terça-feira, 16 de agosto de 2011

Opinião do dia – Pier Luigi Bersani: Política


"Pode ser hoje um tanto surpreendente a ideia de que a política é uma vocação que precisa de pensamento, uma atividade que deve ser desenvolvida num estado de formação permanente, uma identidade que se fundamenta e se faz a partir de uma cultura e uma sensibilidade compartilhada."

Pier Luigi Bersani, lider do PD Italiano, no editorial da revista on-line do partido chamada Tamtam Democrático, 2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil


O GLOBO

FOLHA DE S. PAULO

O ESTADO DE S. PAULO

VALOR ECONÔMICO

ESTADO DE MINAS

CORREIO BRAZILIENSE

ZERO HORA (RS)

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Dilma veta aumento real já acertado para aposentados


Decisão atinge quem ganha acima do mínimo; total de vetos é recorde

A presidente Dilma Rousseff passou por cima do acordo entre a base aliada e a oposição e vetou artigo da lei do Orçamento que garantia aumento real (superior à inflação) em 2012 para os aposentados com pensões acima de um salário mínimo. Com o veto, eles só deverão ter o reajuste correspondente à inflação, como determina a legislação atual. O governo alega que não tem como calcular os recursos necessários para cumprir o acordo. Dilma vetou pontos que limitavam gastos públicos e impediam que despesas crescessem acima dos investimentos. Com as medidas, Dilma sinaliza que o Orçamento de 2012 será de arrocho nos gastos e que o governo pretende ter controle mais rígido sobre os cortes e as áreas que serão ou não poupadas. Ao todo, foram 32 vetos - um recorde. A oposição considerou um desrespeito ao Congresso a quantidade inédita de vetos e ameaça obstruir sessões de interesse do governo até que eles sejam postos em votação.

Dilma veta aumento real para aposentadorias

Quem ganha mais de um salário mínimo só terá garantida a inflação em 2011, segundo LDO sancionada ontem

Cristiane Jungblut
BRASÍLIA. Ao sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012 (LDO) com um número recorde de vetos, ontem, a presidente Dilma Rousseff retirou da proposta aprovada pelo Congresso o artigo que garantia ganhos reais (acima da inflação) em 2012 para os aposentados que ganham mais de um salário mínimo. Esse artigo foi fruto de acordo entre a base aliada e a oposição no Congresso. Com o veto, esses aposentados só têm garantida a reposição da inflação, como determina a lei.

Ao fazer 32 vetos, que atingiram cerca de 45 pontos da LDO, Dilma demonstrou que o Orçamento de 2012 será de arrocho nos gastos, e que o governo quer total controle sobre os cortes e as áreas que serão ou não protegidas.

A emenda fora apresentada pelo senador Paulo Paim (PT-RS) e estabelecia que o Orçamento de 2012 garantiria verbas "para o atendimento de ganhos reais" para as aposentadorias e pensões do INSS, e que o índice de correção seria negociado com as centrais sindicais. Dilma vetou pontos que protegiam de cortes as emendas de parlamentares ao Orçamento, além de fixar limites para o acúmulo de restos a pagar de um ano para outro.

Dilma retirou da LDO duas travas aos gastos públicos incluídas pela oposição: a meta para o déficit nominal (resultado negativo entre despesas e receitas) em 0,87% do PIB em 2012 e o artigo que previa que as despesas não cresceriam acima dos investimentos. A oposição considerou o número recorde de vetos um desrespeito ao Congresso.

A maioria dos aposentados do INSS recebe o piso previdenciário, que tem o mesmo reajuste do salário mínimo, com aumento real. Na justificativa do veto, o governo diz que "não há como dimensionar previamente o montante de recursos a serem incluídos no Orçamento de 2012, uma vez que até o seu envio (ao Congresso) a política em questão pode não ter sido definida".

Em nota, o Ministério do Planejamento argumentou que quem recebe o piso previdenciário ganha o mesmo reajuste dado ao salário mínimo, mas, para os que têm faixas de aposentadoria acima do piso, é aplicada lei que garante a reposição da inflação (INPC). Para o Planejamento, qualquer mudança " teria que ser quantificada e discutida previamente para que seus efeitos pudessem ser estimados e seus recursos, garantidos".

Paim só soube do veto quando presidia ontem a sessão do Senado. Ele negociou a aprovação da emenda com o vice-líder do governo no Congresso, deputado Gilmar Machado (PT-MG).

- O veto foi desnecessário. Foi uma provocação aos aposentados e sindicalistas. Isso mostra, mais uma vez, que, sem pressão, as coisas não acontecem - disse Paim.

Em 2012, os aposentados que ganham o salário mínimo deverão receber, pelo menos, reajuste de 13% a 14%, num impacto de mais de R$20 bilhões. Os que ganham acima do piso devem ficar só com a inflação, se depender do governo, cerca de 6%.

Para o petista, os aposentados vão reforçar a mobilização, como ocorreu em 2010, quando conseguiram um reajuste de 7,7%, acima do que o governo pretendia dar.

Líder do DEM na Câmara, o deputado ACM Neto (BA) disse que o partido vai obstruir sessões do Congresso nas quais são aprovados créditos complementares de interesse do governo, até que os vetos sejam postos em votação:

- É um desrespeito ao Congresso. O governo trata o Orçamento como um faz de conta.

Vetado controle de emissão de títulos pelo governo

Também foi vetada emenda apresentada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), segundo a qual o governo precisaria informar ao Congresso a previsão de emissão de papéis da dívida pública. O objetivo era controlar as emissões de títulos usados para capitalizar o BNDES.

- Lamento profundamente a decisão da Presidência da República de vetar artigos importantes da LDO, que tinham o objetivo de buscar maior equilíbrio fiscal ao governo federal - disse Aécio.

FONTE: O GLOBO

Presidente sobe o tom de críticas à PF


Numa crítica indireta à ação da Polícia Federal na Operação Voucher, a presidente Dilma prometeu com bater o crime, mas coibir abusos.

"Farei tudo para coibir abusos", diz presidente

ESCÂNDALOS EM SÉRIE

Dilma promete combater o crime e faz crítica indireta à PF; Cardozo defende rigor na apuração do vazamento de fotos

Chico de Gois e Luiza Damé
BRASÍLIA. A presidente Dilma Rousseff aproveitou a posse do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que foi reconduzido ao cargo, para mandar recados aos membros do próprio Ministério Público e da Polícia Federal. Ela afirmou ontem que seu governo se empenhará para coibir abusos e respeitar a dignidade humana e a presunção de inocência de acusados de cometer irregularidades. Foi uma crítica indireta à ação da PF, na semana passada, durante a Operação Voucher, que prendeu 36 pessoas suspeitas de desvio de recursos no Ministério do Turismo. Dilma não gostou de ver os detidos algemados quando embarcavam para Macapá. E ficou irritada com o vazamento de fotos dos detidos sem camisa.

Dilma elogiou a população brasileira, que, segundo ela, abomina o crime e preza a legalidade. A posse de Gurgel, contrariando a praxe, foi no Palácio do Planalto. Cabe à presidente indicar o nome do candidato à vaga. O Senado precisa aprovar a indicação. Gurgel, após ser indicado por Dilma, arquivou pedido de investigação contra o ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci.

