sábado, 22 de julho de 2023

Marco Aurélio Nogueira* - A democracia e seu equilíbrio

O Estado de S. Paulo

Na falta dele, crises se sucedem sem solução, criando condições para a emergência de lideranças autoritárias, salvadores da pátria, tida como ameaçada

Não é difícil entender por que a democracia corre riscos. Nossa época é de transição. Estão a mudar o modo de produção, a organização do trabalho, os empregos, as formas de comunicação. Algumas mudanças já se sedimentaram, como no terreno da produção e circulação de informações, turbinadas pelas redes e pelas modalidades várias de autocomunicação de massas. A vida social sofre os espasmos dessas modificações: se desorganiza, se fragmenta, converte-se num território de indivíduos soltos que problematizam a participação política e despejam demandas no espaço público, exigindo sempre mais investimentos e direitos.

Como regime, a democracia está hoje submetida à desconfiança dos cidadãos, insatisfeitos com as respostas que obtêm dos governos. Está, também, sendo maltratada pelas correntes de extrema direita, que a violentam e a descaracterizam, e pelos populistas de variados tipos, que pouco se preocupam com fortalecê-la e protegê-la, ávidos que são pelos aplausos das multidões. Os grandes interesses econômicos, por sua vez, além de explorar a população, buscam manipular os institutos democráticos. Os personagens centrais da democracia representativa – os partidos, os parlamentares, os governantes – nem sempre vão além de proclamações em favor da democracia, deixando de adotar medidas que a blindem contra os ataques dos que a desprezam e a façam funcionar de maneira efetiva.

Pablo Ortellado - Direita nos EUA planeja aparelhar o Estado

O Globo

Trump quer pôr fim à autonomia das agências regulatórias

Uma fundação conservadora americana, a Heritage, lançou um ambicioso e perigoso projeto com propostas para o candidato republicano que vencer as eleições presidenciais de 2024. A iniciativa é fruto do trabalho conjunto de centenas de acadêmicos, especialistas e ONGs conservadoras e foi chamada de Projeto de Transição Presidencial 2025, ou simplesmente Projeto 2025. Os dois principais pré-candidatos do partido, o ex-presidente Donald Trump e o governador da Flórida, Ron DeSantis, sinalizaram que o abraçarão.

Sob o pretexto de “resgatar a autoridade presidencial”, que teria sido corroída pelo “Estado administrativo”, o Projeto 2025 planeja aparelhar o Estado americano, retirando a autonomia de agências regulatórias e demitindo funcionários com simpatias pela esquerda, substituindo-os por servidores com valores conservadores arraigados, leais ao novo presidente. O projeto lembra o que foi feito por autocratas como Hugo Chávez, na Venezuela, e Viktor Orbán, na Hungria.

Eduardo Affonso - Como se perdem as causas

O Globo

Autodeclarados antifascistas se valem de métodos clássicos do fascismo. Desumanizam os adversários

O pior que pode acontecer a uma causa justa é cair em mãos erradas. E, no entanto, nada mais comum do que raposas se voluntariarem, desinteressadamente, para tomar conta de galinheiros.

Não há bem maior para a sociedade do que o cidadão de bem. É aquela pessoa honesta, com princípios éticos, cumpridora dos seus deveres. Mas repare em quem levanta a bandeira da defesa dessa brava gente: há grandes chances de encontrar, como na nossa História recente, alguém ligado a esquemas de corrupção, apologia da violência, desdém pelo próximo.

Alvaro Gribel - Autonomia do BC fortalece diretores

O Globo

Com mandatos fixos de quatro anos, diretores do Banco Central terão mais autonomia para tomar decisões e expressar opinião

A autonomia do Banco Central, ao mesmo tempo em que fortalece a instituição, enfraquece a presidência do órgão. E isso é uma boa notícia. Agora, todos os diretores do Banco também têm mandatos fixos de quatro anos e não podem ser retirados do cargo. Por isso, cada um deles terá — além da autonomia de voto nas reuniões do Copom — o direito de se comunicar como bem entender, sem a necessidade de aprovação de qualquer assessoria vinculada ao órgão, muito menos do próprio presidente.

A confusão provocada esta semana em torno de um suposto documento interno que teria tentado instituir uma “lei da mordaça” sobre os diretores — negado pelo Banco Central — teve um efeito líquido positivo e educativo para o país. A nota encaminhada pelo próprio Banco, intitulada “Esclarecimentos sobre a Política de Comunicação do Banco Central do Brasil” na noite de quarta-feira, oficializou o que já era óbvio: “Todo dirigente do BC tem pleno direito de expressar livremente suas opiniões nos canais que considerar adequados, sem necessidade de quaisquer autorização ou aprovação prévias.”

