sábado, 21 de março de 2020

Merval Pereira - Aos trancos e barrancos

- O Globo

Quase totalidade dos consultados está muito pessimista quanto aos impactos do coronavírus sobre a economia

A inquietação da sociedade brasileira segue em progressão geométrica, qual o corona vírus Covid-19, e a insatisfação com a ação do governo, especialmente do presidente Jair Bolsonaro, que volta e meia tenta minimizar a gravidade da situação, começa a se manifestar nas redes sociais e em panelaços, por enquanto ainda restritos a capitais.

Para mapear expectativas relativas à intensidade e à duração dos impactos da crise global provocada pela Covid-19 sobre a economia brasileira, o economista Claudio Porto, fundador da Macroplan, consultoria especializada em análise prospectiva e estratégia, conduziu na segunda semana de março sondagem junto a um grupo de 150 pessoas de todo o país, entre eles economistas, sociólogos, cientistas políticos, engenheiros, gestores sênior de empresas pesquisadores e professores de universidades.

O resultado desta sondagem evidencia que a quase totalidade dos consultados está muito pessimista quanto à intensidade dos impactos do Corona vírus sobre a economia brasileira: 86% acreditam que será alta ou muito alta. Já quanto a duração da crise, a convergência é menor: 59% acreditam que será muito curta ou curta, enquanto 41% acreditam que será longa ou muito longa.

Ascânio Seleme - Bolsonaro parece inoculado por um cognitusvírus

- O Globo

Presidente tumultua o trabalho dos outros e confunde a população

Por que Jair Bolsonaro não consegue fazer a coisa certa? Difícil responder a esta pergunta sem entender a cabeça confusa do presidente, que em pouco mais de um ano jogou por terra quase todo o seu capital político. Não se trata de compreender apenas seu comportamento na epidemia de coronavírus, embora essa seja a evidência mais clara de sua incapacidade, mas sim os sucessivos equívocos que vem cometendo desde a sua posse. A resposta mais adequada talvez se encontre avaliando a sua capacidade cognitiva usando como ponto de vista a política.

O Brasil experimentou mais de duas décadas de governos de centro-esquerda, com os oito anos de Fernando Henrique, outros oito de Lula e mais seis anos de Dilma. Desde o primeiro mandato de FH, os presidentes do Brasil foram inteligentes o suficiente para entender que, depois de empossados, o discurso de campanha deve obrigatoriamente mudar. Os três citados abriram seus leques e expandiram seus horizontes de maneira a tentar atender aos anseios e às demandas de todos os brasileiros.

FH governou sempre com maioria no Congresso e conseguiu até mesmo o apoio do PT ou de parte dele em votações importantes. Com essa maioria aprovou a emenda da reeleição e foi reeleito no primeiro turno. O ex-presidente tucano era agregador, sabia jogar com o time. Muitas vezes preferia contrariar seu próprio partido em benefício de aliados. Sabia depois compensar os companheiros que momentaneamente eram deixados de lado.

Ricardo Noblat - Se não quiser cair mais cedo, melhor que Bolsonaro feche a boca

- Blog do Noblat | Veja

Ameaças mortais

No dia em que se convenceu em definitivo que o coronavírus passou como uma retroescavadeira sobre a política do ministro Paulo Guedes, o governo foi de uma precisão espantosa ao anunciar o que está por vir, e o presidente Jair Bolsonaro outra vez terrivelmente irresponsável no combate que trava com a realidade.

Está por vir, este ano, um crescimento do PIB estimado em 0,02%, capaz de provocar saudade do pibinho de 1.1% de 2019, que, por sua vez, deu saudade do PIB de 1,3% legado a Bolsonaro pelo ex-presidente Michel Temer. Por que um crescimento de 0,02% e não de 0,03% ou de 0,01%? Pergunte ao Guedes.

Melhor, não. O ex-Posto Ipiranga havia perdido parte do seu brilho desde que assumira o cargo. O coronavírus encarregou-se de apagá-lo. São coisas que acontecem. A culpa não é dele. Guedes tinha o sonho de passar à História como o autor da proeza de ter reformado o Estado como nenhum dos seus antecessores o fizera.

Bolsonaro atrapalhou parte do seu sonho. O vírus, o que restava. Nem pensar que pedirá demissão de novo. Pediu três vezes. Há controvérsia a respeito: dizem que foram quatro. Mas essa não é a hora de pedir de novo. Soaria a deserção com medo do tsunami que se avizinha. O mar recuou. Vem onda gigante.

