segunda-feira, 6 de março de 2023

Paulo Fábio Dantas Neto* - Novamente em busca de um centro: a provisoriedade continuada

Quando o mar tem mais segredo
É quando é calmaria”

O título deste artigo repete, em parte, o do primeiro desta coluna (“Em busca de um centro: uma eleição e dois scripts”) publicado em 12 de dezembro de 2020. Reitera um ponto que esta coluna via e continua vendo como requerimento racional a ser feito à política brasileira. Como no artigo pretérito, aqui se tenta interpretar possibilidades que manifestações do soberano real, ocorridas em dado momento eleitoral, deixam abertas para a satisfação, ou não, de tal requerimento, pela política a ser praticada após as eleições, as quais - não é demais lembrar - são os momentos políticos magnos, em democracias.

Porém, a magnitude do voto não provém do magma que se desprende como lava enquanto o momento eleitoral acontece. Ela se mostra tanto mais plena quanto possa orientar os atores políticos na sua lida diária com a política fria. Cada estelionato eleitoral agride essa magnitude do instante soberano e pode deixar o eleitor enfurecido por uma fúria realista, cobrada a prazo e servida também a frio, como a vingança. Quem recolhe os votos do eleitor transforma-se em seu cavalo, mas em geral não sabe que anjo mora dentro do montador que ele julga ser montaria. Anjo vingativo, que lhe “fere de esporas” enquanto fora da urna canta, em ritmo de calmaria, a música que o político incauto toca. Eis o segundo sentido (além do de lembrar Sueli Costa viva, na letra de Cacaso) da citação que epigrafa este artigo.

Bruno Carazza* - Na política, economia não é assunto de mulher

Valor Econômico

Algumas comissões da Câmara têm claro viés misógino

criação do Partido da Mulher Brasileira. Após obter seu registro perante a Justiça Eleitoral em 29/09/2015, a nova legenda atraiu nos primeiros meses de funcionamento 23 membros do Congresso Nacional. A bancada, porém, tinha apenas duas congressistas. O Partido da Mulher Brasileira era uma agremiação formada majoritariamente por homens.

A incoerência custou caro e rapidamente o PMB desidratou, hoje relegado à irrelevância. Em 2022, elegeu só três deputados estaduais - todos homens, para manter viva a piada pronta.

A falta de representatividade feminina não é exclusividade do PMB. Desde a eleição da médica paulista Carlota Pereira de Queirós, pioneira a tomar posse como congressista no Brasil, em 1934, apenas 329 mulheres exerceram mandatos na história da Câmara.

Sergio Lamucci - O quadro necessário para a queda da Selic

Valor Econômico

Governo precisa reduzir incertezas, num cenário em que muitas empresas enfrentam um quadro difícil, que combina endividamento a juros elevados e perda de receitas

A economia brasileira entrou em 2023 num ritmo fraco, com exceção de poucos segmentos como a agropecuária, mostrando sinais de arrefecimento das pressões inflacionárias. Além disso, os bancos passaram a ser mais seletivos no crédito após o colapso da Americanas e de problemas de outras varejistas. Muitas empresas enfrentam um cenário difícil, que combina endividamento a juros elevados e perda de receitas, devido à redução da demanda.

O quadro que se forma, como se vê, é propício para uma queda dos juros básicos. O governo Lula, porém, tem atrapalhado esse processo, ao criar ruídos que tendem a atrasar o início do corte da Selic. As incertezas fiscais ainda permanecem elevadas, o que pode mudar, a depender da nova regra fiscal a ser apresentada pelo Ministério da Fazenda neste mês. Para completar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ataca seguidamente o Banco Central (BC), a autonomia da instituição e o nível de juros, criando atritos em relação à política monetária.

Marcus André Melo* - Instituições e populismo

Folha de S. Paulo

As democracias sobrevivem devido a combinações variadas de elementos institucionais e contextuais

Há um debate importante sobre se determinadas instituições políticas impedem ou favorecem a ascensão e/ou permanência de líderes populistas radicais. Muitas propostas de reforma institucional têm sido defendidas com base nessas discussões. Governos unipartidários, países unitários, cortes constitucionais ou sistemas presidencialistas favorecem populistas?

Muitos sugerem que o parlamentarismo multipartidário tende a obstaculizar partidos extremistas porque a fragmentação partidária resultante da representação proporcional (RP) faz com que tais partidos só cheguem ao poder em coalizões com partidos não extremistas.

Lygia Maria - A Fantástica Fábrica de Neuróticos

Folha de S. Paulo

Alterar livros por exigência identitária expõe ignorância estética e psicológica

Uma das características do identitarismo é o desprezo pela estética. Arte é bom, mas só se for limpinha e simpática. O que afeta nossa psiquê, já que a arte é o meio seguro para lidarmos com nossas emoções.

Na Inglaterra, os livros do escritor Roald Dahl, autor de "A Fantástica Fábrica de Chocolate", foram editados para eliminar termos considerados ofensivos. Quais termos? "Feia" e "gordo", por exemplo. Não apenas soa infantil, é. O identitarismo está transformando jovens adultos em crianças amedrontadas.

Não à toa, o índice de ansiedade e depressão entre os millennials está em média 30% maior do que em gerações anteriores —segundo pesquisa citada no livro "Cancelando o Cancelamento", de Madeleine Lacsko.

Ana Cristina Rosa - Questão de pele

Folha de S. Paulo

Julgamento iniciado em Brasília, que impacta a população majoritariamente negra, deveria ter parado o Brasil

Enquanto o Brasil não estiver disposto a assumir e a enfrentar a questão racial como ponto central de suas mazelas, será difícil reduzir as desigualdades.

Em Brasília, teve início o julgamento sobre a validade de prova obtida em abordagem policial baseada na cor da pele. Diante dos altos índices de violência policial contra pretos e pardos, numa nação majoritariamente autodeclarada negra, era de se esperar que o país parasse para acompanhar.

Fernando Gabeira - Gasolina: não são só os 47 centavos

O Globo

É difícil explicar por que o Brasil não tem um transporte público confortável, eficaz e pontual. Faltam recursos? Não creio

O governo federal voltou a cobrar imposto sobre a gasolina. Houve muita discussão, escrevi artigo, fiz inúmeros comentários. Parecia incoerente que um governo voltado para os pobres favorecesse motoristas, e não pedestres; não combatesse mudanças climáticas e estimulasse o uso de combustível fóssil; e finalmente abrisse mão de R$ 29 bilhões na pindaíba em que se encontram as contas públicas?

Mas toda essa discussão me pareceu um pouco limitada, difícil torná-la atraente para um público maior. Pensei então no filme “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”. Sua técnica de unificar muitos universos talvez fosse de utilidade para transformar os 47 centavos em algo mais amplo.

Demétrio Magnoli - Israel, inimigo de Israel

O Globo

Netanyahu pretende escapar de processos por corrupção chantageando o Judiciário

Desde 1967, Israel enfrenta um trilema. De três futuros, só pode ter dois. Não pode, simultaneamente, exercer soberania sobre toda a Terra Santa, conservar sua natureza de Estado judeu e preservar sua democracia. Para obter dois desses objetivos, precisa desistir de um deles. O avanço da reforma judicial patrocinada pelo governo Netanyahu reflete a decisão de renunciar à democracia. No fim dessa estrada está a virtual abolição do Estado de Israel, tal como fundado em 1948.

No sistema parlamentarista israelense, de câmara única, inexiste separação entre Executivo e Legislativo, pois o governo quase sempre tem maioria no Parlamento (Knesset). A separação de Poderes repousa sobre a Corte Suprema, contrapeso solitário ao governo de turno. Na ausência de Constituição, a Corte exerce a prerrogativa de derrubar atos da Knesset e do Executivo, sob o argumento de que violam as “leis básicas” — um conjunto de leis declaradas fundamentais pelos próprios juízes. A reforma de Netanyahu destina-se a subordinar a Corte Suprema ao Parlamento.

Polarização entre Lula e Bolsonaro pauta articulações para 2024

Pré-candidatos às eleições municipais avaliam recorrer a estratégia usada no pleito presidencial no ano passado

Por Bernardo Mello / O Globo

Rio de Janeiro - Articulações em andamento para as eleições municipais de 2024 apontam a resiliência da polarização entre o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A estratégia nacionalizada, que já vem à tona em cidades como Rio, São Paulo, Porto Alegre e Recife, concorre com o peso de caciques locais e com a preferência por temas municipais, dois fatores que pautaram as campanhas vencedoras nos maiores colégios eleitorais do país em 2020.