Demétrio Magnoli - Sinal verde para o PT

Folha de S. Paulo

Declaração contra ditadura venezuelana desinterdita opinião democrática dentro da sigla

A ditadura de Maduro sofreu, em Bruxelas, sua mais dura derrota diplomática. A declaração conjunta que apela por "eleições justas, transparentes e inclusivas, que permitam a participação de todos que desejem, com acompanhamento internacional" é o contrário do pleito farsesco preparado pelo regime venezuelano, que inabilitou os três principais líderes oposicionistas e anunciou um veto à presença de observadores europeus. Brasil, Argentina e Colômbia, governados pela esquerda, assinaram o texto ao lado da França e da União Europeia.

A iniciativa abre uma via para a eliminação das sanções à Venezuela e, ao mesmo tempo, traça o roteiro de uma transição pacífica rumo à democracia. Pode não dar em nada: Maduro sabe que, inapelavelmente, seria batido em eleições livres e justas. Contudo, mesmo nessa hipótese, a declaração tem seu valor, pois assinala uma reviravolta radical na posição brasileira –e, com ela, uma desinterdição da opinião democrática dentro do PT.

Dora Kramer - Gato escaldado

Folha de S. Paulo

Recondução de Aras à PGR atenderia ao governo em prejuízo da defesa da sociedade

A simples dúvida sobre a possibilidade de recondução de Augusto Aras à chefia da Procuradoria-Geral da República causa espanto e suscita polêmica. Mais espantoso e polêmico, contudo, é o presidente Luiz Inácio da Silva não descartar de pronto a hipótese.

Por mais improvável que seu entorno palaciano diga que seja tal escolha, Lula deixa prosperarem os questionamentos a respeito como quem maneja um balão de ensaio. Não impõe um reparo sequer aos elogios de petistas importantes à trajetória e à conduta do procurador.

Afirma que conversará "com todos", inclusive com Aras, para se decidir sem pressa nem submissão a pressões, confirmando que não levará em conta a lista tríplice da associação nacional dos procuradores.

Hélio Schwartsman - Tolerar os intolerantes?

Folha de S. Paulo

Paradoxo da tolerância, proposto por Karl Popper, costuma ser citado fora de contexto

Terminei a coluna anterior enaltecendo a tolerância, e alguns leitores me recriminaram por não ter levado em conta o paradoxo da tolerância. A referência aqui é ao filósofo Karl Popper, que escreveu: "Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto com eles".

Alvaro Costa e Silva - Inimigo nº 1 do bolsonarismo

Folha de S. Paulo

Ataque a Alexandre de Moraes é padrão da civilidade brasileira

Dono de um ouvido absoluto para descobrir os segredos mais escondidos da música popular, Ivan Lessa detestava assobios. Melhor dizendo, ele detestava o assobiador inconveniente, mesmo que o sujeito conseguisse reproduzir, soprando ar entre os lábios em bico, a beleza de um choro de Pixinguinha ou de um samba de Ary Barroso.

"Aquele camaradinha que gostava de assobiar e assoviar na intimidade forçada e sem graça das pessoas estranhas reunidas pelo maldito acaso num elevador. Esse tipo, além do mais, se fazia acompanhar batucando na parede sonora de um Otis ou Schindler. Nós outros não tínhamos como assassiná-lo. Ou seria eu apenas que não tinha?", escreveu Ivan numa crônica cruel.

Claudia Costin - Vale a pena robotizar os alunos?

Folha de S. Paulo

Não é domesticando jovens que os prepararemos para desafios do século 21

Quando trabalhava como diretora global de educação no Banco Mundial, fui informada de um pedido da Coreia do Sul. Queriam repensar sua educação para promover mais criatividade.

Era nos idos de 2014 e, embora já se falasse de inteligência artificial, estávamos longe de ferramentas como o ChatGPT. Mas, no ano seguinte, Martin Ford publicou um livro alertando o mundo sobre o que viveríamos nos próximos anos com a revolução digital e seu impacto no mundo do trabalho e na educação. O nome era sugestivo: "The Rise of the Robots" ("A Ascensão dos Robôs", em tradução livre). Referia-se ao advento da inteligência artificial.

Segundo Ford, os robôs não seriam capazes de criatividade ou de resolução colaborativa de problemas complexos, competência vital para o século 21. Por isso achei tão interessante a preocupação dos coreanos. Afinal, em tempos em que inúmeros postos de trabalho estavam sendo extintos, dada a acelerada automação, fortalecer nos alunos aquilo que nos torna especificamente humanos seria primordial.

Cristovam Buarque - A ideologia do descaso

Revista Veja

O fim das escolas cívico-militares não resolve todos os problemas

As escolas cívico-militares não surgiram apenas do desejo militarista de governo recente, elas respondem ao fracasso histórico da educação de base no Brasil. Apesar das deformações pedagógicas que carregam para a formação dos alunos, se apresentam como alternativa a um sistema escolar sem qualidade, ineficiente e injusto. Não seria uma proposta imaginada se o sistema tradicional oferecesse aulas no horário certo, sem paralisações, nem violências, com bom funcionamento, respeito e reconhecimento aos professores, manutenção eficiente, banheiros limpos, e os alunos sentindo aprender para o futuro. A militarização da gestão pode limitar o espírito crítico necessário em uma boa formação, mas o que se ouve de alguns dos pais é que nessas escolas “pelo menos nossos filhos têm aulas regularmente”.

