sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Fernando Gabeira - Vacina, o fator que importa

- O Estado de S. Paulo

Este ano que passou foi terrível. Mas o que virá será muito difícil ainda

O fato do ano foi a pandemia, a esperança de superação é a vacina. Há muitas coisas além disso, mas esse é o dilema essencial. 

O processo de vacinação não significa apenas poupar vidas. É um imperativo econômico. A sorte do País vai depender de duas variáveis: o aumento do número de pessoas vacinadas e a queda do número das contaminadas.

O Brasil tem, segundo os especialistas, um bom sistema de imunização nacional, melhor do que muitos outros no mundo. Além disso, o País é um dos maiores fabricantes de vacinas do planeta, com dois centros de excelência, o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz.

Esses são os pontos positivos. Mas os negativos são muito fortes.

Bolsonaro não só negou a epidemia de covid-19, mas faz uma campanha de descrédito contra a vacina. Da mesma forma, seu ministro da Saúde, general Pazuello, acha que a expectativa em torno da imunização é exagerada. Se considerarmos que os dois principais responsáveis nacionais não estão na linha de frente – ao contrário, um deles, Bolsonaro, milita na retaguarda –, o processo poderá ser mais lento e acidentado.

Eliane Cantanhêde - Mas vai melhorar...

- O Estado de S. Paulo

Vacina, saúde, felicidade e esperança para a Nação, eficiência e responsabilidade para os líderes!

O melhor presente de Natal que Papai Noel pode embrulhar em esperança e otimismo para dar ao mundo é a vacina que salva vidas, economias e empregos. Mas os líderes políticos precisam colaborar, planejando, adquirindo e distribuindo com eficiência e responsabilidade as diferentes vacinas contra a covid-19, criadas em tempo recorde pela genialidade dos melhores cientistas e pelo compromisso dos melhores laboratórios de toda parte. É essa eficiência e essa responsabilidade dos líderes que andam em falta por aí, ou melhor, por aqui.

Em torno de três milhões de pessoas dos grupos prioritários já se vacinaram no mundo, mais de um milhão só nos Estados Unidos, inclusive o presidente eleito Joe Biden, mas o Brasil continua envolto numa nuvem de negacionismo, de um lado, e de afoiteza, de outro, deixando os cidadãos confusos, indecisos, descrentes. Esse é, ou seria, o pior dos mundos: ter vacinas, mas parte da sociedade se recusando a tomá-las.

O presidente Jair Bolsonaro só abre a boca para falar besteira, como aquele velho personagem de TV, e trabalha não a favor, mas contra a vacina, particularmente contra a vacina que já vem chegando ao País, a Coronavac. E o governador de São Paulo, João Doria, decidiu dar tiro no pé no final de um ano tão aterrorizante, quase no início de outro que pode ser a salvação da lavoura. Vá-se entender...

O governo federal errou na estratégia, se atrapalhou com prazos, pendurou equivocadamente todas as fichas numa só vacina, a AstraZeneca/Oxford, e agora tem dificuldades para ampliar negociações, por exemplo, com a Pfizer, que chegou primeiro no Reino Unido, nos EUA e por aí afora e está com a lista de encomendas congestionada.

Luiz Carlos Azedo - A vacina do Natal

- Correio Braziliense

Sim, os mais fortes sobreviverão. E por que não os mais fracos? É para isso que serve a medicina. Fé e confiança na ciência, por isso, são o melhor remédio contra a desesperança

Talvez esse seja o pior Natal de nossas vidas, em termos sociais, é claro, porque a experiência de vida de cada um é que determina a avaliação. Festa que congrega a família, confraterniza os amigos, dissemina amor e solidariedade, neste ano, a data magna do cristianismo, que é comemorada por todas as religiões ecumênicas, está sendo marcada pela maior tragédia humanitária já vista por nossas gerações, desde a Segunda Guerra Mundial. Aqui no Brasil, só não é maior por causa do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), público e universal, apesar de um presidente da República que, com seu negativismo, no combate à crise sanitária, sabota seu povo, seu governo e, em última instância, a si próprio.

