domingo, 30 de dezembro de 2018

José Antonio Segatto: Desventuras de uma revolução

- O Estado de S. Paulo

Despótica e hostil à democracia, a gerontocracia cubana perdeu o encanto

Há seis décadas, em 1.º de janeiro de 1959, uma coluna rebelde tomou Havana, desencadeando um processo revolucionário. Encetada dois anos antes por um grupamento guerrilheiro em Sierra Maestra, a insurreição levou à deposição da ditadura corrupta e cruel de Fulgêncio Batista (1952-59) e sua substituição por um governo nacional-democrático , a seguir metamorfoseado em regime de cunho socialista, sob a liderança de Fidel Castro.

A sublevação vitoriosa, de fato, só foi possível dado o amplo apoio sociopolítico nas cidades: Movimento 26 de Julho, organizações sindicais e estudantis, partidos liberais e comunista, etc. Entretanto, forjou-se, em seu curso, uma versão mítica da revolução, segundo a qual ela só teria sido exequível pela façanha de um pequeno grupo de destemidos guerrilheiros comandados por Fidel Castro e Che Guevara - este, sobretudo após seu assassinato na Bolívia, em 1967, ganhou aura romântica e foi transformado numa espécie de grife, ícone da juventude rebelde.

Desde o princípio, ressalte-se, a revolução cubana tornou-se inconveniente para os Estados Unidos, cuja reação - compressão, rompimento de relações diplomáticas, financiamento da contrarrevolução (invasão da Baía dos Porcos), bloqueio econômico, etc. - empurrou o novo governo para a esfera de influência soviética.

Já em 1961 foi proclamado o caráter socialista da revolução, cujos desdobramentos a impeliram para a reprodução do regime soviético, adaptando-o aos trópicos caribenhos: propriedade estatal dos meios de produção, partido único, abolição dos direitos civis e políticos, coibição do dissenso, estabelecimento de polícia política de monitoramento e coação político-ideológica e da sociabilidade, supressão dos resquícios de democracia. Em consonância a isso o Partido Comunista Cubano (PCC), refundado em 1965, tornou-se partido-Estado. Sua adoção pela URSS, no entanto, com os crescentes préstimos econômicos e militares, políticos e culturais, implicou a instauração de um tipo de socialismo dependente e subsidiado.

Sergio Fausto: Que caminho tomará o próximo governo?

- O Estado de S. Paulo

Se no ajuste fiscal o risco é o gradualismo, na segurança pública a ameaça é o açodamento

Se o Brasil quiser ter chance de um lugar ao sol para si e sua gente num ambiente nacional e internacional de desafios cada vez mais complexos e governança cada vez mais difícil, terá de avançar nos próximos quatro anos no enfrentamento de três questões cruciais.

Primeira, um conjunto de reformas que ajuste não apenas as contas públicas, mas também o modo de atuação e organização do Estado, para que o setor público seja financeiramente sustentável e capaz de oferecer serviços de melhor qualidade com maior eficiência. Segunda, a redução dos níveis alarmantes de violência vividos pelo País (mais de 500 mil mortos entre 2006 e 2016, segundo o Atlas da Violência, edição 2018), período em que o número de homicídios se elevou em quase 15%, na esteira do controle crescente do crime organizado sobre territórios, atividades econômicas e populações. Terceira, o restabelecimento de um mínimo de confiança nas instituições da democracia representativa, em particular os partidos e o Legislativo. A propósito, o protagonismo político assumido pelas Forças Armadas pode ser positivo nas circunstâncias atuais, mas não o é no médio e longo prazos, nem para o País nem para elas próprias.

As questões acima estão interligadas. Se a União e os governos estaduais, estes em situação ainda mais dramática, naufragarem sob o peso de despesas com pessoal ativo e inativo e dívidas impagáveis, a batalha contra a violência e o crime organizado estará perdida e a presença do narcotráfico se alastrará, contaminando de modo fatal as próprias instituições do Estado. Nesse ambiente, é difícil imaginar qualquer recuperação da credibilidade das instituições da democracia representativa, pois será crescente o risco à integridade física de quem se dispuser a participar de peito aberto e mãos limpas da vida política. A saudável renovação dos quadros políticos do País depende, entre outros fatores, de que o poder de intimidação e corrupção do crime organizado se reduza ao longo dos próximos anos. Não podemos trocar a “velha política” por coisa pior ainda.

Míriam Leitão: O Brasil concreto espera o governo

- O Globo

Após a campanha dominada por falsos problemas e uma transição confusa, começa o tempo das medidas concretas para os que assumem esta semana

O Brasil tem inúmeros problemas, mas não os que foram criados pela pauta montada para fazer sucesso eleitoral. Encerrada a disputa das urnas, ela continua sendo alimentada pelos vencedores e assim vamos cada vez mais longe dos dilemas reais que temos de enfrentar para ter sucesso como Nação. O país tem uma enorme pobreza, índices educacionais medíocres, déficit habitacional, poluição dos rios e das cidades, falta de saneamento, rombo nas contas públicas, saúde pública em colapso, estagnação do crescimento, alto desemprego. A eleição era uma oportunidade de discutir estes temas, mas em 2018 nós perdemos a chance.