Só não vê quem não quer ou é cego. Economia não é uma ciência, embora os economistas se comportem como se fossem cientistas. Há previsões para todos os gostos sobre o tamanho do PIB ao final do ano e uma única certeza: ele afundará. 2020 será mais um ano perdido, e tudo indica que o próximo também.

Míriam Leitão - O PIB desaba e o governo erra

- O Globo

Governo reduziu o crescimento para zero, mas está atrasado. O país terá PIB negativo e a recessão será menor, a depender da rapidez do governo

Apenas nove dias depois de ter revisto o crescimento do PIB para 2,1%, o Ministério da Economia fez nova revisão para zero. Isso mostra a rapidez dos acontecimentos e a lentidão das projeções do próprio governo. O número 0,02%, desenhado assim para não entrar no negativo, será sem dúvida revisto novamente. O país está entrando em recessão e o ano de 2020 terminará com o encolhimento do PIB. A torcida é para que haja capacidade de mitigar a queda.

Essa revisão para 0,02% significa que pelo menos R$ 70 bilhões de receita não entrarão nos cofres públicos. Ao mesmo tempo o Tesouro precisará gastar muito mais, num valor que ainda não foi quantificado. Mas se, por hipótese, numa projeção otimista, ele tiver uma despesa extra de 1% do PIB para enfrentar a crise, o déficit que estava previsto em R$ 124 bilhões vai superar R$ 260 bilhões. O mais urgente agora é evitar o colapso do sistema de saúde, e proteger todo um vasto contingente de brasileiros que está ficando sem capacidade de geração de renda.

O presidente Bolsonaro continuou errando ontem. No mundo os governos tomam medidas cada vez mais duras e ele usou ontem a palavra “gripezinha” para definir o coronavírus e de novo brigou com governadores. Não faz sentido que numa crise deste tamanho o presidente da República se preocupe com picuinhas ou entre em competição com os líderes dos entes subnacionais, que tenham que escrever cartas ao presidente. Bolsonaro deveria estar liderando, deveria estar desobstruindo os canais de diálogo, deveria ter entendido o que o mundo inteiro está dizendo: estamos diante de uma crise sem precedentes.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro, um risco ambulante

- Folha de S. Paulo

Despreparo do presidente é não só intelectual como emocional

Que Jair Bolsonaro não tem nenhum preparo para ser presidente nós já sabíamos desde antes da eleição. Mas, como o povo é soberano e o povo o escolheu para nos liderar, restava a esperança de que seu mandato transcorresse sem maiores regressões.

Ele tentaria impor sua agenda obscurantista, mas as instituições resistiriam. Alguns retrocessos seriam inevitáveis, mas ao menos as ideias mais aparvalhadas não chegariam a materializar-se no nível de leis e emendas constitucionais. Mesmo a regulamentação infralegal, que depende só da caneta presidencial, poderia ser desfeita pela Justiça nos casos mais gritantes, como de fato ocorreu.

Isso, porém, é passado. Agora, tudo mudou. Topamos com um cisne negro —a Covid-19 e seus desdobramentos econômicos— que exigiria um governante à altura dos desafios. Alguns líderes crescem na crise. Bolsonaro não é um deles.

Julianna Sofia – Descalabro

- Folha de S. Paulo

'Jabuti' regulamenta aumento nos contracheques desses servidores

À realidade de milhões de brasileiros na miséria, de muitos prestes a perder a capacidade de gerar renda e de outros milhares que serão submetidos à redução de jornada e de salários para manter o emprego, a Câmara dos Deputados contrapôs um feito insólito. Um descalabro diante do mergulho econômico que o país se prepara para dar.

Na noite de quarta (18), deputados aprovaram o que na cartilha brasiliense se convencionou chamar de jabuti, elemento estranho ao objeto de uma proposta legislativa. Na votação da medida provisória do contribuinte legal, foi incluído um contrabando que beneficia os fiscais da Receita com aumento em seus contracheques ao regulamentar um bônus de eficiência criado por lei em 2017.

Devido à ausência de regulamentação, o benefício vem sendo pago em montantes fixos de até R$ 3 mil a servidores ativos, aposentados e pensionistas. Coisa de R$ 1 bilhão anual para um Estado quebrado, que padece com sucessivos déficits primários (sem os custos da dívida pública) desde 2014.

Alvaro Costa e Silva - Como se põe essa máscara?

- Folha de S. Paulo

'Quem é aquele haitiano para me lançar vodu? Eu não acabei, eu não acabei!'