Entretanto, é Natal. Os miseráveis, os enfermos, os condenados, todos sem exceção, de alguma forma, são acarinhados com votos de esperança e compaixão. Os poetas, os cantores, os cronistas, todos que podem espalhar amor e esperança se encarregam de fazer chegar sua mensagem àqueles que estão na pior. De igual maneira, os trabalhadores dos serviços essenciais, de plantão, mesmo privados da convivência com suas respectivas famílias, com sua labuta, principalmente os cientistas e o pessoal da saúde, mandam o recado: confiem, estamos cuidando de vocês. A magia do Natal é uma enorme força transformadora da sociedade, no sentido civilizatório, mesmo agnósticos e ateus devem reconhecê-lo.

Ricardo Noblat - As duas faces de Bolsonaro no Natal da pandemia

- Blog do Noblat / Veja

Escolha a que lhe pareça mais verdadeira

Na véspera do Natal, o presidente Jair Bolsonaro ofereceu aos brasileiros duas versões dele mesmo – uma por cadeia nacional de rádio e televisão e a outra por meio das redes sociais.

Na primeira, ao lado de Michelle, sua mulher, ele leu um texto escrito por assessores. Na segunda, ao vivo, falou de improviso como costuma fazer sempre às quintas-feiras.

O Bolsonaro que tratou o novo coronavírus como “gripezinha”, receitou cloroquina para os doentes e disse que morreriam os que tivessem de morrer, ficou de fora do rádio e da televisão.

Ali foi servido um presidente da República que se solidarizou com as vítimas da pandemia, destacou que seu governo agiu para salvar vidas e empregos e que por isso acabou sendo bem-sucedido.

“Nessa ocasião, solidarizo-me com as famílias que perderam seus entes queridos. Externo meus sentimentos, pedindo a Deus que conforte os corações de todos”, afirmou Bolsonaro.

Em seguida, lembrou o pagamento do auxílio emergencial, o financiamento a micro e pequenas empresas e a medida que compensou parte da redução de salários em empresas.

No dia em que o Brasil ultrapassou a marca das 190 mil mortes pela Covid-19, o Bolsonaro das redes sociais preferiu atacar o governador João Doria (PSDB-SP).

 “Eu quero o cidadão de bem armado. Com o povo de bem armado, acaba essa brincadeirinha de ‘vai ficar todo mundo em casa que eu vou passear em Miami’”, disparou Bolsonaro.

Que insistiu: “Pelo amor de Deus. Oh… calcinha apertada! Isso não é coisa de homem. Fecha São Paulo e vai passear em Miami. É coisa de quem tem calcinha apertada. Isso é um crime”.

Geraldo Tadeu Monteiro* - Rio: última chamada

- O Globo

Por trás da imagem ufanista, o Rio é hoje uma cidade empobrecida, desordenada, poluída e desigual

Nós, cidadãos cariocas, crescemos ouvindo a narrativa do “Rio, Cidade Maravilhosa”, cosmopolita, dona de incríveis belezas naturais. Em suma, uma cidade pronta. Mas, este estereótipo, reforçado pela propaganda oficial e pela indústria do turismo, esconde o mar de problemas que a nossa cidade enfrenta. Por trás da imagem ufanista, o Rio é hoje uma cidade empobrecida, desordenada, poluída e desigual. No limiar de um novo governo municipal, é preciso se perguntar por onde andam os projetos de cidade que nos permitiriam atravessar esses tempos sombrios. É o sentido deste trabalho: apontar um caminho atuando em três eixos: desenvolvimento econômico sustentável e social, institucionalidade e justiça social.

