domingo, 26 de setembro de 2010

Reflexão do dia – em defesa da democracia

É aviltante que o governo estimule e financie ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.


(do Manifesto em defesa da democracia
www.defesadademocracia.com.br,)

Que esquerda é esta? :: Luiz Sérgio Henriques

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um paradoxo está na origem da moderna esquerda brasileira, aquela que tomou forma nos anos da resistência ao regime instaurado em 1964. Deixemos de lado a aventura da luta armada entre os anos 1960 e 1970, a qual, independentemente das boas intenções dos seus partidários - e, muito particularmente, sem tocar na infâmia da tortura, em certo momento tornada prática de Estado -, nunca esteve à altura do desafio imposto pela acelerada modernização conservadora efetivada pelo regime autoritário, no sentido da expansão e do aprofundamento de uma economia e de uma sociedade verdadeiramente capitalistas.

A luta armada, naquele contexto, representou antes um "colapso da razão", para usar a frase cortante de um estudioso do porte de Gildo Marçal Brandão. Nada de unidade entre teoria e prática, mas, na verdade, anulação de qualquer teoria significativa sobre o País, em nome de um ativismo revolucionário que só poderia ter conduzido, como conduziu, à derrota.

Mas abandonemos este tema e nos concentremos, sobretudo, nas condições em que se deu a passagem da "primeira" para a "segunda" esquerda. Consideramos aqui como primeira esquerda, ou esquerda histórica, aquela que teve sua maior expressão no velho PCB, o partidão, e que suscitou adesões e repulsas apaixonadas, tendo marcado a vida política e intelectual do País, apesar dos prolongados e muitas vezes duríssimos períodos de clandestinidade. E como segunda esquerda, aquela que, sob a direção quase incontrastada de Lula - como antes a de Luís Carlos Prestes -, reaglutinaria o "novo sindicalismo", grupos remanescentes da luta armada e amplos setores do catolicismo popular num partido presumidamente pós-leninista, que em 2002 alcançaria a Presidência da República.

Conviveram no velho PCB almas distintas - e aqui me socorro de outra expressão de Gildo Marçal. Uma delas buscava inserir legitimamente os subalternos no jogo político, e não custa lembrar a atuação valiosa dos comunistas na Constituinte de 1946. A outra alma, contudo, era insurrecional: sua matriz tanto podia residir na marca de origem - o pertencimento à III Internacional de extração marxista-leninista - quanto na tradição nativa do golpismo, bastando mencionar a influência tenentista na canhestra tentativa de assalto ao poder em 1935.

O fato é que, no imediato pós-1964, profundamente traumatizado, o PCB encontrou em si forças que ajudaram a definir uma eficaz resistência democrática ao autoritarismo. Uma resistência que, pela própria natureza, só teria êxito se fosse muito além da limitada força do próprio PCB, treinado, de todo modo, naquilo que se chamou significativamente de "moderação na adversidade".

Toda essa tensão propriamente política - voltada para a construção de uma ampla frente democrática e a ruptura com o regime por meio da convocação de uma Constituinte, tal como de fato ocorreria em 1986-1988 - constituiu, paradoxalmente, o último grande serviço prestado pelo velho PCB à democracia brasileira. Em meio às suas múltiplas divisões, intelectuais desse partido chegaram a admitir, no final do regime autoritário, a luminosa ideia de que a democracia política era um "valor universal" - e me valho, como é sabido, do título de um ensaio de Carlos Nelson Coutinho, de inspiração gramsciana e berlingueriana.

A vitória estratégica do PCB, por uma dessas duras réplicas da História, foi contemporânea da sua definitiva ultrapassagem pela "segunda esquerda". E esta não nasceu generosa com a forma política que se esvaziava. Ao contrário, desde o começo se fazia portadora de uma narrativa com características "fundacionais": a história do movimento operário teria começado no moderno ABC, pela primeira vez livre da tutela do Estado, da armadilha "populista" e das alianças pluriclassistas.

Até este ponto se pode dizer que se tratava de mais uma das intermináveis querelas entre partidos de esquerda e que para o novo partido se afirmar seriam inevitáveis cotoveladas e pisões. Mera exigência do "mercado político", tão impiedoso quanto o mercado propriamente econômico. No entanto, vendo-se bem, era mais do que isso. Na raiz do PT, creio não exagerar se identifico elementos da "antipolítica": mesmo jogando-se competitivamente nas disputas eleitorais, e com laivos de exclusivismo, esse partido se apresentava, invariavelmente, como expressão pura do social contra a mediação representada pelas formas elitistas da política. Uma expressão de protesto radical, nascido das entranhas da sociedade, "contra tudo o que está aí", como se a História do País fosse um equívoco de 500 anos, a ser corrigido por um novo e incorruptível cavaleiro da esperança.

Difícil dizer ainda hoje se o principal partido do País, ocupante da Presidência da República num período de renovado dinamismo econômico e social, com maciça expansão das camadas médias, poderia assumir como sua a concepção do valor universal da democracia, com tudo o que isso implica em termos de aceitação do Estado Democrático de Direito como o terreno mais propício aos subalternos. Mas não só isso: precisamente como um valor em si mesmo, que requer, entre outros pontos, a "recíproca legitimação dos contendores" e o cabal respeito ao regime de freios e contrapesos que assinala toda comunidade política madura, capaz de resolver pacificamente seus inumeráveis conflitos num sentido de liberdade dos indivíduos e plena incorporação dos "de baixo".

Seja como for, trata-se de exigência a ser feita com vigor ao partido no poder e, de resto, com igual intensidade, a todos os demais. Sem dúvida, seria bem mais confortador ter a certeza de que o principal representante da "segunda esquerda" é também o "partido da Constituição" - ainda que, há apenas duas décadas, tenha votado contra o seu texto final.


ENSAÍSTA, É TRADUTOR E UM DOS ORGANIZADORES DAS OBRAS DE ANTONIO GRAMSCI EM PORTUGUÊS (WWW.GRAMSCI.ORG)

Às vésperas do pleito:: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO /ILUSTRADA

Situo-me no polo oposto àqueles que aspiram chegar a uma sociedade de uma opinião só

A proximidade do dia das eleições, quando iremos às seções eleitorais exercer nossa cidadania, votando nos candidatos de nossa preferência, tem inevitavelmente acirrado os ânimos, não só dos candidatos, como os nossos, de eleitores.

Isso pode ser bom ou mau. É bom quando indica empenho em escolher os melhores para legislarem e governarem -e é mau quando nos leva a perder a capacidade de discernir o certo do errado, a mudar a convicção política ou ideológica em fanatismo.

Sem pretender me dar como exemplo de isenção, verifico, não obstante, como algumas pessoas passam dos argumentos objetivos -ainda que impregnados de paixão- a afirmações que mitificam a personalidade deste ou daquele candidato.

Como já escrevi aqui, repito agora que não pertenço a partido político nem tampouco estou engajado na campanha de nenhum candidato. Ao opinar sobre qualquer deles, faço-o na condição de articulista que, assim como discute questões culturais e sociais (arte, política psiquiátrica, inoperância da Justiça, ficha suja etc.), discute também a conjuntura política que, neste momento, interessa à maioria dos leitores.

Podem meus comentários, eventualmente, influir na decisão de um ou outro leitor, mas não é essa minha intenção prioritária e, sim, contribuir para que sua escolha se faça da maneira mais lúcida e autônoma possível. Acresce o fato de que outros comentaristas opinarão em sentido diverso, trazendo à baila outros argumentos e, com isso, contribuindo para que o debate se amplie e se aprofunde. Situo-me no polo oposto àqueles que aspiram chegar a uma sociedade de uma opinião só.

É com esse propósito que tenho abordado aqui alguns aspectos polêmicos da conjuntura eleitoral e política. Procuro, igualmente, refletir a preocupação de outras pessoas que, mantendo-se à margem da disputa eleitoral, manifestam preocupação com o rumo que as coisas estão tomando, sendo que alguns deles temem pelo futuro da própria democracia brasileira.

Para estes, a vitória de Dilma Rousseff, por implicar o prosseguimento no poder do mesmo partido, poderia ter consequências imprevisíveis, dado o crescente aparelhamento da máquina do Estado por petistas e sindicalistas, que a utilizam partidariamente.

Isso poderia levar à crescente privatização do Estado, em benefício de um mesmo grupo político e, em última instância, ao cerceamento da ação política divergente.

Faz parte deste processo a mitificação da figura de Lula que, no curso de sua história pessoal, passou de líder raivoso a Lulinha paz e amor e agora -para meu espanto- à categoria de grande estadista, que teria mudado a face do Brasil.

Nessa linha de raciocínio, vem se formando a teoria segundo a qual quem se opõe a Lula opõe-se na verdade ao povo brasileiro, uma vez que ele é o primeiro presidente, "que veio do seio do povo".

Trata-se de um argumento curioso, que busca qualificar o indivíduo -no caso, um líder político- por sua origem social de classe. Digo curioso porque os que assim argumentam consideram-se obviamente de esquerda, mas não se dão conta de que, com esta postura, repetem as elites do passado, que também qualificavam os indivíduos por sua classe social de origem.

Naquela visão -que a esquerda definia como reacionária-, quem tivesse origem nobre era tacitamente superior a quem não o tivesse. Agora, na sua inusitada avaliação, superior é quem nasce do "seio do povo" e, por isso, quem critica Lula coloca-se, na verdade, contra o povo. E povo - entenda-se - é só quem for pobre.

Mas atrevo-me a pergunta: e quem não recebe Bolsa Família é o que?

Não resta dúvida de que a ascensão de um operário à Presidência da República brasileira é uma importante conquista de nossa democracia, mas não porque quem nasce no seio do povo venha impregnado de virtudes próprias aos salvadores da pátria. Do seio do povo também veio Fernandinho Beira-mar.

Lula chegou onde chegou não por sua origem e, sim, por sua capacidade de liderança e sua sagacidade política; a origem social e a condição de operário, que certamente influíram na decisão do eleitor, não devem servir de pretexto para transformá-lo num líder a quem tudo é permitido, acima de qualquer juízo crítico.

Metamorfoses:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula é o sujeito mais enganado do mundo. Ou o que mais se engana. Ou se acha capaz de enganar todo mundo. Já se declarou uma metamorfose ambulante para justificar suas constantes mutações. Agora mesmo passou de um ponto a outro, de acusar a mídia de tentativa de golpismo a tratá-la como a coisa mais importante do mundo.

Ele, que apregoava que a velha mídia não tem mais impor tância na relação com os cidadãos, admitiu, sempre nos palanques, que sua disputa com a imprensa é em busca de elogios, que fica de ego inflado quando é elogiado.

Menos, presidente, menos.

Mais do mesmo, apenas a repetição de uma tática de morde e assopra em que ele é mestre. Pelo mais recente relato da crise na Casa Civil, repete-se o mesmo roteiro, que leva a crer que, ou o presidente não sabe escolher seus assessores o que coloca uma dúvida sobre a escolha de Dilma como sua candidata , ou não consegue controlar sua equipe.

E tampouco Dilma consegue.

Uma semana depois da saída de Erenice Guerra da Casa Civil, sob acusação de tráfico de influência, ele admitiu finalmente que pode ter sido enganado. Se alguém acha que pode chegar aqui e se servir, cai do cavalo, porque a pessoa pode me enganar um dia, mas não engana todo mundo todo dia.

