sábado, 12 de agosto de 2023

Oscar Vilhena Vieira* - O exercício da democracia defensiva

Folha de S. Paulo

Ele é necessário, mas sua prática deve ser feita com cautela

"As instituições brasileiras têm se demonstrado mais efetivas na defesa da democracia do que as norte-americanas."

A constatação não foi feita por um brasileiro ufanista, mas pelo professor Steven Levitsky, autor do festejado livro "Como as Democracias Morrem" (2018), em recente seminário em São Paulo. A possibilidade de que Donald Trump venha a se candidatar nas próximas eleições, mesmo que seja condenado pelos diversos crimes pelos quais está sendo julgado, aponta para a fragilidade dos mecanismos de autodefesa da democracia norte-americana.

No Brasil, por sua vez, testemunhamos, ainda que aos trancos e barrancos, uma postura combativa por parte tanto do TSE como do STF na defesa da democracia e do processo eleitoral, assim como pela independência do próprio Poder Judiciário. São exemplos dessa postura defensiva dos tribunais a instauração de inquéritos voltados a apurar atos antidemocráticos, o policiamento do processo eleitoral, assim como o julgamento daqueles que atentaram contra o Estado democrático de Direito durante a intentona de 8 de janeiro.

Dora Kramer - A tropa no choque

Folha de S. Paulo

Convocação de Rui Costa fez governo levar a sério potenciais riscos da CPI do MST

tratoraço do governo sobre a CPI do MST pareceu desperdício de munição, dado que a comissão vinha sendo vista no Palácio do Planalto como mero palco para bolsonaristas dançarem ao som de uma orquestra de lacrações em série, sem maiores chances de desdobramentos danosos.

Foi assim, mas deixou de ser quando a oposição conseguiu aprovar a convocação do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Aí o alerta foi aceso, tanto em decorrência dos questionamentos a ele sobre suas relações com os sem-terra enquanto governador da Bahia quanto a novas convocações que acentuassem a leniência dos petistas com ilegalidades do movimento.

Demétrio Magnoli - Tenda do Mago

Folha de S. Paulo

Incorporação de 'terapêuticas alternativas' ao SUS impede diagnósticos de enfermidades reais

Numa esquina perto de casa surgiu uma faixa de propaganda de uma certa Tenda do Mago, que vende "produtos esotéricos, místicos e religiosos". É um negócio inútil: já existe uma mais poderosa Tenda do Mago, de alcance nacional, ramificada em todas as capitais e em 3.024 municípios (54% do total). O nome oficial dela é PNPICs (Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares). Seus produtos esotéricos, místicos e religiosos são pagos com dinheiro do SUS –ou seja, teu, meu, nosso.

A vasta lista das PICs abrange homeopatia, termalismo social, antroposofia, dança circular, Reiki, Shantala, aromaterapia, constelação familiar, imposição de mãos e florais, entre outras crendices chiques. A Medicina Tradicional Chinesa, uma tradição milenar inventada por Mao Tse-tung 70 anos atrás, está dentro, é claro. João de Deus ficou fora, graças a deus.

Alvaro Costa e Silva - O guru do Méier, 100

Folha de S. Paulo

Millôr nunca escreveu um romance porque não quis

Na quarta (16), quando transcorre o centenário de seu nascimento, os admiradores de Millôr Fernandes poderão escolher um Millôr preferido para homenagear. As opções são muitas: jornalista, escritor, cartunista, pintor, teatrólogo, tradutor, roteirista, poeta, frasista, humorista e, englobando tudo, guru. Guru do Méier, como se autodeclarava.

Há o risco de que uma categoria seja esquecida: a de atleta. Aos 14 anos, faz-tudo em O Cruzeiro, Millôr era o que a gíria carioca chama de "piscina" —o cara que, ao chegar onde mora, bate na parede e volta para o trabalho. Passava o dia inteiro na revista, estudava à noite no Liceu de Artes e Ofícios, pegava bonde e trem, andava quilômetros. Enfim em casa, ouvia da avó: "Tem sardinha no fogão".

Hélio Schwartsman - Quem lê lê

Folha de S. Paulo

Formação de público leitor depende mais de genes do que de livros baratos

Por não estar nas redes sociais, perco muitos dos debates que mobilizam o mundo digital —o que talvez não seja tão mau. Quando o assunto vale a pena, porém, ele costuma chegar às mídias tradicionais, que acompanho. Foi assim que, com semanas de atraso, tomei ciência da polêmica lançada pelo influenciador Felipe Neto, que se queixou do preço dos livros no Brasil. "Precisamos de uma população leitora, mas tá cada dia mais difícil. Livrarias fechando, preços disparando... Como esperar q o povo leia desse jeito? Livro não pode ser artigo de luxo", postou Neto.