Prisioneiros de um falso dilema, que remonta a meados do século XX, como explicou na sexta-feira a esclarecedora coluna de Pedro Dória neste jornal, revivemos a batalha ideológica da Guerra Fria, como se o país tivesse voltado na máquina do tempo. Para o grupo vencedor era preciso aniquilar os “comunistas”, para o adversário do segundo turno, os “fascistas”. O delírio eleitoral da cruzada contra infieis permaneceu nas entrevistas da transição que não ajudaram a esclarecer a realidade que havia sido deliberadamente sonegada durante a campanha.

O problema da educação brasileira não é a educação sexual nas escolas. É preciso investir na qualificação dos professores, aumentar a capacidade de aprendizado dos alunos, reter os adolescentes que abandonam os estudos cedo demais, tornar atraente o aprendizado, preparar os estudantes para um tempo de mudança acelerada, aperfeiçoar todo o sistema. A educação é a mais decisiva das batalhas, e o debate se perdeu em escaramuças sobre ficções e delírios. Os especialistas fizeram sua parte. Organizações como o Todos pela Educação, entre outras, prepararam propostas para apresentar aos candidatos, com a lista do mais urgente a fazer.

Pagador de promessas: Merval Pereira

- O Globo

Os EUA, liberal em relação à venda e ao porte de armas, são um país violento, com a maior população carcerária do mundo

O anúncio do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de que editará um decreto facilitando a posse de armas no país é daquelas medidas suscetíveis de causar polêmica, mas muito pouco tem a ver com uma política de segurança pública, que deve ir muito além de uma visão pessoal ou de grupos.

O futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, sugeriu, na reunião de primeiro escalão do futuro governo para tratar dos 100 primeiros dias, que essa fosse uma das primeiras medidas a serem anunciadas, pagamento de promessas de campanha para um nicho importante do eleitorado que fez Bolsonaro presidente.

Tem a ver também com um conceito de segurança pessoal que é muito caro a um grupo de cidadãos da classe média, especialmente os das regiões Sul e Centro-Oeste do país, e dos moradores das grandes cidades.

Mas dar posse de arma não é a mesma coisa de liberar o porte de arma. O porte obedece a uma série de exigências que inclui o treinamento em clubes de tiro. A prioridade à posse de arma tem um simbolismo, em busca um efeito dissuasório, mas a medida liberalizadora permitirá apenas guardar armas em casa, não as portar em público.

Os defensores da medida, como o general Augusto Heleno, futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, consideram que seu efeito dissuasório pode ser efetivo, reduzindo os roubos em residências. Ele alega que a política de desarmamento não tem tido efeito na redução de crimes, pois o país bate o recorde de mortes violentas anuais.

A medida tem a ver também com reivindicações de certos grupos, como colecionadores, de obter com menos problemas burocráticos a permissão para ter uma arma. Mas a lei continuará a exigir antecedentes negativos, aptidão técnica e higidez mental, nisso não se pretende mexer, e também a demonstração da efetiva necessidade. O decreto apenas esclarecerá melhor o que seria isso, não deixando a decisão ao arbítrio do agente público.

Vera Magalhães: Depois de amanhã

- O Estado de S.Paulo

Daqui a dois dias, Brasil inicia um novo ciclo político em sua História

Não será apenas uma troca de presidentes o que ocorrerá em Brasília depois de amanhã. Daqui a dois dias, o Brasil iniciará um novo ciclo em sua História. Se encerra período iniciado na eleição de 1994, em que partidos de centro-esquerda e com uma pauta social-democrata se alternaram no poder. PT e PSDB, com o MDB (ex-PMDB) atuando como o pêndulo a oscilar entre os dois polos, descem a rampa com Michel Temer.

Quem sobe é um presidente eleito por ser antissistema, antipolítica, antipartidos, mas que, a partir de depois de amanhã, terá de encontrar uma forma de governar de acordo com as regras do sistema, segundo as balizas da política e em alguma concertação com os partidos.

A forma como se dará a transmutação do Jair Bolsonaro convertido em mito num presidente mais ou menos disposto à composição e à conciliação para governar será uma das chaves para se entender o período que se inicia depois de amanhã.

Os desafios que se apresentam para esse novo ciclo histórico são gigantescos. O Brasil de 2019 tem uma economia que se recupera lenta e debilmente há dois anos do desastre de Dilma Rousseff, instituições que foram testadas ao limite e estão, por isso, bastante fatigadas, e uma política que virou um balaio de gatos em razão da reação indignada do eleitorado à corrupção revelada pela Lava Jato.

