto o dedaço de Lula escolhendo o ex-ministro Fernando Haddad seria a demonstração de que o PT se transformou em um partido de um dono só.
O partido que escolhia seus candidatos "ouvindo as bases" deixou de fazê-lo quando chegou ao poder. Já ao PSDB, diante de um quadro partidário fragmentado e sem grandes nomes para disputar a Prefeitura de São Paulo, não restou alternativa que não fossem as prévias.
Quando o ex-governador José Serra decidiu concorrer à prefeitura, não havia mais como desistir das prévias e aclamá-lo candidato único, como era vontade da direção nacional no início do processo.
O próprio Serra e o governador Geraldo Alckmin chegaram à conclusão de que não realizar as prévias seria um mau começo para uma eventual campanha de Serra.
As prévias, embora existam ainda no estatuto do PT, assim como a defesa do socialismo, foram se tornando um modelo que não serve mais.
O ministro Gilberto Carvalho, representante formal de Lula no governo Dilma, chegou a dizer que seria "um desastre" a realização de prévias para escolher o candidato petista à prefeitura, como chegou a defender o senador Eduardo Suplicy, que finge ainda acreditar que os princípios petistas continuam intactos.
Não ouviu o aviso de Lula tempos atrás: chega de principismos. Com isso, Lula queria dizer que o tempo de seguir os princípios que teoricamente nortearam a criação do PT teriam que ser trocados pelo pragmatismo para manter o poder.
Lula, com o tempo, foi ganhando tanta hegemonia dentro do PT que passou a centralizar as decisões partidárias, até que a escolha de Dilma Rousseff para sua sucessão deu-lhe ares de mágico político.
Daí a tomar a iniciativa de organizar a tentativa de tomada de poder em São Paulo foi uma consequência lógica.
O projeto começou pela renovação dos quadros políticos petistas, alijando a senadora e ex-prefeita Marta Suplicy do páreo para a Prefeitura de São Paulo.
Caso o partido resolvesse a escolha de seu candidato através de prévias, tudo indica que, mesmo com o apoio de Lula, o ex-ministro Fernando Haddad perderia a indicação para Marta, o tal "desastre" previsto por Gilberto Carvalho.
O PSDB, ao contrário, foi buscar Serra para defender seu nicho eleitoral, na certeza de que uma renovação de quadros forçada daria a Lula um espaço político para se transformar no centro da disputa paulistana.
A disputa não seria entre Fernando Haddad e uma liderança tucana nova como José Anibal, por exemplo, ou Andrea Matarazzo, mas entre Lula e o comando do PSDB, transferindo o embate do âmbito local para o nacional.
Nada indica que Serra terá problemas dentro do PSDB para unir o partido, mesmo porque seria suicídio político os seguidores de José Anibal ou Tripoli se colocarem na dissidência partidária, abrindo mão de um poder local que já exercem.
O centro da disputa agora passa a ser o PSB, o partido do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que procura um caminho próprio, dividido entre a lealdade ao projeto do ex-presidente Lula e sua vontade de transformar-se em protagonista da cena política, e não coadjuvante eterno do PT.
Por isso mesmo, Eduardo Campos insiste em que seu partido só se definirá em julho, o que lhe dará tempo suficiente para encontrar uma saída que não o prenda definitivamente a um dos lados em disputa, mesmo porque pretende ser um dia a alternativa à polarização PT-PSDB.
FONTE: O GLOBO