Esse comentário de Lula é uma demonstração de que ele é um precipitado quando quer defender seu feudo eleitoral, e, por isso, perde o senso de medida.

Um dia depois de ter que demitir sua ministra, o presidente voltou a subir nos palanques para criticar a imprensa, dizendo para seu eleitorado que os jornais inventam coisas contra ele apenas por que apoiam a candidatura adversária de José Serra.

A candidata Dilma foi no mesmo diapasão, acusando a oposição de usar calúnias e falsidades contra o governo.

Hoje, o presidente já admite que pode ter sido enganado, e a candidata oficial tira o corpo fora para dizer que foi Lula quem indicou Erenice para o ministério.

Antes, dizia que não vira nenhum sinal de atitudes indevidas de seu antigo braçodireito, agora transformada em simples ex-assessora.

Agora, Dilma já anuncia que é a favor de punições rigorosas, e que nunca foi favorável ao nepotismo que estava instalado no seu ministério, desde quando era ela a responsável principal.

No caso anterior, da quebra de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato oposicionista, o presidente chegou a ir à televisão, num dia 7 de setembro, para, simulando uma declaração oficial de governo, assumir seu papel de cabo eleitoral da candidata Dilma.

Garantiu ao povo brasileiro que a turma do contra levantava calúnias contra seu governo. Até o momento, várias pessoas ligadas ao PT foram indiciadas pela quebra de sigilo; o aparelhamento político da Receita Federal transformou agências em verdadeiros balcões de negócios, e o próprio governo, que negava as acusações, teve que anunciar às pressas várias medidas para proteger políticos e suas famílias de uma possível invasão.

O fato de ter se mobilizado para blindar políticos, e só ter tido preocupações com efeitos eleitorais do episódio, mostra como o governo vem tratando a questão, sem se preocupar com o fato de que mais de mil pessoas tiveram seus sigilos negociados nos balcões da agência Mauá da Receita federal.

Como bem destacou a candidata do Partido Verde, Marina Silva, o governo deveria ter pedido desculpas aos contribuintes, e não apenas se preocupar com os aspectos políticos do episódio.

A tática de negar primeiro, e depois admitir que houve problemas, é recorrente no governo Lula. No mensalão foi a mesma coisa.

Em entrevista de Pedro Bial no Fantástico, em janeiro de 2006, o presidente Lula admitiu que houve erros, tanto, disse ele, que houve punições: Genoino saiu da presidência do PT, o Silvinho não está mais no PT e o Zé Dirceu perdeu o mandato.

O Delúbio saiu do PT.

O presidente, que havia se declarado traído no episódio, diz que o conjunto dos acontecimentos soou como se fosse uma facada nas costas.

Hoje, Lula diz que não houve mensalão, e que tud o não passou de uma conspiração da oposição, com apoio da mídia, contra o seu governo.A não decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Lei da Ficha Limpa coloca em risco a eleição do próximo dia 3 de outubro.

O Supremo deveria ter se reunido com mais antecedência, sabedor de que a questão é fundamental para definições eleitorais e, tendo se atrasado, deveria ter permanecido em plantão durante o fim de semana para chegar a uma deliberação.

Chega a ser chocante a discussão, mesmo que em tom irônico, sobre cobranças de horas extras pela sessão ter entrado pela noite adentro.

Ou ouvir a desculpa de que o tribunal não poderia se reunir antes de quartafeira porque vários dos senhores ministros tinham compromissos previamente agendados.

Ora, que compromisso pode ser mais importante do que definir regras para a eleição que ocorrerá dentro de uma semana? No voto do ministro Carlos Tófoli está revelado mais um problema que a não aplicação imediata da lei ocasionará.

Se for vitoriosa a tese de que a lei vale para ser aplicada na próxima eleição, teremos vários casos de políticos que se elegerão governador, senador ou deputado que, de antemão, não poderão concorrer à reeleição em 2014.

Estarão exercendo um mandato já com a definição de que são fichas-sujas.

A proposta mais sensata, a meu modo de ver, é a do ministro Ricardo Lewandowski, de que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prevaleça, na impossibilidade de o Supremo chegar a uma conclusão.

Ficaríamos livres dos fichas sujas, sem perigo de eles se elegerem este ano.

Ao eleitor o desempate:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não é verdade que o Supremo Tribunal Federal não tenha decidido coisa alguma e que a sessão de quinta-feira não tenha servido para nada, como rezaram as primeiras análises.

Houve avanços, o que torna produtivas aquelas longuíssimas horas. Maior ganho de todos: a Lei da Ficha Limpa foi declarada constitucional. Portanto, acabou o sonho acalentado por muita gente (na política) de ver a lei morrer na praia do STF.

A questão que ficou é se será aplicada nesta ou só a partir da próxima eleição. Mas, se a gente pensar direito, bem ou mal a Lei da Ficha Limpa já entrou em vigor porque produziu efeitos: o mais imediato, a renúncia de Joaquim Roriz à candidatura para o governo do Distrito Federal.

Precavido, tinha preparado tudo para a eventualidade e lançou a mulher em seu lugar. Como já havia perdido a dianteira nas pesquisas justamente por causa das impugnações na Justiça Eleitoral (regional e nacional) e a repercussão do caso, o mais provável é que esse arranjo familiar não alcance êxito eleitoral.

Ora, para quem no início da campanha esteve com a vida ganha mesmo tendo renunciado ao mandato para não perdê-lo sob acusação de corrupção, foi uma perda e tanto.

E assim alguns outros que se afastaram "voluntariamente" só por causa da existência da lei e mais aqueles que perderão votos e não conseguirão se eleger. Alguns chegarão até o Congresso, mas serão em menor quantidade e terão na testa o carimbo de ficha-suja.

O resultado de 5 a 5 deixou um aroma de frustração no ar. De um lado, os que torciam pela aplicabilidade já da lei com a ideia equivocada de que o tribunal foi "conservador". De outro, os que consideraram que os magistrados fizeram figuração para a opinião pública, deixando de lado o que de fato se julgava ali, o cumprimento da Constituição.

A divisão ao meio mostra como há argumentos consistentes de um lado e de outro. Os especialistas debaterão à larga o assunto. Há um aspecto, porém, que ficou ressaltado naquela sessão e que requer muita atenção: o Brasil está querendo que o Supremo Tribunal Federal resolva todos os problemas que os demais setores não se dispõem a resolver.

O Congresso teve muito tempo para aprovar a lei um ano antes da eleição, a polícia deixa solto quem deveria prender, a Justiça é lenta e falha, e a sociedade quando se mostra disposta dar seu precioso voto a tiriricas e companhia não faz a sua parte.

Se quiser, pode começar daqui a uma semana, resolvendo o empate do Supremo nas urnas.

Tabajara. A questão de ordem levantada pelo presidente do Supremo durante o exame da validade da Lei da Ficha Limpa torna lícita a suspeita de que a mudança de redação feita na última hora no Senado tinha endereço certo: a contestação, e possível derrubada, no Judiciário.

Na visão do ministro Cezar Peluso o erro de origem - mudar o texto sem mandá-lo de volta para a Câmara - tornaria a lei inválida e, portanto, o assunto mereceria ao menos ser discutido.

Se os advogados de Joaquim Roriz tivessem contestado a imperfeição do processo legislativo, a discussão poderia ter prosperado.

No meio jurídico há certeza de que a mudança de redação foi proposital.

Em boa parte do meio político havia confiança na derrubada da lei. Desse ponto de vista deu tudo errado.

Os limites. Para o PT aprender que nem todo mundo se vale dos instrumentos a disposição só para ganhar uma parada: os presidentes do Supremo podem votar duas vezes em caso de empate, mas nunca usaram do expediente.

Usina. Erenice Guerra é uma fonte inesgotável de escândalos. Lembra José Sarney na crise de 2009 no Senado. Com a diferença de que não era ano eleitoral e Sarney pôde contar com a divina proteção presidencial.

Elis Regina:: O Bebado e a equilibrista

Strike :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Sinuosamente, é verdade, mas o fato é que a decisão final sobre a vigência da Ficha Limpa pode ter caído no colo de Lula.

Explica-se: com o empate de 5 a 5 no Supremo Tribunal Federal e a decisão do ministro Cezar Peluso de não dar o voto de Minerva na condição de presidente, tudo ficou pairando no ar à espera da indicação do novo ministro, o 11º. E quem indica é o presidente da República. Logo, Lula pode escolher um ministro disposto a dar um voto para um lado ou para o outro.

A situação é esdrúxula na origem, no desenrolar e no desfecho no DF. Na origem, porque o Congresso produziu uma lei capenga que não explicita se a Ficha Limpa vale ou não para esta eleição. No desenrolar, porque o impasse no STF cria um vácuo jurídico. E no desfecho, porque a renúncia de Joaquim Roriz para colocar a mulher como candidata é chocante.

Com o intenso noticiário sobre a Ficha Limpa e a Ficha Suja, Roriz já tinha sido derrubado da liderança por Agnelo Queiroz, do PT, mas ele deixa a mulher como sucessora e duas filhas candidatas e herdeiras -não apenas de votos. Ou seja: Roriz se vai, o "rorizismo" fica.

O golpe da família Roriz é uma pancada e tanto na já combalida política do DF, que teve uma bonita história até o então presidente José Sarney nomear indiretamente Roriz para o governo local e ele se transformar no "pai dos pobres", com uma popularidade que ao longo de muitos anos resiste a tudo, a todos, à ética e ao bom senso.

O efeito mais desastroso da incapacidade do Supremo em julgar, porém, não é sobre a eleição majoritária (onde sai um, entra outro), mas sim sobre a proporcional (porque mexe em um, mexe em todos). Os votos em Tiririca, por exemplo, definem o tamanho das bancadas não apenas do partido dele na Câmara, mas de todos os demais.

A omissão do Judiciário joga partidos, candidatos e eleitores num limbo nunca visto antes neste país.

Lula, notícia e propaganda :: Clóvis Rossi

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

CARACAS - Há uma frase de Lula, ainda do início de seu primeiro mandato, que sempre me pareceu a mais acabada definição do que é notícia, quando vista dos palácios de governo: "Notícia é o que a gente [o governo] quer esconder; o resto é propaganda".

Até achei que a frase fora cunhada por Ricardo Kotscho, então assessor de imprensa do presidente, que conhece bem os dois lados do balcão. Mas, como ele nega, aceito que seja mesmo de Lula. Pena que ele a tenha esquecido.

Por isso mesmo, reclama quando a mídia mostra o que o governo gostaria de esconder, como aconteceu no caso Erenice Guerra, para ficar no exemplo mais recente.

Por isso, reclama também da falta de propaganda das ações governamentais, embora nada do que o governo fez ou diz ter feito deixasse de ser anunciado. Nem sempre foi a manchete principal, como todo governante gostaria que fosse, mas estava lá.

O que mudou entre a frase do início do governo e a choradeira de hoje? Lula encharcou-se de popularidade e, por isso, exige que todo o noticiário seja propaganda.

Aliás, qualquer governante gostaria de que os meios de comunicação não passassem de apêndices do Ministério de Comunicação Social ou de seu marketing. Só não tem, nas democracias, poder para tanto. E muitos, a maioria, tem pudor de confessar esse desejo.