Bolsonaro é o produto dessa reação, o que faz com que a fé que desperta seja do mesmo tamanho da descrença no chamado establishment – aí incluída a imprensa – e dela se alimente, instigando-a.

A tentação de governar esticando essa corda da indignação existe no entorno do futuro presidente, e pode ser justamente sua perdição. Parece haver no coração do bolsonarismo, essa força heterogênea e ainda em formação, a crença na ideia pueril de que o esquema de comunicação direta, ancorado nas redes sociais, será suficiente para prolongar a expectativa positiva dessa população cética indefinidamente. Não será.

Elio Gaspari: De Pio.Correa@edu para Bolsonaro@gov

- Folha de S. Paulo

Orgulho-me de estar à sua direita, mas como servi à diplomacia digo-lhe que o senhor, estando certo, faz errado

Excelentíssimo presidente,

Eu deixei a diplomacia em 1969, depois de 32 anos de serviços. O senhor era um garoto. Fui secretário-geral do Itamaraty e era chamado de "Abominável Homem das Nove". Orgulho-me ao dizer que estou à sua direita. Se o senhor duvida, repito-lhe o que disse a um colega assombrado com meu discurso ao assumir o cargo:

--Não gosto de diplomatas pederastas, não gosto de diplomatas vagabundos, não gosto de diplomatas bêbados.

Talvez vosmicê tenha simpatia pela memória do presidente John Kennedy. Era um bestalhão e sua morte deixou-me indiferente. Vivi no Rio de Janeiro antes que Copacabana fosse invadida pela horda pululante e chinfrim de suburbanos transmigrados e pela lepra das favelas.

Deixei um livro de memórias e se um diplomata fosse flagrado lendo-o durante a desgraçada ruína dos petistas, estaria frito. ("O Mundo em que Vivi", 1.098 páginas, pesando um quilo.) Minha lembrança foi banida da Casa a que servi, lutando contra o comunismo e os cabeludos esquerdosos.

Esse currículo é minha credencial para dizer-lhe que o senhor está fazendo o certo, da maneira errada. Nunca alimentei encrencas públicas com países com quem temos fronteiras secas. (Nossos limites com a Venezuela estendem-se por 2.200 km de mata.) Vá lá que seu governo queira brigar com Cuba, nosso saudoso marechal Castello Branco rompeu relações diplomáticas com o castrismo, mas não tinha créditos a receber.

Os problemas da vida internacional não admitem improvisações fáceis (desconvidar convidados) nem atitudes emocionais (acicatar a China). Exigem definições fundadas no conhecimento perfeito dos fatos e em sua segura interpretação à luz do interesse nacional. E digo mais, exigem estilo.

Fui embaixador no Uruguai ao tempo em que lá vivia asilado o senhor João Goulart. Visitei sua filha quando ela foi atropelada e só me referia a ele em conversas com as autoridades locais como "el señor presidente". Vivi as delicadas negociações com a Argentina e o Paraguai que resolveram uma questão de limites e permitiram a construção da hidrelétrica de Itaipu. Jamais acompanhei a retórica antibrasileira dos nossos vizinhos. Podia-se detestar o Pio Correa, mas eu não podia estimular preconceitos contra nossa Pátria.

Mesmo quando deixei a carreira, tornando-me presidente da Siemens, empenhei minha palavra de honra em várias ocasiões e patrocinei uma visita de 50 jornalistas europeus ao Brasil, repelindo as denúncias de torturas sistemáticas a presos políticos. Ainda durante o governo do general Medici dei-me conta de que havia sido ludibriado. Mais tarde, muito esquerdistas proclamaram-se campeões da verdade. Ao meu estilo, em 1971, escrevi o seguinte ao chefe do Estado-Maior do Exército, general Alfredo Malan:

"Menti, sem saber, a quantos me ouviam. Estou hoje convencido, por boas e suficientes razões, de que a tortura, as torturas mais cruéis, são desgraçadamente aplicadas em nosso país de forma rotineira e sistemática a prisioneiros políticos. Iludido estava eu e iludido estará você, como iludido está o honrado e digno presidente da República que, como eu, afirmou publicamente o contrário."

Nunca divulguei essa carta porque, como na minha atividade diplomática, sempre segui o ensinamento do Barão do Rio Branco, tão violentado pela chusma esquerdista:

"Nada mais ridículo e inconveniente do que andar um diplomata a apregoar vitórias".

De seu fiel admirador,

Pio Correa

Hélio Schwartsman: Partidos políticos devem acabar?

- Folha de S. Paulo

Para filósofa francesa, legendas são máquinas de produzir paixões coletivas

“Pela supressão dos partidos políticos.” Não, essa ideia não é de JairBolsonaro nem de nenhum dos líderes associados à direita autoritária que ganharam eleições mundo afora. Ela é da filósofa francesa SimoneWeil (1909-43), uma autora que pode ser descrita como da esquerda democrática e é defendida com paixão em um pequeno texto publicado no Brasil pela editora Âyiné.