A discussão sobre o preço dos livros é relevante. Não conheço o mercado bem o bastante para me meter nela, mas creio que há um problema na premissa do influenciador. É legal ter acesso aos lançamentos literários, mas não penso que a formação de um público leitor dependa do mercado editorial.

Carlos Alberto Sardenberg - A política dos truques

O Globo

Nos governos petistas tornou-se bem conhecida a ‘contabilidade criativa’. Pois parece que a imaginação avançou

O Novo PAC tem uma pegada ambiental. Como exatamente? Bem, o governo promete algo como um arcabouço institucional que deve induzir práticas sustentáveis nos investimentos e programas públicos e privados. Uma generalidade. Os planos de exploração do petróleo na Margem Equatorial são, em contrapartida, bem concretos.

São exatos 19 poços a explorar, incluindo aquele colocado na área mais sensível, a foz do Amazonas, cuja licença ambiental foi negada pelo Ibama. A estatal comparece no PAC com planos de pesados investimentos em petróleo, tudo carbono puro.

A contradição está na cara. Há um discurso ambiental, metas não específicas de descarbonização e investimentos definidos na direção contrária. Parece que estamos falando de dois governos. E estamos mesmo, pelo menos nesse caso. E mais: um governo tentando enganar o outro.

Pablo Ortellado -Como encerrar a guerra às drogas?

O Globo

Legalização que estamos iniciando precisa vir com política de desestímulo

A guerra às drogas fracassou. O combate impiedoso ao tráfico não foi capaz de reduzir o consumo e ainda promoveu uma explosão da população carcerária que é injusta, onerosa e alimenta o crime organizado. O Brasil, com 832 mil presos, tem a terceira maior população carcerária do mundo em números absolutos e a 26ª em números relativos (per capita). Cerca de 25% dos nossos presos foram acusados de tráfico.

Nos últimos anos, o cenário de fracasso generalizado tem levado vários países a descriminalizar o uso. Nos Estados Unidos, país que liderou a guerra às drogas entre os anos 1970 e 1990, a descriminalização começou pela legalização do uso medicinal da Cannabis em alguns estados e aos poucos está levando à legalização do uso recreativo.

Eduardo Affonso - A Lua e a lama nos obituários

O Globo

Respeito consiste, principalmente, em não fazer do morto, de sua trajetória, um pretexto para desfilar nossos preconceitos

Fernando Pessoa já ensinava, por meio de Ricardo Reis:

— Para ser grande, sê inteiro: nada/Teu exagera ou exclui.

Vale para quando ostentamos virtude no finado Twitter; vale para quando não deixamos entrever sequer um fiapo de nossa vidinha besta no Instagram. Deveria valer também para quando nos cabe falar da vida alheia —principalmente de uma vida que acaba de se encerrar.

Morte não implica a canonização automática do morto. Não é remissão dos pecados, não concede indulgência plenária. Não transforma água em vinho, rascunho em arte final. Mas respeito é bom — e não se confunde com bajulação. Entre a hagiografia e o vilipêndio, há bom espaço para uma análise equilibrada.

Bolívar Lamounier - Lamento por um país já quase irreformável

O Estado de S. Paulo

Vejo o Brasil como um país especializado em perder oportunidades, a mais evidente das quais, no passado recente, sendo o ciclo de governos petistas que teve início em 2003

A mediocridade política em que o Brasil vive já há vários anos reduz o debate público à inútil contraposição entre “otimistas” e “pessimistas”.

Os escritos que tenho postado neste espaço são regularmente agraciados com o epíteto de “pessimistas”, que aceito de bom grado. De fato, quem olha à nossa volta ou reflete sobre nossa história não tem muito a festejar. Na outra ponta, “otimistas” são os pascácios herdeiros intelectuais do conde Afonso Celso (Por que me ufano de meu país) e os empresários, notadamente os do setor industrial, que fazem das tripas coração tentando criar o que chamam de um bom “clima de negócios”. Tarefa hercúlea.

