sábado, 15 de julho de 2023

Oscar Vilhena Vieira* - Uma vida dedicada à República

Folha de S. Paulo

Sepúlveda Pertence jamais se omitiu face às ameaças à democracia e ao Estado de Direito

José Paulo Sepúlveda Pertence foi um dos mais importantes juristas públicos de sua geração. Ao longo de uma intensa vida dedicada à República, jamais se omitiu face às ameaças à democracia e ao Estado de Direito.

Sepúlveda Pertence chegou a Brasília em 1961, acompanhado de outros colegas de faculdade, com o objetivo de construir uma carreira jurídica na nova capital. Embora alegue que tenha se dedicado mais à política que aos estudos durante os anos de formação — tendo sido eleito vice-presidente da UNE —, recebeu o prêmio de melhor aluno de sua turma na UFMG.

O ministro Victor Nunes Leal rapidamente percebeu o talento do jovem advogado que sustentava na tribuna do Supremo, convidando-o para compor o quadro de professores auxiliares da recém-criada Universidade de Brasília, da qual Pertence seria afastado em 1965, em decorrência do AI-2. Sepúlveda Pertence também foi nesse período "secretário jurídico" do ministro Evandro Lins e Silva. Como seus tutores Evandro Lins e Victor Nunes, teve sua carreira pública interrompida por força do AI-5, em 1969. Ao lado deste último e de diversos amigos de geração, como Pedro Gordilho, Sepúlveda Pertence assumiu então uma corajosa advocacia, nos anos de chumbo, que incluiu a defesa de inúmeros dissidentes e perseguidos políticos.

Dora Kramer - Toga requer recato

Folha de S. Paulo

A seara do embate político não é o campo em que juízes possam nem devam transitar

O ministro Luís Roberto Barroso não foi o primeiro, não é o único e seria bom que fosse o último a faltar com o recato exigido à função de todo juiz, mais ainda quando integrante da corte guardiã da Constituição.

E aqui não se fala do tal "ativismo" ao qual se referem congressistas quando o Judiciário atua —sempre provocado, vale dizer— no vácuo das omissões do Parlamento. Tampouco a referência acima diz respeito à defesa ativa da Constituição que tanto desagrada aos adeptos da ruptura democrática, mas assegura a higidez do Estado de Direito.

Não fosse a posição corajosa e o combate permanente dos tribunais superiores aos arreganhos autoritários, o Brasil poderia ter sido vítima, talvez não de um clássico golpe de Estado, mas de um retrocesso institucional cujas consequências são previsíveis num país que já viveu os males da ditadura.

Hélio Schwartsman – Língua absolvida

Folha de S. Paulo

Ministros do STF falam e aparecem demais e isso é ruim para a imagem da corte

Desta vez foi o ministro do STF Luís Roberto Barroso quem deu com a língua nos dentes. Num evento da UNE, soltou um "derrotamos o bolsonarismo". Foi o que bastou para os simpatizantes do ex-presidente pedirem o impeachment de Barroso e reforçarem suas convicções de que existe uma conspiração das elites estatais contra o seu grupo político.

Barroso não é o único ministro do STF que fala e aparece demais. E isso é um problema porque as decisões do Judiciário só cumprem seu papel de pacificação social se forem percebidas, se não como justas, ao menos como imparciais.

Já sugeri aqui que poderíamos imitar bolivianos e sul-africanos e criar uma capital judicial, instalando as cortes superiores numa cidade que não Brasília. Fazê-lo diminuiria as oportunidades de interação social entre magistrados e políticos, o que seria positivo. Não há nada mais prejudicial para a imagem de uma corte do que ver um de seus integrantes julgando o político que organizou uma festa para homenageá-lo.

Alvaro Costa e Silva - CPI do 8/1 subiu na goiabeira

Folha de S. Paulo

Mauro Cid vestiu farda e desnudou sua culpa

Não é só a máscara de Jair Bolsonaro que, com o tempo e o uso, se desfez e hoje revela a face corrompida por trás dela àqueles que insistiam em não enxergar o óbvio. A semana mostrou que o tenente-coronel Mauro Cid, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) estão cada vez mais despidos em suas reais intenções.

Para comparecer à CPI do 8 de janeiro, Mauro Cid vestiu a farda e os adornos do Exército, mas era como se estivesse nu. O direito de ficar em silêncio e não produzir provas contra si mesmo —nem a idade ele quis revelar— não funcionou como estratégia de defesa. Preso desde maio, o principal ajudante de ordens de Bolsonaro exibiu sua culpa nas mãos trêmulas, nos esgares e até no piscar dos olhos. Poderia ao menos ter demonstrado alguma vergonha.

