terça-feira, 6 de outubro de 2020

Opinião do dia – Friedrich Hegel – o pensar não binário

Conhecimento é intuição intelectual com as seguintes condições:

a) Que, malgrado a divisão de todo o oposto ao outro, toda a realidade externa se conheça como a interior. E se assim vier a ser conhecida, segundo a sua essência, tal qual é realmente, então se mostra não como estável, mas como aquilo cuja essência própria é o movimento da ultrapassagem. Este ponto de vista heraclitiano ou cético, de que nada é firme, deve ser provado em todas as coisas; e assim, nesta consciência de que a essência de cada coisa é determinação e, por isso, o seu contrário, manifesta-se a unidade do conceito com o seu contrário.

b) Todavia, é também necessário conhecer esta unidade na sua realidade; esta, enquanto é uma tal identidade, deve, precisamente por isso, passar para o seu contrário, ou seja, fazer-se outro para se realizar. Assim, através dela própria, produz-se o seu oposto.

c) Acerca da oposição, temos de dizer, por seu turno, que ela não é de modo absoluto, se o absoluto é a essência, o eterno, etc. Todavia, note-se que também este é uma abstração, na qual está compreendido dum ponto de vista unilateral, e que a sua oposição tem apenas o valor de um ideal; na realidade, a oposição é a forma como momento essencial do movimento do absoluto. Este não está em repouso, aquela não é o conceito que nunca para. Pelo contrário, a Ideia, na sua irrequietabilidade, está em repouso e em si satisfeita.

Deste modo, o puro pensamento chegou à oposição do subjetivo e do objetivo: a verdadeira conciliação da oposição consiste em entender como esta oposição, levada ao ponto extremo, se resolve, de sorte que os opostos, como diz Schelling, sejam em si idênticos. Mas não basta afirmar isto, se não se acrescenta que a vida eterna é propriamente este produzir eternamente a oposição e eternamente conciliá-la. Possuir o oposto na unidade e a unidade na oposição, eis o saber absoluto; e a ciência consiste precisamente em conhecer esta unidade, no seu pleno desenvolvimento, através dele mesmo.

*Friedrich Hegel (1770-1831), “Introdução â História da Filosofia”, p.158, v. II, Nova Cultura, 1989.

Merval Pereira - De corpo e alma

- O Globo

Nada mais exemplar do establishment que Bolsonaro prometeu destruir do que a reunião promovida pelo ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal em sua casa em Brasília nesse domingo. O almoço, que em qualquer país civilizado provocaria escândalo, começou às 14 horas e foi até a noite, com futebol e pizza. A fauna brasiliense presente ia de advogados que atuam no Supremo, políticos de vários matizes, presidente do TCU e, por último, mas não menos importante, o presidente da República em pessoa, que está sendo investigado pelo STF.

 Bolsonaro tenta separar o corpo da alma, pelo menos finge querer. De um lado, entendeu que precisa de acordos políticos e aproximações com o Congresso e o STF; e de outro, enfrenta os radicais que querem afrontar o Congresso e o STF, na batida do início do governo, o que não é possível numa democracia.  

Bolsonaro entendeu que por esse caminho ia acabar sofrendo impeachment, porque não há possibilidade de governar em guerra com o Congresso e o STF. E a guerra com os dois outros poderes pressupõe uma visão democrática deformada. Os três poderes são equivalentes, e é preciso obter uma posição majoritária através de negociações.  

Como só sabe fazer a baixa política, do toma lá, dá cá, que viveu durante os 30 anos como parlamentar do baixo clero, e prometeu acabar quando Presidente, aproximou-se da ala mais conservadora do STF e do Centrão, que sempre está com todos os governos em troca de favores, poder, emprego.  

Atacado por seus próprios aliados nas redes sociais, acusado de ter feito acordo com o diabo, ou seja, a esquerda, Bolsonaro tenta se defender como se sua alma estivesse onde sempre esteve, junto aos radicais da extrema-direita, enquanto seu corpo circula pelos bastidores do establishment “porque tenho que governar”.