Usam, então, o que o jargão britânico/americano chama de "spin doctors", os especialistas em torcer um fato de forma a apresentá-lo sob a luz mais favorável possível ao chefe de turno.

Não perco um segundo de sono nem com a incontinência verbal de Lula nem com os anões fascistóides, como Fernando Barros e Silva chamou, adequadamente, os hidrófobos do lulo-petismo.

Durmo ainda mais tranquilo depois de ver na Venezuela o que é de fato atacar a mídia.

Em passo de ganso e à margem da lei :: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Agora foi para valer. O presidente Lula deu a senha quando acusou a imprensa de atuar como partido político e as centrais sindicais aproveitaram a deixa para entrar na cena eleitoral como tropa de choque. Montado o quadro, a retórica presidencial insuflou o eco sindicalista e autorizou a suspeita de que se aproximava a oportunidade de coordenar ameaças, propagar a intimidação e seguir em frente. O espalhafato deu a medida da irracionalidade em curso. Pairou no ar irrespirável a expectativa de chumbo grosso por conta da prestação de serviço desnecessário, pois as pesquisas apontam resultado favorável à candidata oficial que, com perdão da palavra, anda botando preferência pelo ladrão.

A exibição de força é recurso comprometedor para quem conta, já no primeiro turno, com a maioria de votos (prometidos pelas pesquisas) suficiente para evitar a segunda prova de fogo. A exaltação presidencial, aumentada pelo receio de ocorrer a necessidade de voltar às urnas (um efeito democrático que não se destina a humilhar nenhum candidato), excedeu a racionalidade e gerou a suspeita de algo emboscado na primeira curva do percurso. Nesta encenação da fábula de La Fontaine, o papel principal coube ao presidente Lula, na pele do lobo: as pesquisas mostram a candidata Dilma Rousseff a montante do candidato José Serra e, portanto, desautorizam a alegação petista de que os jornais – vá lá, a mídia - excedem o direito de informar e opinar, e mandam às favas a versão de que os meios de comunicação usurpam o papel de partidos políticos. A diferença está no palanque oficial (e não à margem do riacho que irriga a fábula): ela, Dilma, na parte superior e ele, Serra, embaixo nas pesquisas. E, por mais que Lula deblatere, não há rio que corra para cima por mais que Lula desafine. A conclusão, como qualquer riacho que se preze, se encaminha para onde desembocam todas as suspeitas que levaram água abaixo sofismas e desculpas esfarrapadas.

Se o presidente Lula quiser salvar mais do que as aparências, valendo-se mais uma vez da alegação de que deve sua eleição à liberdade de imprensa, não pode esquecer que as centrais sindicais têm precedência na sua biografia, mas lhes falta autorização legal para assumir função de instrumento político. São as centrais sindicais, e não os meios de comunicação, que, no passo maior do que as pernas, invadem trilha exclusiva de agremiações políticas e passam por cima das convenções. O clima de agouro não melhora a posição enfática do sindicalismo que aceita o papel de agente estatal e se encarrega da missão de atravessar o espaço democrático em passo de ganso. A diferença entre a ameaça e a ação desce dos palanques, mas para fazer plantão à beira do riacho da fábula de La Fontaine.

Em dois mandatos - do mensalão detonado no primeiro mandato de Lula, à multiplicação da propina que, já no segundo, correu solta nas cercanias da Casa Civil - o ufanismo inflou o governo e subiu à cabeça do presidente Lula, mas se recusa a descer. O espírito do Conde de Afonso Celso baixou sobre o presidente e o liberou de todos os cuidados, dos gramaticais aos retóricos.

Os entendidos na variação do humor presidencial oferecem desconto de 50 por cento na dose de intolerância oficial com a liberdade de imprensa, e lembram que, para chegar a 2012 com os trunfos para se candidatar, o presidente Lula não comprometeria o patrimônio eleitoral que acumulou em intenções de votos. À democracia nem sempre basta parecer. À oposição competia utilizar sua farta capacidade ociosa e aplicar-se às funções que os eleitores lhe atribuíram.A verdade é que, se a oposição não tivesse sido tão displicente no exercício das suas responsabilidades, não haveria espaço para o que se vê e se ouve sobre matéria historicamente vencida.

O corpo de Lula e o pacto social :: Tales A. M. Ab"Sáber

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Além de brindar os mais pobres no projeto político, presidente tratou de cooptar os muito ricos

Lula deu início a seu governo declarando de modo desafiador e irônico que surpreenderia fundamentalmente tanto a direita quanto a esquerda. Afora o que há de autocomplacência lépida e demagogia comum na frase, de resto dimensões narcísicas do discurso que o político e seu governo jamais aboliram, há nela, em seu fundo, uma verdade política explícita forte, que acabou por se confirmar historicamente.

O principal da frase não é seu tom paradoxal e triunfante, a célebre tendência falastrona do presidente, da qual ele próprio é autoconsciente, mas a clara referência a fazer uma política que intervenha nos dois polos opostos da vida nacional, o claro desejo de articular os extremos em seu governo, e desde já podemos dizer, em seu corpo, de modo a que as posições políticas limites acabassem por suspender, rever e inverter seus próprios critérios, uma a favor da outra. E de fato este projeto foi desenvolvido, consciente ou inconscientemente, de modo determinado e por golpes do acaso, ao longo de seus dois governos.

Esse foi o paradoxo social e político do governo Lula. Ele foi expresso em duas dimensões: uma, junto à massa de pobres que aderiu pessoalmente ao presidente, como lulismo; outra, como pragmatismo e grande liberdade liberal, tanto para a economia quanto para os velhos e bons negócios da fisiologia e do amplo patrimonialismo brasileiro mais tradicional. O fato de um novo grupo, o do partido do presidente e dos sindicalistas ligados a ele, adentrar o velho condomínio do poder não representava problema suficiente para as velhas estruturas de controle político nacional, ainda mais se isso significasse, como acabou por se confirmar, o fim da tensão classista e contestatória própria à tradição histórica petista.

O fim incondicional da perspectiva de luta de classes do Partido dos Trabalhadores, e sua adesão enquanto partido no poder à tradição política imoral e particularista brasileiras, foi o primeiro e muito importante movimento político realizado pelo governo Lula, em sua busca de consenso em todo o espectro da vida social brasileira. Derrotado o próprio habitus de oposição de seu partido, que chegava ao poder através do corpo transferencial - ou seja, amoroso - de Lula, realizou-se sua primeira grande mágica política: a dissolução de qualquer oposição real ao próprio governo.

Isso por que, de fato, o segundo muito claro e ainda mais fundamental golpe, este de caráter econômico, simplesmente deixou a oposição à direita do governo durante anos sem objeto e sem discurso, para além de sua tradicional e dócil tendência de agregação a todo poder efetivo: Lula entregou inteiramente as grandes balizas macroeconômicas essenciais do país às avaliações e às tensões particulares do mercado interno e global, ao autonomisar na prática o Banco Central, realizando assim uma velha demanda neoliberal e peessedebista, além de colocar em sua direção um verdadeiro banqueiro internacional puro-sangue, Henrique Meirelles, ex-presidente do Bank Boston. Assim ele simplesmente se apropriou sub-repticiamente da árdua herança econômica tucana.

Esse golpe, como não poderia deixar de ser, atingiu profundamente as bases ideológicas e práticas da direita local. Através dele, com um gesto de cordialidade que seria retribuído, Lula simplesmente roubou a verdadeira base social tucana. Além de constelar as classes muito pobres em seu projeto político, o que já foi demonstrado por André Singer, Lula também cooptou amplamente os muito ricos, movimento sem o qual não se pode explicar o grande consenso que se criou ao redor do seu nome. Nas vésperas de sua segunda eleição, grandes banqueiros declaravam explicitamente nos jornais que para eles tanto fazia a vitória de Lula ou de seu rival conservador de então, Geraldo Alckmin. O que, de fato, creio que era uma inverdade. Eles preferiam Lula.

A grande direita econômica se realinhara ao redor de um governo neopopulista de mercado, que buscava realizar seu pacto social, que não foi escrito como o de Moncloa, mas garantido pelo corpo carismático especial de Lula. Era bom um governo a favor de tudo que pacificasse e integrasse as tensões sociais brasileiras tendo como único fiador mágico o corpo transferencial de Lula, a radicalidade de seu carisma.

O terceiro elemento muito poderoso na construção do amplo pacto social lulista foi a tão ampla quanto propagandeada política de bolsas sociais, articulada a uma imensa expansão do crédito popular, que, se não realizou a cidadania plena dos pobres de nenhum modo, lhes deu a importante ilusão de pertença social pela via de algum baixo consumo, o que, dado o estado atual de regressão das coisas humanas, é o único critério suficiente de realização e felicidade. E, também, de realização do próprio mercado e da produção local, que se aquecia, ficando feliz, bem feliz - como foi feliz a própria cultura soft e popzinha cheia de cantoras malemolentes do período. Lula passou a ser um grande agenciador do desejo geral ao ensaiar um mínimo circulo virtuoso na economia, com uma social democracia mínima, fundada de fato sobre o pacto político estranho que realizou. Resultado: certa vez ouvi, no mesmo dia, de um barão banqueiro e da diarista que trabalha em casa a mesma frase: "Lula fez muito bem para o Brasil".

Assim definitivamente, pela desmobilização da tradição crítica, pelos interesses graúdos bem garantidos, com boas perspectivas de negócios, e pelos pobres podendo sentir o gostinho de uma TV de plasma comprada em 30 meses, não havia por que existir, de nenhum modo, oposição política ao governo do então presidente, ex-pau de arara, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-socialista petista.

Sua aprovação bateu e se manteve nos 80%, respondendo, de modo desigual, mas combinado, a interesses concretos diversos, articulados em seu corpo garantia, o que, considerando-se as clivagens ainda radicais do País, não deixa de ser uma verdadeira política do absurdo.

Para o desespero dos chiques entre si tupiniquins e paulistanos, Lula também continuou a sinalizar simbolicamente, abertamente, aos pobres com seu antigo habitus de classe, em festas juninas, churrascos com futebol e isopores de cerveja na praia privativa da Presidência, além do famoso futebolês, e assim convencendo-os facilmente e oniricamente, via identificação carismática - seu corpo transferencial - que eles não poderiam esperar nenhum ganho social para além dele, que ele, que era um deles, representava o limite social absoluto dos interesses dos pobres no País.

Ao final do período, um dado fantástico entrou em cena: com a falência adiantada, a partir de 2008, do capitalismo financeiro americano e europeu, o Brasil, com seu governo de esquerda a favor de tudo, se tornou um verdadeiro hype político e econômico global. Pela primeira vez na história deste País, dada a regressão e paralisação geral do sistema internacional, o Brasil, sempre algo avançado e algo regredido nas coisas da civilização, tornou-se "inteiramente contemporâneo" do momento atual do capitalismo global, que, em grande dívida consigo mesmo, não representava mais medida externa para países periféricos como o nosso. Noutras palavras, o capitalismo geral deu um grande passo na direção de sua brasilianização.