Um dos exemplos desta guinada é o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), eleito há três anos com um discurso focado na contraposição ao então prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), que agora costura uma aliança com Lula na expectativa de enfrentar um candidato ligado ao bolsonarismo. Para se cacifar na oposição a Paes, Dr. Luizinho (PP), o secretário de Saúde do governo Cláudio Castro, busca atrair o bolsonarismo articulando uma chapa com o deputado federal e ex-ministro Eduardo Pazuello (PL). O partido de Bolsonaro avalia ainda uma candidatura encabeçada por nomes como o general da reserva Braga Netto ou o senador Flávio Bolsonaro.

Carlos Pereira - Irracionalidade populista?

O Estado de S. Paulo

Mesmo sem chances de sucesso, populistas precisam confrontar as instituições democráticas

Populistas só deveriam atentar contra as instituições democráticas de um determinado país se elas fossem frágeis e não tivessem condições de conter suas ações potencialmente iliberais.

Por outro lado, se as instituições democráticas forem robustas, se a sociedade for ativa e a mídia, vigilante, deve-se esperar que populistas tenham muito mais parcimônia na sua estratégia de confronto iliberal com as instituições.

Isso porque ações iliberais não são destituídas de custos políticos nem judiciais. Em outras palavras, se o populista é racional, só vai tentar fragilizar as instituições se a probabilidade de as enfraquecer for positiva.

Exceções na reforma tributária vão elevar o imposto para todos, diz Appy

Secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda defende IVA único, mas aceita modelo dual

Alexa Salomão, Idiana Tomazelli e Fábio Pupo / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A unificação de tributos sobre o consumo é o pilar da reforma em tramitação no Congresso e está na lista de prioridades do Ministério da Fazenda, mas a alíquota a ser cobrada dos consumidores ainda é a grande dúvida nas discussões e vai depender de forma direta das exceções setoriais a serem negociadas.

economista Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, afirma em entrevista à Folha que um dos objetivos centrais é buscar um modelo que seja o mais homogêneo e simplificado possível. Segundo ele, quanto mais flexibilizações às regras para determinados setores econômicos, maior será a alíquota para os demais contribuintes.

"Quanto mais exceção tiver, mais tratamento favorecido para o setor X, Y ou Z, maior tem que ser a alíquota básica para poder manter a carga tributária. Qual vai ser a alíquota? A alíquota é aquela que mantém a carga tributária atual", diz.

Essa discussão é uma das mais importantes na agenda da primeira rodada da reforma tributária. O roteiro prevê que a ela seja fatiada em duas etapas, a começar pela revisão da tributação sobre o consumo, que vai unificar os diferentes tributos que recaem sobre bens e serviços em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

Alcir Pécora* - Quem foi Astrojildo Pereira, crítico que viu marxismo em Machado de Assis

Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Reedição da obra completa de fundador do Partido Comunista revela intelectual que conjugou paixão revolucionária e afã dos livros

 [RESUMO] O escritor Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil, tem sua obra relançada com esmero pela Boitempo. Nos dois volumes de crítica literária, ele expressa sua relação visceral e apologética com Machado de Assis, em quem via um símbolo da sociedade brasileira do Segundo Reinado e um "dialético espontâneo" que, embora nunca tenha se referido a Marx, a seu ver operava intuitivamente um método de materialismo dialético em seus romances.

A reedição das obras completas do escritor e líder comunista Astrojildo Pereira (1890-1965) é uma surpresa, dado o esquecimento em que parecia mergulhado o autor, mas coerente com o catálogo de uma editora de esquerda como a Boitempo.

De minha parte, li com gosto os dois volumes mais ligados à literatura, "Machado de Assis: Ensaios e Apontamentos Avulsos" (1959) e "Crítica Impura" (1963), pois evidenciam outro fato quase esquecido: a vida intensa do pensamento marxista no Brasil, muito antes dos anos 1960 ou dos seminários universitários.

Começo pelo livro sobre Machado, autor com quem Astrojildo manteve sempre uma relação visceral, precocemente assinalada por Euclides da Cunha em famosa crônica, ao vê-lo, ainda rapaz, beijar reverencialmente a mão do escritor moribundo em 1908, gesto que pareceu transfigurar o ambiente da vigília, até então desalentado pela indiferença dos meios culturais.

São sete ensaios e 16 artigos, aos quais Astrojildo se refere como escritos de circunstância, sem "plano prévio de conjunto", publicados em diferentes épocas, situações e veículos da imprensa.