 A indicação do desembargador Kassio Marques, escolhido por Dilma Rousseff para o TRF-1, e a amizade repentina com Dias Toffoli, ex-advogado do PT, mostram para seus radicais uma promiscuidade inaceitável, embora aceitem sem grandes protestos os acordos políticos com o Centrão, que significam abandonar definitivamente o combate à corrupção.  

Eliane Cantanhêde - O último a saber

- O Estado de S.Paulo

Na guerra do ‘desequilibrado’ com o ‘despreparado’, Bolsonaro esquece Guedes

O presidente Jair Bolsonaro desautoriza Paulo Guedes num dia e no outro também e ontem o ministro foi o último a saber do encontro do chefe e do general Luiz Eduardo Ramos com seus dois maiores inimigos, o deputado Rodrigo Maia e o ministro Rogério Marinho. Soube por uma foto em que só aparecia Maia. À vontade, íntimo da “casa”, o fotógrafo foi Marinho.

Guedes acusa Maia de boicotar as privatizações, Maia chama Guedes de “desequilibrado” e Guedes ataca Marinho como “despreparado”, por admitir publicamente furar o teto de gastos. Logo, a coisa está animada na cúpula do governo, com o presidente no meio de uma guerra entre o “desequilibrado” e o “despreparado”. Ou melhor, no centro.

O tema da reunião, informou-se, foi de onde tirar dinheiro para o Renda Cidadã, mas como assim? O ministro da Economia, dono da chave do cofre, não estava presente, não foi convidado, nem sequer foi comunicado. E chiou. Como anda com os erros à flor da pele, envolto em dúvidas e convivendo dia a dia com a insegurança da própria equipe, dá para imaginar que a chiadeira não foi lá das mais calmas e elegantes.

O Planalto e Bolsonaro tiveram um trabalhão para convencê-lo de que se tratava de um cafezinho inocente e que o presidente mantém inalterados tanto a defesa do teto de gastos quanto a confiança e apreço pelo seu Posto Ipiranga. Se o próprio Guedes tem lá suas dúvidas, certamente o mercado e a opinião pública não ficam atrás.

Quando se pergunta no governo qual a diferença entre Sérgio Moro e Paulo Guedes, a resposta é uníssona: Moro, segundo eles, com replique nas redes bolsonaristas, foi “desleal”, “mau caráter”, uma “surpresa”, enquanto Guedes não é nada disso e é praticamente indemissível.

Carlos Andreazza - Já era

- O Globo

O governo é covarde porque, querendo flexibilizar o teto de gastos, deveria liderar o debate

O teto de gastos já era. Ao menos como o conhecemos, já era. Questão de tempo até que sua revisão se imponha. Aquele teto assentado no governo Temer, em tempos (agora sabemos) de paz: já era. O mar virou. Está dado. A flexibilização virá. Já era. E também Paulo Guedes, o flexível: já era. (Isso, claro, se tiver sido algo — que não fachada liberal-reformista para o estelionato eleitoral bolsonarista — alguma vez neste governo.) Se fica ou não, é irrelevante. Hoje: irrelevante. Para algum efeito produtivo: irrelevante. Trata-se de um ministro da Economia —de um gigantesco Ministério da Economia — publicamente esvaziado de qualquer poder político. Já era.

Para Jair Bolsonaro, contudo, é bom — ainda bom — que fique. Menos por enganar algum crente retardatário na viabilidade de um projeto de poder reacionário, que se expande abrindo as velas pragmáticas do populismo, abarcar um programa de reformas estruturais do Estado. E mais por ser Guedes — minion que é — um batalhador apaixonado, operário mesmo, testando ao máximo a elasticidade de sua cervical liberal, pela reeleição do presidente; o seu problema, este também dado, consistindo em incompetência, em incapacidade para entregar.

Daí por que perdeu o Renda Brasil — programa a cuja formulação se agarrara como maneira de sustentar algum protagonismo competitivo. Perdeu. Bolsonaro lhe tirou esse último trampolim, também talvez o chão derradeiro. Ninguém precisa ser um trabalhador — o presidente nunca foi — para identificar alguém ruim de serviço.