Meus caros leitores poderão objetar que, afinal de contas, o Produto Interno Bruto (PIB) vai crescer 2,4% este ano e que o setor agrícola está se diversificando de um modo promissor. Isso é muito bom. Apenas peço vênia para lembrar que o modesto crescimento do PIB previsto para este ano se deve quase totalmente às commodities (um pequeno número de produtos primários exportados em larga escala para um pequeno número de países, notadamente para a China) e que esse setor nem de longe abranda nosso desesperante problema de desemprego. Acrescente-se que o governo, só para equilibrar as contas públicas, é forçado a levar até o limite a sua fúria arrecadatória. O que os “otimistas” têm a festejar é, portanto, o fato de o Lula atual ter deixado de lado sua antiga ingenuidade e se rendido sem pejo ao Centrão. Isso é melhor?

Eliane Cantanhêde - Grande beneficiário da quadrilha fica evidente

O Estado de S. Paulo

PF confirma esquema no Planalto para vender joias e presentes no exterior e repassar dinheiro a Bolsonaro

O tenente-coronel da ativa Mauro Cid entregou o ouro para a Polícia Federal, ao revelar, em mensagem por celular, que estava usando seu pai, o general da reserva Mauro Lourena Cid, para enviar US$ 25 mil em dinheiro vivo para o ex-presidente Jair Bolsonaro nos Estados Unidos. Fica evidente que ele é o grande beneficiário da quadrilha instalada no Palácio do Planalto para vender joias e presentes no exterior e reverter o dinheiro para o próprio presidente da República, durante e depois do mandato.

“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente (...) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né? (...)”, diz o texto do coronel enviado a um outro assessor de Bolsonaro, em janeiro de 2023, sobre um pedacinho do valor obtido com as vendas ilegais.

João Gabriel de Lima - A floresta e os que moram dentro dela

O Estado de S. Paulo

É necessário levar à COP-30, em Belém, propostas que façam a diferença para quem vive na floresta

Itaquera quer dizer “pedra dura”, em língua tupi. É também o nome de uma comunidade ribeirinha situada no Estado de Roraima. Ela faz parte do município de Rorainópolis, que tem 33 mil quilômetros quadrados – uma área maior que a da Bélgica. As trinta e poucas famílias que moram lá vivem da pesca e do artesanato em madeira.

A Cúpula da Amazônia, realizada nesta semana em Belém (PA), reuniu os líderes dos oito países que abrigam a maior floresta tropical do planeta. Decisões importantes foram tomadas, como a criação de órgão que forneça dados para as políticas públicas da região – uma espécie de IPCC amazônico. Os países terão liberdade para elaborar planos de descarbonização de acordo com suas realidades.

Marcus Pestana* - Uma jabuticaba de boa qualidade

O grande jornalista e ex-deputado federal, pivô da crise que resultou no AI-5, em 1968, Márcio Moreira Alves, cunhou certa vez uma frase que ficou famosa “tudo aquilo que só existe no Brasil e não é jabuticaba, é bobagem”. Anos mais tarde, o professor e ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, escreveu um “Desagravo às jabuticabas”, associando a metáfora ao não menos famoso “complexo de vira-latas”, descrito por Nelson Rodrigues, para tipificar o nosso arraigado complexo brasileiro de inferioridade. Disse Everardo Maciel: “É irracional não acolher experiências bem-sucedidas de outros países, tanto quanto é medíocre e ingênuo refugar soluções apenas porque são, na versão difamatória, jabuticabas”. Digo isso, porque falarei de uma jabuticaba que julgo de boa qualidade, que plantei no Congresso Nacional na época em que, com muito orgulho, representei o povo mineiro.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Novo PAC poderá provocar mesma ressaca do velho

O Globo

Em vez de ampliar gasto público e criar manobras contábeis, governo deveria tratar de atrair investimento privado

Chama a atenção o ineditismo da escolha do Theatro Municipal do Rio para relançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), marca dos governos petistas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta ressuscitar. Para transformá-lo em bandeira política, o governo faz de tudo para torná-lo o maior possível. Estarão sob o PAC investimentos de empresas públicas, como a Petrobras, e projetos de parcerias público-privadas. Tudo somado, o programa resulta em R$ 1,7 trilhão, cifra sob medida para reforçar o discurso do Planalto.

Carimbar qualquer obra como se fosse do PAC é o de menos. O país precisa de investimentos em infraestrutura. O erro, mais uma vez, é achar que o crescimento econômico precisa ser puxado pelo gasto público, como querem os petistas. Em sua encarnação anterior no Planalto, o partido já seguiu esse caminho, produzindo dívida e recessão.

Poesia | Machado de Assis - Minha Musa

 

Música | Ibrahim Ferrer - Perfidia