sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Fernando Gabeira - Orçamento secreto, verdades reveladas

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro, que tem o espírito do Centrão, rompeu com todas as mediações. As alavancas do controle estão diretamente nas mãos do fisiologismo

Orçamento secreto, implosão do teto de gastos, sombrias manobras parlamentares, tudo isso anima o noticiário da semana, mas, ao mesmo tempo, nos dá uma sensação de imobilidade, como se o Brasil não andasse para a frente.

Tanto o orçamento secreto como a implosão do teto de gastos são uma espécie de retrato do País, se o avaliamos pelas lentes dos seus principais intérpretes. A voracidade das elites dominantes em distribuir entre si os recursos públicos, em transformá-los em seu patrimônio, não é novidade de um ponto de vista histórico. É espantoso, no entanto, que em pleno século 21 a denúncia da existência de um orçamento secreto, feita aqui, no jornal Estado, tenha demorado tanto tempo para se transformar num escândalo, ainda que num tímido escândalo.

É evidente, para todos nós, que os gastos públicos têm de ser feitos com transparência. Há algumas exceções que dizem respeito à segurança nacional. Nenhuma delas tem conexão com as verbas distribuídas aos deputados. Também está previsto em lei que as verbas destinadas às emendas parlamentares devam ser distribuídas de forma impessoal, entre todos, sem discriminação.

O que está acontecendo em Brasília rompe com dois princípios: o da transparência e o da impessoalidade.

Eliane Cantanhêde - O freio de arrumação no orçamento secreto

O Estado de S. Paulo

Supremo quer proposta do Congresso para para mudar orçamento secreto

Tão atacados, o Supremo e seus ministros têm enfrentado uma guerra insana para conter absurdos e arroubos antidemocráticos e chamar a Nação à razão. Se a PGR finge que não vê, a Câmara é cúmplice e o STJ vem sendo cooptado, é graças ao Supremo, e também à mídia, que o Brasil não descamba.

Por 8 a 2, o Supremo deu um “freio de arrumação” no orçamento secreto revelado e esmiuçado pelo Estadão. A maioria bancou a liminar da ministra Rosa Weber, deu seu recado ao Planalto e ao Congresso e, agora, trabalha por uma saída consensual entre os Poderes.

É esperada para hoje uma proposta do Congresso para, ao mesmo tempo, dar uma satisfação às justas críticas de Rosa e contemplar o voto de Gilmar Mendes. Ele explicitou o que a maioria acha.

Flávia Oliveira - De improviso e desmonte

O Globo

Imagine um país mergulhado na vulnerabilidade social, provocada por meia década de recessão e estagnação, agravada por dois anos da mais letal pandemia em um século. Imagine um país com 19 milhões de famintos, que disputam ossos e pelancas em caminhões e lixeiras no coração das metrópoles. Imagine um país com quase 14 milhões de desempregados e um em cada quatro trabalhadores na informalidade. Imagine um país em que crianças e adolescentes ficaram ano e meio sem ir à escola e, por isso, passaram a enfrentar insegurança alimentar e violência doméstica. Esse país é o Brasil, e o governo Jair Bolsonaro, diante da tragédia, desmontou o mais bem-sucedido programa de transferência de renda já implementado, o Bolsa Família, para pôr no lugar um obscuro substituto, o Auxílio Brasil.

Desde o anúncio do fim do Bolsa Família, cujos últimos pagamentos foram creditados na virada do mês, a política social mergulhou num mar de dúvidas, que abarca população e sistema de assistência social, especialistas e parlamentares. Na capital fluminense, nesta semana, as unidades do Centro de Referência em Assistência Social (Cras ) em dez áreas do Rio viram a demanda por atendimento triplicar, principalmente nos bairros da Zona Oeste e nos conjuntos de favelas da Zona Norte, caso da Maré e dos complexos do Alemão e do Chapadão.

— Fazíamos 70 cadastros por dia em média. Nos últimos dias, os Cras amanhecem com filas de 200 pessoas —, contou a secretária municipal de Assistência Social, Laura Carneiro.