Demétrio Magnoli - Otan, outro nome da paz

Folha de S. Paulo

Decisão de admitir a Ucrânia, sem fazê-lo agora, eliminaria solução possível em equação diplomática

A Ucrânia ingressará "quando os aliados concordarem e as condições permitirem", informou a Otan. "Uma janela de oportunidade está sendo perdida, a fim de barganhar o ingresso da Ucrânia em negociações com a Rússia", replicou um insatisfeito Zelenski. E completou: "Incerteza é fraqueza".

Ninguém, nem mesmo a Ucrânia, esperava ingresso imediato. O artigo quinto do tratado da Aliança Atlântica define a obrigação de defesa mútua. Admitir a Ucrânia durante as hostilidades em curso implicaria o impensável: uma declaração de guerra da Otan à Rússia. Mas Zelenski pressionava por um prazo específico para o ingresso. A rejeição da Otan tem bons motivos.

Pablo Ortellado - A ideologia está matando o Twitter

O Globo

Colocar a política acima do bom senso econômico parece ser o que matará a empresa de vez

Twitter foi comprado por Elon Musk em outubro do ano passado. Desde então, uma série de decisões empresariais desastrosas fizeram o valor de mercado da empresa cair para um terço do valor originalmente pago (US$ 44 bilhões). Parte dessa enorme perda se deve a decisões equivocadas que Musk tomou e que foram apresentadas como um choque de gestão. Outra parte, à desastrosa tentativa de impor suas visões políticas de extrema direita à plataforma. O Twitter foi perdendo usuários e valor de mercado e, na semana passada, ganhou um concorrente de peso, o Threads, lançado pela Meta, dona do FacebookInstagram e WhatsApp. O Twitter está agora em fase terminal.

A aquisição do Twitter por Elon Musk foi uma movimentação empresarial audaciosa. Musk tinha reputação de gênio dos negócios, mas fez sua fortuna em segmentos econômicos muito diferentes da tecnologia. A aquisição ela mesma foi complicada e marcada por idas e vindas. O empresário sul-africano fez uma proposta e depois tentou desistir da compra, com a disputa sendo levada para a Justiça.

Eduardo Affonso - O país-caixão

O Globo

Os prédios que se desmancham no Grande Recife são uma ótima metáfora do Brasil, terra de soluções fáceis, imediatistas

Um prédio desabou, na semana passada, na Região Metropolitana do Recife, matando 14 pessoas — entre elas, quatro crianças. O imóvel havia sido interditado em 2010, por problemas estruturais, mas fora reocupado, irregularmente. Há mais de uma década, famílias que não tinham onde morar arriscavam a vida no interior do edifício condenado.

Em 33 anos, na mesma região, já ruíram 17 “edifícios-caixão”, de alvenaria autoportante. A palavra “caixão” era para significar apenas uma caixa grande, mas tem se mostrado premonitória.

Não que a técnica, em si, seja pouco confiável — mas apresenta restrições: não permite remover paredes ou abrir novos vãos; os materiais têm de ser de boa qualidade; o terreno, estável; a execução, perfeita. Tudo muito difícil de garantir nas “habitações de interesse social”, nas quais o custo costuma ser o fator mais importante. Projeto, manutenção, acessibilidade, durabilidade, dignidade, conforto, segurança são só um detalhe.

Carlos Góes - Imigração e nosso destino demográfico

O Globo

Até o fim do século, é certamente melhor estar no grupo de países que crescem do que no daqueles que encolhem

Ainda está no nosso imaginário coletivo que somos um país de imigrantes. Claro, isso tem um fundo de verdade. Certamente diversos dos leitores têm origem libanesa, japonesa, judia, italiana, sem falar dos descendentes de africanos que foram vítimas da tragédia do cativeiro e hoje formam parte do nosso povo.

Mas, como eu já tratei aqui na coluna, “o Brasil não é mais um país de imigrantes” (12/02/2022). Para revisitar alguns dados citados então, em 1990, 1 em cada 14 pessoas que moravam no Brasil era nascida fora do país. Em 2010, último dado disponível, somente 1 em cada 340 residentes aqui era nascido no exterior.

No Canadá, outro país de imigrantes multicultural e multirracial como Brasil, 1 em cada 4 residentes nasceu no exterior. Nos Estados Unidos, 1 em 7. Estes países, de fato, ainda são países de imigrantes. O Brasil deixou de sê-lo.

João Gabriel de Lima* - A política e os problemas reais

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro remoeu seu 7 a 1 praticamente sozinho, a lamentar a traição dos ‘comunistas do PL’

Pouco antes das eleições de 2018, o economista Bernard Appy fez um tour pelos comitês dos principais candidatos à Presidência. Ele queria mostrar um projeto de reforma tributária desenvolvido após uma extensa pesquisa das melhores práticas internacionais. Appy ficou otimista. A recepção entre os candidatos, à esquerda e à direita, foi entusiástica, com uma única exceção: Jair Bolsonaro.

Bolsonaro ganhou a eleição e a reforma tributária, essencial para destravar o Brasil, sumiu da agenda de discussões – enquanto temas disparatados como a eficácia da cloroquina e o risco de o Brasil se tornar comunista poluíam o debate público. Appy continuou a defender seu projeto em textos publicados aqui no Estadão. Com a eleição de Lula, ganhou um cargo no governo – num momento em que a reforma tributária, finalmente, saiu do papel.

O que faz com que um assunto entre e saia do debate público? “Reformas estruturais demoram a amadurecer. Temas ficam na prateleira, e voltam por impulso da sociedade ou de alguma liderança”, diz o cientista político Sérgio Fausto, diretor executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso. Ele é o entrevistado no minipodcast da semana.

Bolívar Lamounier* - O Pireu infectou Atenas

O Estado de S. Paulo

Logo após proclamada a Constituição de 1891, um pequeno grupo de intelectuais vagamente devotado ao fascismo ascendente na Europa moveu-lhe virulento combate

Não se requer muita argúcia para perceber que ideias e filosofias produzidas num passado distante podem exercer forte influência sobre os esforços de um país para realizar seus ideais de crescimento econômico e bem-estar.

As linhas acima têm como objetivo lembrar os estragos que o Brasil sofreu por não se ter dedicado seriamente à análise desse problema. Logo após a proclamação da Constituição republicana de 1891, um pequeno grupo de intelectuais vagamente devotado ao fascismo ascendente na Europa moveu-lhe virulento combate, fornecendo combustível ao getulismo, em seguida à ditadura do Estado Novo e, depois, ao desastre maior, o modelo nacional-estatista de crescimento econômico.

Salvo Rui Barbosa, liberal convicto, e Sérgio Buarque de Holanda, liberal um tanto cético, alguns nomes são facilmente citáveis. O que mais influenciou aqueles tempos de ululante mediocridade foi, sem dúvida, Oliveira Viana, que combinava um alto cargo no governo com uma indisfarçada simpatia pelo Integralismo de Plínio Salgado.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - ‘Habeas corpus’ em risco, liberdade em perigo

O Estado de S. Paulo

A advocacia reconhece os percalços dos juízes. Mas nenhuma justificativa pode cercear prerrogativas dos impetrantes e os direitos dos jurisdicionados

Originado no Direito Romano, o habeas corpus constitui o instrumento de maior efetividade para a garantia da liberdade e dos demais direitos individuais. A agilidade de sua tramitação conduz a uma resposta mais célere do Poder Judiciário a uma coação ilegal que vitimiza um cidadão.

O termo habeas corpus, etimologicamente, significa “toma o corpo”. Ela tem, pois, o sentido de uma obrigação para o autor de uma prisão exibir em juízo o preso para que a prisão seja ou não mantida pelo juiz.

As suas origens encontram-se em Roma, mas o seu arcabouço jurídico lhe foi dado na Inglaterra, especificamente a partir da Carta Magna outorgada pelo rei João Sem Terra, em 1215.

Adriana Fernandes - ‘Aberturazinha’ para eletrodomésticos

O Estado de S. Paulo

Nem um minuto a mais deveria ser desperdiçado com esse tipo de programa de curto prazo

O presidente Lula cobrou dos seus ministros da área econômica uma “aberturazinha” para a criação de um programa de incentivos para baratear o custo dos eletrodomésticos da linha branca, como geladeira e máquina de lavar roupa. Um dia depois, desconversou: disse que era uma insinuação.

