Aquele pobre marciano das inspeções a estranhos fenômenos nacionais veria uma situação política ímpar no Brasil dos últimos dois meses. Há, por aqui, teria anotado, partidos políticos com doutrina, princípios e convenções. O quadro partidário é amplo, mas isso se deve a nuances imperceptíveis tal a sofisticação das inclinações político-ideológicas dos brasileiros. Relatório esse que não sobreviveria à farsa por dois minutos.
Logo se daria conta da realidade: Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, a maior cidade do país, saiu do DEM para fundar o PSD pela mesma razão que uma das maiores críticas desse quesito, Luiza Erundina, ex-prefeita da mesma maior cidade, saiu do PT para ingressar no PSB.
Não foi outra a razão o esperneio do também crítico Gabriel Chalita, que deixou o PSDB para ingressar no PSB; ou que o ex-ministro, ex-governador e ex-candidato a presidente Ciro Gomes deixou a Arena, o PDS, o PSDB, o PPS, para matricular-se no PSB.
Por que um grande grupo saiu do PMDB para fundar o PSDB? Que razões ideológicas levaram o PT, parte dele à esquerda, vá lá, a admitir a saída de companheiros para fundar o P-SOL? E a estar agora seriamente ameaçado pela saída do festejado ex-prefeito de Recife, João Paulo? Por que José Sarney saiu do PDS? Por que o PT alia-se aos direitistas do PP e do PR e ao sortido PMDB para firmar as bases de sua aliança nacional e recusa esses parceiros em alguns Estados?
A definição de partido político dos dicionários inexiste no Brasil. Por aqui há o partido-sigla, partido-rótulo, que recebe a entidade-candidato para que se apresente aos eleitores e consiga um mandato.
O resto é fingimento, coreografia em torno de apenas dois fatos reais, concretos e inquestionáveis em toda esta movimentação: Gilberto Kassab quis sair do DEM, onde não tem mais espaço político, por quinhentas razões, sendo a principal delas a necessidade de armar uma sucessão viável para seu cargo. Pelo menos estar em um barco que possa navegar em algum rumo, e o DEM é um partido "onde ninguém mais entra".
Se o PSD está ficando robusto, tanto melhor para o líder, mas não era necessário. Poderia ficar apenas normal. Seu horizonte é 2012, a eleição municipal. Depois disso já é o tempo real do segundo fato: entra em negociação com as demais letrinhas para tentar um lugar nas eleições de 2014. Em que situação o PSD vai estar nesse momento é uma construção a se acompanhar daqui para a frente.
Os sinais emitidos agora são isso, apenas sinais, até para dar robustez aos considerandos em torno da sua criação. Uma conversa com o PMDB já houve, logo engavetada tendo em vista a realidade do partido em São Paulo, com seus destinos totalmente amarrados ao PT: ou há dúvidas sobre o que Michel Temer quer em 2014? Continuar sendo vice-presidente na chapa de reeleição da presidente Dilma Rousseff, claro. Com oito ministérios em lugar dos seis atuais.
Os partidos da aliança, ou os chamados independentes, o que mais querem é desalojar o PMDB dessa posição, para tomar seu lugar, ou não ficarem atados desta forma ao PT para se viabilizarem à presença na mesa principal.
Melhor conversa que a do PMDB o PSD ouviu do presidente do PSB, Eduardo Campos, governador de Pernambuco, que tem um plano estratégico para a ampliação do seu partido e consolidação rumo ao Sul e Sudeste.
Questões de ordem ideológica estiveram ausentes no diálogo de preliminares. E não são obstáculo à ampliação dessas conversas em torno da expansão, nunca foram. Quando Miguel Arraes foi convidado pelos quatro redatores do manifesto de criação do PSB a assinar seu ingresso no Partido Socialista Brasileiro ele só fez uma perguntinha: "E existe socialista no Brasil?"
Não foi por essa razão que se travou temporariamente a conversa entre Campos e Kassab, nem pela reação dos neossocialistas. A continuidade virá, a seu tempo certo, com certeza mais perto de 2012 e 2014. O diálogo não se desgasta mais em torno de fusões ou alianças, agora.
À frente, essa conversa encontrará seu tom. E não há como duvidar que esses dois fatos - o PSD e o PSB - são a grande novidade que surgiu para o futuro próximo. O PSB não arredou um milímetro de suas intenções e iniciativas. Considera que aproveitou-se de um momento oportuno, o de definição de Kassab, que tem um eleitorado grande num colégio em que pretende entrar de vez.
A reação principal à expansão do PSB, fora aquelas individualidades que temem concorrência pessoal, está no PT e PSDB. Incomoda-os o fortalecimento do PSB, sua entrada no Sul e Sudeste. O partido fez, em 2010, seis governadores de Estado, aumentou suas bancadas na Câmara e Senado. Fora o Nordeste, elegeu o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, o menor Estado do Sudeste. Tem o vice-governador do Rio Grande do Sul, Beto Grill; o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda; o prefeito de Curitiba, Luciano Ducci.
Considera que já tem esses pontos dos quais irradiar uma imagem, reverberar o nome. Seu diagnóstico justifica a estratégia de crescer mais, de se colocar como um partido de dimensão nacional. Por que não, uma alternativa ao PT, como líder de um projeto de poder, ou uma alternativa a deslocar o PMDB da aliança estratégica com o PT.
Ao PT e PSDB interessa manter a disputa entre os dois, e apenas entre eles. O PSB deixou, em 2010, de ser nanico, e agora quer ser grande. E como um partido cresce? Seus dirigentes aprenderam, na prática, que é levando novos quadros, por suas ideias e sua história, ou por composição, adesão de quadros insatisfeitos em outras legendas.
Interessa ao PSB e ao PSD aprofundar as conversas iniciadas agora com Kassab. Se elas vão prosperar ou não, é algo que só o tempo dirá, porque depende dos chamados "outros atores da cena política".
A presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula, o centro de decisões deste governo, foram todos informados sobre tudo, por Eduardo Campos. O PSB não vê como a movimentação de fortalecimento do partido pode desagradar a presidente. É algo que, no mínimo, se for um projeto de sucesso, poderá livrá-la do jugo do PMDB e do PT.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.
FONTE: VALOR ECONÔMICO