- Onde ocorrerem malfeitos, onde o crime organizado atuar, iremos combater com firmeza, utilizando todos os instrumentos de investigação e punição de que o governo dispõe e sempre contando com a atuação isenta do Ministério Público, com a eficiência da polícia e com o poder de decisão do Judiciário - disse ela. - Mas, ao mesmo tempo, tenho o dever de afirmar que farei tudo que estiver ao meu alcance para coibir abusos, excessos e afronta à dignidade de qualquer cidadão que venha a ser investigado. O meu governo quer uma Justiça eficaz, célere, mas sóbria e democrática.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que foi à posse, defendeu rigor na apuração do vazamento de fotos dos presos:

- É uma situação abusiva, inaceitável, violadora de direitos básicos dos presos. Pedimos essa providência que escapa da jurisdição do Ministério da Justiça, porque as fotos foram tiradas dentro de um presídio estadual. Da nossa parte a apuração e a punição terão total apoio.

O pedido de investigação foi feito ao presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Cezar Peluso. Segundo Cardozo, o vazamento das fotos, com presos sem camisa e com o cartaz de identificação, viola a Constituição:

- Houve uma ofensa à Constituição. Temos de colocar com clareza isso à população. Não podemos aceitar que presos condenados ou com prisão cautelar tenham sua imagem exposta daquela maneira. Toda e qualquer situação ilegal tem de ser apurada e punida, sem exceção, seja da parte dos que praticaram crimes, seja da parte de agentes públicos.

Sobre o uso de algemas, ele disse que a PF informou que elas foram usadas no transporte aéreo, de acordo com o manual de operações. O ministro disse que "seria um crime" a PF tê-lo informado sobre a operação:

- Havia uma operação sob sigilo de justiça, e, portanto, aquela pessoa que me informasse estaria cometendo um crime. Podem ter absoluta certeza: eu jamais cometerei um crime para estabelecer controle político de qualquer ordem judicial.

FONTE: O GLOBO

Em defesa da faxina


Sem a adesão de líderes governistas e com resistências do próprio PT, nove senadores, liderados por Pedro Simon (PMDB-RS), lançaram ontem a frente suprapartidária contra a corrupção, em apoio à faxina pretendida pela presidente Dilma em setores do governo. O senador Jarbas Vasconcelos defendeu punição para todos, inclusive para o seu partido, o PMDB.

Mutirão de limpeza

ESCÂNDALOS EM SÉRIE

Mesmo com resistência de governistas, senadores lançam frente de apoio à faxina de Dilma

Maria Lima e Gerson Camarotti
Diante do nariz torcido de petistas e líderes governistas, senadores de vários partidos aliados se uniram ontem ao senador Pedro Simon (PMDB-RS) para lançar a frente suprapartidária contra corrupção e impunidade, de apoio à faxina pretendida pela presidente Dilma Rousseff em áreas do governo denunciadas por corrupção. Simon, no discurso que mobilizou o plenário toda a tarde, lembrou que o movimento das Diretas Já começou com meia dúzia de pessoas, e depois ganhou o país contra uma ditadura. A frente conta, por enquanto, com nove senadores.

Os senadores se revezaram na tribuna e chamaram de "segunda-feira cívica" o dia do lançamento da frente. Deixaram claro que o movimento não significa alinhamento automático à presidente Dilma, mas para apoiá-la a continuar a limpeza e o combate a corrupção, sem se render à chantagem dos partidos atingidos, principalmente na Câmara.

Simon pediu que todos os líderes tivessem humildade de dialogar com Dilma, sem chantagens, para que ela possa continuar a limpeza. Mas pediu também que Dilma saiba manter o diálogo, sem truculência e sem impor decisões.

- Nossa presidente tem de ter um pouco mais de gentileza, sem dar ordens de cima para baixo. Ela tem que dialogar com a gente, conversar, sentar junto para encontrar uma saída - pediu Simon. - Essa não é uma sessão normal de segunda-feira, é uma sessão diferente. Hoje toda a sociedade quer justiça, ética e dignidade. Que a presidente leve firme adiante essa decisão. Presidente, apure o que tem que ser apurado com grandeza, seriedade, magnitude, espÍrito republicano, mas continue!

Muitos senadores apoiaram o início do movimento, contra a chantagem da base, que se negou a votar semana passada.

- Pelo menos aqui no Senado a presidente não ficará refém ou vítima de dificuldades. Apoio o movimento - discursou Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR).

- A presidente foi eleita legitimamente e está enfrentando um dos maiores males deste país, a impunidade e a corrupção. Estou disposta a participar dessa frente. Não é um alinhamento automático, mas um apoio político para que não fique refém das forças que não querem a moralidade - disse Ana Amélia (PP-RS), que assinou a CPI do Dnit, proposta depois esvaziada pelo Planalto.

Também falaram Marcelo Crivella (PRB-RJ), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e vários outros senadores da base. Mas apenas nove aderiram à frente. Cristovam Buarque (PDT-DF) reforçou a necessidade do diálogo:

- Queremos sugerir algumas coisas à presidente. Não queremos que fique só na faxina. É hora de ela chamar para conversar pessoas que não querem indicar nenhum cargo. Porque, nos últimos governos, presidente só chama quem quer indicar cargos ou liberar emendas. Chame para conversar quem quer colocar o Brasil em primeiro lugar e quem quer que este país não queira mais corrupto no governo.

No seu discurso de apoio à frente, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), o único do partido que faz oposição declarada ao governo, pediu que a presidente Dilma Rousseff não se deixe intimidar pelas chantagens de sua base fisiológica, e continue a faxina ética onde houver corrupção. E ressaltou que ela não pode ter um comportamento desigual com partidos como o seu, o PMDB, a despeito de perder o apoio da sociedade.

- A presidente Dilma está tentando se desvencilhar da herança maldita que herdou do ex-presidente Lula. Tem que ter nosso apoio firme, tem que buscar isso na sociedade também. Mas ela só terá esse apoio se tiver um comportamento uniforme e buscar o apoio da oposição. Mesmo reduzida, a oposição é muito importante neste momento em que ela enfrenta os fisiológicos - disse Jarbas, completando. - A chantagem que pode estar acontecendo nas duas Casas pode incomodar e assustar. A presidente tem que ter a consciência de que a faxina tem de ser completa. Não pode deixar outros partidos, inclusive o meu, o PMDB, sem serem punidos. Ela tem de punir. O combate não pode ser leviano.

O senador petista Jorge Viana (AC) rebateu as críticas à herança maldita.

- Sinto muito, mas não concordo que o presidente Lula tenha deixado uma herança maldita - disse Viana, sugerindo que os líderes da Câmara e do Senado façam um pente fino nos projetos que existem com propostas para melhorar os gastos públicos e instituir mecanismos de combate à corrupção. - Precisamos encontrar mecanismos para que não se cometam injustiças na busca da justiça.

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) batizou o dia de "segunda-feira cívica contra a corrupção":

- Eu apoio a presidente Dilma para tirar de seu governo o pior tipo de ladrão, que não é o ladrão de galinha, mas o ladrão do dinheiro público, que rouba os sonhos da nação.

O senador Pedro Taques (PDT-MS), em seu discurso, disse que o livro "A arte de roubar" tem sido o livro de cabeceira de muita gente neste governo. E rejeitou o argumento de que a presidente não pode avançar na faxina em nome da governabilidade.

- Isso pode ser muita coisa, menos governabilidade! Outro livro muito bom é "Como a picaretagem tomou conta do mundo". Ilustra muito bem como a corrupção grassa no país.

FONTE: O GLOBO

Adesão a movimento esbarra na maioria fisiológica da base

Discurso ético é arma dos nove senadores

Diana Fernandes
BRASÍLIA. O discurso ético em defesa de uma faxina completa em todos os órgãos do governo sob suspeita de corrupção é aplaudido por muitos governistas, mas esbarra na maioria fisiológica que compõe a base aliada no Congresso e que dá, com seus votos, sustentação à governabilidade. Os senadores que se uniram ontem em torno da proposta de incentivar a presidente Dilma Rousseff a fazer a faxina até o fim formam um grupo de nove senadores, sendo a maioria de partidos da base aliada - apenas um é de um partido de oposição, Randolfe Rodrigues, do PSOL do Acre.