O mais conhecido deles vem logo na abertura: "Machado de Assis, romancista do Segundo Reinado", cuja hipótese é a de que o autor, na vida como na obra, foi uma "conjunção de contrastes": solitário e pessimista, mas vivendo em "sociedade e cenáculos literários"; "tipo sensual", mas "modelo de bons costumes"; "analista rigoroso e frio" e, ao mesmo tempo, "criador empolgante".

Para o crítico, há uma consonância íntima entre a literatura machadiana e a evolução histórica do Segundo Reinado, em cuja base estavam os negros escravizados e a monocultura dos latifúndios, surgindo, depois, uma nova classe dirigente burguesa.

Tal transição explicaria o fato de Machado eleger como núcleo das intrigas a base familiar da vida em sociedade, na qual quase tudo se passava em torno de um "coração contrariado", vencido pela conveniência.

José Paulo Cavalcanti Filho* - A Revolução Pernambucana

Revista Será? (PE), 3.3.23

Na próxima segunda, 6 de março, celebramos nossa Data Magna. A da Revolução Pernambucana de 1817. Para entender isso melhor, voltemos ao passado. Para lembrar que aqui se deram os primeiros movimentos pela independência do Brasil. A reação, contra a Coroa Portuguesa, ocorreu a partir de ideias iluministas propagadas no Seminário de Olinda (por isso também chamada Revolta dos Padres) e pelas sociedades maçônicas, logo disseminando-se pela sociedade. A insurreição, projetada para ocorrer um mês depois, na Semana Santa (junto com Bahia e Rio), foi antecipada pela tomada do Forte do Brum. E se deu quando o capitão José de Barros Lima, conhecido como Leão Coroado (por conta de sua calvície, em forma de coroa, com longos cabelos nos lados, mais parecendo uma juba), sacou de sua espada e varou, de um lado a outro, a barriga (o buxo, assim está nos livros) do comandante português Manuel Joaquim Barbosa de Castro, que lhe havia dado voz de prisão, cumprindo ordens do governador Caetano Pinto Montenegro – desse Caetano que o povo dizia ser pinto na coragem, monte na altura e negro nos sentimentos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

PGR virou anexo do Planalto na gestão Bolsonaro

O Globo

Levantamento do GLOBO revelou que procuradores atenderam interesses do presidente em 95% das manifestações

O ex-presidente Jair Bolsonaro não pode reclamar da Procuradoria-Geral da República (PGR) em seu governo. Liderada por Augusto Aras, ela serviu de barreira às acusações contra ele próprio e seus filhos, quase sempre alinhada com a defesa deles.

Levantamento do GLOBO no Supremo Tribunal Federal (STF) revelou números eloquentes. De 186 peças analisadas, a PGR pediu a extinção de 134 e acatou sem recorrer a decisão do próprio STF de extinguir outras 32. Houve ainda dez iniciativas para retirar ações da esfera do ministro Alexandre de Moraes, desafeto do bolsonarismo. Ao todo, em 95% das manifestações a PGR atendeu a interesses de Bolsonaro, seja para arquivar processos, seja para ajudar a família.

Ficou evidente a paralisia da PGR na gestão da pandemia por Bolsonaro. Por leniência do Planalto, o país atrasou a importação das primeiras levas de vacinas. Um terço das tentativas de processar o presidente por falhas no enfrentamento da Covid-19 foi objeto de pedidos de arquivamento por parte da PGR. Em despacho de outubro de 2020, Aras argumentava contra as conclusões que já eram consenso entre cientistas. “Autoridades em matéria sanitária divergem sobre várias questões, tais como eficácia do isolamento social e imunidade coletiva”, escreveu.

Poesia - Frei Caneca - Entre Marília e a pátria

Entre Marília e a pátria
Coloquei meu coração:
A pátria roubou-me todo;
Marília que chore em vão.

Marília, pede a teus filhos,
Por minha própria abenção,
Morram, como eu, pela pátria;
Marília que chore em vão.

Apenas forem crescendo,
Cresçam com as armas na mão,
Saibam morrer, como eu morro;
Marília que chore em vão.

Defender os pátrios lares,
É dever do cidadão.
Quando exalem pela pátria;
Marília que chore em vão.

Música | Alceu Valença - Hino de Pernambuco