Assim, era necessário que surgisse tanto um novo modelo conservador que desse conta da avançada ruína neoliberal quanto uma injeção de esperança econômica para a crise geral, e nada como um bem-comportado mercado emergente como o brasileiro, satisfeito e integralmente convencido pelo sistema das mercadorias, para reanimar a ideologia mais ampla. Tudo isso Lula amarrou em seu amplo pacto, tramado em seu corpo retórico, que também tinha um grande potencial simbólico pop para a indústria cultural global, significante advindo do todo, nada estudado pelos cientistas sociais. Ele virou o cara, para um Obama em busca de alguma referência para o próprio descarrilamento econômico e social de seu mundo.

Enfim, liquidando a oposição, mantendo as práticas políticas fisiológicas tradicionais brasileiras, roubando a base social real da direita, promovendo uma mínima inserção social de massas pela via do consumo, exercitando seu carisma identificatório e pop com os pobres e com a indústria cultural global e servindo como modelo para o momento avançado da crise do capitalismo central, Lula simplesmente rapou a mesa da política nacional. Além, é claro, de sua proverbial estrela: no mesmo período o país descobriu petróleo e foi brindado pelo mercado do fetichismo universal da mercadoria com uma Copa do Mundo e uma Olimpíada! Certamente deve haver algum método, se não muito, em tal ordem fantástica das coisas.

Sua estrela, seu corpo carismático e sua habilidade pragmática, macunaímica para alguns, bras-cubiana para outros, certamente midiática e pós-ética, realizaram, com poucos mortos e feridos - aparentemente, sacrificou-se apenas a perspectiva crítica da esquerda, que é a minha - um verdadeiro pacto social a favor que, enquanto o PT de fato existiu, a direita jamais conseguiu realizar neste país.

TALES A. M. ABSÁBER É PSICANALISTA E PROFESSOR DE FILOSOFIA DA PSICANÁLISE NO CURSO DE FILOSOFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO (UNIFESP). É AUTOR DE O SONHAR RESTAURADO - FORMAS DO SONHAR EM BION, WINNICOTT E FREUD (ED. 34, 2005)

Alerta contra a anestesia crítica:: Carlos Guilherme Mota

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Manifesto em SP aponta falhas da República de polichinelo, às voltas com euforia econômico-social

O Manifesto em Defesa da Democracia, lançado nessa semana com discreto alarde, surge tardiamente, em tempos de desencanto e ilusões nacionais perdidas. Mas quando nasceu o problema que os manifestantes denunciam, o do perigo de patrulhamento da imprensa, agora agravado com os arroubos presidenciais autoritários?

Ele vem de longe. Veja-se a censura ao estadão.com.br e ao Diário do Grande ABC.

Mas na verdade tudo começou no período pós-ditatorial, passada a animação das "lutas pelas liberdades democráticas", toleradas aliás nos estritos limites do liberalismo precário da terra.

Supondo que haja tempo, é de se esperar que os comentaristas políticos aprimorem a mira e lancem seus torpedos na direção certa. Pois o alvo não é apenas o modelo político caduco em que Lula se compõe com Sarney, Collor e a escumalha do PMDB.

É outro o alvo, para além dos tais índices de crescimento: o perigo de ainda maior esgarçamento do tecido da incipientíssima sociedade civil. Urge fazer notar que a população brasileira duplicou em 40 anos, mas a pobreza não diminuiu sob o pontificado de marqueteiros. E que a malaise social se aprofunda, empurrando a Nação para o charco do mundo peemedebista, que agora vai comer o eventual governo Dilma pelas bordas.

A contrapartida a esse manifesto é a preocupante iniciativa denominada "Contra o Golpismo e em Defesa da Democracia", de Luís Nassif, contratado a bom preço pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), órgão oficial, que tenta mobilizar movimentos de apoio do mundo sindical atrelado à Presidência, com financiamento de muito discutíveis ONGs, blogs, etc.

Neste momento mais grave de nossa história desde 1984, a sociedade parece envolta numa bruma ideológico-religiosa-lulista em que se anestesiou o espírito crítico. Brasília foi tomada por "aloprados" e enlameada pela "lambança", palavra muito veiculada em Fatos e Versões, da TV Globo, por Franklin Martins, quando atuava do outro lado do balcão. Lula, vale recordar, "extirpou" o conceito de "luta de classes" ao retirar do programa de seu partido ideia que tanto aborrecia a direita, pela qual, hoje, "a sua" esquerda é mobilizada, procurando rachar o País.

Vive-se nesta etapa histórica um desenvolvimento político-cultural precário, de falsa euforia econômico-social, e, como em Portugal, Espanha ou Grécia, a fatura chegará, passadas as eleições. Com o aplastamento da inteligência das lideranças da sociedade civil, ou do que resta dela, não chega o tal manifesto a impactar a Nação. Mas tem o mérito de levantar uma ponta da questão nacional, que é - uma vez mais - a impunidade, a falta de transparência, a precária independência dos poderes, o centralismo exacerbado de uma República em frangalhos.

Uma República de polichinelo, com o presidente fazendo graça com seus superpoderes (que nem eu nem ninguém lhe conferiu), do neopopulismo pobrista, neste quadro sociocultural em que florescem tiriricas e mulheres-pera. É perigosa a mobilização populista de uma população que ainda não entrou na antessala da sociedade democrática moderna - por falta de educação, saneamento, saúde, mas sobretudo por falta de exemplos de cima.

Raymundo Faoro, o combativo jurista amigo de Lula, falava na triste característica do mundo político brasileiro no Segundo Reinado, controlado por um Parlamento de polichinelo. O conceito pode ser ampliado, pois os casos de Waldomiro Diniz a Erenice revelam um vasto submundo do qual nem o presidente teria conhecimento. "Não sabia", como se a imprensa - sempre a imprensa! - e o Ministério Público não viessem martelando tais falcatruas.

Faoro alertava, em Os Donos do Poder, que o modelo político brasileiro se desdobra, desde o Segundo Reinado, nessa máquina baseada na exclusão, na Conciliação, apurando mecanismos que levam ao fortalecimento da chefia única. E, como ensina a história, sempre com trágico desfecho.

Que o presidente que se quer estadista, uma vez curado da embriaguez pelo poder, retome a liturgia e a solenidade que o cargo lhe impõe como presidente de todos os brasileiros - meu inclusive -, e não condottieri de um partido ou facção. Que abra espaço e tempo para entender o que significa o que outro amigo seu, o professor Florestan Fernandes, ensinou: é preciso desmontar o atual modelo autocrático-burguês. Tarefa que Lula não conseguiu realizar, muito ao contrário, pois fez todas as conciliações, inclusive algumas inomináveis. E Florestan sempre o advertiu do perigo da "costura política pelo alto", pois os dedos podem ficar presos.

Luís Carlos Prestes, quando da festiva fundação do PT, perguntado sobre o que faltava a esse novo partido, respondeu secamente: "Falta leitura". O problema hoje é que talvez já não haja tempo para Lula ler, meditar e aplicar o princípio pétreo de um participante da Revolução Francesa, Maximilien Robespierre. "O Incorruptível", em sua anotação para um discurso à Convenção Nacional republicana, pouco antes de seu guilhotinamento em 1792, deixou escrito o seguinte: "Fui talhado para combater o crime, não para governá-lo".

Mas para isso, claro, é preciso ter (digamos) pescoço.

CARLOS GUILHERME MOTA, HISTORIADOR, É PROFESSOR EMÉRITO DA FFLCHUSP, PROFESSOR TITULAR NA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE E AUTOR DE IDEOLOGIA DA CULTURA BRASILEIRA (EDITORA 34) E, COM ADRIANA LOPEZ, DE HISTÓRIA DO BRASIL. UMA INTERPRETAÇÃO (EDITORA SENAC)

Forças e fraquezas:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Dilma Rousseff construiu uma versão para a história econômica recente e é protegida de si mesma pela armadura do marketing. José Serra abandonou a identidade que poderia ter e se debate num projeto sem rosto. Marina Silva tem a cara do novo, mas se perde na ambiguidade em relação ao seu antigo partido. Os três têm também forças. Eles nos levarão às urnas em uma semana

No período em que o Brasil se debateu contra a ditadura, Dilma e Serra se perfilaram no grupo que ficou contra o autoritarismo. Lutaram de forma diferente, mas foram contra o arbítrio e ambos pagaram um preço por isso. Marina, mais nova que os dois, também entrou na vida política pela oposição ao regime, e ingressou na vereda que virou o grande caminho do futuro: o do respeito aos limites do planeta.

Nenhum dos três é filho de oligarquias. A situação social em que Dilma nasceu foi melhor do que a de Serra, mas Marina é que cumpriu o mais espantoso roteiro de superação: da pobreza do Seringal Bagaço à senadora mais jovem da República.

Expulsa do paraíso petista, não por seus pecados, mas por suas virtudes, Marina comemorou num fiapo de resposta de Dilma, num debate recente, ter sido reconhecida como parte do governo Lula.

Aceita dividir com Dilma os louros de sua maior vitória pelo meio ambiente: a queda do desmatamento.

Os bancos oficiais continuam financiando as atividades que abatem árvores e esperanças; as grandes obras, que sua adversária brande como eixo do seu projeto, para a alegria das empreiteiras, ferem o coração da Amazônia; o modelo energético de Dilma aumentou a presença da energia fóssil na economia. As duas têm visões opostas sobre a questão ambiental e climática, mas Marina nunca foi capaz de confrontar sua adversária e revelar os conflitos entre elas.

O governo criou uma fábrica de números falsos em seus bem-aparelhados órgãos oficiais e reescreveu a história recente do país. Como a memória sempre foi fraca por aqui, fica-se assim entendido o falso como verdadeiro. Brigar com cada número resultaria numa discussão enfadonha, mas basta dizer que, em sete anos de governo e quatro de PAC, o saneamento básico saiu de 56% para 59%.

Ou seja, nada aconteceu no que há de mais intestino da qualidade dos serviços públicos, raiz da saúde e do meio ambiente urbano. Diante do falso brilhante dos trilhões que ela declama, o investimento público é de apenas 1,3% do PIB.

A verdade, para além do aborrecido traçar de números, é que, há décadas, o governo investe pouco e tira da sociedade cada vez mais impostos.

A carga tributária sobe constantemente, o governo tem déficit nominal, o rombo da previdência avança.

Mas Dilma repete a todos que ajuste fiscal é burrice. Anestesiados, os contribuintes continuarão pagando a conta sem sequer entendê-las.

Pela distorcida história oficial, a inflação não foi vencida no Plano Real, quando estava em 5.000%, tinha derrotado cinco planos, engolido décadas e arruinado famílias e empresas. A versão da campanha é que Lula recebeu um país em destroços.

Quem repõe a verdade vivida há tão pouco tempo? Deveria ter sido José Serra, mas ele não quis ou não soube.

Dissidente da política econômica que nos trouxe a tão sonhada estabilidade, ele ainda se pega em minúcias das discordâncias. Não conseguiu mostrar para o eleitor que, pela ação da privatização, um povo que tinha telefone em 19% das casas, hoje tem em 85% delas. Um país que vivia o tormento hiperinflacionário teve em Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, o líder que convocou os especialistas e arquitetou o plano que iniciou o novo Brasil. Só Marina tenta repor a verdade, ao lembrar fatos e distribuir méritos com sua serenidade destoante.