A baixa adesão à frente de combate à corrupção reflete o receio de maioria esmagadora da base governista com os resultados de investigações mais profundas e punição aos políticos e partidos eventualmente envolvidos em irregularidades. Como nem a oposição aderiu à proposta de apoio às ações de corrupção do governo Dilma, o grupo só terá mesmo o discurso ético como principal arma.

No Senado, os partidos do campo governista somam 63 senadores. Considerando as dissidências conhecidas, esse número cai, no máximo, para 53. Ou seja, o governo tem número para impedir CPIs, aprovar todo tipo de matéria, inclusive emendas constitucionais que exigem quórum qualificado de três quintos (49 senadores).

Na Câmara, a situação do governo é mais tranquila ainda, com os partidos governistas somando 390 deputados. Número muito superior aos 308 exigidos para a aprovação de uma emenda constitucional.

Nos dois casos, na Câmara e no Senado, os principais líderes aliados já manifestaram preocupação - em alguns casos, repúdio - à ideia de uma limpeza ética total. Adotam regularmente o discurso do risco da desmoralização da classe política para a governabilidade e para as instituições.

Nem mesmo os chamados partidos ideológicos - PCdoB, PSB e o PDT - fecharam com a proposta da frente do Senado. Eles também não escaparam do fisiologismo, da troca de favores com o governo.

Quando a atual onda de denúncias chegou ao Ministério dos Transportes, a presidente Dilma Rousseff agiu de imediato, enfrentando o pequeno PR, que tem fama e histórico de partido fisiológico, e demitindo ministro e executivos com postos de comando no setor.

A prova da força dos partidos maiores se mostrou assim que as denúncias beiraram os ministérios do PMDB, da Agricultura e do Turismo. A presidente mudou de tática e desses dois setores podem ser contadas duas ou três demissões.

Os nove senadores da Frente Suprapartidária de Combate à Corrupção e Impunidade são: Pedro Simon (PMDB-RS); Cristovam Buarque (PDT-DF); Pedro Taques (PDT-MT); Randolfe Rodrigues (PSOL-AP); Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE); Ricardo Ferraço (PMDB-ES); Ciro Miranda (PSDB-GO); Ana Amélia Lemos (PP-RS) e Eduardo Suplicy (PT-SP).

FONTE: O GLOBO

ENTREVISTA – José Álvaro Moisés: 'A opinião pública é a variável mais importante na qual ela pode se apoiar'

ESCÂNDALOS EM SÉRIE

Dilma precisa deixar claro para a sociedade que quer só cumprir a lei, diz analista

Autor do livro virtual "O papel do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão" e coordenador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), José Álvaro Moisés avalia que a presidente Dilma Rousseff terá que buscar na sociedade apoio político se quiser continuar a faxina no governo sem pôr em risco a governabilidade.

Silvia Amorim
Como a presidente Dilma pode prosseguir com a faxina no governo, mantendo a governabilidade?

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS: Eu diria que isso dependerá em grande parte da relação dela com a sociedade. A opinião pública neste momento é a variável mais importante na qual ela pode se apoiar. O modo de os partidos participarem do presidencialismo de coalizão não é muito indicativo de que eles queiram mudar a conduta adotada até agora. Então, ela vai precisar buscar mecanismos novos, novas forças para criar suficiente força política e pressão para enfrentar o problema.

Essa faxina tem levado partidos e lideranças políticas a fazerem ameaças de abandonar a base do governo. O sr. vê risco para a governabilidade?

MOISÉS: Não vejo um risco imediato porque a base de apoio parlamentar que a presidente Dilma formou é muito ampla. Ela tem mais de 400 parlamentares na Câmara e no Senado. Não é uma saída do PR que vai colocar em questão a força majoritária do governo. É claro que ela não pode solapar todas as suas bases de apoio. Diria que a presidente Dilma está enfrentando um dilema. Se por um lado ela está com a decisão de fazer uma faxina, por outro ela enfrenta um problema que é uma diminuição do apoio parlamentar. É muito provável que nas próximas pesquisas essa conduta da Dilma no que diz respeito à corrupção tenha apoio, em particular, dos segmentos mais escolarizados dos eleitores. O desafio será quanto ela consegue usar esse apoio para propor aos remanescentes da sua coalizão uma repactuação.

A presidente não é muito de falar em público sobre essa fase do governo. Isso pode dificultar na busca desse apoio popular?

MOISÉS: A presidente Dilma precisa de alguma maneira ir a público explicar o que ela está fazendo, a conduta que o governo adotou, qual o objetivo disso e qual o custo que isso tem. Nesse aspecto, eu diria que a conduta dela tem um elemento deficitário comparado à sinalização emitida inicialmente por ela. Não me refiro a buscar apoio no sentido ilegítimo ou plebiscitário, algo como um presidente apoiado nas massas contra o Congresso, mas buscar apoio para fazer o que manda a lei.

Há uma ideia difundida na sociedade de que o fisiologismo é uma prática inerente ao sistema presidencialista de coalizão. O senhor concorda?

MOISÉS: Para mim, isso não é natural. Não faz sentido a ideia de que para ter um governo de maioria você tem que conviver com o abuso. Corrupção existe em qualquer país do mundo. A diferença que existe em relação ao Brasil é que em boa parte dos lugares onde você tem democracia consolidada, há corrupção, mas também mecanismos de punição muito eficientes. Não podemos negar que o sistema presidencialista brasileiro contém uma série de incentivos institucionais que levam a essa situação. Uma delas é a discrepância muito grande de poderes entre Executivo e Legislativo.

O senhor vê, de fato, uma tentativa da presidente Dilma de enfrentar o fisiologismo ou considera os últimos acontecimento apenas uma ação pontual?

MOISÉS: A leitura que eu faço é que a presidente, com base nesse caso do Ministério dos Transportes, está sinalizando uma conduta nova, que é de levar a sério o que a legislação prevê independentemente dos custos políticos. Agora, se ela vai levar isso adiante, aplicando os mesmos critérios com os demais partidos e propondo uma repactuação que leve em conta princípios republicanos, nós ainda não sabemos. Ela vai precisar nos próximos meses confirmar essa conduta.

FONTE: O GLOBO

Apoio necessário:: Merval Pereira


O movimento comandado pelo senador Pedro Simon, de apoio suprapartidário ao combate à corrupção no governo que a presidente Dilma vem realizando, é sintoma de uma situação política controversa de difícil solução. É inegável que a presidente tem encontrado na opinião pública uma receptividade grande a seus gestos, que parecem levar o governo para um confronto com a política fisiológica que dá sustentação à coalizão governamental.

Nem mesmo o fato de que ela foi beneficiária desse mesmo esquema para se eleger presidente da República parece afetar a credibilidade de sua ação.

Como se a população estivesse disposta a relevar seu conhecimento anterior da situação, e até mesmo sua convivência com esse mesmo esquema corrupto que ora parece rejeitar, desde que ela se disponha a acabar com ele.

Parece ser de entendimento público que a chefe da Casa Civil e depois candidata a presidente não poderia impedir que o ex-presidente Lula tratasse a pão de ló os mesmos políticos, mesmo que tenha sido eleita graças em boa medida à ação deles.

Ao mesmo tempo, e devido à percepção de que ela vem se comportando como uma traidora, a própria base aliada a vem pressionando para que retorne ao leito natural da política pragmática implementada por seu tutor, o ex-presidente Lula.

