Folha de S. Paulo
O desprezo de Bolsonaro pelo direito dos
outros terá efeitos devastadores
O legado do desgoverno de Bolsonaro não se
limitará às milhares de vidas perdidas pela falta de uma política decente
de combate à
pandemia, às florestas criminosamente devastadas ou à violência
contra povos indígenas sob o auspício das autoridades constituídas; nem mesmo
se restringirá à degradação de serviços públicos essenciais, obstruindo nosso
processo de desenvolvimento econômico e social.
A absoluta falta de postura do presidente
também se projetará sobre a própria disposição dos brasileiros de respeitarem a
lei e os direitos dos outros. Não me refiro apenas à longa lista de alegados
crimes de responsabilidade, que têm sido sistematicamente objeto de pedidos de
impeachment, de denúncias de crimes comuns que começam a ser
investigados pela Procuradoria-Geral da República, ou de eventuais crimes
contra a humanidade sob escrutínio de tribunais internacionais.
Falo de condutas mais corriqueiras que expressam uma espécie de obstinação do presidente em demonstrar que não aceita se submeter à regra da lei, como não usar capacete, trafegar do lado de fora do veículo, aglomerar ou não usar máscara. Nenhuma dessas atitudes que simbolizam sua insubordinação ao direito se equiparam, no entanto, ao gesto do presidente de abaixar, com um sorriso escancarado, a máscara de uma criança, em meio a uma pandemia que já ceifou mais de meio milhão de vidas, numa atitude ao mesmo tempo negligente e de clara exploração política daquela criança.