Rogério Furquim Werneck - A desmoralização do teto de gastos

O Globo

Estamos presenciando uma séria ruptura de um processo de cinco anos de reconstrução da política econômica

Qual era mesmo a ideia do teto de gastos? Ao fim da devastação fiscal perpetrada pela presidente Dilma Rousseff, não havia como viabilizar o gigantesco ajuste de contas públicas que seria requerido para restabelecer controle sobre o endividamento do governo. E para conter a grave crise de confiança que se instalara, já não bastavam novas e vagas promessas de ajuste fiscal no futuro.

O teto de gastos foi a solução a que se chegou para se ganhar tempo para viabilizar uma mudança paulatina do regime fiscal que pudesse estabilizar o endividamento público. Foi um “pacto de Ulisses”, em que o país se amarrou ao mastro de uma limitação constitucional à expansão do gasto público, para dar credibilidade a suas renovadas promessas de esforço persistente de ajuste fiscal.

O que se esperava, com algum otimismo, é que, ao impor uma restrição orçamentária efetivamente rígida, o teto tornasse proibitivos os custos da preservação do regime fiscal e, com isso, estimulasse a aprovação das reformas que se faziam necessárias.

Claudia Safatle - Regulamentação do mercado de precatórios

Valor Econômico

Proposta não deixa claro quem vai carregar o deságio

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios deve ser aprovada no Senado, “com algum barulho”, acreditam fontes oficiais. Há um lado da PEC pouco discutido, mas que é muito importante. Trata-se da mobilização de ativos estatais que serão disponibilizados para se criar um mercado de precatórios. O valor dos ativos, que pode chegar à casa dos R$ 50 bilhões, assim como quais ativos serão ofertados nesse encontro de contas são questões ainda em aberto na área técnica do governo.

Não está claro, por exemplo, se um pedaço da dívida poderia vir a compor os ativos, assim com o imóveis e ações das empresas estatais, nem quem ficará com o deságio nas negociações - se será o detentor dos precatórios ou os ativos públicos. Essas perguntas foram submetidas a técnicos do Tesouro Nacional, que disseram ainda não ter respostas. Mas tão logo a PEC seja aprovada no Senado, tal como enviada da Câmara, como espera o governo, e sancionada pelo presidente da República, terá que haver uma regulamentação do mercado de precatórios.

Fernando Luiz Abrucio* - A pobreza do governo Bolsonaro

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Fragilidade de políticas sociais condena o Brasil a ter um futuro pior, mas que talvez garanta o presidente no segundo turno

A covid-19 fez o bolsonarismo descobrir a importância da pobreza e da desigualdade no Brasil, temas praticamente negligenciados no começo do mandato. O governo ganhou de presente do Congresso Nacional o Auxílio Emergencial e viu a popularidade presidencial crescer fortemente. Mesmo assim, o Executivo federal não foi capaz de manter no início de 2021 uma transferência de renda digna aos mais pobres que sofriam com a pandemia. Agora, o presidente Bolsonaro e o Centrão perceberam que sua sobrevivência eleitoral depende de um novo programa de ajuda, que querem turbinar no curto prazo. Em poucas palavras, essa proposta revela a pobreza do projeto bolsonarista de políticas sociais.

Cinco aspectos realçam a fragilidade da política social defendida pela dupla Bolsonaro-Centrão. O primeiro deles refere-se à precariedade institucional da visão bolsonarista. O modelo apresentado ao Congresso supõe um financiamento por apenas um ano dos gastos com a população mais pobre. O governo acabou com o Bolsa Família, programa consolidado por 18 anos de implementação bem-sucedida e aprovado por gente das mais diversas colorações ideológicas e partidárias. Colocou no lugar o Auxílio Brasil, que poderá ser apenas um esparadrapo para tapar a crise social (ou uma parte dela) em 2022. Há a hipótese de o país ficar sem nenhum programa de transferência de renda de combate à pobreza em 2023.