Foi por essa razão, aliás, que surgiu o movimento de apoio à presidente, para respaldá-la contra o que estaria se caracterizando como uma rebelião interna.

Mas esse apoio político, rejeitado pelo núcleo principal do PMDB e do PT, pode não ser de grande ajuda.

Na sessão de ontem, houve demonstrações das lideranças daqueles dois partidos de que o apoio ao combate à corrupção não é a prioridade deles, ao contrário do que parece ser para a sociedade.

Não é nada paradoxal que a presidente Dilma se fortaleça nas pesquisas de opinião com essa faxina ética, mas se enfraqueça dentro de sua própria base aliada.

Só demonstra a distância cada vez maior entre a sociedade e a classe política, diferença bem captada pelo marqueteiro João Santana, que parece ser o cérebro por trás dessa faxina ministerial.

Como não é uma política capaz de transformar em retórica de palanque essa força que a sociedade lhe dá, a presidente Dilma parece presa a uma armadilha que não tem saída fácil.

Embora tenha uma base política aliada que cobre cerca de 70% do Congresso, a presidente Dilma vem desagradando a seus apoiadores de tal maneira que hoje já não é possível saber a quantas anda sua base aliada real.

Por razões corretas, como a insatisfação com as grosserias presidenciais ou com sua maneira centralizadora de presidir a República, ou pelas piores razões, seus aliados estão hoje com o pé atrás em relação aos seus futuros políticos e não se entusiasmam muito com a perspectiva de ter Dilma como presidente em um segundo mandato.

Isso mal encerrada a metade do primeiro ano do primeiro mandato, o que é um péssimo sinal do que teremos pela frente.

Não chego a achar que ela virá a ter problemas para terminar seu mandato, como o ex-ministro José Dirceu andou comentando em rodas brasilienses - e depois desmentiu, como é próprio dos boquirrotos apanhados em indiscrições -, mas que terá dificuldades políticas no Congresso, isso terá.

Para a parte da base aliada que ainda faz política, a centralização das decisões não apenas retira poder de seus subordinados diretos, que não podem decidir com autonomia, como emperra a máquina pública.

Também a grosseria no trato pessoal ergue um muro que separa a presidente de seus assessores, tornando problemática a convivência no Palácio do Planalto.

Mas o mais grave, e nesse caso é preciso que a presidente tenha o apoio que ontem alguns senadores lhe ofereceram, é a reação contra a ação de limpeza que vem sendo feita, que fica assim limitada pelos interesses políticos que lhe tolhem os movimentos quando a faxina chega às portas do PMDB e do PT.

No caso do Ministério do Turismo, essa reação ganhou contornos de legalidade com a ação atrabiliária da Polícia Federal e, sobretudo, com o vazamento das fotos feitas pela Polícia Civil de Macapá.

Além de não haver razão para que os presos fossem fotografados sem camisa, as fotos foram tornadas públicas, numa ação de desmoralização que afronta os direitos individuais mesmo do maior ladrão.

Esses excessos só beneficiaram os presos, pois o foco da discussão passou a ser os abusos cometidos contra eles, e não os crimes de que são acusados.

Quando a presidente Dilma, com toda a razão, diz que a divulgação das fotos é "inaceitável", ela parece para setores mais radicais estar defendendo os acusados, quando na verdade está defendendo o estado de direito.

"Tenho o dever de afirmar que farei tudo que estiver ao meu alcance para coibir abusos, excessos e afrontas à dignidade de qualquer cidadão que venha a ser investigado. O meu governo quer uma Justiça eficaz, célere, mas sóbria e democrática, senhora da razão e incontestável nas suas atitudes e providências", ressaltou a presidente Dilma em uma declaração pública ontem que define bem sua posição.

Mas a inobservância desses princípios não pode ser pretexto para que as investigações não prossigam.

FONTE: O GLOBO

Inversão de valor:: Dora Kramer


A presidente Dilma Rousseff ficou "irritada" com a ação da Polícia Federal no Ministério do Turismo. "Furiosa", chamou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, aos costumes e ele, por sua vez, "enquadrou" os subordinados da PF pela ocorrência de "exageros" na prisão de 36 suspeitos de corrupção na pasta.

A presidente teria ficado inconformada por não ter sido informada da operação e, desse modo, impossibilitada de evitar uma crise política na base aliada. Mais especificamente no PT e no PMDB, partidos aos quais era filiada parte dos envolvidos.

Tipo da história mal contada para apaziguar insatisfeitos.

Se avisada com antecedência, a presidente faria o quê? Cancelaria a operação? Dentro da legalidade, impossível, uma vez que as prisões são e foram feitas por determinação da Justiça.

Daria um alerta geral? Seria cúmplice na eventual fuga de um ou outro suspeito, acusada de obstrução da Justiça. Conversaria com os padrinhos de cada um, para tranquilizá-los? De nada adiantaria, pois as prisões seriam feitas do mesmo jeito. Note-se: por determinação da Justiça, não por capricho da Polícia Federal.

Ah, há o modo deselegante, o uso de algemas, a exposição das fotos dos suspeitos, a truculência, a agressão aos direitos individuais.

Há tudo isso, mas nada disso no momento, nem o modus operandi da Polícia Federal, é mais grave que as descobertas que têm sido feitas sobre o atrevido modus vivendi dos aproveitadores das funções públicas. Ou, para dizer de forma menos polida mesmo correndo o risco de agredir a sensibilidades repentinamente à flor da pele, dos corruptos.

Numa absoluta (e absurda) inversão de valores, as reações à ação da PF em cumprimento a decisão judicial ganharam mais destaque nos últimos dias que os atos cometidos em altos gabinetes dos Ministérios dos Transportes, da Agricultura e do Turismo.

Ficaram em segundo plano o superfaturamento, o pagamento de propinas, o tráfico de influência, o empreguismo, o nepotismo, o acobertamento, o favorecimento e malversações do gênero que grassam em repartições públicas federais como parte da rotina.

O lobista que transitava à vontade nas dependências do Ministério da Agricultura sob os auspícios de ninguém menos que o braço direito do ministro não é muito diferente do funcionário sem cargo formal e com acesso franqueado ao Ministério dos Transportes, que atuava sob o patrocínio do diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

No Turismo, era o vice-ministro em pessoa quem orientava a montagem de empresas de fachada para receber verbas públicas.

Há uma sistemática e há uma rede de ligações pessoais, partidárias e profissionais que precisa com urgência começar a ser desmontada. Esse é o ponto, é o foco do qual se pretende desviar a atenção geral sob a chancela da defesa do Estado de Direito.

Foi o tema de manifestação da presidente Dilma ontem, quando o primordial seria que comentasse as acusações de que o ministro da Agricultura, Wagner Rossi, permitiu o uso eleitoral dos estoques da Conab, quando presidente da estatal, acobertou fraude em licitação na Agricultura e patrocinou pagamento irregular de dívida na presidência da Companhia Docas de São Paulo.

Todos os cargos ocupados por indicação do vice-presidente Michel Temer, seu amigo há 50 anos e recentemente locutor oficial de ato de desagravo a Rossi.

Tempo ao tempo. Em princípio, José Serra não será candidato à Prefeitura de São Paulo, preferindo se preservar para tentar a Presidência da República outra vez em 2014.

Até porque pesquisas de opinião mostram que o eleitor paulistano não receberia bem uma candidatura a prefeito já previamente marcada pela possibilidade de renúncia (mais uma vez) no segundo ano de mandato.

