quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Sérgio Cabral no meio do caminho

Octavio Amorim Neto e André Urani
DEU EM O GLOBO


O governador Sérgio Cabral está chegando à metade do seu mandato. Um bom momento para avaliar a sua administração e analisar as perspectivas para os próximos dois anos.

Em outubro de 2006 o Rio escolheu um candidato que viria operar uma mudança dramática na política estadual. Recém-eleito, Sérgio Cabral surpreendeu todos ao abandonar o varejo populista que caracterizara os governos anteriores, surpresa simbolizada pela nomeação de Joaquim Levy para a Secretaria da Fazenda. O governador também reabriu canais de diálogo com a sociedade civil, o setor privado e o governo federal. Ou seja, a atual administração soube gerar um considerável capital político. Abriu-se, então, uma grande oportunidade para o nosso estado.

Registraram-se avanços em várias áreas, do ajuste de contas públicas à atração de novos investimentos, passando pela elaboração de um plano estratégico, pela despolitização da nomeação de cargos técnicos, pela redução do número de homicídios e por uma maior racionalidade nas políticas de educação e saúde.

Porém, nem tudo são flores. O governo Cabral é híbrido, pois abriga atores progressistas e os grupos políticos mais tradicionais do estado. A orientação modernizadora do Executivo, portanto, não deriva de um consenso. Trata-se da precária resultante de uma correlação de forças heterogêneas. E a má notícia é que essa resultante pode desabar. Por quê?

Desde a chegada de Brizola ao Palácio Guanabara em 1983, as nossas administrações estaduais têm seguido um ciclo deprimente: o governador é eleito com base em uma plataforma inclinada à esquerda, com o apoio das camadas populares, de grupos econômicos das regiões do estado e setores das elites localizadas na Zona Sul da capital. Esses setores são os menos numerosos, mas neles se encontram os principais formadores da opinião pública.

Confrontado com as demandas díspares da sua base política e duras restrições orçamentárias, o titular do Palácio Guanabara acaba abdicando do seu programa, o que o faz perder o apoio das elites da Zona Sul, levando-o a buscar sustentação nas forças mais retrógradas do estado. A trajetória do primeiro governo Brizola ilustra o ciclo de maneira eloqüente: começou como uma promessa de renovação; terminou de braços dados ao chaguismo ...

Se Eduardo Paes, candidato apoiado pelo governador, tivesse perdido para Fernando Gabeira a prefeitura da capital, a orientação progressista do governo Cabral teria provavelmente naufragado. Por pouco isso não aconteceu, mas ainda pode acontecer.

É para esse momento perigoso que gostaríamos de chamar a atenção dos bem-pensantes do Rio de Janeiro. Na bifurcação em que nos encontramos, não apoiar o lado progressista do governo do estado (e, agora, também da prefeitura da capital) significa empurrar nossos governantes no colo dos interesses mais conservadores do Rio. É hora de acordar.

Algo precisa ser feito também pelo governo para reconquistar a sua legitimidade junto aos bem-pensantes. O governador está com um problema de comunicação, pois, durante a recente campanha eleitoral, ficou a impressão de não serem conhecidos os seus acertos. Quanto aos seus erros, o Rio de Janeiro não está obtendo a redução da desigualdade que se verifica no resto do país. E a política de segurança precisa compatibilizar melhor a redução da criminalidade com a proteção dos direitos humanos. É hora de aprofundar as mudanças efetuadas nos últimos dois anos.

OCTAVIO AMORIM NETO é cientista político da FGV-Rio. ANDRÉ URANI é economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade.

Partidos de oposição decidem formar bloco democrático para disputar presidência em 2010


Por: William Passos
DEU NO PORTAL DO PPS


Em reunião ocorrida nesta quarta-feira, em Brasília, os presidentes do PPS, Roberto Freire; do PSDB, Sérgio Guerra; e do DEM, Rodrigo Maia, decidiram que vão formar um amplo e democrático bloco político para disputar as eleições presidenciais em 2010. A aliança deve incluir ainda o PV e o PMDB.

O encontro serviu para os líderes decidirem estratégias que inclui a convocação de uma grande reunião para 2009, provavelmente na segunda quinzena de fevereiro, envolvendo prefeitos, governadores e parlamentares para discutirem o que batizaram de Bloco Democrático-Reformista.