“Como se põe essa máscara? Não estou enxergando nada. Agora sim, parece que acertei. Reconheço: estou morrendo de ciúmes do coronavírus. Conseguiu fechar bares, restaurantes, shoppings, academias, deixar as ruas e as praias vazias, interromper as novelas da Globo, paralisar o futebol. Mas sou mais forte do que ele. Só eu posso existir, mais ninguém nem coisa nenhuma”.

“O Trump me disse que o vírus é uma construção de laboratório, uma arma secreta que os Estados Unidos estavam guardando para uma emergência. Uma espiã conseguiu roubá-la. Aí o governo chinês espalhou a desgraça, de propósito, causando crise nos mercados globais para comprar, na baixa, petróleo e ações das empresas de tecnologia. Estão lucrando trilhões de dólares, às nossas custas. Foi assim com a gripe suína, que os chinas também espalharam. Mas comigo, não”.

“Me nego a mostrar os exames. Se eu peguei o corona, é um problema só meu. O povo sabe disso e está comigo. Um levantamento do gabinete do ódio mostra que, durante os protestos a meu favor, tive contato direto com 300 pessoas, fiz 120 selfies, chutei o boneco Pixuleco e, como se subisse a rampa do Maracanã, corri em delírio empunhando a bandeira do Brasil. Isso é o que importa. O resto é fantasia, histeria, neurose, um problema para lá de superdimensionado, mentira da extrema imprensa. Em matéria de velhinhos, a Itália é uma Copacabana. Todo mundo sabe que esse vírus é igual bebê: demora para chegar”.

Demétrio Magnoli* - A tentação dos esclarecidos

- Folha de S. Paulo

Não declaremos uma guerra ao coronavírus cujas vítimas serão os sem patrimônio, cartão de crédito e investimentos

Trump qualificou o vírus como um “embuste dos democratas” pouco antes da avalanche em Wall Street lançá-lo a algo parecido com a realidade. Um papagaio brasileiro chamado Jair tratou-o como uma invenção da mídia perniciosa, isolando-se no poço da ignorância.

Diante disso, a reação das pessoas esclarecidas foi agarrar-se ao mastro da razão para vencer, antes que seja tarde, a batalha contra a estupidez. No passo seguinte, ainda em curso, o apego à voz da ciência transmuta-se em fanatismo científico e fundamentalismo epidemiológico. Hoje, esse perigo supera o da já desmoralizada negligência.

Vamos mesmo —nós, esclarecidos— partir para o elogio da China? Médicos chineses alertaram para a doença em dezembro, mas foram silenciados. Esqueceremos tão cedo, em nome de uma ilusória “ética de resultados”, que a Covid espalhou-se precisamente naquelas semanas de camuflagem e repressão? A vigilância cibernética dos cidadãos galgou novo patamar permanente, junto com o avanço do vírus. Festejaremos o Grande Irmão como aliado e exemplo, em nome da saúde pública?

Ouve-se, dos esclarecidos, um clamor crescente por medidas extremas. A Itália paga o preço da displicência com a moeda do “lockdown” compulsório. Macron pescou no lago do senso comum a palavra “guerra” para descrever uma emergência sanitária.

Guerra tem implicações: leis de exceção, justiça sumária, censura. Quem pede quarentenas coletivas forçadas está disposto a justificar suas ramificações lógicas? Sacrificaremos as liberdades civis no altar de uma guerra fabricada por artifício retórico? Concederemos, os esclarecidos, um AI-5 sanitário a Bolsonaro?

Marcus Pestana - O vírus nosso de cada dia

A população assiste apreensiva, angustiada e perplexa, os desdobramentos da pandemia do novo Coronavírus. E nessa hora, todos têm que se somar a um enorme mutirão social para assegurar as medidas preventivas e a assistência a quem contrair a doença. Na atual epidemia, chama atenção a velocidade de propagação do vírus, expondo contingentes populacionais enormes à doença e sobrecarregando o sistema de atenção à saúde. Não é hora de dividir o país em torno de polarizações inúteis.

A saúde pública avançou muito no Brasil nas últimas três décadas. O SUS, com todas as suas mazelas e dificuldades, é um exemplo de política pública que avançou e produziu resultados. Mas, o SUS tem capacidade limitada de encarar esta sobrecarga. Como imaginar, com a dificuldade de acesso que já temos, a necessidade potencial de criarmos mais 10, 20, 30 mil leitos de UTI, para garantir a assistência aos que poderão contrair a COVID-19? Apenas 47 milhões de brasileiros têm cobertura de planos de saúde.