Serra sabe que se fosse eleito prefeito estaria irremediavelmente preso ao cargo até o fim. Entre os que têm mais chance de obter a legenda do PSDB, o candidato preferido por ele é o senador Aloysio Nunes Ferreira.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Quanto vale a Agricultura? :: Fernando de Barros e Silva

O acerto de contas com a corrupção institucionalizada bateu na porta do PMDB. Era previsível. Já faz tempo que a pasta do Turismo se converteu em central de maracutaias envolvendo emendas parlamentares, empresas de fachada e convênios fajutos.

Por ora, o afilhado de Sarney segue no cargo.

Mas o problema maior reside na Agricultura, comandada por Wagner Rossi, o homem de Michel Temer. Conforme o personagem vai sendo retirado da sombra, percebe-se que não se trata de passar a limpo uma, duas ou três suspeitas de corrupção, mas sim toda uma vida dedicada aos princípios do PMDB.

Se fosse aplicar ao partido os critérios que adotou em relação ao PR, Dilma teria motivos de sobra para alcançar Wagner Rossi com suas chineladas. É pouco provável que isso aconteça, ao menos por ora.

Pelo seu tamanho e pela posição que ocupa na aliança, o PMDB tem força para viabilizar ou melar o que um de seus caciques já chamou de "esse negócio da governabilidade". São 20 senadores e 80 deputados, além da ameaça, já vocalizada, de formar um bloco na Câmara com PR, PTB, PP e PSC, o que amplificaria muito seu poder de chantagem.

Por isso, o caso Wagner Rossi talvez exponha os limites do método Rousseff de depuração do sistema político. O ministro não arreda o pé da Agricultura, onde Temer o plantou. A não ser que seja apanhado em flagrante ou vire alvo de mobilização popular. Mas a indignação difusa das classes médias ainda parece muito distante de deixar o sofá ou ir além da tela do computador.

A presidente não disfarça sua ojeriza pela política como ela é, mas foi com esse pacote de viagem (ou essa cesta básica) que ela se elegeu. Em grande medida, é prisioneira desse arranjo que avalizou.

Com seu modo de agir, Dilma despertou expectativas na sociedade e insatisfações entre os políticos. Do jeito que está armado o jogo, é possível que venha a frustar as primeiras e não consiga controlar a sede de revanche dos amigos de Lula.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Escolinha do professor Fred :: Eliane Cantanhêde

Os ministérios dos Transportes, da Agricultura e do Turismo estão dando uma verdadeira aula de corrupção.

Tudo é claro, didático, objetivo. E escancarado, despudorado, como mostram as gravações da Polícia Federal.

Numa das fitas, o secretário-executivo do Turismo, Frederico Silva da Costa -chamado de "reverendo" e "bambambã" em outros trechos-, ensina ao empresário Fábio de Mello (e a todo o país) como fazer uma "empresa de fachada".

"Pega um prédio moderno, meio andar (...). O importante é a fachada. Tem que ser uma coisa moderna, que inspira confiança em relação ao tamanho das coisas que vocês estão fazendo. Pega um negócio aí pra chamar a atenção, assim, de porte, por três meses. Mas é pra ontem! Que alguém aparecer pra tirar uma foto lá nos próximos dois dias, as chances são altas".

Em outra conversa gravada, o empresário Humberto Silva Gomes, que voltava dos EUA, revela-se um professor de patriotismo: "É pro governo, joga o valor pra três, tudo vezes três". Por quê? "Quando é dinheiro público, não pesa no seu bolso, aí você joga pro alto mesmo. Até porque, se você não jogar, você vai perder logo de cara, porque todo mundo vai jogar".

Em outra escuta, Luiz Gustavo Machado, diretor da ONG Ibrasi, ensina para a colega Maria Helena Necchi: "Se eles não concordarem, vão mandar pra Brasília. Mandou pra Brasília, ficou fácil".

Uma funcionária do Turismo foi ao Amapá só para orientar uma ONG sobre como forjar uma prestação de contas. E Dalmo Queiroz, sócio de ONG investigada, explicou o que fazer em caso de problema: "Você vai lá e compra o CNPJ".

Tudo é falso: Frederico não é nenhum reverendo, as ONGs envolvidas não têm nada de santas, as empresas são "de fachada", os CNPJs, comprados, e os preços, multiplicados por três.

É o "rouba, mas faz"? Nem isso. O turismo está uma porcaria.

FONTE FOLHA DE S. PAULO

Governo mantém Câmara sob controle:: Raymundo Costa


A greve branca da base aliada, na Câmara dos Deputados, semana passada, tem muito de coreografia e pouco de uma articulação concreta para capturar e aprisionar politicamente o governo da presidente Dilma. Nesses sete meses e meio de governo, o Palácio do Planalto teve êxito em todas as operações nas quais efetivamente se empenhou no Congresso, e nada indica que a situação vá mudar depois da criação de um "bloco informal" integrado por alguns dos principais partidos da base aliada, entre os quais o PMDB - e a observação cúmplice de um PT dividido.

Se a rebelião fosse séria, há muito tempo a CPI para investigar malfeitorias no governo federal estaria nas ruas. Ela passou perto no Senado, onde a confortável a maioria da presidente da República passou a correr riscos após o expurgo do PR do Ministério dos Transportes, e não consegue ganhar fôlego na Câmara, foco do incêndio da semana passada. É evidente que há insatisfação na base, mas nada fora da margem de manobra que o governo tem ainda para agir.

Além de impedir movimentos hostis, como a criação da CPI, quando precisou o governo também aprovou o que lhe interessava, caso do projeto de aumento do salário mínimo. Com o bônus de só voltar a tratar do assunto, no parlamento, em 2015. Uma singularidade: o Congresso perdeu poder de barganha em projeto por ele mesmo aprovado.

Votação dos vetos à LDO serão a prova dos nove da rebelião

A exceção continua sendo o Código Florestal. Derrota, aliás, que caiu no colo do governo mais pela disfuncionalidade da coordenação política do Palácio do Planalto à época, muito embora não se possa assegurar que muita coisa mudou para melhor, nessa área, depois das mudanças realizadas por Dilma nos ministérios da Casa.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atravessou os quatro anos de seu segundo mandato sem uma agenda para o Congresso. O governo sustentou-se no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, na sequência, na perspectiva real de poder que deu consistência à candidatura petista de Dilma Rousseff.

Na troca de guarda, o governo continuou sem uma agenda capaz de imprimir tensão ao debate no Congresso e ocupar de maneira virtuosa o tempo de deputados e senadores. Após a quebra do Lehman Brother"s, no final de 2008, o Congresso criou uma comissão para discutir a crise financeira mundial. O relator foi Antonio Palocci (PT-SP). Agora, o líder do PTB, deputado Jovair Arantes (GO), acusa: "O governo só quer falar de crise mundial, não quer administrar o país".

Aos 59 anos e uma carreira política desenvolvida nos trilhos do PMDB e do PSDB, Jovair é o típico congressista do baixo clero que hoje apoia um governo do PT, mas que não teria dificuldade alguma de conviver com o inquilino do Palácio do Planalto, se ele fosse, por exemplo, do DEM.

Jovair reclama que enquanto Dilma se preocupa com o calote da dívida americana, o governo federal dá o calote nas emendas aprovadas, por exemplo, para pequenas obras em Bonópolis, município goiano com população 2.642 habitantes (sendo 1.440 do sexo masculino e 1.202 do sexo feminino), seu reduto eleitoral. Para o deputado, só por meio das emendas é possível construir praças públicas, postos de saúde, escolas em municípios de cuja existência o governo federal nem suspeita. "Tem 5.000 Bonópolis no Brasil", diz Jovair, antes de emendar: "Farinha pouca, meu pirão primeiro".