A partir de agora, os representantes dos partidos formatarão um projeto de desenvolvimento para o Brasil que será repassado para as cinco regiões do país. No Congresso Nacional, PPS, DEM e PSDB já vinham atuando conjuntamente em diversas votações.

Durante a reunião, o PPS apresentou nota (leia abaixo) aprovada pela Executiva e pela bancada federal do partido, onde afirma “que vai trabalhar para a construção do bloco, capaz de organizar um movimento nacional que venças as eleições presidenciais de 2010, iniciando um cliclo virtuoso de transformações na socieadade”. O líder do partido na Câmara, Fernando Coruja, e o secretário-geral da legenda, Rubens Bueno, também participaram do encontro.

Aliança democrática

Para Roberto Freire, a formação é fruto de uma relação amadurecida no Congresso Nacional. “De dois anos para cá a relação desses partidos aqui no Parlamento melhorou e muito. O trabalho conjunto destas três legendas é evidente, além de ser um movimento que pode vir a ser vitorioso e representar de fato uma aliança democrática”, disse, após o encontro.

Já o presidente do PSDB afirmou que as ações começam desde já. São discursos e medidas que deixam o ambiente legislativo e ganham o Brasil. “Vamos harmonizar nossas posições locais, estaduais e federais e dar mais conteúdo a esse projeto que é de fazer oposição correta e ganhar a eleição para governar bem o Brasil”, afirmou.

A possibilidade de ampliar a aliança também é vista com bons olhos pelo presidente do Democratas. “Não tenho dúvida que vamos chegar na primeira fase, que é 30 de setembro, com todo o quadro regional e com a certeza do bloco unido do Rio Grande do Sul ao Norte do Brasil, com candidaturas que reúnam esses três partidos e que mais na frente possam reunir até outras forças políticas”, disse Rodrigo Maia.

PMDB

Roberto Freire ressaltou que o diálogo com determinados representantes desta legenda é “plena”. E que o convite para esta formação política está em andamento. “É bom lembrar a relação fraterna que vem da época do velho Partidão que participou da redemocratização e ajudou a integrar o antigo MDB. Temos uma história em comum”, lembrou.

PV

Na próxima sexta-feira, Roberto Freire tem encontro marcado com o presidente do PV, José Luiz de França Penna, para discutir a ampla aliança política.

PSDB, DEM e PPS fecham aliança para 2010

DEU EM O GLOBO

Intenção é que bloco se una também em estados e municípios

BRASÍLIA. Antes mesmo de definir o nome de seu candidato à sucessão presidencial, o PSDB já quer garantir uma aliança partidária forte que lhe dê sustentação na disputa de 2010. Esse foi o motivo que levou os tucanos a anunciarem ontem a formação de um bloco com DEM e PPS, que tentará atuar em conjunto não só no Congresso, onde somam 132 parlamentares, como nos estados e nos municípios. A expectativa é que esse bloco ganhe o reforço do PV e até do PMDB.

- Nosso objetivo é estarmos juntos em 2010 para ganharmos a eleição - confirmou o presidente do PPS, o ex-deputado Roberto Freire, que amanhã consultará o PV sobre seu interesse em integrar o bloco.

- Estamos dando forma a algo que já existe aqui (no Congresso) e nos estados - acrescentou o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ).

Em fevereiro, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), pretende convocar uma reunião de prefeitos, governadores e parlamentares do recém-batizado "Bloco Democrático-Reformista":

- Precisamos dar musculatura a essa aliança para que não se repita o que aconteceu em 2006, quando fechamos uma aliança entre a cúpula desse três partidos sem o apoio da base.


DEM, PSDB e PPS anunciam aliança para 2010

DEU NO VALOR ECONÔMICO

PSDB, DEM e PPS formalizaram ontem uma aliança política para 2010, embrião da frente que deverá ser encabeçada por um tucano na eleição presidencial. O anúncio foi feito pelos três presidentes das siglas, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o suplente de senador Roberto Freire (PPS-PE). O PSDB e o DEM, antigo PFL, já se aliaram formalmente nas eleições presidenciais de 1994, 1998 e 2006. O PPS não teve candidato nas eleições passadas, lançou nome próprio em 1998 e 2002 e apoiou o PT há 14 anos.