A argumentação de Weil segue uma lógica cristalina. Para a democracia materializar-se, diz a autora, é preciso que o eleitorado faça escolhas sobre questões da vida pública (não sobre pessoas) e que esteja livre do que ela chama de “paixões coletivas”, que, numa linguagem mais contemporânea, poderíamos traduzir como “vieses cognitivos”.

Weil reconhece que o mundo real jamais produziu uma democracia plena e que não é fácil encontrar caminhos para chegar a uma. Afirma, contudo, que qualquer solução passa pela supressão dos partidos, já que eles são máquinas de produzir paixões coletivas, pressionam seus membros para seguir as deliberações da sigla (não para encontrar a verdade) e têm como finalidade sua própria sobrevivência e crescimento (não a busca do bem comum).

As objeções de Weil são respeitáveis, mas algo em seu texto, além, é claro, da conclusão de que os partidos devem ser eliminados, me incomoda. Acho que são as referências a conceitos como verdade e bem, que combinam mais com filosofias como a de Platão do que com escritos sobre política.

Eu receio que Weil, ainda que de forma não dogmática, contrabandeie ideias quase religiosas sobre o bem e a virtude para a esfera da política, o que tende a não funcionar. De qualquer modo, ela acerta em algo quando nos recrimina por confiar muito nos partidos, que, afinal, são estruturas que visam mais a introduzir vieses nas cabeças de seus membros do que a eliminá-los, como seria desejável.

Faço uma pausa de duas semanas. Bom ano!

Bruno Boghossian: Por um ano baseado em fatos reais

- Folha de S. Paulo

Encerramos um 2018 encharcado de invencionices e informações distorcidas

A mentira sempre foi um combustível barato para eleições e máquinas de propaganda política. O ano que termina agora ficou encharcado de invencionices e informações distorcidas. É bom elencar alguns fatos para que possamos permanecer no mundo real em 2019.

1) Embora muitos produtores façam sua parte pela preservação ambiental, o agronegócio, mineradoras e madeireiras têm responsabilidade especial sobre o desmatamento. Tratar isso como lenda, como fazem alguns ruralistas, é autorizar a emissão de carteirinhas de devastação.

2) O impacto da ação humana sobre as mudanças climáticas, aliás, já foi objeto de pesquisas científicas com critérios rigorosos. Integrantes do próximo governo preferem considerar a questão uma fantasia ideológica da esquerda. Pode-se discordar das políticas implantadas para enfrentar o problema, mas negá-lo não levará a lugar algum.

3) Impor rédeas à atuação de professores não vai melhorar a educação. Há várias razões pelas quais nossos alunos mal sabem fazer contas. Nenhum deles gastou seu tempo em rodas de leitura de Marx.

4) O novo governo pode alcançar bons acordos ao buscar novos caminhos para sua agenda comercial. Se decidir bater de frente com a China em um teatro de alinhamento com os EUA, o Brasil pode perder muito.

5) Não é “matando idosos” que se resolverá o buraco nas contas da Previdência. Governantes e parlamentares precisam, de uma vez, ter coragem para enfrentar grupos privilegiados e tornar o sistema mais justo para evitar que o país quebre.

6) A revisão do financiamento do Sistema S não fará mal se mantiver os serviços prestados aos trabalhadores, acabando com seu uso político e com a perpetuação de dirigentes.

7) Reescrever o passado à força não muda a realidade. Dias depois da eleição, Jair Bolsonaro disse que a população estava começando a entender que “não houve ditadura” no Brasil entre 1964 e 1985.

Vamos torcer para que 2019 seja um ano baseado em fatos reais.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, otimismos e revoltas

- Folha de S. Paulo

Eleitorado tem muita esperança em um projeto de governo que pode ser chocante

A maioria dos brasileiros costuma ficar otimista depois de eleições para presidente. Não tem sido diferente no caso de Jair Bolsonaro.

No Datafolha, 65% dos eleitores acreditam que a economia vai melhorar. Na CNI/Ibope, 75% acham que o presidente eleito "está no caminho certo". A animação vai bem além dos adeptos de Bolsonaro, que não chegou a ter 50% dos votos de quem foi às urnas no segundo turno.

Mesmo na eleição de Dilma 2, a confiança em dias melhores deu um salto, embora o país já vivesse em recessão e no tumulto da Lava Jato. A ex-presidente caiu em descrédito terminal apenas depois do estelionato eleitoral.

Além de otimista, o povo tem mais paciência. No primeiro ano de Lula 1 (2003), o país ficaria na prática mais pobre. Mesmo assim, o prestígio luliano era alto (chegou a 45% de "ótimo/bom"). Degringolou com o mensalão, em 2005 (caiu a 28% de "ótimo/bom"). No biênio 2004-2005, a economia cresceria mais de 8%.