Ninguém precisa ser um trabalhador para reconhecer alguém esforçado, que veste a camisa. Alguém — ainda — útil. Guedes, este útil abnegado, então convertido em mero tocador de boi de piranha; o animal lançado ao sacrifício sendo algum entre seus secretários, estimulados a propor ideias colocando a cabeça não na janela do debate público, mas na linha da guilhotina, ou um parlamentar que, seduzido pelos holofotes, aceite ser balão de ensaio para propostas esdrúxulas de como financiar o ex-Renda Brasil.

Luiz Carlos Azedo - Política no novo normal

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Não é preciso estar atrás das cortinas do Supremo para perceber que a Corte passa por mudança de composição que favorece os “garantistas”, entre os quais Mendes, Toffoli e Moraes

O maniqueísmo na política quase sempre impede uma avaliação correta da situação. É o caso da indicação do desembargador Kassio Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro. Não vou entrar no mérito do perfil do indicado, que será sabatinado no Senado tanto pelos que defendem sua indicação como por aqueles que o consideram sem as qualificações necessárias para integrar a Corte. São regras do jogo: vagou um cargo de ministro no Supremo, o presidente da República tem a prerrogativa de indicar um nome para o cargo, que precisa ter aprovação do Senado para ser efetivado.

É óbvio que a saída de um jurista do naipe do decano da Corte, ministro Celso de Mello, torna inevitável a comparação entre ambos, mas acontece que a escolha é política, não é técnica, como muitos gostariam. Desse ponto de vista, salta aos olhos que Bolsonaro tenha feito concessões aos políticos enrolados do Centrão que articulam sua base no Senado e aos ministros do Supremo que integram o grupo identificado como “garantista”. Bolsonaro fez política com os demais Poderes da República, o que consolida uma mudança, se considerarmos que, há alguns meses, estava em rota de colisão com o Congresso e o Supremo, isto é, com o Estado de direito democrático.

José Casado - Xeque de Xi em Bolsonaro

Nunca o Brasil esteve tão dependente da China

Jair Bolsonaro começa a perceber que fez um mau negócio ao se meter na guerra econômica dos Estados Unidos contra a China.

Apostou num tratado de comércio com Donald Trump. Fracassou. No melhor cenário, vai chegar ao meio do mandato com um acordo de compra de material bélico nos EUA e “facilidades” de vistos para empresários.

Idealizou uma “reinvenção do Brasil” à sombra de Trump, na definição do burlesco e inepto chanceler Ernesto Araújo, e hostilizou o Partido Democrata, que controla a Câmara. O troco veio num documento público: “Nos opomos firmemente a qualquer tipo de acordo comercial com o governo Bolsonaro”. A frase dá a dimensão das dificuldades num eventual governo Joe Biden.

Amadorismo diplomático custa caro. Bolsonaro ajudou a propagar ideias hostis aos chineses, como o “comunavírus”. Acreditou na ficção da “nova ordem” à margem da China, a potência emergente. Mas, no meio da guerra de Trump contra o “exército tecnológico de 5G” da Huawei, apelou ao líder Xi Jinping por socorro para viabilizar um leilão de petróleo.

Ricardo Noblat - Receita de coronavírus à italiana

- Blog do Noblat | Veja

Sem perder o medo

Mesmo que o assunto os aborreça, prezados leitores, sinto-me obrigado por razão de consciência a lembrar que a pandemia da Covid-19 ainda não foi debelada, talvez não seja tão cedo, se é que um dia será debelada. Nem mesmo o surgimento de vacinas a serem lançadas em breve garante imunização para sempre.

Celebremos o fato de que o pior já passou, pelo menos é o que parece. A primeira morte por coronavírus no Brasil aconteceu em 12 de março. Foi de uma mulher de 57 anos, em São Paulo. Em 5 de agosto, o Ministério da Saúde informou que 1.437 pessoas haviam morrido nas últimas 24 horas e 57.152 infectadas.

A média móvel de mortes nos últimos 7 dias foi de 659. É o 13º dia seguido com essa média abaixo da casa dos 700. Mesmo assim o país registrou 398 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas, o equivalente à lotação completa de dois Boeings 737-800. É de 146.773 o total de óbitos desde o começo da pandemia.