Nas últimas eleições municipais, PSDB, DEM e PPS pouco estiveram unidos. Concorreram com candidatos próprios em São Paulo, por exemplo. No Rio, PPS e DEM apoiaram Fernando Gabeira (PV), sem aliança com o DEM. Em Belo Horizonte, PPS e tucanos fizeram uma aliança branca com PSB e PT, e o DEM lançou um nome próprio. Em Salvador, os três partidos também disputaram em alianças diferentes. Em Fortaleza, o DEM lançou Moroni Torgan e o PSDB apoiou o PDT.

Na eleição de 2010, os dirigentes partidários pensam em verticalizar a aliança, com o estabelecimentos de alianças regionais.

Na primeira quinzena de fevereiro, todos os detentores de mandato eletivo das três siglas devem se reunir em Brasília como um sinal de endosso à aliança e de disposição para eliminar as disputas regionais.

Nesta sexta-feira, os três dirigentes tentarão atrair o PV para o bloco. O partido concorreu nas eleições passados mais próximo aos oposicionistas do que ao Planalto, embora pertença à base governista. Elegeu Micarla de Souza em Natal em parceria com o DEM e apoiou a reeleição do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, integrante deste partido. Os dirigentes da oposição ainda pretendem incluir o PMDB, no futuro.

Depois da reunião, Guerra e Freire lembraram que os três partidos já atuam de forma conjunta no Congresso Nacional desde que o PPS abandonou a base governista, depois das eleições municipais de 2004. O presidente do DEM, Rodrigo Maia, colocou como meta chegar ao dia 30 de setembro - último dia para filiação partidária com vistas a concorrer em 2010 - com alianças regionais costuradas em todo país.

Os três partidos apostam na atração de parte do PMDB. Alguns dirigentes do partido já são aliados históricos de tucanos e integrantes do DEM em seus estados e outros estão em permanente atrito com o PT em suas bases. (Com agências noticiosas)

Em tempo de guerra, nada muda


César Felício
DEU ENO VALOR ECONÔMICO


Há vasta literatura sobre como acordos táticos entre inimigos políticos se frustram diante de um clima de confronto estabelecido, com campos demarcados em grande velocidade. O parecer do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) na Comissão de Constituição e Justiça sobre o fim da reeleição e a coincidência de mandato em eleições majoritárias, exatamente por trazer em si pontos que interessam tanto ao governo quanto à oposição, tem tudo para se converter em uma iniciativa natimorta.

Entre deputados veteranos na discussão da reforma política, um pacto entre tucanos e petistas com vistas a 2010 e eleições futuras é recebido com um ceticismo semelhante ao que cercava as conversações sobre a paz mundial entre a União Soviética e os Estados Unidos, nos tempos em que a guerra fria inspirava roteiros de cinema e ditaduras no Terceiro Mundo.

A proposta do petista amplia o mandato presidencial de quatro para cinco anos e acaba com a recondução. Abriria caminho assim para um acordo interno no PSDB entre José Serra e Aécio Neves. Em tese, possibilitaria ainda uma tentativa de Lula voltar ao Planalto, findo o seu mandato, a médio, e não a longo prazo. É um roteiro que entusiasma alguns petistas, tucanos e integrantes do DEM que só aceitam externar sua aprovação sob reserva. Em campo aberto, a idéia é torpedeada exatamente por estabelecer vantagens mútuas.

Dentro do PT, a reação foi imediata. Em sua página na Internet, o ex-ministro José Dirceu, inelegível até 2014, mas com influência considerável dentro do partido, partiu para o ataque. "Trata-se de um grave erro", escreveu Dirceu no começo de sua análise, que encerra afirmando: "Não dá para entender porque o PT insiste nessa tese". Dirceu não vê a possibilidade de um acordo Serra/Aécio como um chamariz para negociar o que quer que seja com a oposição, mas como um "risco".

Entre os tucanos também é a desconfiança que predomina, por motivos análogos. "A proposta pode parecer terrivelmente tentadora, mas é perigosa. Acabar com a reeleição e aumentar o mandato é um casuísmo que favorece fundamentalmente o PT. Eles ganhariam tempo para construir uma candidatura presidencial, porque outras questões podem surgir, como a prorrogação do mandato do próprio Lula", diz o deputado Edson Aparecido (PSDB-SP).

Protagonista da polêmica, João Paulo Cunha busca oferecer garantias. Diz que a oposição poderá colocar a trava que julgar necessária para impedir que os mandatos atuais sejam de alguma maneira rediscutidos. É um aceno que poderia ser recebido com mais credibilidade caso já existisse alguma base de entendimento entre os que disputam o poder. Travas legislativas não têm o poder de brecar uma discussão política, adverte o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS).

Com a mesma reserva se discute na Câmara a possibilidade de se criar uma brecha para que se permita ao parlamentar a troca de partidos. Os deputados não se conformam com a restrição criada pela Justiça Eleitoral que abriu espaço para a perda de mandato caso um eleito troque de partido. Alegam que as mudanças em massa de sigla já haviam se reduzido, desde que a Câmara alterou seu regimento e determinou que, para efeito de cálculo do horário eleitoral em rádio e televisão e distribuição do poder dentro da casa, valeria o tamanho das bancadas logo após as eleições, e não no momento da posse dos parlamentares. Mas a criação da "janela da infidelidade" é vista com desconfiança. A reação parte de deputados como Miro Teixeira, representante de um partido particularmente sangrado por evasões partidárias, e de siglas de oposição, como o PSDB e o PPS. Teme-se uma campanha dos grandes partidos da base governista para conseguir novos adeptos. Não é um temor infundado, dada a prática dos partidos aliados ao Planalto não só no governo Lula como também ao longo de toda a administração do antecessor tucano.

A consequência da falta de entendimento entre o governo e a oposição, neste instante, é a construção de um momento raro de estabilidade institucional. Desde a redemocratização, todas as eleições presidenciais, exceto a última, foram realizadas com regras diferentes. A de 1989 introduziu os dois turnos, por temor a uma vitória da esquerda. A de 1994 o mandato presidencial de quatro anos, pela mesma razão. A de 1998 o direito à reeleição. A de 2002, a verticalização das coligações, que não existirá em 2010. E ao longo de 2009, sem soluções casuísticas à vista, projeta-se o desenrolar de dois exaustivos dramas: a dificuldade tucana em superar suas divisões e o vazio que se ergue diante do PT com a futura ausência de Lula como opção eleitoral.

César Felício é repórter de Política.

Lula, a crise e os inimigos do povo

Rolf Kuntz
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O presidente Luiz Inácio da Silva deveria denunciar de uma vez quem torce pela crise, quem odeia o Brasil, quem se opõe ao ingresso dos pobres nas universidades e quem deseja ver o povo passar fome. Não haveria como processá-los, mas valeria a pena expor seus nomes publicamente, para os bons cidadãos não serem mais enganados. Segundo o presidente, a torcida contra o País continua firme. Ele repetiu essa acusação num dos quatro discursos - quatro, sim senhor - feitos em Pernambuco, anteontem. “Vocês estão vendo na televisão que tem uma crise no mundo, uma crise causada nos Estados Unidos, e nós vamos mostrar para aqueles que querem que a crise chegue ao Brasil como nós vamos saber enfrentar essa crise e derrotá-la, para que o Brasil possa melhorar a vida do seu povo.” É isso aí. Se Lula falou, só duvidará quem tiver muita maldade no coração ou a mente perturbada pelo Maligno. Vade retro.

Ele não explicou por que um inimigo do povo, morando no Brasil, sendo presumivelmente um membro da “zelite” e interessado em ganhar dinheiro com seus negócios, desejaria ver a crise desembarcar por aqui. Mas esse é um detalhe desprezível. A turma da maldade sempre encontra motivo para torcer pelo pior. O presidente sabe das coisas.

Mas a sua fala, como a dos profetas e santos, nem sempre é fácil de entender. Pelo seu discurso, a crise ainda não chegou. Coisa estranha. Em outubro, segundo o IBGE, a produção da indústria foi 1,7% menor que em setembro. As vendas de carros caíram. Várias fábricas deram férias coletivas. A Volvo demitiu 430 funcionários em Curitiba. Numa pesquisa com 95 fábricas de autopeças, 46% informaram planos de redução dos investimentos programados para 2009 e 48% indicaram a intenção de manter. Investimento maior só em 6%.

E o noticiário ruim não vem só da área industrial. Avicultores anunciam a intenção de cortar 17,5% da produção, para reagir à queda de preços e à redução das vendas externas: a exportação de novembro, 220 mil toneladas, foi 27% menor que a de um ano antes. Essa tal de crise continua mesmo só lá fora?

Mas o governo vai tomar providências. O presidente prometeu. “Entre 2009 e 2010”, disse Lula ao povo de Olinda, “nós vamos inaugurar grande parte das obras do PAC. São R$ 504 bilhões.” Se ele prometeu, com certeza vai cumprir. Mas também vai ter de correr muito se não quiser inaugurar só obra de estatais. A maior parte do Programa de Aceleração do Crescimento (R$ 436 milhões) deve ser executada por empresas do governo e do setor privado.

O resto, R$ 67,8 bilhões, vai depender da execução do Orçamento-Geral da União pelo governo federal. Pelo realizado até agora, é difícil prever um grande resultado nos próximos dois anos. Até 18 de novembro, o governo só empenhou R$ 10,72 bilhões dos R$ 17,97 bilhões autorizados no orçamento. Das despesas previstas para o ano, só se executou uma fatia de R$ 2,53 bilhões. Do desembolso total, R$ 9,12 bilhões, mais de dois terços, R$ 6,74 bilhões, corresponderam a restos a pagar do exercício anterior.

A execução do orçamento total de investimentos, com R$ 42,32 bilhões previstos, também ficou longe da meta. Foram empenhados R$ 20,73 bilhões até 7 de novembro e pagos R$ 4,76 bilhões (além dos restos a pagar, é claro). O governo deve estar fazendo suspense, para dar uma arrancada sensacional nos próximos dois anos e deixar o povo boquiaberto.

Mas o presidente, em Olinda, também falou em saneamento e obras contra enchente, iniciadas, e ainda não concluídas, na zona do Canal da Malária.

Que não tenham sido concluídas, em Olinda, também não chega a ser surpresa. Estão previstos, no Orçamento federal, R$ 375,9 milhões para o programa de prevenção de desastres e preparação para emergências. Até dia 21 de novembro foram gastos R$ 97,8 milhões, 26% do total, e essa parcela inclui restos a pagar de 2007. Neste ano, o governo entregou a Santa Catarina R$ 2,4 milhões para obras preventivas. O triplo, R$ 7,4 milhões, foi destinado ao Estado, depois, por meio do programa de “resposta a desastres”. A rubrica poderia ser “resposta ao resultado da falta de prevenção”.

Deve haver um jeito de atribuir aos inimigos do povo, aos torcedores da crise, a responsabilidade pelo desastre de Santa Catarina e pela insuficiência das obras de contenção de encostas e de outras necessárias para a segurança ambiental. Talvez seja possível atribuir a esses mesmos inimigos a demora na execução do PAC e de outros programas de investimento.

Entreguem um microfone ao presidente e ele dá um jeito.

*Rolf Kuntz é jornalista

Pressão em tempo real


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Mais relevante que o resultado (já esperado) do julgamento do caso do deputado Paulo Pereira da Silva no Conselho de Ética é o processo de produção. A absolvição no âmbito do Parlamento ficou banalizada e, por isso, relegada ao plano das irrelevâncias.

Não se conhece caso de injustiça explícita, de condenação de gente totalmente (ênfase no advérbio, por favor) inocente por quebra de decoro parlamentar. Já os episódios de absolvição de suspeitos, não obstante a força das evidências, de uns tempos para cá viraram regra.

Ali, quem tem padrinho não morre pagão. Quem, como Paulo Pereira, sabe “mexer os pauzinhos” - para usar expressão do próprio - com destreza tem acesso garantido ao panteão dos querubins.

Em maio deste ano, quando uma investigação da Polícia Federal flagrou rastros do deputado em operações de desvios de recursos do BNDES, a gravidade do caso foi vista praticamente sem reservas no Legislativo.

Ao ponto de o corregedor Inocêncio Oliveira aprovar de imediato o envio do processo ao Conselho de Ética, dispensando o exame preliminar por uma comissão de sindicância, por indubitável convicção de culpa.

A Mesa Diretora por unanimidade considerou demonstrada a quebra do decoro e o corregedor não deixou margem a questionamentos: “Não temos a menor dúvida do envolvimento dele. O caso é grave e merece decisão rápida.” Na época, deu-se como ideal o prazo de 60 dias para resolver a questão.