A primeira fala era claramente uma tentativa de fazer um aceno ao setor de varejo, que está irritadíssimo com a decisão do governo de isentar a cobrança do Imposto de Importação para as compras de até US$ 50 (R$ 238) em plataformas de vendas de e-commerce estrangeiras, como a Shein, AliExpress e Shopee.

A concessão da isenção teve a digital do presidente, e não era uma medida de interesse da equipe do ministro Fernando Haddad, que busca o aumento da arrecadação. Os varejistas nacionais ficaram indignados com o tratamento tributário diferenciado, que os coloca em desvantagem. Eles ameaçam com demissões e podem recorrer à Justiça.

Marcus Pestana* - O trem fora dos trilhos

Como discutimos nos últimos artigos, algo deu muito errado nos últimos 42 anos e o Brasil foi desviado da rota do crescimento acelerado que marcou sua trajetória econômica de 1930 a 1980, com taxa média de crescimento de 7% aa. O trem saiu dos trilhos, e, nas últimas décadas, alternamos anos de alto crescimento com recessões recorrentes. 

O Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a retirada dos “cadáveres do armário”, as privatizações, o tripé macroeconômico – metas de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal – são avanços inegáveis, mas não conseguiram assegurar a retomada do crescimento vigoroso dos anos dourados do capitalismo brasileiro. E, sem geração ampliada de riqueza, renda e emprego, o combate às desigualdades fica muito mais difícil.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Piketty revisitado

Carta Capital

Dez anos após seu lançamento, ‘O Capital no Século XXI’ ainda se mostra central para a compreensão da desigualdade

Capital no Século XXI (2013), de Thomas Piketty, foi analisado por autores de diferentes escolas na coletânea de artigos enfeixados em Depois de Piketty. Entre os tantos articulistas figuram Bradford ­Delong, ­Robert Solow, Paul Krugman, Laura ­Tyson, Michel Spence e Branko ­Milanovic. Todas as contribuições cuidam de investigar os processos econômicos, sociais e políticos que articulam as metamorfoses da riqueza ao longo de quatro séculos e seus efeitos distributivos.

Thomas Piketty, sabe-se, palmilha os caminhos das relações entre riqueza e renda desde o século XVIII, quando predominava a riqueza fundiária – cujo declínio foi imposto pelas forças das políticas mercantilistas de incentivo à manufatura – até os arranjos contemporâneos empoderados pelo patrimonialismo financeiro e pela concentração do capital nos grandes oligopólios que dominam todos os setores da indústria e dos serviços na arena global.

Analisando as oito maiores economias desenvolvidas do mundo, Piketty revela que a participação da riqueza agregada subiu de cerca de 200% a 300%, em 1970, para 400% a 600%, atualmente. O formato da curva que expressa a evolução dessa relação é em “U”, com queda acentuada na participação da riqueza agregada sobre a renda no período que compreende as duas Guerras Mundiais e a Grande Depressão. A tendência inverte-se de forma mais acentuada a partir dos anos 70 do século XX.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Ideia de subsídio para ‘linha branca’ deve ser descartada

O Globo

Governo precisa arrecadar cerca de 1,5% do PIB para cumprir meta de zerar déficit no ano que vem

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva faria um serviço ao país se revisasse a ideia de criar um programa de incentivo à compra de eletrodomésticos, nos mesmos moldes do lançado em junho para a indústria automobilística e, mais recentemente, expandido. Não há por que incorrer no mesmo erro. Primeiro porque programas desse tipo têm histórico de resultados pífios. Segundo porque o país não pode se dar ao luxo de abrir mão de receitas neste momento.

Na quarta-feira, em discurso no Palácio do Planalto, Lula disse que tinha falado com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, sobre uma “aberturazinha” para a linha branca. Nas palavras do presidente, “facilitar a compra de geladeira, de televisão, de máquina de lavar roupa”, “se está caro, vamos baratear”. Ontem Lula não tocou no tema em reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Mesmo quando as contas do governo estão em ordem (o que não é o caso no momento), a decisão de subsidiar a aquisição de produtos de consumo corre o sério risco de ser socialmente injusta. O programa para a indústria automotiva mostrou bem isso. Para beneficiar uma parcela remediada da população, o governo separou R$ 1,5 bilhão na primeira fase e mais R$ 300 milhões na segunda. Os compradores dos veículos (125 mil até o início de julho) têm o que comemorar. Todos os outros brasileiros, inclusive os mais pobres, não.

Poesia | Mario Quintana - Relógio do Coração

 

Música | Teresa Cristina - Zé do Caroço (Leci Brandão)