A demora na liberação das verbas das emendas parlamentares ao Orçamento da União é uma reclamação recorrente no Congresso, o que não necessariamente implica na debandada da base aliada. A liberação desse dinheiro, não importa o governo de plantão no Palácio do Planalto, nos últimos 16 anos, sempre ocorreu no fim do ano. Esta é a realidade. Há também a ofensiva ética desencadeada pela presidente. Mas neste terreno, o Congresso só tem a perder, se resolver esticar a corda além do que esticou semana passada.

Dilma está no primeiro ano de governo, e apesar da queda na aprovação do governo, detectada pelas pesquisas, ainda tem gordura para queimar no Congresso. Além disso, não é praxe dos aliados romper com os governos às vésperas das eleições municipais. E PT e PMDB, os dois principais partidos do conglomerado governista, só devem começar a conversar concretamente sobre alianças eleitorais a partir do início de outubro, após o fim do prazo de filiação dos candidatos às eleições de 2012 (por enquanto, só há um acerto de cúpula para a reeleição de Eduardo Paes, no Rio, com um vice do PT).

As insatisfações governistas são como fagulha no cerrado, especialmente nesta época do ano, quando a umidade do ar em Brasília pode chegar aos 10%, como aconteceu ontem e em apenas outras duas vezes desde 1961, quando começou a ser medida pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O mais provável, no entanto, é que a ampla coalizão em que se apoia o governo Dilma mantenha-se até as eleições de 2012. Pelo menos.

Até lá, devem ser registrados "espasmos periódicos", na definição de um dos principais interlocutores políticos do governo. O PT tem ainda uma carta na manga: o PMDB é o partido de Michel Temer, vice-presidente de Dilma, e tem responsabilidades com o governo. Se os pemedebistas começam a fazer acordos bilaterais com outras siglas da aliança, como o "bloco informal" constituído semana passada, o PT também pode se considerar no direito de romper acordos feitos com o PMDB, como o que prevê a eleição de um pemedebista para a presidência da Câmara, em fevereiro de 2013.

A prova dos nove está à vista: Dilma vetou 32 emendas feitas pelos parlamentares no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O veto da chamada "emenda Aécio", que obrigava a União a incluir no Orçamento todas as emissões de título, como aquelas destinadas ao BNDES, não deve causar maior comoção. Ao contrário, o presidenciável tucano ganhou um discurso para a campanha presidencial de 2014.

O que vai determinar se há uma rebelião parlamentar em curso, uma força política concorrente à da presidente, é a votação do veto de Dilma ao texto que excluía do contingenciamento do Orçamento Geral da União as emendas parlamentares.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

18 no caso do Turismo serão denunciados


O procurador da República no Amapá, Celso Leal, disse que ao menos 18 pessoas devem ser denunciadas no escândalo do Turismo. Ele pretende pedir ainda o bloqueio de bens dos envolvidos. O procurador negou que tenha havido abuso na operação da Polícia Federal, mas a presidente Dilma Rousseff criticou ontem as "afrontas à dignidade de qualquer cidadão investigado".

Procurador pede bloqueio de R$ 4 mi em bens de cúpula do Turismo e fará denúncia

Leandro Colon

MACAPÁ - No mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff, pressionada por aliados, entrou em rota de colisão com setores do Ministério Público e da Polícia Federal ao criticar excessos da "faxina" que atingiu a cúpula do Ministério do Turismo, o procurador da República no Amapá, Celso Leal, afirmou ao Estado que não houve nenhum abuso na Operação Voucher e que pelo menos 18 pessoas devem ser denunciadas nos próximos dias por envolvimento no esquema de desvios de verba na pasta, incluindo os seus dirigentes.

A denúncia, segundo o procurador, será feita nos próximos dias. Os crimes mencionados pelo procurador são peculato e formação de quadrilha. "Acredito que todos os 18 investigados serão denunciados. Estamos só na deliminatação da conduta de cada um", afirmou Leal. Ontem, ele pediu à Justiça o bloqueio de bens de todos os envolvidos. De acordo com a solicitação, há pelo menos 20 imóveis que podem ser bloqueados, além de contas bancárias das empresas de fachadas investigadas.

Os valores envolvidos no pedido de bloqueio chegam a pelo menos R$ 4 milhões, que é o mínimo que teria sido desviado do Ministério do Turismo. Entre esses 18 estão, além do secretário executivo, Frederico Silva Costa, o secretário nacional de Programas e Desenvolvimento do Turismo, Colbert Martins, e o ex-secretário executivo Mario Moysés. "Temos a convicção de que houve desvio de dinheiro público", disse o procurador.

Ontem, em discurso breve, porém duro, Dilma afirmou que "o País é composto de cidadãos de bem, que abominam o crime e prezam a legalidade". Acrescentou que o governo vai se dedicar a coibir os crimes onde eles ocorrerem. Ao mesmo tempo, avisou que fará tudo para coibir "abusos, excessos e afrontas à dignidade de qualquer cidadão que venha a ser investigado".

Embora não tenha se queixado diretamente de ninguém, a presidente tem demonstrado insatisfação com o comportamento da PF e do Ministério Público no caso que envolveu a prisão de servidores do Turismo ligados a políticos do PT e PMDB. As prisões provocaram a ira de parlamentares da base aliada no Congresso, sobretudo porque os presos foram algemados e fotografados, na identificação, sem camisa. As fotos vazaram.

Segundo Dilma, o seu governo quer "uma Justiça eficaz e célere, mas sóbria e democrática, senhora da razão e incontestável em suas atitudes e providências". Apesar dos recados, a presidente enfatizou que o País possui "um Ministério Público com independência e autonomia e uma Polícia Federal mais bem equipada". "Onde ocorrerem malfeitos, onde o crime organizado atuar, nós iremos combater com firmeza, utilizando todos os instrumentos de investigação e punição, sempre contando com a isenção do Ministério Público, com a eficiência da Polícia e com o poder de decisão do Judiciário", disse Dilma.

Fraude. O procurador Celso Leal afirma que não houve excessos na Operação Voucher. "Não acho que houve excesso. Todos os que foram presos, de uma maneira ou de outra, tinham envolvimento com a fraude."

O procurador foi o autor do parecer do Ministério Público Federal que sustentou os pedidos de prisão preventiva dos investigados. A operação começou após auditoria do Tribunal de Contas da União identificar fraudes num convênio de R$ 4,4 milhões do Turismo com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi). A entidade teria repassado os recursos para empresas de fachada e os serviços jamais foram executados.

OS MINISTÉRIOS EM CRISE

Transportes

Desde 2 de julho

27 demitidos

Após denúncias da existência de um suposto esquema de cobrança de propina em órgãos vinculados ao ministério, a presidente Dilma deu início a uma devassa na pasta. Ao todo, 27 pessoas foram demitidas dos cargos, entre elas o então ministro Alfredo Nascimento, o diretor-geral do Dnit, Luiz Antonio Pagot, e o presidente da Valec, José Francisco das Neves.

Agricultura

Desde 27 de julho

3 demitidos

A crise teve início após acusações feitas por Oscar Jucá Neto, irmão de Romero Jucá (PMDB), que foi demitido da Conab. Dilma determinou uma faxina no órgão e o procurador-geral da companhia, Rômulo Gonçalves, foi demitido. O então secretário executivo da pasta, Milton Ortolan, pediu demissão após denúncias de que havia cobrado propina.