Silenciosamente, fechamos os olhos para a perda de milhares de vidas brasileiras a cada ano, o que poderia ser evitado com uma priorização efetiva do SUS nos orçamentos públicos, com reformas na saúde suplementar e com a qualificação do sistema, principalmente na atenção primária. Dados preliminares do IBGE para 2018 demonstram que foram 1.315.527 mortes. Quais são as causas? As principais são as doenças crônicas como as do aparelho circulatório (356.178), as neoplasias (227.150), as respiratórias (155.921). Logo a seguir vêm as causas externas, vidas perdidas em função da violência criminal ou no trânsito (150.165) e as doenças derivadas da diabete (80.292). As doenças infecciosas e parasitárias, como as ocasionadas pela atual pandemia, aparecem em sexto lugar (54.814). Não estamos falando de números, mas de vidas.

Adriano Pires* - Tempos bicudos e tristes

- O Estado de S.Paulo

Custo global da crise pode chegar a mais de US$ 3 trilhões. Ou seja, estamos perdendo o ano de 2020

No Brasil e no mundo parece estarmos vivendo o cenário do apocalipse de um filme de ficção de Hollywood ou, então, uma terceira guerra mundial. Países fechando as fronteiras, as Bolsas quebrando, o barril do petróleo abaixo dos US$ 30, falta de mercadoria nas prateleiras dos supermercados, a saúde colapsando e policiais nas ruas impedindo aglomerações. As projeções de crescimento econômico mundial são da ordem de 1,5% e o preço do barril em torno de US$ 35, na média, para 2020 e 2021. É bom lembrar que no início de 2020 o Brent no mercado futuro era precificado a US$ 66. O custo global da crise pode chegar a mais de US$ 3 trilhões. Ou seja, estamos perdendo o ano de 2020. No caso da América Latina, a combinação de queda dos preços do petróleo, colapso da moeda e coronavírus vai manter o crescimento abaixo dos 2% em 2020.

O fato é que as consequências ainda são muito incertas. Até o momento, o que se pode ver é uma total desorganização dos mercados financeiros e produtivos, alcançando custos tão gigantes e sem precedentes que é impossível prever qualquer resultado. O problema não é mais preço nem o valor das empresas. É falta total de liquidez. Ninguém compra – ao contrário, vende. Todos passaram a querer estocar desde alimentos até dinheiro.

Adriana Fernandes - Oportunistas da crise

- O Estado de S. Paulo

Respostas têm sido lentas por causa das picuinhas tão ao gosto dos nossos governantes

Primeiro, a negação dos riscos da epidemia e briga com o Congresso. Agora, o embate político entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores – muitos deles seus adversários políticos declarados nas próximas eleições – retardam uma ação coordenada de Brasília com os Estados para garantir a produção de alimentos, medicamentos e, acima de tudo, logística para que itens básicos cheguem aos brasileiros em isolamento domiciliar devido ao alastramento da covid-19.

A logística para garantir o transporte dos produtos depende do bom diálogo entre todos. Basta de palavras de efeito como as de que não faltará “arroz, feijão e carnes”.

As pessoas querem se sentir seguras e ver as medidas efetivas. O pico da epidemia ainda não chegou e os próximos meses serão muitos duros, como relatou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
As respostas têm sido lentas também por causa das picuinhas políticas tão ao gosto dos nossos governantes atuais. O que se vê é uma corrida insana para quem fica melhor na foto.

Monica de Bolle - Como evitar a depressão econômica?

- O Estado de S. Paulo (18/3/2020)

Embora o governo brasileiro esteja muito longe de reconhecer a gravidade do momento, há os que começam a pensar no que fazer

Acompanho as análises nos jornais brasileiros sobre a ruptura inédita causada pela pandemia e me causa angústia a falta de urgência. Não me refiro apenas à irresponsabilidade atroz do presidente da República, que põe em risco a vida das pessoas, mas também ao fato de que poucos no Brasil se deram conta do que é essa crise. 

Trata-se de uma parada súbita da economia mundial como jamais vimos. E, ao que tudo indica, não será uma parada súbita de curta duração, como a observada após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, ou como aquela proveniente da crise financeira de 2008. Não se trata apenas da incerteza atrelada à epidemia, mas das medidas de saúde pública que estão sendo tomadas mundo afora. Para desacelerar a propagação do vírus, fronteiras, escolas, universidades, bares, restaurantes, escritórios estão sendo fechados. Alguns países impuseram toques de recolher. As companhias aéreas já sofrem o baque do isolamento e do distanciamento social. A economia mundial sente os primeiros efeitos da parada súbita.