Serra não resgata o passado prisioneiro dos mitos do marketing petista; não consegue dizer o que fará de novo, se for eleito. O pode mais vazio acabou virando uma oferta de mais salário mínimo e mais aposentadoria. Com a eloquência do passado real e uma proposta consistente para o futuro, Serra poderia mais, mas sua campanha ficou sem rosto e projeto.

Marina tem a força de propor o novo. Tão novo que nem é entendido. Propõe uma revisão do conjunto dos estímulos e pesos tributários para crescer e incentivar a transição para a economia de baixo carbono. Hoje, carvão colombiano recebe redução de impostos para entrar no país, alimentar termelétrica financiada com dinheiro subsidiado do BNDES. E o país acha normal. O banco financia frigoríficos que compram carne de área desmatada. E o país acha normal. Uma farra com dinheiro público é montada para liquidar a grande volta do Xingu, num crime duplo: ambiental e fiscal. E o país acha normal.

Dilma tirou o máximo de proveito da segunda etapa do processo de criação do mercado de consumo de massas.

A primeira etapa foi o Plano Real. A segunda, no governo Lula, foi possível com a oferta de crédito e a ampliação dos programas de transferência de renda. Dos três candidatos, é a mais desconhecida dos eleitores. Eles votam numa miragem construída pela popularidade do Lula e pela propaganda.

Foi enclausurada pelo marketing por medo de que seu temperamento pusesse tudo a perder.

Os três têm forças e fraquezas, mas as distorções da campanha mostram que o país está desperdiçando o melhor momento de pensar estrategicamente seu futuro.

Tráfico de influência com conta no exterior

DEU EM O GLOBO

Quícoli, que denunciou esquema na Casa Civil, diz que propina iria para Hong Kong

Tatiana Farah

SÃO PAULO - O esquema de tráfico de influência instalado na Casa Civil contaria até com duas contas em Hong Kong, na China, para onde deveriam ser enviadas as propinas pagas pelas facilidades obtidas, segundo o empresário Rubnei Quícoli, de Campinas. Esse esquema seria comandando pelo ex-diretor de Operações dos Correios Marco Antonio de Oliveira, seu sobrinho Vinícius Castro, ex-funcionário da Casa Civil, e Israel Guerra, filho da exministra da pasta Erenice Guerra.

A denúncia, que consta de reportagem da revista Veja desta semana, foi confirmada ontem por Quícoli. O empresário que, em parceria com as empresas de energia EDRB e KVA, tentava um empréstimo de R$ 9 bilhões no BNDES enviou ontem ao GLOBO, por email, os números de duas contas no HSBC de Hong Kong, em nome de Right Day Enterprises Limited e Tartar International Limited, que seriam do genro de Marco Antonio, o empresário Roberto Ribeiro. Este negou ao GLOBO ter passado os dados com o propósito de que fosse depositado dinheiro fruto de propina, mas confirmou ter se reunido com Quícoli.

Pedido de propina de R$ 5 milhões

Segundo Veja, Marco Antonio chegou a pedir que o genro, que mora em Miami, viesse ao Brasil para se reunir com Quícoli. O encontro, conta a reportagem, ocorreu em 12 de junho, no Hotel Inter Continental da Alameda Santos, em São Paulo.

Essa conta (no exterior) é do genro do Marco Antonio. Após o Vinícius não ter sucesso comigo, o M.A. (como Marco Antonio é chamado) tomou frente para arrecadar R$ 5 milhões dizendo que seria para a Erenice apagar um incêndio dela e da Dilma e outro valor não mencionado pelo M.A. para ajudar na campanha do Helio Costa respondeu Quícoli, por e-mail, ao GLOBO.

O e-mail de Ribeiro a Quícoli é datado de 25 de maio deste ano.

No dia 6 de maio, Quícoli já havia recebido um e-mail que seria de Vinícius, em que é apresentada uma conta para depósito no Brasil, em nome da Synergy Assessoria e Consultoria Empresarial LTDA, de Brasília.

No texto, Vinícius pede que, tão logo possível, (Quícoli) encaminhe minuta do contrato para levarmos ao jurídico e providenciarmos o preenchimento da respectiva nota fiscal.

Primeiro, o Vinícius me enviou essa conta (a da Synergy). Eu enrolei e, lógico, não aceitei jamais respondeu Quícoli ao GLOBO.

O contrato seria feito com a Capital Assessoria, empresa da mãe de Vinícius Castro e de Saulo Guerra, outro filho de Erenice Guerra. O serviço prestado pela Capital seria a intermediação do empréstimo no BNDES para a construção de uma usina de energia eólica no Nordeste do país.

O grupo de lobistas teria se contentado em receber R$ 5 milhões para viabilizar o empréstimo. Esse é o dinheiro que deveria ter sido depositado nas contas de Hong Kong. Segundo Veja, os números das contas no exterior foram oferecidos a Quícoli como uma opção mais discreta para o recebimento da propina. Quícoli, porém, afirma que não aceitou a proposta e não pagou a propina. Segundo o empresário, o empréstimo do BNDES foi suspenso depois que ele se negou a pagar pelo lobby.

Apesar de negociar com a Capital, Quícoli já afirmara ao GLOBO que nunca se encontrou com os irmãos Saulo e Israel Guerra, filhos de Erenice.

Mas disse que participou de várias reuniões na Casa Civil, a primeira com a então secretária do ministério, Erenice Guerra. Na ocasião da entrevista, Quícoli disse não saber se os R$ 5 milhões pagariam dívidas de campanha, nem se Dilma e Erenice sabiam do pedido milionário: Não me disseram que era (para cobrir) um rombo da campanha.

Acho que eram dívidas particulares.

Alguma coisa assim que o partido não tinha como sustentar.

Acho que eram coisas particulares e não tinham nada a ver com o partido, em si. Ele (Marco Antonio) me disse que era dos três, na verdade, Dilma, Erenice e Helio Costa.

Ex-braço direito de Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência, Erenice negou ter permitido um esquema de facilitações a empresas na Casa Civil. O PT ingressou com uma ação na Justiça Eleitoral contra o empresário de Campinas, alegando calúnia e difamação contra o partido.

Helio Costa também negou ter pedido dinheiro. O BNDES negou a existência de lobby para favorecer as empresas ligadas a Quícoli.

Veto foi estopim da denúncia

Perguntado sobre sua motivação e a data escolhida para fazer a denúncia, publicada pela Folha de S. Paulo há duas semanas, o empresário respondeu que aproveitou o momento das denúncias do empresário Fabio Baracat sobre a Capital: Como uma ministra coloca os filhos dela lá para viabilizar aporte de R$ 9 bilhões? Quando vi que o contrato que eu tinha, da empresa (Capital), era a mesma, conversei com a empresa (ERDB) e falei: vou me manifestar.

Primeiro, chequei no BNDES e deu que o meu projeto estava totalmente anulado. Daí, deu a entender que, realmente, o poder deles, por eu não ter assinado o contrato, foi de vetar.

Foi o estopim para mim.

Empresário diz que foi usado

Ribeiro confirma encontro, mas nega envolvimento em propina

BRASÍLIA. O empresário Roberto Ribeiro confirmou ontem ao GLOBO, por telefone, que foi apresentado a Rubnei Quícoli por intermédio de seu sogro, o ex-diretor dos Correios Marco Antônio de Oliveira, no primeiro semestre deste ano. Segundo Ribeiro, que mora em Miami e tem uma locadora de carros e uma empresa de tabaco, Quícoli estaria interessado em investir em sua empresa.

Para tanto, teria US$ 30 milhões no banco Mitsubishi, no Japão.

Segundo Ribeiro, em momento algum do encontro houve menção a eventual pagamento de propina ou repasse de recursos à ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, ao seu filho Israel ou à campanha de Dilma Rousseff.

Antes de os dois se conhecerem pessoalmente, o que ocorreu em junho, num hotel em São Paulo onde Ribeiro estava hospedado, Marco Antonio de Oliveira fizera a ponte entre ambos. Por causa disso, disse Ribeiro, ele enviou a Quícoli, a quem nunca vira antes, dados de duas contas que mantém em Hong Kong.

A informação adiantada, prática pouco usual no mundo dos negócios que não foram concretizados, serviria para que Quícoli pudesse checar se haveria possibilidade de transferência dos recursos do Japão para Hong Kong.

A reunião entre Ribeiro, Quícoli e Oliveira se deu em 12 de junho. Na ocasião, relembra o empresário, seu sogro nada falou. Quícoli, relembrou Ribeiro, queria saber quanto ganharia com o investimento e deu a entender, de acordo com o empresário, que queria um adiantamento.

Eu lhe disse que só poderia lhe dar algum retorno financeiro depois que começássemos a dar lucro afirmou Ribeiro, desmentindo que tenha vindo ao Brasil somente para a reunião, e alegando um compromisso pessoal, na região de Sorocaba (SP).

Ribeiro disse que Quícoli, depois, informou-lhe que não era possível fazer a transferência do dinheiro no Japão para os bancos em Hong Kong. Após o encontro no hotel, os dois, segundo Ribeiro, não voltaram a se falar. Ribeiro declarou que acabou realizando investimentos sozinho na firma, comprando máquinas para sua empresa em Hong Kong e na França, numa transação de US$ 1,8 milhão.

Ribeiro negou que no encontro em São Paulo tenha tratado de pagamento de propina ou doação para a campanha política de Dilma ou ao candidato ao governo de Minas Gerais, Hélio Costa, como afirmou Quícoli.

Não se tocou no nome de Dilma, de Erenice (Guerra, ex-ministra da Casa Civil), ou de Israel (Guerra, filho de Erenice, acusado de tráfico de influência).

Para Ribeiro, se o objetivo do encontro era facilitar o pagamento de eventual propina por meio de suas contas em Hong Kong, ele foi usado.

Se o que estão dizendo é verdade, eu fui usado, inclusive pelo meu sogro. Prefiro não acreditar nisso afirmou.

Entenda o caso

Ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra deixou o cargo no dia 16 deste mês, após seu filho, Israel Guerra, ter sido acusado de tráfico de influência. Segundo as denúncias, a Capital Consultoria e Assessoria, a qual Israel foi ligado e pertence a seu irmão, prestou serviços para a Anac em 2009, e teria apressado a renovação da concessão da Master Top Airlines (MTA), que este ano fechou contrato, sem licitação, de R$ 19,6 milhões com os Correios. Segundo a Folha de S. Paulo, Israel participou ainda de reuniões com representantes da EDRB do Brasil Ltda, que tentava financiamento do BNDES. A EDRB foi aconselhada a procurar a Capital, que teria mediado uma audiência, em novembro de 2009, com Erenice. A Casa Civil confirma a reunião, mas nega que ela tenha participado.

Os donos da EDRB, Aldo Wagner e Marcelo Escarlassara, e o consultor da empresa, Rubnei Quícoli, dizem que foram informados que a empresa teria acesso a um financiamento de R$ 9 bilhões do BNDES, desde que pagassem uma comissão pela intermediação.

Vinícius Castro, assessor da Casa Civil que pediu demissão depois de uma reportagem da Veja, teria, segundo a Folha de S. Paulo, viabilizado o encontro entre Quícoli e Erenice, e foi apresentado a Quícoli por Marco Antônio de Oliveira, seu tio.

Enquanto Erenice esteve no governo, alguns parentes assumiram cargos públicos, entre eles o marido, que trabalhou na Eletronorte, e os irmãos, que ocuparam cargos no Ministério das Cidades, na Controladoria Geral da União e na Empresa de Pesquisa Energética.

