Daniela Lima – Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - O senador Aécio Neves (MG), presidente nacional do PSDB, acredita que os tucanos não devem "nem sequer pensar em cargos" em um eventual governo capitaneado pelo hoje vice-presidente Michel Temer (PMDB). A fala coloca um freio aos acenos de integrantes de sua sigla na direção do peemedebista.
Em entrevista à Folha, Aécio critica o partido do vice e diz que o PSDB não pode se aliar a uma gestão que não sabe "de que forma se colocará". "O método será o que vigorou na última década, do qual o PMDB foi parceiro?", indaga o tucano.
Para o senador, a ação que questiona a eleição de Dilma no TSE e o processo de impeachment devem correr paralelamente. Ele diz que o governo da petista "já não existe". "O que resta agora é definir qual é o instrumento para que ela saia."
Após a realização dessa entrevista, na quinta-feira (17), Aécio enviou um comentário sobre a troca de Joaquim Levy por Nelson Barbosa na Fazenda: "A saída de Levy e a nomeação do 'arquiteto da nova matriz econômica' sinalizam perigosamente na direção oposta ao necessário equilíbrio das contas públicas. Foi, sem dúvida, uma vitória do PT, e como sempre acontece quando o PT vence, quem perde é o Brasil."
Folha - Que balanço o sr. faz desse ano?
Aécio Neves - O governo da presidente Dilma acabou. Esta é a constatação. E acabou de forma trágica, fez o Brasil retroceder 20 anos nas conquistas econômicas, na credibilidade e também nas conquistas sociais, na vida das pessoas. Vamos ter um desemprego de mais de 10% e a inflação também acima de 10%. O conjunto da obra é algo que talvez nem o mais pessimista dos brasileiros imaginaria. O que resta agora é definir qual é o instrumento para que ela saia. O governo já não existe.
Muita gente vê nesse discurso o sinal de que a eleição de 2014 não acabou.
Ao contrário. Telefonei para a presidente e reconheci a derrota. Hoje temos a tempestade perfeita, mas ela foi construída com a irresponsabilidade do governo aliada à sensação de impunidade que permitiu o maior saque aos cofres públicos de que se tem notícia. O descumprimento das leis de Responsabilidade Fiscal e Orçamentária foi feito de forma deliberada para ganhar a eleição.
Mas os atos que embasam o pedido de impeachment são suficientes para afastar uma presidente que foi eleita?
A questão é: o voto legitima o mandato? Legitima, desde que alcançado de forma lícita. A LRF foi descumprida. Bancos públicos não podem financiar os seus controladores. A presidente pode criar decretos sem o aval do Congresso? Não. Pela legislação atual, é suficiente. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) investiga se houve propina na campanha e abuso de poder político. Não se pode dizer qual será o caminho, se impeachment, cassação da chapa eleitoral ou renúncia, mas acho que a presidente não governará o país por muito mais tempo.
Os presidentes da Câmara e do Senado estão sob investigação. Esse Congresso tem autoridade para afastar Dilma?
Esse Congresso foi eleito. E enquanto não houver o afastamento de algumas dessas pessoas é ele que deve cumprir sua missão constitucional e julgar o impeachment. É óbvio que hoje o Congresso está maculado mas, ao meu ver, isso não retira da Câmara no seu conjunto, e tampouco do Senado, as suas prerrogativas constitucionais.
O PSDB se aliou à agenda de Eduardo Cunha. O partido demorou a perceber a quem estava se alinhando?
Ouço a crítica com humildade, mas tenho o dever de relembrar, até para registro histórico, o comportamento do PSDB. O PSDB não apoiou a candidatura do Eduardo Cunha à presidência da Câmara. Apoiou a do Júlio Delgado (PSB-MG).
Quando Cunha vence, se coloca como oposição e oferece, à luz do dia, espaços de atuação política ao PSDB —relatorias, vagas em CPIs... Tudo à luz do dia. No momento em que vieram as denúncias, fui o primeiro a dizer que eram graves. Quando vieram as respostas, também disse que elas eram insuficientes e que, não havendo justificativa aceitável, a nossa posição era pelo afastamento do presidente da Câmara.
Hoje ele atrapalha o andamento do impeachment?
Acho que a situação dele chegou a um ponto insustentável. As denúncias se avolumam, as respostas são muito pouco consistentes e o processo do Eduardo Cunha, de alguma forma, se coloca como diria o poeta da minha terra: 'No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho'. Tem o Eduardo Cunha no meio do caminho e essa questão terá que ser resolvida.
O presidente do Senado também é investigado.
Tem que ser apurado. O que houve é que o episódio do Eduardo Cunha contaminou excessivamente outros processos na Câmara. Existe mais luz, digamos, colocada sobre ele. Mas todos têm que responder.
O sr. fala do impeachment, mas ressalta a possibilidade de cassação no TSE. Essa instabilidade não é sacrificante?
Sacrificante é não se cumprir a lei. Esse é o pior dos desfechos. O julgamento do Supremo que estabeleceu o rito do impeachment jogou por terra o discurso do golpismo. Não há golpismo com a participação do STF. E as coisas correrão paralelamente. Por isso a preocupação do vice-presidente Michel Temer em tentar descolar sua prestação de contas eleitoral da presidente, o que, ao meu ver, não tem sentido.
A decisão do STF foi vista como uma vitória do governo...
Vitória de Pirro. O essencial não mudou e a presidente continua incapaz de inspirar a confiança mínima que seria necessária para que a roda da economia voltasse a girar e a sangria dos empregos fosse estancada. Além disso, o efeito colateral pode não ser agradável, com as atenções se voltando para o TSE.
O sr. será candidato ao Planalto numa eleição tampão?
O PSDB terá candidato quando as eleições ocorrerem. O que não falta são nomes. O partido vai saber definir na hora certa. É obvio que tanto eu, como o governador [de São Paulo] Geraldo Alckmin, o senador José Serra e outros governadores temos que estar prontos para isso.
Alguns tucanos defendem que, se houver impeachment, o PSDB deve integrar a gestão Temer. O sr. concorda?
Apoiamos o impeachment porque estamos convencidos de que a presidente cometeu crimes que o justificam, mas, acontecendo o afastamento e assumindo o vice, passa a ser dele a responsabilidade de propor um novo projeto. A posição da maioria do partido e a minha é de que não devemos nem sequer pensar em cargos. Não nos negaremos a ajudar o Brasil naquilo que for essencial, mas será muito mais confortável fazermos isso por meio de uma agenda, sem pensar em participar de um governo que não sabemos de que forma se colocará.
Como assim?
O método será o que vigorou na última década, do qual o PMDB foi parceiro? Da distribuição de nacos do poder sem qualquer critério? Não falo de um passado remoto, falo de meses atrás. Com a participação do PMDB, a máquina pública vem sendo degradada, ocupada, assaltada por membros de várias forças partidárias. O PSDB não pode perder a referência que tem hoje e não colocará a sua determinação de construir um novo modelo de país para ocupar cargos. Isso não significa que vamos virar as costas para um eventual governo do vice.
Qual a impressão pessoal que tem de Temer?
O presidente Michel é um homem de bem, cordato, afeito ao entendimento. Mas, até aqui, ele foi um instrumento desse governo que acabou com o Brasil. Ele foi um parceiro permanente e ativo da gestão que fez o Brasil retroceder 20 anos.
Julga que ele terá condições de governar o país?
Se for para manter esse 'modus operandi' no qual o PMDB se especializou ao lado do PT nesses últimos anos, terá muitas dificuldades. Tenho respeito pessoal pelo presidente Michel, mas ele terá que demonstrar um rompimento claro com tudo isso para ter o nosso apoio. E tenho uma convicção pessoal: só enxergo o Brasil resgatando sua credibilidade e esperança no momento em que um novo governo for eleito. E, obviamente, essa legitimidade do voto faltará ao presidente Michel.
Em 2005, quando houve o mensalão do PT, o PSDB optou por não pedir o impeachment de Lula. Agiu certo?
Me incluo entre essas pessoas e hoje somos muito cobrados por isso. Naquele momento, não tínhamos o sentimento de que havia essa operação sistêmica montada no Estado brasileiro. O Lula representava mais do que uma candidatura do PT: ele era a ascensão de classes, tinha uma carga simbólica. Certo ou errado, foi o que fizemos. Não desejo mal ao ex-presidente. Ele próprio se encarregou de jogar fora grande parte da sua biografia.