O fantasma da segunda onda do coronavírus já assombra a Europa. E a Itália, que viveu momentos trágicos no primeiro semestre do ano, é apontado como o país que aprendeu a lição e que está pronta para enfrentar o que virá. O primeiro ingrediente da receita italiana foi a rigidez do isolamento que, aqui, nunca foi para valer.

Bernardo Mello Franco - O ministro tubaína e os descontentes

- O Globo

Não convém esperar muito de Kassio Nunes Marques, escolhido para substituir o decano Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal. O desembargador foi apadrinhado por Flávio Bolsonaro e pelos próceres do centrão. Antes de passar pela sabatina no Senado, submeteu-se a um beija-mão na casa do ministro Gilmar Mendes.

O presidente Jair Bolsonaro fez questão de deixar claro: Marques deve a indicação à amizade, não ao saber jurídico. “Ele já tomou muita tubaína comigo, tá certo?”, disse, na quinta-feira. A frase não lustra a biografia do futuro ministro. Apenas sugere que o capitão conta com sua obediência no Supremo.

Até aqui, o maior trunfo do desembargador são os descontentes. Sua escolha irritou os seguidores mais radicais de Bolsonaro. Gente que despreza a democracia e esperava ver outro fanático no tribunal.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Do olavismo ao centrão

- Folha de S. Paulo

Presidente abriu mão da agenda anticorrupção e da fantasia antissistema; em troca, ganhou sobrevivência política

Quem vê Bolsonaro trocando abraços em jantar com Toffoli e Alcolumbre até se esquece que em maio se discutia seriamente a possibilidade de impeachment. Depois de toda aquela turbulência, o governo se
assentou e agora as águas da política estão na mais perfeita calmaria.

Bolsonaro abriu mão da agenda anticorrupção e da fantasia “antissistema”; em troca, ganhou sobrevivência política. Alguém ainda acredita que ele defende a Lava Jato? Ele quer antes matá-la, e por isso nomeia um garantista para o STF. A paz de sua própria família depende do fortalecimento de toda tecnicalidade jurídica que possa proteger criminosos de colarinho branco (para pessoas pobres, vale lembrar, a mesma lei continua decretando prisão, antes da primeira instância, para culpados e inocentes).

Há todo um espectro de eleitores “antissistema”: desde aqueles que defendem apenas a bandeira da Lava Jato, do combate à corrupção, passando pelos que sonham com o fim do fisiologismo político de maneira geral, até aqueles que sonham com o fim da democracia, fechamento do Congresso e do STF. Grande parte deles aderiu a Bolsonaro em algum momento. Hoje, todos estão decepcionados.

Pablo Ortellado* - Violência política

- Folha de S. Paulo

Um em cada cinco americanos que se identifica como democrata ou republicano considera justificado o uso de violência se o seu partido perder

Cientistas sociais de diferentes instituições de pesquisa dos Estados Unidos perceberam que investigavam em paralelo a aceitabilidade da violência política por cidadãos com forte identidade política.

Quando reuniram seus bancos de dados, descobriram que o país vive uma onda crescente de aceitação da violência política, o que pode culminar em uma explosão caso o resultado das eleições presidenciais seja contestado por uma das partes.

Em artigo no site Politico, os pesquisadores apresentaram números preocupantes: em setembro de 2020, cerca de um terço dos americanos que se identificam como democratas ou como republicanos considerava justificado o uso da violência para atingir objetivos políticos (33% dos democratas e 36% dos republicanos). O índice era de apenas 8% em 2017, passou para 12% em 2018, depois para 15% em 2019 e dobrou para 30% em junho de 2020, no contexto dos embates entre conservadores e progressistas nos protestos do Black Lives Matter.

Os pesquisadores estão particularmente preocupados com dados que sugerem que cada episódio de violência política torna mais aceitável violência adicional, num ciclo vicioso perigoso: logo após um episódio de violência política, a aceitação geral da violência parece subir.