Cresce apoio a manifesto pela imprensa

DEU EM O GLOBO

Lançado na quarta-feira, documento já havia obtido 35,6 mil assinaturas de adesão, até a tarde de ontem

SÃO PAULO. Lançado na quarta-feira na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o Manifesto em defesa da democracia e da liberdade de imprensa reunia até a tarde de ontem cerca de 35,6 mil assinaturas, segundo o site www.defesadademocracia.com.br, que divulga o documento e recolhe adesões.

Endossam o manifesto personalidades como os juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr.; o arcebispo emérito de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns; o ex- procuradorgeral da República Aristides Junqueira; o ex-presidente do STF Carlos Velloso; o ex-ministro Pedro Malan; e o escritor Ferreira Gullar.

O cerne da democracia é a vigilância. É uma plantinha tenra, e, se não tomarmos cuidado, pisam nela disse ontem Bicudo, que leu o manifesto em seu lançamento.

A iniciativa foi uma reação aos ataques nas últimas semanas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imprensa e à convocação de um ato contra a mídia na quinta-feira, na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, que contou com o apoio de centrais sindicais, do PT e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Quando o li o documento, me lembrei da Carta aos brasileiros, lida por Gofreddo da Silva Telles na ditadura. Antes, era uma proposta de luta contra a ditadura militar.

Agora, é contra qualquer tipo de ditadura em decorrência do acúmulo do poder nas mãos de uma só pessoa comparou Bicudo.

Por que tanta raiva?

DEU EM O GLOBO

Popular e padrinho da candidata favorita, Lula ataca imprensa e oposição ao ver governo envolvido em denúncias

Carolina Benevides

A pouco mais de três meses de passar a faixa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria, pelo menos, dois grandes motivos para comemorar: altíssima popularidade e o favoritismo de sua candidata, Dilma Rousseff (PT), que tem chance de vencer no primeiro turno graças a isso, o que nem ele conseguiu.

Mesmo assim, Lula tem adotado um discurso raivoso nos palanques, com ataques à oposição e à imprensa diante das denúncias de tráfico de influência e corrupção no governo.

Cientista político e professor da USP, José Álvaro Moisés diz que o comportamento de Lula é estranho: Por que o presidente está raivoso, mesmo tendo tanto sucesso? Acredito que Lula não está familiarizado com a crítica e a contestação que existem numa democracia, que fazem parte de um mundo plural. Lula se diz ao lado da democracia, mas não consegue conviver com esses aspectos.

Para Moisés, o comportamento do presidente também reflete o receio de que o que a imprensa tem revelado possa afetar o resultado eleitoral.

No caso da Erenice (Guerra, exministra da Casa Civil), Lula a desqualificou dizendo que ela jogou fora a chance de ser uma grande funcionária pública. Mas o que houve no governo para permitir que ela perdesse essa chance? E a responsabilidade de Lula? Em diversos comícios recentemente, Lula atacou a imprensa Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a opinião pública e o DEM precisamos extirpar da política brasileira, e disse ainda que os veículos de comunicação têm que ter controle.

Na sexta-feira, diante da queda da vantagem de Dilma sobre seus adversários nas pesquisas, o presidente já moderou o tom, dizendo que a imprensa é muito importante para a democracia.

De acordo com Marly Silva da Motta, historiadora e pesquisadora do CPDoc da Fundação Getulio Vargas (FGV), é raro um governante chegar ao fim de dois mandatos sendo tão popular. Ao conseguir esse feito, segundo ela, Lula pode ter começado a achar que pode falar e também fazer qualquer coisa: Por conta da alta popularidade, acredito que ache que é hora de acertar as contas com algumas correntes políticas e com a imprensa, que historicamente sempre deu espaço a ele.

Se a disputa eleitoral estivesse acirrada, não sei se o presidente ia atirar para todos os lados. O que vejo é Lula fazendo acerto de contas, elegendo até políticos para derrotar como os senadores Agripino Maia (DEM) e Arthur Virgílio (PSDB).

Segundo Marly, ao ter como certa a vitória de Dilma na eleição, Lula perdeu o equilíbrio: Com a margem que Dilma tem, Lula passou a ficar pouco atento ao seu comportamento. Claro que pode desejar que o DEM desapareça, mas não é bom politicamente falar isso num palanque.

Para o cientista político Murillo de Aragão, o destempero de Lula é resultado do processo eleitoral.

Lula deve se achar injustiçado, e provavelmente acredita que a imprensa destaca aspectos negativos para tentar levar a eleição para o segundo turno. No episódio da ministra Erenice, ele teve uma reação que servia ao interesse eleitoral da acusação. Bastava ter dito que o caso era sério e que ia investigar.

Sobre a declaração de que o DEM precisa ser extirpado, Aragão diz que Lula, mesmo agindo como cabo eleitoral, deveria ter pensando antes de falar: Devia ter ponderado, especialmente porque já sabia que às vésperas da eleição não poderia se retratar.

Cientista político, Fábio Wanderley Reis diz que o destempero de Lula faz parte do processo eleitoral: Há certo exagero, mas, na reta final da campanha, é complicado separar a função de chefe de Estado da de líder partidário que quer eleger sua candidata.

Melhor seria que o tom fosse outro.

'Lula tenta enfraquecer discussão das denúncias'

DEU EM O GLOBO

ENTREVISTA Lúcio Rennó

Ao atacar a imprensa, o presidente Lula adota uma tática eleitoral com o objetivo de desqualificar as denúncias de corrupção ligadas ao governo. A observação é do cientista político Lúcio Rennó, pós-doutorando pelo German Institute of Global and Area Studies e professor da Universidade de Brasília.

Ele acha difícil avaliar o impacto na campanha das denúncias de corrupção com pesquisas divergentes


Fabio Brisolla

O GLOBO: O que diferencia a eleição presidencial atual das disputas anteriores?

LÚCIO RENNÓ: A popularidade do presidente é o grande diferencial da eleição. E ele parece estar transferindo essa popularidade a seus aliados. Em 98, havia um presidente relativamente popular (Fernando Henrique Cardoso). O mesmo ocorreu em 2006, com o próprio presidente Lula. Mas esta eleição tem esse novo aspecto: todo mundo quer ser da base aliada, o que denota uma constatação popular do sucesso do governo.
Popularidade é sinônimo de transferência de votos até que ponto?

RENNÓ: A Dilma teve papel no governo, mas não existiria como candidata não fosse o apoio pessoal do Lula. A presença do presidente requisitada nas disputas estaduais é um indício forte de seu prestígio como cabo eleitoral. A popularidade parece ser proporcional ao seu potencial para transferir votos. Mas, nesse caso, a influência dele deve ser maior nas eleições aos governos estaduais e ao Senado.

Qual é a influência do apoio do presidente nas eleições para deputado federal e estadual?

RENNÓ: Na disputa para deputado federal e estadual, pesa muito a trajetória do candidato.Prevalece a relação dele com grupos específicos, que podem ser locais como os eleitores de uma cidade ou região; ou corporativos, quando o voto é vinculado a associações de taxistas ou bancários, por exemplo. PT tenta blindar Dilma contra as denúncias

Como o senhor avalia a postura do presidente diante das denúncias de corrupção relacionadas ao governo?

RENNÓ: Lula é muito inteligente. Ele investe na mensagem de que a mídia tem um complô contra o presidente da República. É uma forma de desacreditar a fonte das notícias sobre corrupção. A lógica passa a ser: será que é isso mesmo? A estratégia é dizer que os meios de comunicação têm predisposição política definida e contrária ao governo. É uma forma de dar um arsenal para seus eleitores e apoiadores contra-argumentarem nas discussões políticas que reverberam as notícias. É uma tática eleitoral sagaz. Lula tenta enfraquecer a discussão das denúncias. O governo bate no mesmo ponto: por que as denúncias só acontecem agora quando falta uma semana para a eleição? Esse é o recurso de retórica que vem sendo utilizado pelo governo.

A campanha de Dilma Rousseff segue um discurso semelhante..

RENNÓ: O PT seguiu a mesma estratégia adotada no escândalos dos aloprados (quando petistas foram flagrados tentando comprar um dossiê contra os tucanos) em 2006: blindar a Dilma como fizeram com Lula. Ela se diz surpresa, traída... e repete que ainda é preciso comprovar as acusações. A Dilma diz que não tinha conhecimento das acusações envolvendo a Erenice (Guerra, ex-ministra da Casa Civil). E fica nisso.

As críticas às denúncias quase não surtiram efeito, nas pesquisas, para José Serra. Qual deve ser a postura da campanha do PSDB na reta final da eleição?

RENNÓ: Diante das denúncias, o PSDB está fazendo o papel dele. É o que tem de fazer mesmo. Debater a crise ética. Até porque restam poucos argumentos para a campanha deles. Há uma timidez do PSDB para defender um governo que fez muitas reformas importantes para o país. Essa defesa deveria ser feita com veemência, assim como o governo Lula faz com sua administração. E, sem essa defesa, sobram poucos argumentos para a campanha de Serra.

Como o senhor avalia o impacto das denúncias recentes envolvendo a Casa Civil nas pesquisas de opinião?

RENNÓ: Uma pesquisa apontou um impacto no percentual de votos válidos. Houve uma queda na vantagem de Dilma, segundo o Datafolha. Mas na pesquisa Vox Populi não há oscilação.
Permanece o mesmo quadro eleitoral após os escândalos. Portanto, uma pesquisa captou os efeitos do escândalo e outra não captou. Esses resultados desencontrados dificultam muito a análise sobre o impacto das denúncias na campanha eleitoral. Vale ressaltar que a diferença entre as duas pesquisas não é tão grande. Mas é suficiente para confundir a avaliação e criar uma dúvida que não existia antes.

Mais de 2 mil municípios do país são subdesenvolvidos

DEU EM O GLOBO

Apenas 226 cidades brasileiras, ou 4% do total, apresentam um nível de desenvolvimento alto, enquanto 2.503 (45%) são subdesenvolvidas, não contando com água tratada e atendimento médico básico. Nelas vivem 40 milhões de brasileiros. Este é o retrato do país, segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, que o futuro presidente terá de encarar. "O Brasil continua muito desigual, e os avanços são num ritmo lento", diz Luciana Sá, diretora da Firjan.
Um país partido

Só 4% dos municípios têm alto desenvolvimento, e 45%, ou 2.503, são carentes

Liana Melo, Rennan Setti e Evandro Éboli*


RIO e MARAJÁ DO SENA (MA)

É abissal a distância que separa Araraquara, em São Paulo, de Marajá do Sena, no Maranhão.

Os dois municípios retratam o embaralhamento da desigualdade socioeconômica do país, que junta cidades de diferentes níveis de desenvolvimento.

Aquelas que oferecem estudo de qualidade, saúde idem e elevado nível de formalidade no emprego ainda são absoluta minoria e somam apenas 226 cidades (ou 4%), de um total de 5.564 municípios.

Já as cidades carentes, ou subdesenvolvidas, são em número 11 vezes maior: 2.503 municípios sem água tratada e atendimento médico básico. Neles vivem 40 milhões de brasileiros. Ainda que o país esteja melhorando no seu conjunto, 45% das cidades do país continuam em situação de penúria total ou parcial.