Cristian Klein - Inspiração argentina para a terceira via

Valor Econômico

Como De la Rúa, Doria e Moro convertem defeitos em virtude

Em maio de 1999, a campanha do então candidato a presidente da Argentina, Fernando de La Rúa, lançou um spot que marcaria a história do marketing político. Criticado pelos adversários, que lhe impingiram a pecha de entediante e insosso, De la Rúa não queria, mas acabou convencido por seus marqueteiros de que deveria assumir a fama. No anúncio de um minuto na TV, o prefeito de Buenos Aires converteu o que era defeito em virtude, ao passo em que desferia um eficiente ataque aos adversários.

“Dizem que sou chato [aburrido]. Será porque não dirijo Ferraris?”, afirmava o candidato. A peça exibia imagens do então presidente Carlos Menem sorrindo ao volante, saindo do cockpit de um Fórmula 1, em contraste com cenas de argentinos empobrecidos e menções à corrupção no país.

“Será para que se divirtam enquanto há pobreza, que se divirtam enquanto há desemprego, que se divirtam enquanto há impunidade? (...) Eu vou acabar com esta festa para uns poucos”, declarava, em tom sério, na propaganda que foi considerada um dos pilares da eleição à Casa Rosada, na qual derrotaria o governista Eduardo Duhalde. Dois anos depois, não houve marketing que o salvasse e De la Rúa renunciou ao cargo na maior crise política, econômica e social da Argentina.

Reinaldo Azevedo - Moro se diz o real Jair Messias

Folha de S. Paulo

Em discurso, Moro defende, sem delongas, a criação de um tribunal de exceção; infelizmente, a imprensa se cala

Sergio Moro dedicou 73,56% do enorme discurso de lançamento de sua pré-candidatura à Presidência da República a uma catilinária contra a corrupção.

O resto não passou de um esforço malsucedido para demonstrar que ele não é o homem de uma nota só. O aspecto mais grave de seu discurso não mereceu destaque na imprensa. Defendeu, "sem delongas", como disse, a instalação de um tribunal de exceção dedicado ao combate à corrupção, que chamou de "Corte Nacional Anticorrupção".

A estrovenga, entende-se, corresponderia a alçar a Lava Jato à condição de ente de Estado, que teria, por óbvio, de atuar acima dos tribunais. O exotismo não para por aí.

Viciado, então, em estruturas paralelas, propôs também uma "Força-Tarefa de Erradicação da Pobreza", que atuaria, disse, como uma "agência independente". Fica a impressão de que a resposta às iniquidades sociais do país passa por uma reforma da burocracia e não reflete escolhas que são de natureza política. É de uma tolice acachapante.

Bruno Boghossian - O preço de amanhã

Folha de S. Paulo

Previsão de alta de preços acelerada até abril vai atrasar recuperação de popularidade

escalada da inflação até a casa dos 10% já provocou danos políticos a Jair Bolsonaro, mas o presidente deve ter motivos para se preocupar mais. As projeções para os próximos meses apontam que muita coisa ainda deve ficar mais cara em 2022. O cenário indica que o mau humor provocado pela alta de preços pode transbordar para o período eleitoral.

A pressão sobre produtos e serviços tende a continuar no curto prazo, segundos analistas. Os reajustes dos combustíveis e o preço mais alto da energia elétrica aumentam também o custo dos transportes e da indústria, que deve ser repassado para o consumidor. Com isso, a inflação pode continuar no patamar de dois dígitos até março ou abril.

É uma notícia que vai azedar o clima para Bolsonaro na largada de sua corrida pela reeleição. Uma curva de inflação longa costuma ter um efeito mais intenso sobre a opinião dos eleitores —mesmo depois que os preços param de subir. A seis meses da eleição, haverá pouco tempo para que esse impacto se dissipe.

Ruy Castro - Os Bolsonaros, tão generosos

Folha de S. Paulo

Eles podem ter seus defeitos, mas algo não se pode negar: sabem ser amigos de seus amigos

De uma coisa os Bolsonaros sentirão saudade quando deixarem o governo: da vida que levaram no poder —vida com que nunca sonharam em seus tempos de deputados e vereadores de quinta, esnobados por seus pares como toscos, grosseiros e cafonas. Nestes quase três anos desde que Carlos Bolsonaro se plantou com os pés no assento do Rolls-Royce que levava seu pai no desfile de posse, não houve um dia sem pândega e patuscada.