Turismo

Desde 9 de agosto

Nenhum demitido

Há uma semana, a PF prendeu 36 pessoas suspeitas de participar de desvio de verbas na pasta. A investigação apontou fraudes em contratos entre o ministério e a ONG Ibrasi. Entre os presos estão o atual secretário executivo, Frederico Silva Costa, e um dos secretários do ministério, Colbert Martins. Os servidores foram afastados, mas ninguém foi demitido.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

PT e PMDB, campeões de emendas no Turismo


Juntos, os dois partidos respondem por 36,5% das emendas individuais do setor, cujos gastos, no Orçamento de 2011, chegam a R$ 3,5 bilhões

Eduardo Bresciani

 BRASÍLIA -  Parlamentares de PMDB e PT foram os que mais destinaram emendas individuais ao Ministério do Turismo durante a elaboração do Orçamento de 2011. Os dois partidos estão no centro da Operação Voucher da Polícia Federal, que investiga desvio de recursos na pasta decorrentes justamente de uma emenda parlamentar apresentada pela deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP).

A área de Turismo é tradicionalmente das mais infladas no Congresso. No ano passado, o Executivo propôs gastos de R$ 862 milhões no setor, mas os congressistas elevaram esse montante para mais de R$ 3,5 bilhões.

Levantamento feito pela assessoria técnica do PSOL com exclusividade para o Estado mostra que deputados e senadores do PMDB destinaram R$ 285,8 milhões de suas emendas individuais para a área. O PT ficou com a segunda posição, com R$ 230,6 milhões. Somados, petistas e peemedebistas representam 36,5 % do montante total de R$ 1,411 bilhão de emendas individuais apresentadas no setor do Turismo. Comissões temáticas e bancadas estaduais destinaram ainda mais R$ 1,3 bilhão para a área.

No ano passado, quando foram elaboradas as emendas, o PMDB tinha a maior bancada. Mas não apenas esse dado tornou o partido líder do ranking do Turismo. Dividindo o valor destinado pelo partido pelo número de parlamentares observa-se que os peemedebistas destinaram à área mais de 20% do total de emendas individuais a que tinham direito. Foram R$ 2,671 milhões, em média, por peemedebista.

O mesmo acontece no PT, que em 2010 era o segundo em tamanho no Congresso. Os petistas, na média, destinaram R$ 2,652 milhões cada para a área. Cada parlamentar pode destinar livremente R$ 13 milhões no Orçamento do ano passado.

Depois dos maiores partidos da base aparece uma legenda da oposição na lista por volume de recursos. Parlamentares do DEM destinaram R$ 177 milhões para a área. Na sequência aparecem PR, com R$ 130,7 milhões, PSDB, com R$ 126,7 milhões, e PTB, com R$ 113,3 milhões.

Proporcionalmente, a bancada o PTB ocupa a primeira posição. Na média, cada petebista destinou R$ 3,9 milhões para o Turismo. Na sequência aparecem PR, PRB, PP, PMDB e PT.

O líder do PSOL, Chico Alencar (RJ), lembra que não é a primeira vez que a área do Turismo é envolvida em escândalos. "É uma tabela interessante porque é reveladora do nível de aposta de cada partido no Turismo, que, pelo visto, anda muito contaminado por políticas tacanhas."

Alencar destaca que as emendas individuais têm como "vulnerabilidade" possibilitar desvios e fraudes utilizando organizações não governamentais de fachada. Ele observa ainda que na semana passada parlamentares governistas fizeram uma "greve branca" para protestar justamente pelo não pagamento de emendas.

O governo vai elaborar um cronograma para a liberação desses recursos e deve começar a abrir o cofre a partir desta semana.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Para servidor, ministério de Rossi está corrompido

Ministro da Agricultura reage e diz que ex-subordinado deve dar os nomes

O ex-chefe da comissão de licitação da Agricultura Israel Leonardo Batista disse que o ministério foi "corrompido" após a chegada de Wagner Rossi, que colocou pessoas que "vão assinar o que não devem".

Batista confirmou que o lobista Júlio Fróes tentou lhe dar propina dentro do ministério, em sala a 30 passos do gabinete do ministro. Ele disse à Folha que fitas do circuito interno provarão se Rossi conhece o lobista.

Agricultura teve licitações "corrompidas", diz servidor

Funcionário que denunciou lobista em ministério ataca gestão de Wagner Rossi

Israel Batista, ex-chefe da comissão de licitação da pasta, diz que lobista sempre conversava com o secretário do ministro

José Ernesto Credendio e Andreza Matais

BRASÍLIA - O funcionário que denunciou a distribuição de propinas por um lobista numa sala que fica a 30 passos do gabinete do ministro da Agricultura, Wagner Rossi, disse que o ministério foi "corrompido" após a chegada de Rossi.

Ex-chefe da comissão de licitação do ministério, Israel Leonardo Batista afirmou à Folha que o ministro "desarranjou" o setor nomeando pessoas que "vão assinar o que não devem".

Ele reafirmou que o lobista Júlio Fróes lhe entregou um envelope com dinheiro dentro do ministério depois da assinatura de um contrato milionário da pasta com uma empresa que o lobista representava.

Israel disse que as fitas do circuito interno da pasta podem comprovar se Rossi conhece ou não o lobista. Segundo ele, o ministro irá atrapalhar as investigações se permanecer no cargo.

Folha - Por que o sr. saiu do Ministério da Agricultura?

Israel Leonardo Batista - Foi questão de perseguição...

O sr. chegou a sofrer assédio para que assinasse documentos que julgava incorretos?

Sempre trabalhei de acordo com o que a lei determina. Não aceito interferência. Me senti incomodado com certas coisas. Sofri retaliações por ser honesto.

O que mudou no setor de licitação sob Wagner Rossi?

Foi todo desarranjado. O pessoal do quadro não permaneceu. Somente o pessoal terceirizado.

Qual é o problema de licitações serem conduzidas por pessoas alheias à pasta?

Não têm conhecimento, vão assinar o que não devem.

Como está o setor hoje?

Está corrompido, no sentido de que pessoas não têm preparo.

Como conheceu Júlio Fróes?

Na frente de todos os servidores da comissão de licitação. Ele chegou com a Karla [Renata França Carvalho, chefe de gabinete da secretaria-executiva] e o Milton Ortolan [ex-secretário-executivo]. Ela [Karla] pediu para dar apoio para ele [lobista], pediu para arrumar um computador e uma mesa para ele fazer um trabalho. Logo, entendi que fosse um assessor.

Disseram que era assessor?

Disseram dr. Fróes, entendi como assessor. Pedi para funcionária se retirar [de uma mesa] para ele fazer esse trabalho [texto de convênio].

Sem conhecimento de Rossi?

Se o chefe de gabinete do ministro sabia, se o secretário-executivo sabia... As câmeras vão dizer.

O ministro conhecia Fróes?

É só divulgar as imagens [do circuito interno da pasta].

É possível que o ministro desconhecesse Fróes?

As câmeras vão dizer quem está mentindo e quem está dizendo a verdade.

Em tantos anos no governo, o sr. já havia passado por isso?

Nunca. É fácil o ministro, o chefe de gabinete chegar lá e dizer: "Realmente, não aconteceu nada". É fácil. Mas realmente aconteceu. Se pegar as filmagens, vão ver tudo que estou falando.

O sr. se sente ameaçado?

Acho que corro risco porque jamais na minha vida passei por uma situação desta. Tenho certeza de que Dilma precisa de apoio na Câmara e no Senado, mas que tenha apoio de pessoas equilibradas, que respeitem leis.

O sr. poderia descrever como Fróes lhe entregou dinheiro?

Me ligaram do 8º andar, eu fui. Me ligou a Isabel [Roxo], chefe de gabinete [da assessoria parlamentar]. Quando eu cheguei lá, ele me cumprimentou e me entregou.