Pouco mais da metade delas (51%) apresenta grau de desenvolvimento moderado. Este é o retrato das cidades brasileiras que o novo presidente da República vai receber das urnas no próximo domingo.

O perfil das cidades do Brasil foi construído sobre o tripé emprego e renda, saúde e educação, que juntos compõem o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM). A pesquisa está olhando o país pelo retrovisor, já que retrata a situação dos municípios brasileiros em 2007.

Ainda assim, ela difere pouco da documentada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2009. Os dados do IFDM são oficiais e foram coletados nos ministérios do Trabalho, da Saúde e da Educação. Ao contrário do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), das Nações Unidas (ONU) que usa os dados do censo demográfico publicado a cada dez anos , o IFDM é anual, com recorte municipal e abrangência nacional.

O Brasil continua um país muito desigual, e os avanços estão ocorrendo num ritmo lento. É um país partido avalia Luciana Sá, diretora de Desenvolvimento Econômico da Firjan, comentando que uma das novidades do IFDM de 2007 é também o fato de a Região Centro-Oeste estar ficando mais parecida com o Sul e o Sudeste e de estar se distanciando, do ponto de vista de desenvolvimento, do Norte e Nordeste.

Ritmo de melhora das cidades é lento

As cidades brasileiras avançaram apenas 1,4% em 2007 em comparação ao IFDM de 2006. Com isso, a média nacional ficou em 0,7478, considerada de desenvolvimento moderado. O avanço é bem menor do que os 3,46% registrados na comparação 2006 contra 2005, o primeiro ano do IFDM. A dona de casa Jucilene de Souza Silva sente na pele as agruras deste subdesenvolvimento municipal. Moradora de Marajá do Sena, no Maranhão, ela vive numa casa de taipa, feita de barro amassado e teto forrado com folhas de babaçu, e convive, diariamente, com uma lagoa de esgoto no fundo do seu quintal.

Não bastasse o cheiro que a lagoa exala, a casa vizinha à de Jucilene, que está abandonada, acabou transformada em um chiqueiro: Esse porco fica atentando no quintal alheio. O vizinho é que deixa esse bicho largado aí.

Marajá do Sena é considerado o município de mais baixo desenvolvimento do país. Ou seja, o mais carente e pobre. Sua pontuação foi de 0,3394, considerando que as cidades enquadradas nesta categoria variam entre 0 e 0,4. Araraquara lidera a pesquisa, com 0,9349 pontos. As cidades com desenvolvimento regular com pouco ou nenhum acesso a serviços de educação e saúde, além de baixa formalidade no mercado de trabalho ficaram entre 0,4 e 0,6. Os moderados, entre 0,6 e 0,8, e os de alto desenvolvimento, de 0,8 a 1. Apenas uma cidade brasileira conquistou a nota máxima: Rondinha (RS), que ganhou nota 1, no item emprego e renda.

Na avaliação do economista Flávio Comim, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o IFDM está seguindo a mesma trajetória do IDH, que, nos últimos anos, vem evoluindo de forma consistente, porém a taxas decrescentes.

O país está seguindo uma trajetória de progresso consistente, mas num ritmo cada vez mais lento diagnostica Comim, comparando a desaceleração do desenvolvimento socioeconômico dos municípios ao perfil do comportamento do IDH.

E o IFDM confirmou, mais um vez, que o interior está crescendo num ritmo bem mais acelerado que os grandes centros urbanos. Os dez primeiros municípios da pesquisa são todos paulistas. Macaé, no Norte Fluminense, aparece na 11aposição no ranking nacional. Apenas três capitais figuram entre os cem primeiros colocados.

Curitiba (PR) aparece em primeiro lugar, mas ainda assim está em 47ono ranking nacional. As duas outras capitais são Vitória (ES), que perdeu o posto de liderança alcançado em 2006, ficando em segundo lugar em 2007. Nacionalmente, a capital do Espírito Santo aparece na 51aposição.

A terceira é São Paulo, que manteve o mesmo desempenho do ano anterior.

Nacionalmente, no entanto, a capital paulista aparece em 87olugar.

Interiorização causa falta de mão de obra

No ranking dos estados, São Paulo e Paraná são os únicos a registrar alto nível de desenvolvimento.

No entanto, 23 das 27 unidades da Federação, incluindo o Distrito Federal, melhoraram ou mantiveram seus índices.

O desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, acompanhado da geração de postos de trabalho e aumento de renda, está causando dificuldades para as metrópoles do Sudeste comentou Guilherme Mercês, chefe da divisão de Estudos Econômicos da Firjan. Já há uma carência de mão de obra em São Paulo e no Rio, o que significa que a interiorização está freando o fluxo migratório de trabalhadores para esses municípios.

A economista Hildete Pereira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), não concorda inteiramente com a análise. Para ela, o acelerado processo de interiorização que o país vem vivendo é uma notícia auspiciosa, já que abranda o agigantamento das metrópoles.

É a primeira vez, desde que o IFDM vem sendo divulgado, que a educação aparece como área de desenvolvimento de maior influência no desempenho do índice geral.

Neste quesito, São Paulo ficou na liderança, com 92 cidades das cem primeiras colocadas. A saúde, por sua vez, manteve uma trajetória de ascensão vagarosa. O Paraná foi o estado que apresentou o melhor desempenho nessa área, embora o Rio Grande do Sul tenha dez municípios com a nota máxima (1) e 54 cidades entre as cem primeiras do ranking. Já os indicadores de emprego e renda registraram pequena acomodação. O Rio aparece em primeiro, trocando de posição com São Paulo, que, no IFDM de 2007, ficou em segundo lugar.


(*) Enviado especial a Marajá do Sena

FH admite no 'Financial Times' vitória de Dilma

DEU EM O GLOBO

Camila Nobrega

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso admitiu uma provável vitória da candidata à Presidência Dilma Rousseff, do PT, em entrevista ao jornal britânico Financial Times. Segundo o jornal, ele respondeu com um sim à afirmação de que Dilma ganharia as eleições, e criticou a estratégia da oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A oposição errou. Permitimos a mitificação de Lula. E ele não é um revolucionário.

Ele emergiu da classe trabalhadora e se comporta como parte de uma velha elite conservadora, afirmou o ex-presidente.

Para Fernando Henrique, a chegada de Dilma ao poder impediria o crescimento rápido, mas não atrasaria o Brasil, porque a sociedade está muito forte para isso.

O ex-presidente definiu Lula como um Lech Walesa melhorado, em referência às origens sindicalistas do ex-presidente polonês.

Ao comparar seu governo com o do sucessor, Fernando Henrique disse que fez reformas, e Lula surfou na onda.

O mal a evitar - Editorial: O Estado de S. Paulo

A acusação do presidente da República de que a Imprensa "se comporta como um partido político" é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre "se comportar como um partido político" e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.

Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, o Estado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.

Efetivamente, não bastasse o embuste do "nunca antes", agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.

Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa - iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique - de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.

Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia - a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o "cara".

Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: "Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?" Este é o mal a evitar.

Serra mira S. Paulo, Minas e Rio; Dilma aposta mais na TV

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Marina acelera o ritmo e quer ainda visitar pelo menos uma grande capital em cada região do País

Na reta final das eleições, o candidato José Serra (PSDB) aproveitará a última semana de campanha para reforçar estratégias nos principais colégios eleitorais - São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais - e calibrara discurso para o eleitor indeciso em busca de um segundo turno. Apostando na cautela, Dilma Rousseff (PT) se prepara para o debate de hoje da Record e o da Globo, na quinta-feira. O presidente Lula arrefeceu o tom do discurso contra a mídia em comício realizado em Porto Alegre na sexta-feira e, destacando a importância da imprensa, afirmou que "é preciso ter humildade". Marina Silva deve avançar com a proposta de que não quer embate, mas sim debate.

Serra e Marina focam grandes colégios eleitorais para forçar 2º turno

Dilma se concentra nos dois últimos debates, enquanto rivais precisam "roubar" votos e convencer indecisos

Julia Duailibi, Malu Delgado, Roldão Arruda

SÃO PAULO - Na reta final das eleições, os candidatos José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) aproveitarão a última semana de campanha para reforçar estratégias nos principais colégios eleitorais e calibrar o discurso para o eleitor indeciso em busca de um segundo turno. Com chances de vencer no primeiro turno, Dilma Rousseff (PT) aposta e se prepara para os dois últimos debates na TV.

Veja também:

linkIbope: Serra sobe, vantagem diminui, mas Dilma ainda vence no 1º turno

Nos bastidores, o PT acredita ser possível a vitória no primeiro turno, dia 3 de outubro, mas também tem preparado dirigentes e militantes para um enfrentamento no segundo turno, se necessário. Já o comando tucano articula aumento da exposição de Serra no Rio e em São Paulo.

Diante da oscilação negativa de Dilma nas últimas pesquisas de intenção de votos, o comando político da campanha reforça a necessidade de adotar cautela na reta final e considera que os momentos decisivos serão os dois últimos debates, na TV Record, neste domingo, 25, e especialmente o da TV Globo, o de maior audiência.

Principal cabo eleitoral de Dilma, o presidente Lula também arrefeceu o tom do discurso contra a mídia em comício realizado em Porto Alegre na sexta-feira, 24.

Após sucessivas críticas de parcialidade da mídia e de adotar uma retórica agressiva contra a oposição, Lula destacou a importância da imprensa e afirmou que "é preciso ter humildade".

"Estamos confiantes, mas sem salto alto, e vamos continuar na mesma linha de campanha", disse o presidente do PT, José Eduardo Dutra, coordenador da campanha de Dilma. "O que salta aos olhos é que após um mês de intenso bombardeio a Dilma não perdeu votos."

Segundo o presidente do PT, a despeito da pequena oscilação, as pesquisas deixam claro que Dilma Rousseff tem voto consolidado. O aumento da vantagem de José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), afirmou Dutra, ocorreu sobretudo a partir dos votos de indecisos, e não houve perda de votos da petista.

"Nunca proclamamos vitória antecipada e nunca ficamos de salto alto. Se não for possível ganhar no primeiro turno, ganharemos no segundo", afirmou o coordenador de comunicação da campanha de Dilma, o deputado estadual Rui Falcão (PT).

O comando petista acredita que Dilma será o alvo principal dos adversários nos dois últimos debates, e que as denúncias sobre tráfico de influência na Casa Civil e violação de sigilos fiscais de pessoas ligadas ao PSDB serão amplamente explorados. "A Dilma já está escolada com isso e absolutamente preparada para os debates finais", afirma Dutra.

Euforia

Após uma longa e desconfortável permanência nos arredores de 9% nas pesquisas, a coordenação da campanha de Marina Silva está eufórica com os 12% das intenções de voto obtidos na última sondagem do Ibope, feita entre os dias 21 e 23.

A confirmação pelas pesquisas de que cresce o número de eleitores dispostos a votar em Marina aumenta a convicção dos seus coordenadores de que a rota está correta e será mantida.

"A onda verde que estamos verificando nos últimos dias decorre de uma estratégia que deve ser mantida", ressalta o coordenador da campanha, João Paulo Capobianco. "Não perdemos votos, não caímos, e agora estamos subindo."