A crise será de longa duração. Para desacelerar a progressão da epidemia e “achatar a curva”, como o esforço pela desaceleração ficou conhecido, as medidas inéditas estarão conosco por vários meses. Uma vez alcançado o pico da epidemia, serão mais vários meses de semiparalisia até que seja seguro começar a abandonar as medidas excepcionais de saúde pública. Será um recomeço gradual. A não ser que tenhamos rapidamente uma vacina – o que hoje não parece provável – estamos falando, possivelmente, de mais de um ano de parada quase total do mundo. Para 2020, o quadro de retração global é certo. 

Mandetta prevê colapso na Saúde em abril e Bolsonaro fala em ‘gripezinha’

O ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) disse que até o fim de abril haverá um “colapso” no sistema de saúde do Brasil por causa da velocidade de propagação do novo coronavírus. O colapso, segundo o ministro, é a falta de capacidade para atendimento de todos os doentes. Ele citou a Itália como um sistema de primeiro mundo que suportou pouco. Ontem foi confirmada a 11.ª morte pela covid-19 e o governo declarou que o País vive estado de transmissão comunitária, quando não é mais possível rastrear a origem da infecção. Na mesma entrevista coletiva da qual participava o ministro, o presidente Jair Bolsonaro voltou a minimizar a pandemia. Questionado pelo Estado se divulgaria o resultado dos exames realizados para saber se havia contraído o novo coronavírus, voltou a se referir à doença como algo menor. “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”, disse. Bolsonaro criticou medidas adotadas por governadores, em especial João Doria (PSDBSP) e Wilson Witzel (PSC-RJ). Em resposta, Doria afirmou que os chefes do Executivo estão tomando atitudes porque o presidente se omite. Na Itália – que ultrapassou a China como o país a registrar mais mortos pela doença –, 627 pessoas morreram em 24 horas. O total de óbitos era de 4.032.

● Governo admite que, no pico da doença, faltará capacidade de tratamento para todos os doentes ● Brasil registra 11 mortes e vive estado de transmissão comunitária do novo coronavírus ● Atrito entre presidente e governadores de SP e RJ se amplia

Bolsonaro confronta ação de Estados, que reagem

Caio Sartori, Emilly Behnke, Gregory Prudenciano, Julia Lindner, Marlla Sabino e Pedro Caramuru | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA RIO SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro criticou ontem medidas adotadas por governadores para evitar a disseminação do coronavírus. Na visão dele, ações como o fechamento do comércio, adotado nas maiores cidades do País e defendido por especialistas, podem prejudicar a economia e serem usadas para enfraquecêlo politicamente. O paulista João Doria (SP) afirmou que os chefes do Executivo estão tomando atitudes porque o presidente se omite. Wilson Witzel (PSC), do Rio, classificou como “passo de tartaruga” a velocidade do Planalto em dar respostas à crise.

As críticas aos governadores foram feitas nas duas vezes em que Bolsonaro apareceu publicamente ontem. “Tem certos governadores que estão tomando medidas extremas, que não competem a eles, como fechar aeroportos, rodovias, shoppings e feiras”, disse o presidente, pela manhã, ao deixar o Palácio da Alvorada. Mais tarde, numa entrevista coletiva, ele voltou ao assunto. “Tem um governo de Estado que só faltou declarar independência do mesmo”, afirmou, sem detalhar sobre a que se referia.

“Tem uns falando em liberar pedágio, energia. Aí cria expectativa. O governo federal e estadual não têm condições de bancar isso. Essas falsas expectativas não podem vir no bojo de uma campanha política”, declarou o presidente. Dois dos chefes de Executivo estadual que reagiram às falas de Bolsonaro já demonstraram pretensão de concorrer às eleições em 2022.

“Estamos fazendo o que deveria ser feito pelo líder do País, o que o presidente Jair Bolsonaro, lamentavelmente, não faz. E, quando faz, faz errado”, criticou Doria, que virou adversário do presidente ainda no ano passado, embora tenha vencido a eleição de 2018 amparado no “BolsoDoria”.