O que pode haver de diferente no caso de Bolsonaro?

Mary Zaidan: Cortinas de fumaça

- Blog do Noblat | Veja

Armas de fogo também se enquadram na importância perto de zero

Pelo Twitter, Jair Bolsonaro anunciou ontem a intenção de facilitar a posse de armas de fogo. Por decreto. A decisão nesse sentido era esperada, até por atender às promessas de campanha. O que chama atenção é o padrão do futuro presidente de despejar combustível em temas periféricos, incendiando debates de importância duvidosa, mas capazes de produzir fumaça suficiente para esconder os ainda não revelados planos de enfrentamento dos imbróglios em que o país está metido.

A dois dias da posse, pouco ou nada se sabe sobre as propostas para redução do déficit fiscal, reformas da Previdência e tributária, ou para incrementar a educação infantil e de jovens. Mas já estão na mesa propostas de por fim ao “poder” do Ibama, como se o órgão de proteção ambiental fosse responsável pelo atraso econômico de um país que continua desmatando ilegalmente. Ou para mudar a Lei Rouanet, que usa 0,02% do PIB para financiar a cultura e gerar mais de um milhão de empregos diretos.

Não se tem ideia também da estratégia do novo governo para atacar o desemprego (se é que existe uma), muito menos como fará para combater endemias, ampliar atendimento médico, estimular a maturidade do SUS. Mas a intenção de mudar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém e de criar regras duras para imigração já são conhecidas.

Bolsonaro anunciou que o Brasil sairá no Pacto Global sobre Migração da ONU, como se isso tivesse grande relevância.

Ascânio Seleme: Ofensa à imagem e sonegação

- O Globo

Uma portaria da Receita Federal, de 12 de novembro passado, autoriza a divulgação em seu site de dados e nomes de contribuintes acusados de terem cometido crimes contra a ordem tributária ou contra a Previdência Social e cujas representações para fins penais tenham sido encaminhadas ao Ministério Público Federal. O documento deixou de cabelo em pé advogados tributaristas em todo o país. Alegam eles que, embora tenha foco na transparência da informação, a divulgação de uma lista de contribuintes investigados tem por objetivo constrangê-los, forçando-os ao pagamento do volume em litígio para encerrar a persecução penal. Com a quitação da suposta dívida apontada pela Receita, o processo termina.

Segundo um advogado, “além de poder configurar ofensa à imagem do investigado e até mesmo violação ao princípio da presunção de inocência, a portaria promove uma verdadeira coação para a quitação de débitos que ainda poderiam ser objeto de discussão judicial”. A Receita tem razão em querer apressar o andamento de processos para recolher aos cofres públicos impostos devidos e não pagos. Esse é o seu ofício. Oferecer dados de eventuais sonegadores ao Ministério Público Federal também faz todo sentido, afinal é tarefa do MP zelar pelo patrimônio e pelos bens públicos. O que parece exagerado é divulgar os nomes dos contribuintes suspeitos e os crimes pelos quais são acusados.

Certamente haverá sonegadores e fraudadores na primeira lista com mais de 400 nomes de pessoas físicas e jurídicas divulgada pela Receita há duas semanas. O que os advogados defendem é que todos deveriam ter direito a defesa antes de serem expostos publicamente. A Receita, contudo, não está quebrando o sigilo fiscal dos acusados, já que a lei do sigilo estabelece que não é vedada a divulgação de informações relativas a representações fiscais para fins penais. Por isso, torna público nomes e sobrenomes de pessoas e empresas brasileiras acusadas de sonegar impostos, falsificar ou adulterar documentos públicos, importar ou exportar mercadorias proibidas, fraudar a Previdência, entre outros crimes tributários.

Dorrit Harazim: Manual de conduta

- O Globo

Desde sempre, governantes eleitos elencam barreiras novas para evitar erros do passado e controvérsias do presente

Em 2014, o manual de conduta elaborado pelo Tribunal de Contas da União visando a disciplinar os integrantes do governo Dilma Rousseff tinha 32 páginas. Composto por “10 passos para a boa governança”, o documento era tão genérico quanto foi inútil. Começava com “Escolha líderes competentes e avalie seus desempenhos”, terminava com “Estabeleça diretrizes de transparência e sistema de prestação de contas e responsabilidade”, e passava por temas como “Estabeleça a estratégia considerando as necessidades das partes interessadas”. Cada passo enunciado em dois parágrafos vinha seguido de uma breve receita prática intitulada “O que você pode fazer para dar esse passo?” Deu no que deu, em nada. Dependendo da espinha moral de cada servidor, quem era honesto continuou honesto, e quem quis roubar, roubou. Assim é e sempre será.