Sete meses depois, o relator no Conselho de Ética, deputado Paulo Piau, concluiu pela consistência das acusações e recomendou voto na cassação do mandato do deputado. Ato praticamente contínuo, absolvido por 10 dos 14 conselheiros.

Discute-se agora se houve influência do espírito de corpo na decisão.

Mais apropriado seria concentrar atenção no espírito de sobrevivência dos pares de Paulinho da Força, dentro e fora do Parlamento.

No intervalo entre a convicção da culpa e a opção pela inocência nada ocorreu no inquérito que pudesse alterar o cenário avaliado com gravidade em maio.

Fora dele, porém, os acontecimentos foram significativos, indicadores precisos das razões pelas quais ninguém quer briga não com o deputado, mas com o presidente da Força Sindical, a segunda central do Brasil, com 1.350 sindicatos filiados, representantes de 6,5 milhões de trabalhadores.

Raríssimos são os políticos que reúnem votos em tal quantidade.

Nenhum deles pôde confrontar o governador de São Paulo, José Serra, comandando um conflito de policiais grevistas às portas do Palácio dos Bandeirantes, bem como não se sabe de nenhum processado que tenha saído de uma sessão do Conselho de Ética direto para a mesa de jantar do presidente da República.

Muito menos há notícia de réus que se ausentam do próprio julgamento para comandar marcha de 30 mil sindicalistas nas cercanias do tribunal, em franco exercício de pressão em tempo real.

Posteriormente

Essa história de prévias no PSDB é mentira ou é sofisma. Na primeira hipótese, trata-se de uma flor do recesso cultivada enquanto o jogo não começa e nada se pode dizer sem abrir a guarda aos adversários - internos e externos.

Na segunda, arruma-se um jeito de legitimar a escolha do governador José Serra sem as habituais divisões do partido. O alvo específico seria a seção de Minas Gerais, que acha que a vez é do governador Aécio Neves, mas, mediante a realização de prévias, teria uma razão objetiva para aguardar na fila. Ou aceitar a composição da chapa puro-sangue.

Só não há possibilidade de as prévias serem, como vimos recentemente nos Estados Unidos, uma disputa de fato. Por aqui a regra da prévia mais confunde que resolve.

É a solução para produzir derrotas previamente desejadas. Há exemplos a mancheias em todos os partidos - sendo o mais eloqüente as prévias do PT em 2002, feitas para Lula oficializar o enterro das pretensões de Eduardo Suplicy.

Crime e justiça

Por enquanto ainda não surgiram as reações contra a decisão do Judiciário de examinar com rigor as ações ilegais durante campanhas eleitorais. Quando a ofensiva deixar de alcançar apenas políticos de Estados periféricos ou começar a alcançar gente com laços de aço no poder, certamente surgirá a tese segundo a qual a Justiça pretende se substituir à vontade do eleitor.

E sempre haverá quem se disponha a levar um debate nesses termos. Em parte por ignorância, em parte por má-fé, acaba-se chegando a um ponto em que é mais fácil criminalizar a Justiça do que simplesmente cumprir a lei.

Um forte

Pela firmeza, clareza, coragem, resquício nenhum de autocomiseração, o vice-presidente da República, José Alencar, demonstra invejável aptidão para humilhar a adversidade.

Do professor ao aluno


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Do professor para o aluno, tendo como intermediário o presidente Lula. Assim pode ser definido o documento que Mangabeira Unger, professor licenciado da Harvard Law School - onde teve Barack Obama como aluno - e atual ministro de Assuntos Estratégicos, preparou com um conjunto de políticas voltadas para o enfrentamento da crise econômica global. Escrito em inglês, intitulado "Utilizando a crise para reestruturar o mercado" ("Using the crisis to remake the market"), o documento tem como idéia central nada menos do que a reconstrução do mercado internacional, com o objetivo de aproximar o mundo financeiro da economia real, pois ele considera que o maior problema está justamente nas limitações impostas pelas economias contemporâneas na maneira como elas se ligam à economia real.

Mangabeira Unger propõe que se inverta a lógica do debate sobre a crise e as proposições de saída, que estão baseadas, na sua definição, em um "keynesianismo vulgar".