Bolsonaro disse ter ficado “preocupado” ao saber que Witzel decidira fechar as divisas do Estado e suspender o transporte de passageiros por terra e ar. A medida afeta voos nacionais e internacionais. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) chegou a divulgar nota dizendo que caberia à União determinar o fechamento. Também adversário político do presidente, Witzel criticou o uso político da crise. “O governo federal precisa entender que não é hora de fazer política”, escreveu o governador fluminense no Twitter. “É hora de trabalhar e ajudar os empresários que vão quebrar, as pessoas que vão perder o emprego e os que vão morrer de fome”.

Apesar dos ataques feitos ontem, o presidente afirmou que está a disposição dos Estados. “Nossos ministros estão todos solícitos, ninguém está orientado a fugir de ninguém. Não terá qualquer discriminação para qualquer governador.”

A crítica aos governadores é só mais um episódio da relação conflituosa entre o presidente da República e a Federação. Bolsonaro entrou em conflito com governadores ao culpá-los por não baixar o preço da gasolina e ao comparar a morte do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, baleado pela polícia da Bahia, à “queima de arquivo do caso Celso Daniel”.

“É a visão dele (Bolsonaro). Ele, como nós, tem o direito de pensar diferente. Eu pessoalmente estou tratando do assunto (coronavírus) sem politizar, até porque política não deve se misturar com problemas de saúde graves como esse”, disse o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Assim como aconteceu em São Paulo e no Rio, o governo do Distrito Federal determinou o fechamento do comércio por causa do novo coronavírus.

Montadoras param e põem mais de 100 mil em férias coletivas ou banco de horas

Para evitar o coronavírus, 14 marcas que administram 35 unidades produtivas de veículos e motores informaram suspensão total da produção por períodos que chegam até um mês

Cleide Silva | O Estado de S. Paulo

A indústria automobilística saiu à frente no setor industrial e quase todas as montadoras já anunciaram fechamento temporário de fábricas a partir de segunda-feira para tentar evitar a disseminação do novo coronavírus. O número de funcionários que ficarão em casa já passa de 100 mil.

Até ontem, 14 marcas que administram 35 unidades produtivas de veículos e motores em vários Estados informaram a suspensão total da produção por períodos que variam de três semanas a um mês, mas com possibilidade de prorrogação, se necessário.

As negociações das paradas foram feitas com os respectivos sindicatos de trabalhadores e envolvem, até agora, cerca de 104 mil funcionários, sendo uma parte pequena de filiais da Argentina. A maioria do pessoal do chão de fábrica entrará em férias coletivas ou terá banco de horas para futura compensação, enquanto o pessoal administrativo fará home office.

Só ontem confirmaram dispensa dos funcionários da área de produção de todas as fábricas locais as empresas Toyota, Scania, Honda, BMW, FCA Fiat Chrysler, Renault, PSA Peugeot Citroën e MAN/Volkswagen Caminhões e Ônibus.

Ford, General Motors, Mercedes-Benz, Volkswagen e Volvo já tinham anunciado a parada total da produção. Entre as maiores montadoras, apenas a Nissan ainda não decidiu pela parada total da fábrica no Rio de Janeiro, mas afirma que reduziu os riscos com menos trabalhadores na fábrica (os administrativos estão trabalhando em casa). “Mas estamos fazendo monitoramento constante para assegurar a saúde dos funcionários”, assinala a empresa.

O que a mídia pensa – Editorial

Falando sozinho – Editorial | Folha de S. Paulo

Discurso ambíguo e inépcia para lidar com pandemia levam Bolsonaro a isolamento

A rápida disseminação do novo coronavírus empurrou Jair Bolsonaro para o isolamento político ao expor seu despreparo para lidar com a emergência e sua falta de sintonia com as aflições da população.

Poucos dias após classificar a pandemia como uma fantasia, o presidente finalmente reconheceu a gravidade da situação ao reunir seu ministério para uma entrevista coletiva na quarta-feira (18). À mudança tardia, no entanto, somou-se a inépcia.

A exposição das medidas adotadas para combater a calamidade foi confusa, além de prejudicada pelo uso inadequado de máscaras de proteção pelo presidente e por seus auxiliares, que revestiu o evento de tom farsesco.

A impressão não melhorou substancialmente com a entrevista coletiva desta sexta (20), quando a moléstia foi chamada de “gripezinha”.

O próprio Bolsonaro optou pela ambiguidade em vários momentos, voltando a falar em histeria em vez de se concentrar sobre o que é preciso fazer para atenuar o impacto do inevitável aumento do número de pessoas infectadas nas próximas semanas.

Música | Péricles - Vai Vadiar

Poesia | Carlos Drummond de Andrade – O amor antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o amor antigo, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.