Na semana do Natal de 2018, o site Poder360 antecipou o manual de conduta elaborado pela equipe de transição do governo Jair Bolsonaro, a ser empossado na terça-feira. São quatro páginas dirigidas a quem ocupar cargo em comissão no governo federal, com algum detalhamento do que será permitido e o que será vedado. Dos 16 itens listados sob a rubrica orientações gerais, como a obrigatoriedade de informar à Comissão de Ética Pública alterações “relevantes” no patrimônio, parece faltar (ou ter sido retirado na hora da publicação), o item número 5. Pode também ser mero lapso na correria rumo ao poder.

O documento contempla vários tipos de conflitos de interesse à espreita do agente público, da eterna e mal resolvida questão do nepotismo à sempre eletrizante questão do uso de veículos oficiais, e vedações ao uso/divulgação de informações privilegiadas. Caberia, talvez, detalhar melhor a proibição de “manifestar-se publicamente sobre matéria que não seja afeita à sua área de competência”, mas de um modo geral o texto pretende servir de bússola para quem de bússola precisa ou para quem está intencionado a operar por entre suas porosas linhas.

Rubens Barbosa: Desafios internos e externos para o novo governo

- O Estado de S. Paulo

A realidade vai recomendar que o Brasil continue a participar plenamente nas organizações internacionais

O governo que se iniciará em 1º de janeiro enfrentará desafios internos e externos e não poderá perder tempo para tomar medidas que permitam ao Brasil voltar a crescer, aumentar a geração de empregos e reduzir as desigualdades regionais e individuais. Não terá muito tempo igualmente para, na política externa, reinserir o Brasil nos fluxos dinâmicos da economia e do comércio exterior e para fortalecer a voz do País no cenário internacional.

Os desafios internos são representados por uma economia debilitada, recém-saída de uma recessão que trouxe desalento e mais de 12 milhões de desempregados, e pelo novo capítulo na vida política brasileira, que se inicia com a alternância de poder com um governo assumidamente de direita, e a consolidação das instituições e a manutenção da ordem democrática pelas ações do governo e da oposição. O déficit fiscal em crescimento imporá medidas de contenção e redução dos gastos públicos desde o início do governo. O custo do Estado – alta carga tributária, custo do financiamento, logística deficiente e burocracia – acarretou forte perda de produtividade da economia e das empresas nacionais, tornando inadiável uma agenda de competitividade.

No primeiro semestre, o presidente Jair Bolsonaro terá de conseguir aprovar a reforma da Previdência. Medidas concretas deveriam ser anunciadas para criar condições para a execução de um amplo programa de privatizações, concessões e PPPs e para extinguir estatais sem receitas ou que não possam ser vendidas. Em ambiente global crescentemente recessivo, são urgentes medidas para restabelecer a confiança dos empresários nacionais e estrangeiros, dar segurança jurídica aos investimentos e criar as condições para que o Brasil volte a crescer 4% a 5% ao ano de forma sustentável.

José Roberto Mendonça de Barros: Voltaremos a crescer?

- O Estado de S. Paulo

É imperioso que o Brasil abrace uma ambiciosa agenda de crescimento da produtividade

O Brasil precisa, e muito, voltar a crescer. Mas crescer de forma sustentável.

Nesses últimos tempos, aprendemos de forma muito doída que não adiantam alguns anos de bonança seguidos por queda forte da atividade, como em 2015 e 2016.

Na verdade, a história moderna do País teve duas fases bem distintas. A partir de 1930, o Brasil cresceu muito, aproveitando-se de choques externos e da transferência em escala crescente de trabalhadores do setor primário para as cidades, nas quais a produtividade média das atividades era maior.

Em consequência, entre 1950 e 1980 o PIB cresceu em média 7,4% ao ano, um desempenho muito melhor do que a média internacional (esses dados são do saudoso Régis Bonelli).

Mas não foi só isso: a qualidade do crescimento foi significativa pois, além da incorporação de mais mão de obra ao processo produtivo e do incremento do estoque de capital, a eficiência com que eram combinados na produção se elevou sistematicamente ao longo do tempo. Esse parâmetro de eficiência é conhecido na literatura como Produtividade Total dos Fatores (PTF), que cresceu 2% ao ano neste período.

Carlos Melo: O sucesso dependerá do alinhamento de visões e objetivos

- O Estado de S. Paulo

Sinais de pouco profissionalismo e muito ativismo geram apreensão quanto à serena condução do futuro

Alternâncias de poder se configuram como oportunidades de manter o que bem funcionava e corrigir o que ia mal nos governos anteriores. Evitando retrocessos e não havendo compromisso com erros, abre-se espaço para o novo; podem trazer a esperança de avanços. É por isso que despertam otimismo e manifestações de apoio – sobretudo após períodos de conflitos intensos, disputas emocionais e crises continuadas na economia e na política. Em tese, são positivas.

Assim, a expectativa favorável em relação a Jair Bolsonaro, constatada pelas pesquisas, é natural. Acresce a isto a perspectiva de um extraordinário período de baixa inflação e juros contidos em patamares inferiores, além de um cenário externo favorável, ainda que incerto no médio prazo.

Com sinais corretos e ações adequadas, dizem os economistas, o País pode encontrar um ciclo bastante promissor, fortalecendo o grupo do próximo presidente.

Aparentemente, Bolsonaro estaria com a bola nos pés e o apito na mão para conduzir a partida de acordo com seu interesse. Mas é na política que as coisas se complicam: há questões fundamentais que precisam ser consideradas à parte de qualquer euforia apressada e pouco crítica nessa área.

A primeira delas se volta à consciência do futuro presidente e seu grupo mais próximo quanto à gravidade do momento; se estarão dispostos a fazer o necessário à revelia de interesses de corporações aliadas e de firulas ideológicas do bolsonarismo.

A segunda questão consiste em saber se conquistará os instrumentos institucionais adequados para dar vazão a esse processo. Por fim – e talvez o mais importante –, indaga-se se haverá material humano sagaz e preparado, com capacidade de aproveitar o bom momento e montar o cavalo encilhado que a história lhe oferece.

Denise Rothenburg: Ministros são orientados a blindar Bolsonaro no caso Queiroz

- Correio Braziliense

Por mais frouxas que sejam as explicações do ex-assessor Fabrício Queiroz em relação à movimentação financeira atípica detectada pelo Coaf, o governo que assume daqui a três dias está com tudo preparado para manter esse assunto bem longe do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Entre todos os ministros, a ordem é dizer em alto e bom som que esse tema não é assunto de governo e que quem deve responder é o próprio Queiroz.

Ainda que, por hipótese, o ex-chefe de Queiroz, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, senador eleito, seja chamado a dar qualquer explicação, ele estará lá como integrante da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). E, sendo assim, dizem alguns, o assunto morrerá nos gabinetes palacianos. Afinal, ali não faltam assuntos importantes a tratar, como a reestruturação do governo e a economia.

Ninguém sai
É bom o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, se acostumar com a prisão. A avaliação de promotores do Rio de Janeiro é a de que ele não sai de lá tão cedo. Foi por isso, inclusive, que seus advogados pediram e conseguiram que ele não seja enviado a outra prisão quando terminar o mandato daqui a três dias.

O PT e a democracia I
A decisão do PT de não comparecer à posse de Jair Bolsonaro é vista como um sinal de que não terá diálogo algum com o governo no futuro. Dentro do próprio partido, muitos estão preocupados, porque a posição do PT mostra desrespeito aos preceitos democráticos.

O PT e a democracia II
A avaliação de alguns é a de que o PT age hoje da mesma forma que agiu em 1985, ao não votar em Tancredo Neves no colégio eleitoral e punir os que votaram — Bete Mendes, José Eudes e Airton Soares. Resta saber se, desta vez, punirá quem decidir comparecer à posse.

O PT e a democracia III
Naquele período, o papel do PT era “tensionar”, conforme mencionou em várias entrevistas o ex-presidente do partido José Genoino. Daqui para frente, não será diferente. É o PT voltando às origens.

Em defesa da democracia liberal: Editorial | Veja

O principal desafio que o liberalismo enfrenta atualmente não vem do fascismo nem do comunismo, nem mesmo “dos demagogos e autocratas que se espalham por toda parte como sapos depois da chuva. Desta vez o principal desafio surge dos laboratórios”. O alerta, providencialíssimo, está no extraordinário artigo “O mito da liberdade”, do historiador israelense Yuval Noah Harari, que VEJA publica logo nas primeiras páginas desta edição, antes até do noticiário da semana. Harari é um daqueles fenômenos intelectuais que de tempos em tempos surpreendem o mundo — como o foi o italiano Umberto Eco (1932-2016), por exemplo. Professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, autor de Sapiens (2014), Homo Deus (2016) e 21 Lições para o Século 21 (2018), ele já vendeu mais de 15 milhões de exemplares em todo o planeta. Entre os temas recorrentes de seu trabalho está o impacto das novas tecnologias na vida de cada um de nós.

A agenda retomada: Editorial | Folha de S. Paulo

Governo Temer fez modernização da economia avançar; Bolsonaro deve aprofundar o processo

A democracia estabelecida em 1985 herdou da ditadura a economia estatizada e autárquica, traços anticompetitivos logo reforçados com doses de populismo monetário e fiscal, nos primeiros anos do governo civil, e de protecionismo e corporativismo, na Carta de 1988.

Desde então, sucessivas administrações federais puseram em marcha um lento processo de abertura e modernização. A trajetória, interrompida pela euforia irresponsável a partir da segunda metade da década passada, foi retomada com o presidente Michel Temer (MDB).

Espera-se que seu sucessor, Jair Bolsonaro (PSL), tenha a sabedoria de reconhecer essa agenda e, sem patrocinar rupturas que apenas dissipam energia, aprofundá-la.

Se o mal crônico que enrijece as engrenagens da atividade econômica no Brasil tivesse de ser atribuído a uma só causa, a candidata seria a multiplicação de salvaguardas financeiras, burocráticas e normativas que, ao beneficiarem categorias diversas, inibem a concorrência e transferem custos para a porção mais pobre da população.

Entre as terapias para essa moléstia está a reforma das leis trabalhistas, fruto de uma convergência de iniciativas do Planalto e do Congresso. Sindicatos que viviam do dinheiro assegurado pelo imposto extinto terão agora de mostrar eficiência para sobreviver.

A litigância abusiva na Justiça passou a ter um custo inibidor. Contratos mais flexíveis podem abrigar na formalidade quem antes contava com a própria sorte. O princípio da negociação entre empregados e patrões ganhou relevo sobre a tutela estatal.

Frágil na ética, Temer consegue debelar crise: Editorial | O Globo

Herdeiro de grave situação deixada por Dilma, presidente monta boa equipe econômica e evita debacle

Na linguagem da luta no campo político-ideológico, os lulopetistas tacharam de “golpe” o impeachment sofrido por Dilma Rousseff, por ela ter descumprido preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal transportados para a Constituição, delitos passíveis de punição com a perda de mandato. Foi o que aconteceu pelo fato de a presidente, com o beneplácito do líder Lula, a cumplicidade do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do secretário do Tesouro, Arno Augustin —alquimista de fórmulas para contornar de maneira fraudulenta limites impostos pela LRF —, haver maquiado as contas de gastos da União, permitindo que instituições financeiras públicas financiassem despesas do Tesouro, prática vetada pela Lei de Responsabilidade.

O poder foi transferido ao vice Michel Temer e a seu grupo no MDB, do qual fazia parte o deputado Eduardo Cunha (RJ), que seria preso devido à corrupção, mas que, na condição de presidente da Câmara, aceitou o pedido de impeachment de Dilma e, assim, permitiu a troca na Presidência, determinante para que a grave crise econômica, talvez a maior da história, fosse contida. Pelo estilo aético de fazer política de seu grupo no partido, Temer ficou politicamente inviabilizado, ao ter sugestiva conversa mantida a altas horas nos porões do Palácio do Jaburu com o empresário Joesley Batista (JBS), gravada por este. O assunto era a compra do silêncio de Cunha, preso no segundo semestre de 2016.

Naquele momento, em maio de 2017, havia grandes chances de a estratégica proposta de reforma da Previdência enfrentar com êxito os dois turnos de votação no plenário da Câmara. Divulgado o teor da gravação pelo GLOBO, prova irrefutável de um estilo de fazer política que se tornou hegemônico na Brasília do lulopetismo e aliados, como o MDB, Temer perdeu poder e usou as últimas reservas de força para que a Câmara rejeitasse dois pedidos da Procuradoria-Geral da República para a abertura de processos contra ele no Supremo.

País conectado: Editorial | O Estado de S. Paulo

Quase 75% dos domicílios brasileiros utilizavam a internet em 2017, ante 69,3% em 2016, mostra a pesquisa Tecnologia da Informação e Comunicação, feita pelo IBGE com base em dados da Pnad Contínua. Na área urbana, esse porcentual subiu de 75% para 80,1%, enquanto na área rural passou de 33,6% para 41%. Em número absoluto de usuários de internet com mais de 10 anos de idade, o total passou de 116,1 milhões para 126,3 milhões no período, um expressivo aumento de 10 milhões em apenas um ano.

A expansão acelerada do uso da internet no Brasil tem óbvias implicações econômicas, sociais e políticas. Em um país conectado, os cidadãos tendem a mudar seus hábitos de consumo, a ampliar consideravelmente sua rede de relacionamentos pessoais e profissionais e a trocar informações de maneira muito mais rápida, o que certamente tem peso na tomada de decisões - seja para gastar dinheiro, seja para escolher em quem votar.

Um dos aspectos mais interessantes da pesquisa é justamente a informação segundo a qual 95,5% dos usuários de internet entraram na rede para “enviar ou receber mensagens de texto, voz ou imagens por aplicativos diferentes de e-mail”. Não por acaso, esses aplicativos, notadamente o WhatsApp, estiveram no centro das atenções durante as eleições deste ano. Muitos consideram que o sucesso eleitoral hoje depende em larga medida não mais exclusivamente de polpudos recursos financeiros ou de acesso aos tradicionais veículos de mídia de massa, mas sim, antes de mais nada, de uma boa rede de comunicação por meio desses aplicativos.

Samba da Mangueira 2019

Fernando Pessoa: A espantosa realidade das cousas

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.