Para Mangabeira, expansão fiscal e política monetária podem se demonstrar prejudiciais, e a regulação do mercado financeiro pode ser ineficaz se não forem complementadas por medidas que fortaleçam a ligação entre as finanças e o mundo real.

Ele propõe inverter esta lógica, usando a imaginação para "fazer o trabalho da crise" sem a crise. "The task of the imagination will be to do the work of crisis without crisis" (a tarefa da imaginação será fazer o trabalho da crise sem crise).

Mangabeira Unger acha que o problema não é a especulação pura e simplesmente - "especulação tem sua utilidade" -, mas o fato de que a atividade especulativa "é apenas tenuamente ligada à economia real, pouco conectada com o consumo e menos ainda com a produção".

Ele ressalta que algumas das práticas do mercado financeiro, como os derivativos mais sofisticados, levavam em conta a produção e a economia real "apenas como pretexto, e não como a razão", transformando-se em um jogo.

Segundo Mangabeira Unger, a tragédia dos empréstimos subprime de hipotecas, que geraram a crise financeira, é um exemplo do uso das hipotecas com empréstimos para pessoas que não tinham condições de pagá-las como um pretexto para a criação de novas formas de comércio e apostas.

"A crise deveria servir como um convite para reformar os acordos que governam a relação entre finanças e a economia real. O propósito da reforma deveria ser estreitar os laços entre a poupança e a produção, e garantir que a maior parte da poupança seja posta a serviço da produção".

Mangabeira sonha que essa "reconstrução dos acordos institucionais" represente "uma reestruturação das instituições que definem o caráter da economia de mercado e defina suas sociais conseqüências".

O ex-professor, aliás, enfatiza em vários momentos do documento um compromisso muito ao gosto do antigo aluno, tornado presidente dos Estados Unidos: "aumentar as oportunidades para o maior número de pessoas".

Ele estimula a idéia de que a crise financeira possa servir de provocação para experimentações que permitam novas maneiras de encarar antigos problemas ainda não resolvidos.

Mais mercados, e diversos tipos de mercados, organizados de acordo com regras diferentes, podem fazer com que mais pessoas tenham acesso a oportunidades do capitalismo.

Para exemplificar maneiras inovadoras, ele cita que a decisão do presidente americano Andrew Jackson de descentralizar o sistema de crédito da maneira mais radical jamais adotada estava "mudando as instituições que definiam sua relação com o mundo real da produção e do consumo".

Entre as propostas de Mangabeira está a de que os bancos de desenvolvimento estatais - tipo BNDES - deveriam redirecionar e concentrar os seus empréstimos e investimentos nas pequenas e médias empresas, já que, segundo os estudos, nas maiores economias do mundo o sistema de produção é largamente autofinanciável, em níveis que chegam a 80%.

Mangabeira Unger sugere que o estado use seu poder para direcionar o crédito dos bancos oficiais para as pequenas e médias empresas, "os mais importantes instrumentos de crescimento econômico com uma base social ampla".

Um sistema de incentivos fiscais deveria estimular a poupança interna e os investimentos na economia real. Para ele, "é necessário mudar peça por peça, degrau por degrau as instituições que relacionam o mundo real com as finanças, se é que queremos nos recupera dessa crise de uma maneira que evite futuras crises".

O propósito de uma reforma nas atuais circunstâncias, diz Mangabeira Unger em seu documento, deveria ser "fazer os acordos internacionais mais amigáveis à divergência, ao experimento e a alternativas".

Às armas


Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Lula e o governo entregam-se a uma mentalidade belicista, de concepções apanhadas na matriz norte-americana

O BRASIL do século 21 afasta-se do "Brasil pacífico e amante da paz" e adere ao mundo das guerras. Lula e seu governo entregam-se a uma mentalidade belicista, de concepções apanhadas na matriz norte-americana. O propósito de liberar a transformação em pequenas pílulas, para o conhecimento lento e sem reações da opinião pública, é feito por algumas notícias, mais à maneira de relações públicas que de jornalismo. São notícias pinçadas entre os muitos negócios em curso para compra de material bélico; referências à fronteira da Amazônia e à insuficiência de recursos para manutenção do equipamento militar atual. E há ainda um Plano Nacional de Defesa, de apresentação prometida desde o ano passado. E cuja exposição na Presidência suscitou tamanho susto, que retornou ao chamado "gabinete filosófico", ou "pentagoninho", para modificar certos tons e calibres.

A primeira intromissão direta no mundo das guerras deu-se agora. O ato terrorista em Mumbai pôs em suspenso a trégua afinal promissora entre Índia e Paquistão, que se confrontam por todos os meios há 60 anos, e os repôs em tensão mutuamente aguda. Este é, no entanto, o momento em que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, estabelece a venda de foguetes especiais brasileiros, que nem os Estados Unidos querem vender, para equipar aviões do Paquistão (Folha de ontem).

Ainda que os foguetes não possam estar disponíveis para os paquistaneses em futuro imediato ou próximo, não há caracterização possível para a atitude do Brasil senão como ingerência favorável a um dos dois países em estado de risco de beligerância.

Posto diante desse sentido da transação por integrantes do governo, Nelson Jobim, como publicado na Folha, deu esta resposta: "O negócio é com o governo paquistanês, e não com terroristas do Paquistão". Mesmo para Nelson Jobim, que não é dado a impressionar pelo brilho, a resposta é menos do que infantil e mais do que grotesca. Pois é, o negócio é com um dos governos, e são governos, e não terroristas, que se ameaçam de voltar à hostilidade armada. O que torna a venda de armamento a um deles, não importa qual, um ato de ingerência na situação e de parcialidade.

Não foi por outro motivo que a representação diplomática da Índia no Brasil movimentou-se em imediatos contatos com o governo brasileiro. Como adendo, vale lembrar que Brasil e Índia estão desenvolvendo vários projetos conjuntos, um deles, médico-farmacológico, com a perspectiva de grandes benefícios para vasta maioria da população brasileira.

A resposta de Jobim arriscou-se ainda na temeridade de um complemento: "Se cancelássemos o negócio, estaríamos atribuindo ao governo paquistanês atividades terroristas". Nesse caso, tudo o que o Paquistão quisesse, fosse de quem fosse, deveria ser-lhe concedido, para não haver atribuição insultuosa. Todo o necessário, porém, era só a mínima inteligência do negociador brasileiro para explicar que o Brasil, tendo boas relações com os dois países, devia adiar o negócio para não as macular, com a aparência de posição e contribuição no quadro conflituoso.

A mudança por que passa o Brasil, na concepção de sua geopolítica e do futuro sul-americano, hoje nem chama a atenção. Se vingar, nossos filhos, netos e vizinhos de continente não poderão viver o mesmo desaviso.

Cadê a blindagem que estava aqui?


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Era uma vez um tempo em que o Brasil estava blindado contra a crise externa. No máximo, haveria por aqui uma "marolinha", lembra-se? Agora, já são duas as consultorias (Morgan Stanley, norte-americana, e LCA, brasileira) falando não mais em desaceleração, mas em recessão -os tais dois trimestres consecutivos de retração da economia.

Não sei se vem "marolinha" ou recessão por aí. Mas sei que foram pouquíssimos os economistas/consultorias que não falaram em blindagem. Ou pelas formidáveis reservas, ou pelo formidável mercado interno, ou porque os emergentes salvariam o mundo, ou por qualquer outra tese que, agora, se desmancha no ar cada vez que sai um novo dado da vida real.

O que acho, honestamente, é que a Folha, para não dizer todo o jornalismo brasileiro, deveria adotar como regras pétreas de seu "Manual da Redação" os seguintes elementos: 1 - Todo economista/consultoria que errar por mais de 5% suas previsões sobre PIB, câmbio, juros etc.fica definitivamente riscado da agenda de fontes. Nunca mais será ouvido.

Vinicius Torres Freire, esse excelente colunista, me diz que, se aplicada, a regra nos deixaria com zero fontes. Ótimo. Cometeríamos nossos próprios erros em vez de sermos cúmplices de erros alheios.

2 - Toda vez que se publicar palpite de economista/consultoria, seria obrigatório mencionar quais interesses estão em jogo, se ele tem ou recomenda aplicações no dólar ou contra o dólar, nos juros altos ou baixos, e assim por diante.

O leitor teria pelo menos um elemento para julgar se o palpite vem do cérebro do consultado ou do bolso. 3 - No fim de cada ano ou trimestre, seria publicada a lista completa de palpites dessa turma toda, ao lado dos dados da realidade, para que o leitor possa saber quem chuta bem e quem chuta mal.

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