Onde ele estava?

Ele estava na sala da chefe de gabinete. Cheguei, anunciei e entrei.

Abriu o envelope na hora?

Não.

O sr. não estranhou?

Era um envelope do ministério. Era uma pasta e dentro tinha um envelope. Não sabia o que tinha dentro. Desci e vi o que era. Liguei para ele e ele foi na minha sala. Eu disse que não aceitava.

Havia várias pastas como a que o sr. recebeu de Fróes?

Sim, algumas pastas.

O que ocorreu quando recusou o dinheiro de Fróes?

Ele falou: "Você não quer, tem umas pessoas lá que o Milton pediu pra ajudar, que é a Karla e a Girleide [dos Santos Sousa, que coordena a administração de material].

Era muito dinheiro?

Não contei.

Depois desse episódio, o sr. passou a sofrer pressões?

Várias perseguições. Muitas vezes saía para trabalhar e dizia à minha família que não sabia se voltava vivo.

Como foi seu afastamento?

Karla falou que eu não estava ajudando em nada e iria voltar para a Conab, estava tudo pronto, os papéis prontos. Quando cheguei na Conab ninguém me queria lá: ia assumir a comissão de licitação da Conab. Não deixaram.

O que achou quando ela disse que não estava ajudando?

Que não estava andando do jeito que eles queriam. E, para andar do jeito que queriam, não funciona comigo.

O sr. conversou com ministro Rossi alguma vez?

Ele disse que não me conhece, mas, como diretor da associação dos funcionários [da Conab], fiz reuniões com ele com outras pessoas junto.

Fróes falava em nome do ministro, agradecia por algo em nome do ministro?

Não. Se eu dissesse isso estaria mentindo. A única coisa que vi foi ele no telefone na minha sala dizendo: "Já falei com o chefão número 2 e queria falar com o chefão número 1". Aí ele falava com o chefão número 1 no telefone.

A saída de Ortolan é suficiente para pôr fim a esses casos?

Dilma falou que seria incorruptível e que todo ministro seria investigado. Se é para ser investigado, o ministro não deve estar no cargo, tem de se afastar porque vai atrapalhar as investigações.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Homenagem a Antônio Ribeiro Granja:: Cláudio de Oliveira

De origem camponesa, um dos fundadores da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura em 1964, Granja completou 98 anos de vida. Em sua homenagem, reproduzo um texto de 2009.

Na sede da Revista Internacional, em Praga

No início de 1990, ao tempo em que estudei artes gráficas na antiga Tchecoslováquia, recebi um telefonema de Antônio Ribeiro Granja, o representante brasileiro na Revista Internacional, periódico que congregava os Partidos Comunistas de todo o mundo e cuja sede era em Praga. Dirigente da velha guarda do antigo PCB, convidava para uma cerimônia de despedida na sede da revista.

Com a queda dos regimes comunistas no leste da Europa, Granja tratou de fazer as malas e voltar para o Brasil. O prédio onde funcionava a revista havia sido um seminário da Igreja Católica, confiscado após a II Guerra Mundial. Estive lá, salvo engano, uma construção do século 19, estilo neoclássico e, se bem me lembro, tinha 5 andares. Aprovada a lei de restituição de bens, o novo governo tcheco atendeu pedido da Igreja de devolução e deu um prazo para a desocupação do prédio.

Alianças com os socialistas

Antes do coquetel e das despedidas propriamente, houve uma reunião do conselho da revista, da qual participei ao lado de Granja, no auditório com menos de uma centena de pessoas. No comando da reunião, o representante do PC da União Soviética. Na pauta, a continuidade ou não da revista, uma vez que, segundo ele, o “nosso movimento vem mudando suas características”. Dizia que alguns partidos ali haviam deixado de ser comunistas para se tornarem socialistas, dando o exemplo da Bulgária, cujo PC passou a se chamar Partido Socialista. E também da Polônia.

Ao final, deduzi da fala do soviético que não havia mais interesse em manter a revista, composta exclusivamente pelos PCs. Pareceu-me que a intenção da liderança soviética era editar uma nova revista que estabelecesse uma aliança com outras correntes socialistas, especialmente com a social-democracia, bastante influente na Europa ocidental.

Quando o debate foi aberto para os membros do conselho, o primeiro a falar foi o representante do PC de Cuba, que se opôs tenazmente ao representante soviético. O cubano defendia a continuação da revista somente com os “revolucionários”, como se definiam os PCs, excluindo dela as correntes socialistas reformistas. Para ele, com a crise do “socialismo real”, era preciso uma tribuna para defendê-lo.

Aquela diferença expressava as divergências significativas entre aqueles dois grandes partidos. Fidel Castro, o líder cubano, se colocara contra as reformas democratizantes do líder da União Soviética, Mikhail Gorbatchev. Inclusive o livro do soviético, “A Prerestroika”, lançado no Brasil em 1987, fora proibido em Cuba.

Lembro-me de que outras poucas intervenções se seguiram. Mas não houve um debate acalorado. Afinal, eram os soviéticos que mantinham a revista e se não estavam dispostos a continuar com ela e nem havia quem a bancasse, a probabilidade era de que ela fechasse. Comentei essa impressão com Granja.

- É por isso que já estou indo embora. Isto aqui não tem futuro, respondeu ele, que assistia ao debate desolado.

Apoio às reformas democráticas de Gorbatchev

O PCB apoiava a abertura de Gorbatchev, mas era minoria entre os PCs, especialmente da América Latina. Na Comissão Latino-americana da revista, disse-me Granja, suas posições eram tidas como “revisionistas” e pouco consideradas. Granja era um dos poucos a defender uma solução política e negociada para a então guerra civil em El Salvador. Muitos dos outros PCs da região eram favoráveis a uma solução militar, isto é, a continuidade da luta armada dos guerrilheiros. Felizmente, naquele pobre país da América Central prevaleceu a primeira solução.

Ainda segundo Granja, a maioria dos PCs continuava aferrada ao velho modelo estalinista da época de Leonid Brejnev e via em qualquer reforma democratizante do chamado “socialismo real” como “contra-revolução”. Para muitos, o banho de sangue promovido por Nicolai Ceascescu contra a multidão de manifestantes pró-democracia na Romênia era um ato de heroísmo e exemplo de resistência a ser seguido.

Fim da Internacional Comunista?

Ao terminar o breve debate, tive a impressão de que assistia o momento final do que restou da Internacional Comunista, instituição fundada em 1919 pelos líderes da Revolução Russa de 1917, Vladimir Lênin e Leon Trotsky, com o objetivo de unir e guiar a ação dos PCs em termos mundiais.

A Internacional Comunista, também chamada de Komintern, na abreviatura em russo, foi fechada em 1943 por Josef Stálin, num demonstração de boa vontade com os aliados na II Guerra Mundial, Estados Unidos e Reino Unido.

Em seu lugar foi criado, em 1947, o Kominfor, um comitê de troca de informações entre os PCs com sede em Belgrado e depois Bucareste. Era o início da Guerra Fria entre EUA e URSS. O representante brasileiro no Kominform foi por muito tempo o jornalista Osvaldo Peralva, que, coincidentemente, eu viria a conhecer em Praga, em 1991, como correspondente da Folha de São Paulo. O Kominform foi fechado, em 1956. Tempos depois, foi criada a Revista Internacional, de debates entre os PCs.

Deixamos o prédio da revista após o coquetel de despedida. Granja voltou ao Brasil em 1990 e eu voltaria em 1992. Nessse ano, a União Soviética se extinguiria, os PCs na Europa e no mundo entrariam em declínio. E nunca mais tive notícias da revista.

Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista