Octavio Amorim Neto e André Urani
DEU EM O GLOBO
O governador Sérgio Cabral está chegando à metade do seu mandato. Um bom momento para avaliar a sua administração e analisar as perspectivas para os próximos dois anos.
Em outubro de 2006 o Rio escolheu um candidato que viria operar uma mudança dramática na política estadual. Recém-eleito, Sérgio Cabral surpreendeu todos ao abandonar o varejo populista que caracterizara os governos anteriores, surpresa simbolizada pela nomeação de Joaquim Levy para a Secretaria da Fazenda. O governador também reabriu canais de diálogo com a sociedade civil, o setor privado e o governo federal. Ou seja, a atual administração soube gerar um considerável capital político. Abriu-se, então, uma grande oportunidade para o nosso estado.
Registraram-se avanços em várias áreas, do ajuste de contas públicas à atração de novos investimentos, passando pela elaboração de um plano estratégico, pela despolitização da nomeação de cargos técnicos, pela redução do número de homicídios e por uma maior racionalidade nas políticas de educação e saúde.
Porém, nem tudo são flores. O governo Cabral é híbrido, pois abriga atores progressistas e os grupos políticos mais tradicionais do estado. A orientação modernizadora do Executivo, portanto, não deriva de um consenso. Trata-se da precária resultante de uma correlação de forças heterogêneas. E a má notícia é que essa resultante pode desabar. Por quê?
Desde a chegada de Brizola ao Palácio Guanabara em 1983, as nossas administrações estaduais têm seguido um ciclo deprimente: o governador é eleito com base em uma plataforma inclinada à esquerda, com o apoio das camadas populares, de grupos econômicos das regiões do estado e setores das elites localizadas na Zona Sul da capital. Esses setores são os menos numerosos, mas neles se encontram os principais formadores da opinião pública.
Confrontado com as demandas díspares da sua base política e duras restrições orçamentárias, o titular do Palácio Guanabara acaba abdicando do seu programa, o que o faz perder o apoio das elites da Zona Sul, levando-o a buscar sustentação nas forças mais retrógradas do estado. A trajetória do primeiro governo Brizola ilustra o ciclo de maneira eloqüente: começou como uma promessa de renovação; terminou de braços dados ao chaguismo ...
Se Eduardo Paes, candidato apoiado pelo governador, tivesse perdido para Fernando Gabeira a prefeitura da capital, a orientação progressista do governo Cabral teria provavelmente naufragado. Por pouco isso não aconteceu, mas ainda pode acontecer.
É para esse momento perigoso que gostaríamos de chamar a atenção dos bem-pensantes do Rio de Janeiro. Na bifurcação em que nos encontramos, não apoiar o lado progressista do governo do estado (e, agora, também da prefeitura da capital) significa empurrar nossos governantes no colo dos interesses mais conservadores do Rio. É hora de acordar.
Algo precisa ser feito também pelo governo para reconquistar a sua legitimidade junto aos bem-pensantes. O governador está com um problema de comunicação, pois, durante a recente campanha eleitoral, ficou a impressão de não serem conhecidos os seus acertos. Quanto aos seus erros, o Rio de Janeiro não está obtendo a redução da desigualdade que se verifica no resto do país. E a política de segurança precisa compatibilizar melhor a redução da criminalidade com a proteção dos direitos humanos. É hora de aprofundar as mudanças efetuadas nos últimos dois anos.
OCTAVIO AMORIM NETO é cientista político da FGV-Rio. ANDRÉ URANI é economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade.
DEU EM O GLOBO
O governador Sérgio Cabral está chegando à metade do seu mandato. Um bom momento para avaliar a sua administração e analisar as perspectivas para os próximos dois anos.
Em outubro de 2006 o Rio escolheu um candidato que viria operar uma mudança dramática na política estadual. Recém-eleito, Sérgio Cabral surpreendeu todos ao abandonar o varejo populista que caracterizara os governos anteriores, surpresa simbolizada pela nomeação de Joaquim Levy para a Secretaria da Fazenda. O governador também reabriu canais de diálogo com a sociedade civil, o setor privado e o governo federal. Ou seja, a atual administração soube gerar um considerável capital político. Abriu-se, então, uma grande oportunidade para o nosso estado.
Registraram-se avanços em várias áreas, do ajuste de contas públicas à atração de novos investimentos, passando pela elaboração de um plano estratégico, pela despolitização da nomeação de cargos técnicos, pela redução do número de homicídios e por uma maior racionalidade nas políticas de educação e saúde.
Porém, nem tudo são flores. O governo Cabral é híbrido, pois abriga atores progressistas e os grupos políticos mais tradicionais do estado. A orientação modernizadora do Executivo, portanto, não deriva de um consenso. Trata-se da precária resultante de uma correlação de forças heterogêneas. E a má notícia é que essa resultante pode desabar. Por quê?
Desde a chegada de Brizola ao Palácio Guanabara em 1983, as nossas administrações estaduais têm seguido um ciclo deprimente: o governador é eleito com base em uma plataforma inclinada à esquerda, com o apoio das camadas populares, de grupos econômicos das regiões do estado e setores das elites localizadas na Zona Sul da capital. Esses setores são os menos numerosos, mas neles se encontram os principais formadores da opinião pública.
Confrontado com as demandas díspares da sua base política e duras restrições orçamentárias, o titular do Palácio Guanabara acaba abdicando do seu programa, o que o faz perder o apoio das elites da Zona Sul, levando-o a buscar sustentação nas forças mais retrógradas do estado. A trajetória do primeiro governo Brizola ilustra o ciclo de maneira eloqüente: começou como uma promessa de renovação; terminou de braços dados ao chaguismo ...
Se Eduardo Paes, candidato apoiado pelo governador, tivesse perdido para Fernando Gabeira a prefeitura da capital, a orientação progressista do governo Cabral teria provavelmente naufragado. Por pouco isso não aconteceu, mas ainda pode acontecer.
É para esse momento perigoso que gostaríamos de chamar a atenção dos bem-pensantes do Rio de Janeiro. Na bifurcação em que nos encontramos, não apoiar o lado progressista do governo do estado (e, agora, também da prefeitura da capital) significa empurrar nossos governantes no colo dos interesses mais conservadores do Rio. É hora de acordar.
Algo precisa ser feito também pelo governo para reconquistar a sua legitimidade junto aos bem-pensantes. O governador está com um problema de comunicação, pois, durante a recente campanha eleitoral, ficou a impressão de não serem conhecidos os seus acertos. Quanto aos seus erros, o Rio de Janeiro não está obtendo a redução da desigualdade que se verifica no resto do país. E a política de segurança precisa compatibilizar melhor a redução da criminalidade com a proteção dos direitos humanos. É hora de aprofundar as mudanças efetuadas nos últimos dois anos.
OCTAVIO AMORIM NETO é cientista político da FGV-Rio. ANDRÉ URANI é economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade.