Celebração grosseira do ‘politicamente incorreto’ contaminou parte das elites e se espalhou pela sociedade
Em Washington, mal começado o governo e já
na primeira viagem internacional, o presidente Jair Bolsonaro (PL) cunhou a
epígrafe definitiva da obra a que se dedicaria com afinco nos anos seguintes.
Conservadores de variado coturno – ou melhor, reacionários do calibre de Olavo
de Carvalho e Steve Bannon – ouviram-no proclamar o sentido da “missão divina”
que se autoatribuía e que consistia em “desconstruir” e “desfazer” regras e
valores, hábitos e instituições, antes de começar a pôr de pé a parte
supostamente positiva da sua agenda.
Livramo-nos há pouco da promessa
bolsonarista da “construção” a ser cumprida em mais um mandato, mas é forçoso
admitir que só quatro anos bastaram para legar um cenário de terra devastada.
Em outras palavras, a metade inicial do projeto está realizada. A celebração
grosseira do “politicamente incorreto” contaminou parte das elites e
infiltrou-se por toda a sociedade, criando um reacionarismo de massas agressivo
e destruidor.
Juristas defenderam uma leitura golpista da Constituição – em particular, do artigo 142, simultaneamente curto e prolixo, que na aparência dá voz a quem numa democracia deve ser o “grande mudo”. Médicos militaram, e talvez militem ainda, no movimento antivacina, deixando um traço lastimável de retrocesso civilizatório. E a violência política tornou-se um recurso, quando não legítimo, ao menos aceitável para setores da sociedade contaminados pelo culto às armas e pela tentação de eliminar fisicamente o inimigo interno – se preciso for.