Já vai longe o tempo em que eles tinham de transferir 90% do salário de seus assessores para suas contas pessoais, o que lhes assegurou um belo patrimônio imobiliário. Mesmo a mansão milionária que Flávio Bolsonaro arrematou há pouco em Brasília deve ter resultado de fontes limpas, como empréstimos espontâneos e financiamentos a juros camaradas. É notável como as entidades privadas e particulares são atenciosas para com as pessoas no centro do poder —e nem sempre porque estas são liberais na distribuição de informações privilegiadas, mas por simpatia mesmo.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro não tem plano para 2022

Folha de S. Paulo

Presidente não tem slogan, obra ou PIB para mostrar

Na Semana da Pátria Golpista, a política "das ruas" e da sociedade cada vez mais incivil apagou-se. Acabaram-se os panelaços, os manifestos, as cartas. Os últimos fiascos foram o protesto da oposição de 12 de setembro e a "nota dos empresários".

cadáver da manifestação prevista para o 15 de Novembro está sendo enterrado na cova rasa das ambições de quem se opõe ao governo. Jair Bolsonaro também suspendeu seus comícios golpistas. Em vez de "notas de repúdio", elites do poder e do dinheiro discutem se Sergio Moro vai ocupar a terceira via ou a terceira margem do rio.

Na falta de promessa recente de golpe, quase todo mundo do poder foi tratar da vida, da eleição, de filiações, de esboços de alianças e do saque dos dinheiros públicos para financiar campanhas. Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, entre eles três do Supremo, disseram que Bolsonaro e turma podem ser detidos se barbarizarem a eleição, como em 2018. Tudo se passa como se agora houvesse um cordão sanitário que impedisse Bolsonaro de infectar de morte também o processo eleitoral.

Bernardo Mello Franco – Cartão vermelho

O Globo

Bolsonaro realiza desejo antigo ao acabar com Bolsa Família

No fim do ano passado, Jair Bolsonaro ameaçou dar “cartão vermelho” a quem admitisse o plano de extinguir o maior programa social do país. “No meu governo, está proibido falar a palavra (sic) Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final”, sentenciou.

Mais uma vez, o presidente traiu o próprio discurso. Numa canetada, acabou com o Bolsa Família e desorganizou a rede de proteção aos mais pobres. Agora promete abrigá-los no Auxílio Brasil, que deve começar a ser depositado na semana que vem.

O novo programa nasce sob a marca da chantagem. O governo condicionou seu pagamento à aprovação do calote em dívidas judiciais. Se os deputados barrassem a emenda, faltaria dinheiro para os necessitados. O argumento era fajuto, mas ajudou o Planalto a cabalar votos na Câmara.

Ruth de Aquino - Moro e os 3 passos para falar grosso

O Globo

A voz do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro é de taquara rachada. Já foi bem pior. Isso o deixa nervoso e suando na hora de discursar, porque uma palavra em falsete sai do tom no meio da frase. Taquara é uma planta da família dos bambus. A maioria tem caules ocos. Quando a taquara está verde e se quebra, o som é desagradável, estridente. 

Não sei se Moro tem cabeça oca e se está verde ou maduro para uma campanha presidencial, mas todos sabemos que o governo Bolsonaro está pra lá de podre. Moro é quem mais racha a direita. Não é o preferido da extrema-direita histérica e desarvorada (desculpe o pleonasmo). É o candidato dos bolsonaristas arrependidos, que preferem voz fina a baixo calão. 

 “Moro tira parcela importante dos votos de Bolsonaro e ameaça o segundo turno de Bolsonaro”, me disse o sociólogo Sérgio Abranches. “A última pesquisa Quaest pergunta se Bolsonaro merece mais quatro anos de mandato. E 40% dos que votaram nele em 2018 dizem que não merece. O eleitorado volante e conservador, preocupado com a desordem brasileira e frustrado com a corrupção, e que acreditou naquele sujeito vindo do nada, um deputado medíocre que empolgava como durão, esse eleitor abandonou o Bolsonaro. E é o eleitor do Moro”.

Merval Pereira - Vai fazer falta

O Globo

Conheci Cristiana na sucursal do Globo em Brasília no final dos anos 1970, começava seu trabalho de repórter política na capital, vinda de Goiás. Sempre foi a mesma, alegre e irreverente, amando o que fazia. Gostava das intrigas no Congresso, aprendeu cedo a entender o que era notícia, o que era boato; o que era manipulação, o que era informação. E nunca perdeu uma visão irônica da atividade política, embora entendesse que era ali, com seus defeitos e qualidades, que o destino do país era traçado.   

Por sorte, conviveu logo no início da carreira com gente como Ulysses Guimarães, Thales Ramalho, Tancredo Neves, Petronio Portella, Tasso Jereissati, Miro Teixeira, e conheceu os ex-presidentes Fernando Henrique e Lula no início de suas carreiras políticas. Tinha parâmetros rigorosos para comparar os políticos. Ultimamente, antes de adoecer, tinha uma visão cética da política, mas ao mesmo tempo era pragmática para aceitar o material humano que tinha para trabalhar, e convivia com essa diferença de qualidade com um humor característico.  

Vera Magalhães - Cristiana Lôbo

O Globo

Peço licença aos leitores deste espaço para fazer uma pausa nas análises da política e da economia para render uma homenagem. Nós, jornalistas, somos bichos por vezes arrogantes, sabe-tudo demais, para reverenciar aqueles e aquelas que vieram antes de nós abrindo portas, roçando o caminho, ensinando o riscado. E ontem nós perdemos, o Brasil perdeu, uma dessas jornalistas que foram guias de muitas gerações, inclusive da minha.

Cheguei a Brasília aos 26 anos, já com quatro anos de cobertura de política na bagagem, mas crua de tudo. Já naquela época, 1999, os grandes nomes da análise política eram de mulheres: Dora Kramer, Eliane Cantanhêde, Tereza Cruvinel, Helena Chagas e ela, Cristiana Lôbo.

Eu olhava para aquelas grandes damas do jornalismo político, cujos nomes e fotos encimavam as principais colunas dos jornais, e as achava inalcançáveis.

Luiz Carlos Azedo - Cristiana Lôbo cumpria rito, todos os dias, atrás de informação exclusiva

Correio Braziliense

Como jornalista de política, quebrou as barreiras do velho patriarcado e estabeleceu paradigmas para o trabalho das mulheres no jornalismo político brasileiro

Acordei com maus pressentimentos e preocupado com o meu coração biônico. Atualizei o blog e corri para a farmácia para repor o estoque de medicamentos que me garantem uma vida quase normal, se é que um jornalista pode ter uma rotina dessa ordem. Tomei o remédio no café da manhã e só então liguei a tevê. Notícia terrível: Cristiana Lôbo havia morrido, vítima das complicações de uma pneumonia, fatal para quem já estava muito debilitada fisicamente por um câncer. Mesmo sabendo da gravidade de sua doença, não esperava que isso ocorresse. Ela era uma guerreira, cobriu a campanha presidencial de 2018 mesmo fazendo quimioterapia. Na última vez que havíamos nos falado, por telefone, estava otimista.

Cristiana Lôbo foi grande repórter de política, com muito mais quilometragem do que eu, apesar de cinco anos mais nova. Quando a conheci, estava fora das redações, assessorava o líder do governo Itamar Franco na Câmara, o então deputado federal Roberto Freire (Cidadania), meu amigo, e ela era colunista do jornal O Estado de S.Paulo. De certa forma, a convivência com Cristiana e outros jornalistas de sua geração, como Ilimar Franco, Tales Faria, Expedito Filho, Maria Lima, Teresa Cruvinel e Helena Chagas, nessa passagem pelo Congresso, influenciaram minha volta à reportagem política pelas mãos de Ali Kamel, no jornal O Globo. Por causa da família, não pude permanecer em Brasília e fui trabalhar na sucursal de São Paulo, mas mantive contato com os colegas de Brasília. O epicentro da cobertura das eleições presidenciais de 1994 se deslocara para a capital paulista.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bolsonaro em casa

O Estado de S. Paulo

Com a anunciada ida ao PL, Jair Bolsonaro vai oficialmente para onde sempre esteve. Sempre foi Centrão, sempre foi baixo clero, sempre foi parte da política miúda

No PL, vai para onde sempre esteve. No Centrão, no baixo clero, na política miúda.

Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República prometendo uma nova política. Chegou a dizer que apoiaria uma reforma política que acabasse com a reeleição. Não fez nada disso. Agora, dá mais um passo no abandono do figurino de 2018, assumindo sua verdadeira identidade política. Segundo o anúncio oficial, Jair Bolsonaro vai se filiar no dia 22 de novembro ao PL, o partido de Valdemar Costa Neto.

A escolha do PL, se confirmada, é muito significativa. Revela, em primeiro lugar, a incapacidade do bolsonarismo de criar uma legenda. Em novembro de 2019, Jair Bolsonaro desfiliou-se do PSL, anunciando a intenção de criar uma tal Aliança pelo Brasil. No entanto, a nova legenda não saiu do papel. O presidente e seus apoiadores simplesmente não conseguiram realizar uma tarefa que, mesmo não sendo fácil, está longe de ser impossível. Marina Silva, por exemplo, conseguiu o registro da sua legenda na Justiça Eleitoral. Jair Bolsonaro nem isso fez. O fracasso da Aliança pelo Brasil diz muito sobre a disfuncionalidade do bolsonarismo para construir o que quer que seja.

Incapaz de criar uma legenda para chamar de sua, Jair Bolsonaro precisava escolher um partido. A filiação partidária é requisito constitucional para concorrer a cargo político. Foi acintosa, no entanto, a escolha da legenda. Havendo tantos partidos no País – até muito mais do que seria razoável –, Jair Bolsonaro escolheu justamente o partido de Valdemar Costa Neto, uma das figuras centrais do mensalão. Ou seja, aquele que, nas eleições presidenciais de 2018, dizia ser o candidato mais antipetista não tem agora a menor inibição de pedir abrigo partidário a quem participou ativamente de um dos maiores escândalos do PT.

Há muitas incoerências nessa história, mas é preciso reconhecer uma coisa. A filiação de Jair Bolsonaro ao PL está perfeitamente alinhada com sua trajetória política. O slogan da campanha de 2018 – “meu partido é o Brasil” – nunca correspondeu aos fatos. Jair Bolsonaro é um dos políticos que mais se beneficiaram do atual sistema partidário, altamente fragmentado, com legendas sem identidade e sem programa político, estruturadas a partir do interesse de seus caciques. Em 1990, Jair Bolsonaro foi eleito deputado federal pelo PDC. Depois, passou pelo PPR (1993-1995), PPB (19952003), PTB (2003-2005), PFL (2005), PP (2005-2016), PSC (2016-2017) e PSL (2018-2019).

Poesia | Charles Baudelaire - As promessas de um rosto

Amo, ó pálida beleza, os teus cenhos curvados
Que dão às trevas todo o império;
Teus olhos, embora negros, me inspiram cuidados
Que não têm nada de funéreos.

Teus olhos, que imitam a negrura dos cabelos
Da tua longa crina elástica,
Teus olhos langues me dizem: Amante, se o apelo
Queres seguir da musa plástica

Que infundimos no teu ser, ou tudo que contigo
Em matéria de gosto trazes,
Poderás ver, desde as nádegas até o umbigo,
Que nós te fomos bem verazes;

Encontrarás, sobre dois belos seios pontudos,
Dois grandes medalhões de bronze,
E sob o ventre liso, macio como veludo,
Amorenado como bronze,

Um rico tosão que á tua enorme cabeleira
Copia no negrume e na espessura;
De tão sedoso e encrespado, ele te iguala inteira,
Noite sem astros, Noite escura!

(Tradução José Paulo Paes)

Música | Margareth Menezes - A Luz de Tieta