Com o tempo, o Rio empobreceu e se tornou mais desigual. Embora represente o 2º PIB municipal do país (5,34%), a cidade encolheu 56,8% desde 1970, quando possuía 11% da riqueza nacional. Na renda per capita, o Rio caiu mais de 50 posições no ranking nacional nos últimos anos. Na área da sustentabilidade, o Rio trata apenas 42,9% do seu esgoto. A Baía de Guanabara recebe 10.800 litros de esgoto não tratado por segundo. Nada meritório para a cidade que sediou a Eco 92 e a Rio + 20. No quesito justiça social, tampouco estamos bem. Em 1991, éramos o 7º IDH do país, hoje somos apenas o 45º. Em 2010, a expectativa de vida na Gávea era de 80,5 anos e no Complexo do Alemão era de 64,6 anos. A renda per capita na Lagoa era R$ 2.955, enquanto no Jacarezinho era de incríveis R$ 177. Com 57% do seu território dominado por milícias e outros 15% sob controle do tráfico, o Rio, que conta ainda 14 mil camelôs legalizados (e sabe-se lá quantos não legalizados), mais de 15 mil moradores de rua e mais de 20 mil imóveis irregulares carece de institucionalidade. Uma debilidade, no entanto, que é funcional, pois abre espaço para a negociação e cooptação política com agentes da desordem.

Bernardo Mello Franco - O poeta e a política

- O Globo

Em outubro de 1945, um golpe derrubou a ditadura do Estado Novo e abriu caminho para a redemocratização do país. No dia seguinte, o poeta Carlos Drummond de Andrade anotou em seu diário: “Ontem, os generais trouxeram para a rua suas metralhadoras e seus carros de assalto e mandaram dizer a Getúlio que desse o fora. Ele tentou negociar, mas os homens foram inflexíveis”.

O presidente se rendeu sem um tiro, a pretexto de evitar o “derramamento de sangue”. Com fina ironia, o poeta observou que a substância “raramente se derrama em nossos golpes e revoluções”. “Tanto uns quanto outros adversários preferem conservá-lo nas veias”, escreveu.

Entre 1943 e 1977, Drummond registrou suas reflexões num diário. Tempos depois, publicaria parte do material em “O observador no escritório”. O livro, reeditado pela Companhia das Letras, mistura anotações pessoais e comentários sobre a vida pública.

Avesso à militância partidária, Drummond lutou a seu modo pela libertação dos presos políticos. No ocaso da ditadura, escreveu o “Poema de março de 45”: “Se olho para as rosas: anistia./ Para os bueiros da City, para os céus,/ para os montes em pé nas altas nuvens:/ anistia”.

Flávia Oliveira - Natal da fome

- O Globo

De setembro em diante, com o corte do benefício à metade e o mercado de trabalho ainda debilitado, a fome voltou a rondar os lares brasileiros

Sou do tipo que ama Natal. Nos que passava sozinha com minha mãe, Dona Anna, sonhava com as mesas fartas das famílias numerosas nos anúncios de fim de ano. Por uma dúzia de anos recentes, realizei a fantasia. O núcleo modesto, nunca superior a quatro pessoas, foi multiplicado por dez em festança ecumênica batizada de Natal dos Desgarrados. Reunia, num agito de varar madrugada, amigos desacompanhados e arranjos familiares de todo tipo. Por causa da Covid-19, a décima terceira celebração não aconteceu como costumava. Éramos meia dúzia de mascarados irmanados ao restante da trupe, um discurso via internet com promessa de abraço presencial em 2021. Até lá, o compromisso é ficar vivo.

Sou do tipo que adora presentear. A cada Natal, ninguém nunca saiu de casa com as mãos abanando. Havia sempre uma lembrança, mesmo para quem se achegava na última hora, conhecido ou não. Este ano, não teve festa nem presente. O Noel que em mim habita reuniu o dinheiro dos regalos de quem tem e transformou em alimentos para os que precisam. Nunca tantos pedidos de colaboração, num indício de que a crise social agravou-se antes de chegar ao fim o calendário de pagamentos do auxílio emergencial – o último lote de R$ 300 será depositado na terça, 29, aos beneficiários nascidos em dezembro. Depois disso, é cada um por si, a menos que o espírito de Natal amoleça coração e cérebro de um governo tão indiferente quanto incompetente.

Silvio Almeida* - Democracia e desigualdade

- Folha de S. Paulo

Relação entre os dois temas será central no debate político pós-pandemia

Ano de 2021 começará com enormes desafios e não haverá mais lugar para pensamento idealista apartado dos conflitos da realidade.

Utilizo esta última coluna do ano para tratar do que considero os principais assuntos sobre os quais a sociedade terá que se debruçar nos próximos anos: democracia e desigualdade.

O debate sobre democracia e desigualdade não é recente nem uma novidade. Entretanto, a pandemia, a crise econômica e a incapacidade política demonstrada por grande parte dos governos expuseram as imensas contradições do que se convencionou chamar de democracia e a insuficiência das medidas contra a desigualdade.

O ano de 2020 evidenciou que as garantias jurídico-formais da democracia não são suficientes para assegurar a participação popular no processo político. Governos autoritários, com propensões genocidas e “suicidárias” (na expressão de Paul Virillo) foram eleitos e, utilizando-se da forma democrática, desorganizaram social e economicamente seus respectivos países, instalaram desconfiança no próprio sistema que os permitiu chegar ao poder e foram direta ou indiretamente responsáveis pela morte de milhares de pessoas devido ao modo com que se portaram no contexto da pandemia.

Hélio Schwartsman - O país das carteiradas

- Folha de S. Paulo

Uma das explicações para o fracasso do Brasil é que ele é atávica e renitentemente corporativista

Uma das explicações para o fracasso do Brasil é que ele é atávica e renitentemente corporativista. Em vez de as pessoas se pensarem como cidadãs de uma República de iguais, veem-se (e agem) como membros de corporações que se julgam detentoras de direitos especiais.

Tanto o STF como o STJ enviaram à Fiocruz ofícios em que pediam a "reserva" de alguns milhares de doses de vacinas contra a Covid-19 para aplicação em seus servidores.

Mais espertos do que o grupo de promotores paulistas que tentara uma despudorada carteirada para a categoria furar a fila da imunização, os responsáveis pelos tribunais evitaram o uso de termos como "prioridade" e "preferência". Escreveram os ofícios de um jeito que ficava parecendo que receber as vacinas era uma espécie de sacrifício que as cortes fariam em prol da coletividade.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Milagre de Natal – Opinião | O Estado de S. Paulo

Com as incertezas nas eleições no Congresso, seria preciso que o presidente Bolsonaro finalmente assumisse as funções políticas inerentes a seu cargo. Algo como um milagre de Natal.

 Sem partido e sem qualquer habilidade para construir uma base no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro chega à metade de seu mandato mais fraco do que nunca. Sua sobrevivência política agora depende exclusivamente dos humores do Centrão, punhado de partidos fisiológicos que prometem manter o presidente no cargo e ajudar a blindar sua família encrencada na Justiça até o momento em que isso lhes for conveniente.

O aspecto mais grave da fragilidade do presidente, num regime presidencialista, é que o governo não tem qualquer controle sobre a pauta legislativa, deixando a cargo do Congresso a tarefa de determinar as prioridades e ditar o ritmo da política.

Na terça-feira passada, dia 22, a Câmara dos Deputados deu mais um dos muitos exemplos dessa confusão. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, pautou a votação de uma emenda constitucional que aumenta o repasse da União para o Fundo de Participação dos Municípios, projeto que a equipe econômica considera inviável. No entanto, os parlamentares governistas silenciaram, deixando à equipe econômica a tarefa de advertir sobre os riscos fiscais embutidos na aprovação da medida.

Neste, como em outros casos, o desfecho não depende dos desejos da equipe econômica nem do outrora poderoso ministro Paulo Guedes, mas sim exclusivamente do jogo político do Congresso, às voltas com a sucessão de suas Mesas Diretoras, o que agrava o clima de incerteza.

Música | Simone - Fulgás

 

Poesia | Pablo Neruda - Se você me esquecer