Cristina Serra - Massacre no Chico Mendes

- Folha de S. Paulo

Não tem como dar certo a fusão do Ibama com o ICMBio

Faça um esforço de imaginação. Pense que o governo convocou especialistas em biodiversidade, restauração florestal e gestão de parques nacionais para planejar o policiamento das ruas de São Paulo. A chance de dar certo é zero. Da mesma forma, não tem como dar certo a comissão formada por Ricardo Salles para estudar a fusão dos dois órgãos executivos mais importantes do Ministério do Meio Ambiente, o Ibama e o ICMBio. A menos, é claro, que dar certo neste caso signifique a ruína definitiva da proteção ambiental.

Dos sete integrantes do grupo, cinco são oriundos da Polícia Militar paulista. Um deles esteve envolvido no massacre do Carandiru. Em 1992, 111 detentos foram mortos quando a PM tomou o presídio para conter uma rebelião. Outro coronel foi dirigente da Rota, violenta tropa de elite da mesma PM. É nas mãos dessa gente que está o futuro do meio ambiente.

Andrea Jubé - Cuidado com a onça!

- Valor Econômico

Para Renan Calheiros, “só a política dirá o que é possível fazer”

A “velha política” enfrentou revezes na eleição que consagrou Jair Bolsonaro e o bolsonarismo. Notórios caciques foram varridos das urnas, enquanto outros se enroscaram na Lava-Jato.

Mas o mundo dá voltas, e dois anos depois, são os velhos caciques que voltam a dar as cartas e ditar o ritmo do jogo.

Eleito com a bandeira da antipolítica, o presidente Bolsonaro nem titubeou: quando o cerco apertou, com a abertura de três inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) que emparedam a ele e seus aliados - e tendo a prisão de Fabrício Queiroz como estopim -, ele repetiu seus antecessores e escolheu o lado certo onde se acomodar.

O presidente seguiu a máxima preconizada pelo decano dos decanos na política, o ex-presidente do Senado e do MDB Jader Barbalho: “Caititu, se andar fora do bando, vira comida de onça”. Em bom português: isolamento em política é sentença de morte.

É por isso que Bolsonaro uniu-se à velha política, e a velha política uniu-se a Bolsonaro.

A sequência de jantares entre autoridades dos últimos dias é a prova de que a lição de Jader não prescreveu: ninguém quer ficar à deriva. Na batalha naval, navio que sai da esquadra é o primeiro a ser abatido.

Ontem o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas abriu a casa para um jantar de tentativa de reconciliação entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), num esforço coletivo para evitar o naufrágio da agenda econômica num cenário de caos fiscal.

Pedro Cafardo - Névoa é névoa, mas pode fazer estragos

- Valor Econômico

Presidente Bolsonaro poderia aprender com experiência britânica dos anos 1950

A experiência recente na área da economia já nos ensinou que a correção monetária não é um remédio milagroso para a inflação, como se imaginou nos anos 1960. Que o endividamento do país em dólares para sustentar importações de matérias-primas leva à moratória, como se viu após os anos 1970. Que o tabelamento também não fulmina o dragão inflacionário, como se constatou nos anos 1980. Que a política de juros na lua extermina investimentos produtivos, como se observou nas últimas três décadas. Que as políticas de transferência de renda, poderoso instrumento de redução de pobreza, não custam tão caro quanto se imaginava, como também se aprendeu neste século. Que o endividamento interno excessivo paralisa a máquina pública. E que o engessamento de despesas por meio de um teto radical não é bala de prata para eliminar a gastança, como estamos descobrindo agora.

Na política, há aprendizados numerosos. Mas a realidade de hoje no país traz a lembrança de uma lição dos anos 1950, na Inglaterra. Muito conhecido por já ter sido retratado várias vezes no cinema e em séries televisivas, esse episódio parece esquecido agora, embora pudesse ser uma luz para o comportamento de políticos na atual pandemia.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Keynes e Francisco, Fratelli tutti

- Valor Econômico

A cura dos desatinos do capitalismo individualista deve ser buscada, em parte, pelo controle da moeda e do crédito

 “Devemos abandonar os falsos princípios morais que nos conduziram nos últimos dois séculos. Eles colocaram as características humanas mais desagradáveis na posição das mais elevadas virtudes. Não há nenhum país, nenhum povo que possa vislumbrar a era do tempo livre e da abundância sem um calafrio [...]. Pois fomos educados para o esforço aquisitivo e não para fruir [...]. Se avaliarmos o comportamento e as realizações das classes abastadas de hoje, as perspectivas são deprimentes [...]. Os que dispõem de rendimentos diferenciados, mas não têm deveres ou laços, falharam, em sua maioria, de forma desastrosa no encaminhamento dos problemas que lhes foram apresentados.” (John Maynard Keynes, Perspectivas Econômicas dos Nossos Netos - 1930).

Os jesuítas da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), me adiantaram gentilmente a Encíclica Fratelli tutti na sexta-feira, 2 de outubro. Peço licença para oferecer aos leitores do Valor uma citação do documento do Pontífice, divulgado no domingo, 4 de outubro.

 “Se alguém acredita que se trata apenas de fazer funcionar melhor o que já fazíamos, que a única mensagem é que devemos melhorar os sistemas e as regras já existentes, está negando a realidade... Observa-se a penetração cultural de uma espécie de “desconstrucionismo”, onde a liberdade humana pretende construir tudo a partir do zero. Fica em pé unicamente a necessidade de consumir sem limites e a exacerbação de muitas formas de individualismo sem conteúdo”.

Keynes, assim como Francisco, professava a crença que a sociedade e o indivíduo eram produtos da tradição e da história. Ele cultivava os valores de uma moral comunitária, visceralmente antiutilitarista e antiindividualista. Essa convicção era acompanhada da admiração pelas virtudes criativas da modernidade capitalista nascida sob o consigna do avanço das liberdades e da autonomia do indivíduo.

No seu célebre artigo “O fim do laissez-faire”, Keynes vergastou a ideia de que a busca do interesse privado levaria necessariamente ao bem-estar coletivo. “Não é uma dedução correta dos princípios da teoria econômica afirmar que o egoísmo esclarecido leva sempre ao interesse público. Nem é verdade que o autointeresse seja, em geral, esclarecido”.

Ouço Francisco: “A mera soma de interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para a humanidade. Sequer pode nos preservar de tantos males que se tornam cada vez mais globais. Mas o individualismo radical é o vírus mais difícil de ser vencido. Engana. Nos faz crer que tudo consiste em dar rédea solta às próprias ambições, como se a acumulação de ambições e seguranças individuais pudessem garantir a construção do bem comum”.

Míriam Leitão - Novo entrave na reforma tributária

- O Globo

Por Alvaro Gribel (interino)

A notícia de que o governo estuda acabar com a declaração simplificada do Imposto de Renda para financiar o Renda Cidadã já é um novo entrave na reforma tributária. Ontem, em audiência na Comissão Mista do Congresso, o secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, e a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, se recusaram a responder perguntas dos deputados e senadores que queriam saber detalhes da proposta. Se a Comissão já tinha dificuldades em avançar, ganhou mais um ponto de incerteza e discórdia.

“Vamos nos limitar a falar sobre os tributos sobre consumo”, justificou Vanessa Canado, referindo-se à primeira fase da proposta encaminhada pela equipe econômica há mais de dois meses. Ao mesmo tempo em que o governo não conclui o projeto, deixa vazar estudos para financiar o programa de assistência social com ideias que deveriam estar na reforma tributária.

A grande questão é: como financiar o Renda Cidadã? O governo tem três opções. Tira de alguém, aumenta tributos ou se financia no mercado, ampliando o déficit. Em cada uma delas, há consequências. Ampliar o déficit significa perder apoio do mercado, com disparada do dólar, queda da bolsa e encarecimento da dívida. Aumentar imposto, ou reduzir subsídios, vai mexer diretamente com o bolso das famílias ou das empresas. E fazer a consolidação de outros programas sociais nada mais é do que tirar de quem precisa para dar a quem também precisa. Ontem, como revelou O GLOBO, falou-se em cortar dos supersalários, o que demandaria comprar briga com a elite do funcionalismo.