Marina deve avançar pela última semana de campanha dizendo que não quer embate, mas sim debate. Assim como Dilma, sua principal preocupação é estar bem preparada para os debates da Record e da Globo. Sabe que seu avanço nas pesquisas se deve mais à exposição no noticiário e nos debates, já que o horário eleitoral gratuito lhe reserva o diminuto espaço de 1m26s.

Capobianco reforça a importância de Marina ter se diferenciado de Serra no tratamento dos escândalos que afetaram Dilma. "Ela não quis usar nenhum escândalo de forma eleitoreira. Quando criticou o vazamento na Receita, sua principal preocupação não foi roubar votos de Dilma, mas sim para defender o Estado e suas instituições", afirma.

Agendas

Serra estará neste domingo, 26, e quinta-feira no Rio de Janeiro, segundo maior colégio eleitoral do País e onde Marina conseguiu empatar com ele na segunda posição - o tucano tem 19% das intenções de voto contra 18% da candidata do PV. Também reforçará agenda em São Paulo, colado com Geraldo Alckmin, candidato tucano ao governo paulista e líder das pesquisas no Estado.

Na quarta-feira, os tucanos pretendem encerrar a campanha com uma festa na Mooca. Inicialmente, pensou-se num evento no centro da cidade, mas como a campanha da adversária petista também articulava algo parecido, o PSDB resolveu fazer a festa no bairro popular onde Serra nasceu. Ainda estão previstas passagens pela Bahia e por Minas.

A agenda da petista para a última semana não foi definida. O evento já anunciado é o "último comício", na segunda-feira, no sambódromo em São Paulo.

Razões e desrazões do lulismo

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O lulismo seria um continuador do varguismo? Sim, mas pelo que Getúlio tinha de pior, segundo Maria Sylvia Carvalho Franco e Sergio Fausto, que fazem um contraponto ao artigo de André Singer "A história e seus ardis", publicado na Ilustríssima, em 19/9

De casas, pastores e lobos

RESUMO Lula valeu-se da herança varguista do paternalismo para constituir seu governo e sua popularidade, calçada na cultura da carência dos brasileiros, em violações de direitos e no marketing político. O alardeado êxito comercial leva a escolhas eleitorais sem racionalidade, que ignoram fragilidades econômicas e valores cívicos.

Maria Sylvia Carvalho Franco

ENTRE AS IMAGENS ARCAICAS do poder político estão as do pastor e do pai. Esta última figura, o presidente Lula reclamou explicitamente para si. Não bastasse a evocação do paternalismo, as mazelas que o acompanham fazem-se mais e mais visíveis. O cerne dessa ordem está, justamente, em transpor a casa -moradia da família grande, com pais, filhos, parentes, clientela, compadres, afilhados e companheiros- para o palácio, com seus membros convertidos em ministros, deputados e senadores, agregados, sindicalistas e executivos de empresas oficiais. Emblemáticos desse regime são os acontecimentos na Casa Civil deste governo, tornada gabinete pessoal de José Dirceu e da ministra demissionária. Ambos convenientemente descartados. Lula de nada sabia, esteve cego, surdo, calado; Dilma resguarda-se dos eventuais dolos de seu factótum, simples "assessora". A gratidão aos acólitos, nula nesses protagonistas, é virtude privada e pouco interessa em política: importantes são os princípios que fundam o Estado e o espírito da magistratura, como a prudência e o respeito à legalidade. Nesse campo ético, o governante obriga-se a responder por seus próprios atos e os de seus adjuntos. O avesso dessa máxima orienta nossos dirigentes. Em atos e palavras, a disciplina necessária aos negócios públicos é subvertida com farsas tramadas para eludir responsabilidades.

Daí é um passo converter a economia doméstica em economia política, o interesse privado em fins coletivos, a dominação pessoal em benefício para os pobres, a pura mentira em razão de Estado. O crime de violação de sigilos constitucionalmente garantidos, como as declarações de rendimentos, transforma-se em ato banal para o ministro da Fazenda. As vítimas desse atentado convertem-se em réus, a imprensa que divulga os feitos transforma-se em golpista que os maquina.

VALORES INVERTIDOS A esse quadro de condutas e valores invertidos Dilma pertence: escolheu integrá-lo ao sagrar-se "mãe", como seu padrinho diz-se "pai" dos brasileiros. À sombra do arcaico paternalismo, acomodou-se um esmaecido perfil de mulher moderna, da jovem ex-resistente contra a ditadura, da universitária e profissional habilitada.

É confrangedor ver a espinha humana vergar às técnicas de controle político: a curvatura vai da aparência física à indumentária, ao discurso, à identidade, perdida na aliança com personagens cujo estigma a candidata quer afastar de si. José Dirceu faz sua campanha Brasil afora, Antonio Palocci -derrubado no episódio da violação, sem mais, de um preceito constitucional- a avaliza junto aos empresários, temerosos da "guerrilheira", mas desatentos à ameaça que representa, a eles como a toda a cidadania, a possível devassa, sem ordem judicial, na vida econômica de qualquer pessoa. Palocci é enaltecido em jantar, com direito a fotografia risonha e cordial, impressa em jornais, comemorando a "classe média" alardeada na propaganda e erguida ao paraíso mercantil.

DA MÃO PARA A BOCA Há quem afirme que essa "classe média, pela primeira vez neste país, compra e vota com racionalidade". A associação é significativa: compra e vota. Racionalidade, nesse exíguo espaço de pensamento, inexiste: se a minguada Bolsa Família -suposto arcano da prosperidade- permite ao pobre comer, a racionalidade vai da mão para a boca (dizia o velho Marx).

Esse critério de voto realça outro arquétipo do mando político, o pastoreio, reativado por Lula e Dilma ao prometerem "cuidar" dos brasileiros. Filhos são singulares, não compõem um rebanho de animais dóceis, tangidos pelo pastor. Este "trata" de sua manada: a alimenta, supervisiona e preside seus cruzamentos, reproduzindo-a e engordando-a para o corte. Se o pastor e seus ajudantes fornecem comida, dia virá em que, por sua vez, comerão o redil, convertendo-se em lobos, saciando-se com o poder garantido pelos votos encurralados. É esse viés obsoleto que Lula soube expandir, distorcendo o regime democrático.

Não raro, o pastor comunga, com sua confraria, a mesma origem e formação, o que o torna conhecedor das almas que visa aliciar e bom juiz das palavras que as atingirão. Mas, neste caso, Lula não é só um ex-partícipe do rebanho e do sertão que abandonou, ao passar para a classe dominante com suas benesses: ele é simbólico dessa cultura de carência e sabe explorá-la, apoiado em suas falanges de marqueteiros.

A clássica técnica de dominação -medo e esperança-, entranhada na crença em entidades salvadoras, é a energia que nutre o fantástico aplauso ao governo: o temor de perder o recebido, conjugado à expectativa de conservá-lo e à gratidão pela dádiva concedida, não deixa nada contido "sub ordine rationis", tudo é carreado para a superstição.

FÉ E GRAÇA O amálgama -fé e graça- impulsiona o calamitoso circuito inverso, rumo ao retrocesso, de nossas instituições políticas. Em entrevista à Folha, Maria Celina D"Araujo cotejou o presente "pai do povo" com Getúlio Vargas, destacando decisiva diferença entre ambos: Vargas formou uma força de trabalho industrial, urbana, organizada. Interferiu, portanto -muitas vezes para o mal, com implacável ditadura-, nas diretrizes da organização econômica e social do país. Sua outorga de direitos ao trabalhador não gerou uma consciência autônoma, mas não explorou o puro assistencialismo.

Lula projetou a cultura política para atrás de Vargas, revertendo-a no mínimo à República Velha (1889-1930), com a sua tralha de favores, hoje reforçada pela ampliação capitalista e pelas técnicas de controle sociocultural, monitorando as eleições desde as imagens dos candidatos até o mais recôndito sufrágio. De Vargas, retomou o domínio do sindicato e transfez o peleguismo em arma para o aparelhamento do Estado.

COMÉRCIO Voltando ao pastor: se o rebanho prospera, alimentado pelos milhões aspergidos na economia, o milagre alimenta o comércio especializado em vender para pobres, para a "classe média" que teria alterado, reza a propaganda, a estrutura social do país. Mas, de fato, os pobres continuam pobres, não raro adquirindo produtos inferiores e precários (por isto mesmo reiterativos das compras), "made in China" ou aqui produzidos por imigrantes ilegais na situação de escravos.

Enquanto isto, o comércio de altíssimo luxo multiplica-se nos centros ricos. A pletora de importações -da quinquilharia aos carros preciosos, todos produtos acabados- anuncia a desindustrialização e compromete as reservas cambiais (lembremos de Dutra). Insistindo no plano comercial -a grande arma publicitária-, indaga-se: que é da menor desigualdade social? Até quando se afastará a inadimplência (Serasa, agosto 2010)?

E o setor produtivo, com a perda bilionária da exportação de bens industrializados, face à de matérias-primas, com a pauta de exportações regredindo ao nível de l978, resultando em queda no saldo comercial, rombo nas contas externas e maior dependência de capitais a curto prazo?

Enfim, menos empregos e menos riqueza, somadas a outras consequências, como a falta de infraestrutura e a evasão empresarial (Associação do Comércio Exterior do Brasil). A economia vai bem? O ministro da Fazenda inverte sua tendência funesta e afirma que a exportação majoritária de commodities não é problema.

DESRAZÃO Impossível ser contra mitigar a pobreza material, mas a vida do espírito não deve continuar miserável. Que livre-arbítrio pode emergir nesse mundo avesso à consciência crítica? Esta é outra arma brandida pela sofística própria à propaganda. Quanto menos informados os eleitores (a não ser no interesse da facção que sustenta a catequese, como o merchandising de seus prosélitos), melhor para os marqueteiros, exímios em desvirtuar os valores democráticos para alavancar seus mecenas.

Essa inversão ética bloqueia compreensões racionais: há quem fique perplexo diante da sobrevivência de Lula através dos escândalos que o atingem, razões sobejas para sua rejeição. Mas a solércia o leva a abandonar os náufragos, convertendo a ingratidão pessoal em decoro cívico, punitivo da prevaricação. Os subterfúgios que implementou fornecem-lhe a escapatória: nada acontece porque o chamado "cenário" onde ele habita funda-se na desrazão instalada ao longo das camadas sociais, tornando-as crédulas em maravilhas. Todas as aparências servem à prestidigitação publicitária: o mundo efetivo é escondido, as deformações de seus aspectos são meticulosamente produzidas, mitos fabricam os candidatos, engrandecendo suas proporções.

O perigo, nessa engrenagem de seres vivos, é que estes podem escapar ao planejado: a irracionalidade que a sustenta pode ameaçá-la, pelo açodamento e por certezas impensadas, como em suas crises periódicas.

De todo modo, enquanto a falange de marqueteiros a serviço de Lula, infantaria pesada, faz razia no território político e colhe seu butim, a desordenada oposição custou a perceber que caíra, distraída, em um campo de batalha.

"Lula não é só um ex-partícipe do sertão que abandonou, ao passar para a classe dominante: ele é simbólico dessa cultura de carência e sabe explorá-la"

"Impossível ser contra mitigar a pobreza, mas a vida do espírito não deve continuar miserável. Que livre-arbítrio pode emergir nesse mundo avesso à consciência crítica?"