João Gabriel de Lima* - O calor espanhol e o xadrez europeu

O Estado de S. Paulo

Numa campanha marcada por ‘fake news’, joga-se não apenas o destino de um país

As eleições espanholas serão amanhã, e o país ferve com a temperatura do pleito, tórrida como os termômetros de Madri. Numa campanha marcada por teorias conspiratórias e “fake news”, joga-se não apenas o destino de um país, mas também um lance fundamental para o xadrez político do continente.

“É preciso olhar para a situação da União Europeia como um todo, ainda mais quando pensamos nas eleições para o Parlamento Europeu no ano que vem”, diz o jornalista Miguel González, do diário El País. Ele é autor de um livro de referência sobre o Vox, partido da direita radical espanhola, e é entrevistado no minipodcast da semana.

Fareed Zakaria* - A ameaça do populismo de direita

O Estado de S. Paulo

Economia e mentalidade anti-imigração explicam ascensão de radicais na Europa

À medida que pressões migratórias aumentam, retórica da direita fica cada vez mais virulenta

Quando converso com as pessoas sobre o populismo de direita atualmente, percebo que muita gente tende a achar que isso é coisa do passado. Líderes populistas capturaram a atenção do mundo, em 2016, com o referendo do Brexit e posteriormente naquele mesmo ano com a vitória eleitoral de Donald Trump.

Agora, sete anos depois, muito parecem sentir que o tempo do populismo de direita passou. Trump foi derrotado, em 2020, e responde a indiciamento na Justiça. O Brexit tem se revelado um fracasso e causado confusão – a maioria dos britânicos agora se arrepende de sua aprovação. Mas, mesmo que seja verdadeiro que alguns heróis e causas populistas se desgastaram, o apelo central de seu movimento persiste e, na realidade, tem ganhado terreno nos meses recentes.

Marcus Pestana* - Muito ajuda quem não atrapalha

Minha mãe sempre repetia esta frase quando alguém de nós, melhor fosse a intenção, atrapalhasse, ao invés de ajudar. Digo isso pensando no papel do Estado brasileiro em alguns momentos de nossas sucessivas crises pós 1979.

Nas últimas três semanas, levantamos uma série de hipóteses não excludentes para fundamentar a discussão sobre as causas da perda do dinamismo exuberante da economia nos últimos 42 anos.

Hoje concluímos a série, acrescentando mais dois vetores explicativos: o “Custo Brasil” e a instabilidade política, institucional, legal, regulatória e contratual.

O Estado brasileiro orquestrou o processo de industrialização, diferentemente das experiências de Inglaterra e EUA, onde a sociedade e o mercado eram os protagonistas, secundados pela ação governamental. Aqui, todas as ferramentas disponíveis (crédito, câmbio, tarifas, impostos, investimentos públicos, preços estatais, subsídios, diplomacia, etc.) foram intensamente acionadas para gerar externalidades positivas ao processo de acumulação capitalista.

IEPfD | O Estado Diante da Globalização e da Revolução Tecnológica – Seminário 3

 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

É acertada a restrição a armas e munições

O Globo

Pacote de segurança cumpre várias promessas de campanha, mas arsenal existente ainda preocupa

O pacote de segurança anunciado ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é coerente com os discursos de campanha — em que prometeu acabar com a farra das armas perpetrada durante a gestão Jair Bolsonaro — e com a realidade de um país que registrou no ano passado 47.508 mortes violentas, a grande maioria por armas de fogo. A maior restrição a compra, posse e porte de armas era o que se esperava do atual governo.

Por mais que desagrade à bancada da bala, aos clubes de tiro, ao grupo de Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs) e aos incentivadores do armamentismo, é acertada a decisão de proibir a compra de pistolas 9mm, .40 e .45 ACP por cidadãos comuns — elas estarão liberadas para forças de segurança. Sempre foram restritas, até Bolsonaro instituir o nefasto “liberou geral”. Não há motivo para civis terem esse tipo de arma. A medida gerou impasse entre o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, favorável à restrição, e o ministro da Defesa, José Múcio, que defendia a liberação. Felizmente, prevaleceu o bom senso. Essas armas altamente letais têm a capacidade de atravessar o corpo de uma pessoa e atingir uma outra. Lamentavelmente, quem já as possui poderá permanecer com elas.

Poesia | Pablo Neruda - Perdão se pelos meus olhos

 

Música | Leandro Costa e Moacyr Luz - Samba de Fato