Ana Carla Abrão* - Fraternidade

- O Estado de S.Paulo

‘A tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não’

Quando escreveu o Samba da Bênção, há mais de meio século, Vinicius de Moraes, o branco mais preto do Brasil, não imaginaria um mundo tão cheio de ódio e divisão como o atual. Menos ainda uma situação como a que vivemos hoje, em que o isolamento e distanciamento físico se impõem, empurrando a alegria das noites boêmias para o campo de uma memória quase distante. 

Mas de tudo, a maior das distâncias entre o Rio de Janeiro de então e o atual que agoniza, afundado em um mar de corrupção e violência, é a da desigualdade social. Mas o Brasil é o Rio de Janeiro. Entre os altos e baixos nos índices de concentração de renda e de redução da pobreza nesses tantos anos, voltamos a piorar e pioramos muito. Exclusão, marginalização e ausência de oportunidades para tantos são as características do Brasil de hoje. Temperadas por intolerância, polarização e a desinformação propagada por fake news.

É sobre tudo isso, ou melhor, sobre o combate a tudo isso que versa a nova encíclica papal. Não por coincidência, a 3.ª encíclica do papa Francisco foi tornada pública no dia em que se celebra São Francisco de Assis, o mais fraterno dos santos cristãos. Fratelli Tutti, a encíclica social recheada de conceitos econômicos, busca mobilizar não só os católicos, mas todas as pessoas do bem, em torno do que há de melhor nas nossas capacidades humanas: o encontro, a convergência, a empatia, a união, a compreensão, a inclusão e a fraternidade. Num mundo tão marcado pelo desencontro, nela o Samba da Bênção ressurge, lembrando-nos que, apesar disso, a vida é a arte do encontro – entre pessoas, entre povos, entre nações. E é desse encontro que um mundo melhor surge.

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Desemprego tende a crescer com retomada da economia – Opinião | Valor Econômico

Pelo menos uma consultoria prevê que o índice poderá superar os 18% no início de 2021

O governo comemorou o anúncio do aumento da criação de empregos formais em agosto, registrado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. O número superou as expectativas do mercado. Foram criados 249,4 mil empregos com carteira assinada, o melhor resultado para o mês desde agosto 2010. Foi o segundo mês seguido de abertura de vagas, após quatro meses de destruição de empregos. Em julho, haviam sido criados 141,2 mil postos.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tirou proveito da divulgação do bom resultado e o tomou como confirmação da sua previsão de que a economia se recupera em “V”. “Estamos voltando para os trilhos”, afirmou ao participar “de surpresa” da divulgação. Ao notar que a maior fonte de novas vagas, com 92,8 mil postos, era a indústria, disse ainda em tom ufanista: “Vamos reindustrializar o Brasil”. Em seguida vieram a construção (50,5 mil vagas criadas) e o comércio (40,9 mil). Guedes reconheceu o efeito positivo do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (Bem), programa que permitiu suspender temporariamente contratos de trabalho e reduzir proporcionalmente jornadas de trabalho e salários; e antecipou que ele foi estendido por mais dois meses.

Mas os especialistas não compartilham o mesmo grau de otimismo. A criação de empregos ainda está bem aquém do total destruído pela pandemia, que somou cerca de 1,5 milhão de vagas formais e foi ainda mais severo com o trabalho informal, aniquilando quase 6 milhões de postos, segundo o Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE). O estoque de empregos formais somou 37,9 milhões em agosto, em comparação com 39,1 milhões em dezembro, de acordo com o Caged. Além disso, quase 7 milhões de vagas estão sendo mantidas por conta do BEm, e podem ser fechadas quando o programa acabar.

Música | Dança da Solidão (Marisa Monte e Paulinho da Viola)

 

Poesia | Graziela Melo - Apito final

Silêncio
na alma
medo
no coração!

É
o ponto
final,

a ultima
estação

dos que
nascemos
juntos,

dos que
vivemos
juntos,

da nossa
geração!

O jogo
Acabou,
o juiz
apitou,

sem
prorrogação...

Se foram
os amores
tardios

ficaram
os
recantos
vazios
e
a solidão!!!