terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Carlos Melo* - “O olhar para o futuro e o futuro do centro”

Em 2019, foi necessário decantar a última eleição, recuperar-se do baque da vitória de Jair Bolsonaro. Mas o leão do tempo ruge e a demora para a apresentação de respostas e alternativa ao que está acima tem colaborado para o aguçamento da polarização. De naturezas opostas, Bolsonaro e Lula estão plenos no palco; no cenário, nada de novo ou diferente. O fato é que o declamado centro não se colocou. Faltam-lhe ainda o sentido, o discurso e o rosto. Incapaz de responder a questões vitais, não tardará a ser esmagado pela ansiedade do país.

Como se apresenta hoje, o centro é um campo que sofre por indefinição; que, antes, se define pelo que não é, incapaz de expressar o que, afinal, pretende ser. É linha borrada, situada em lugar impreciso entre o bolsonarismo e o petismo. Tem fixação por refutar as teses do PT, enfatizar erros —reais, no entanto, mais que conhecidos. Omite-se, porém, quanto ao atraso bolsonarista, atado que parece estar à armadilha da adesão mecânica à agenda fiscal. Sem resvalar em questões mais substantivas, outra vez, não chegará longe.

*Carlos Melo, cientista político e professor do Insper. “O olhar para o futuro e o futuro do centro”. Folha de S. Paulo, 30/12/2019.

Luiz Carlos Azedo - A Fortuna do Jair

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro não pode tudo, não faz o que quer, quando quer e como quer, embora tente, às vezes. Está sendo contingenciado por variáveis que, algumas vezes, o obrigam a recuar ou a desistir de certos objetivo”

Para encerrar a trilogia de balanço do primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro e desejar um ano-novo melhor para todos, essa é a esperança generalizada na sociedade, nada melhor do que recorrer ao clássico dos clássicos da política moderna: O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Publicada postumamente em 1532, ainda hoje serve de referência para a análise política. Portanto, quando estamos nos referindo à Fortuna, não se trata da evolução patrimonial do clã Bolsonaro, mas das circunstâncias em que chegou à Presidência e nas quais governa. Segundo o sábio de Florença, há quatro formas de chegar ao poder: pela Virtù, pela Fortuna; pela violência e pelo consentimento dos cidadãos.

Virtù e Fortuna formam um par dialético, assim como a força e o consentimento. Obviamente, nas democracias, o consentimento é pré-requisito para a chegada ao poder. Trocando em miúdos, Virtù é a coragem, o valor, a capacidade, a eficácia política; já a Fortuna, a sorte, o acaso e as circunstâncias. A primeira representava o talento pessoal para dominar as situações e alcançar um objetivo, por qualquer meio. Entretanto, a conquista do poder não depende exclusivamente das virtudes individuais, mas também das circunstâncias favoráveis. Na visão de Maquiavel, porém, o poder é mais duradouro quando obtido pela Virtù. Conquistado devido às circunstâncias favoráveis, e não pelo próprio mérito, é instável e destinados a desaparecer em pouco tempo. Maquiavel usou uma metáfora para descrever a Fortuna:

“Comparo a sorte a um desses rios impetuosos que, quando se irritam, alagam as planícies, arrasam as árvores e as casas, arrastam terras de um lado para levar a outro: todos fogem deles, mas cedem ao seu ímpeto, sem poder detê-los em parte alguma. Mesmo assim, nada impede que, voltando a calma, os homens tomem providências, construam barreiras e diques, de modo que, quando a cheia se repetir, ou o rio flua por um canal, ou sua força se torne menos livre e danosa. O mesmo acontece com a Fortuna, que demonstra a sua força onde não encontra uma Virtù ordenada, pronta para resistir-lhe e volta o seu ímpeto para onde sabe que não foram erguidos diques ou barreiras para contê-las.”

Da mesma forma como circunstâncias favoráveis facilitaram a vitória de Bolsonaro — não estou falando da facada que levou em Juiz de Fora, em plena campanha, e seu papel catalisador junto aos eleitores, mas do contexto econômico e político em que as eleições se realizaram —, as condições em que governa poderão selar a sorte de sua gestão. Bolsonaro não pode tudo, não faz o que quer, quando quer e como quer, embora tente, às vezes. Está sendo contingenciado por variáveis que, algumas vezes, o obrigam a recuar ou a desistir de certos objetivos. Um dia desses, Fernando Gabeira, com a argúcia de sempre, chamou a atenção para isso. O melhor exemplo é a política externa. Seu alinhamento com Donald Trump, num primeiro momento, parecia pôr o Brasil em plena Guerra Fria, mas as circunstâncias frustraram objetivos emblemáticos, como a deposição de Nicolás Maduro na Venezuela, transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, dar as costas ao Mercosul ou entrar em guerra comercial contra a China.

Míriam Leitão - O balanço além da economia

- O Globo

Ano de 2019 foi marcado pela aprovação da reforma da Previdência e pelos constantes ataques do governo à democracia

O ano de 2019 na economia nunca poderá ser avaliado apenas pela economia. Houve em volta um ambiente de contínua piora institucional. O governo fez um ataque sistemático aos valores da democracia. Não ficou apenas em palavras. Das referências a um novo AI-5, feitas até pelo ministro da Economia, à demolição do aparato de proteção ambiental, às ameaças ao pluralismo na educação e na cultura, foram muitos os erros deste primeiro ano do governo Bolsonaro. A agenda presidencial oscilou entre miudezas e agressões. Foi um péssimo primeiro ano.

Na economia, especificamente, houve uma conquista a comemorar. Há mais de 20 anos o Brasil tentava incluir a idade mínima na sua estrutura de aposentadorias e pensões. As reformas anteriores feitas pelos governos Fernando Henrique e Lula não conseguiram. A proposta de Michel Temer ficou pela metade sem ser aprovada, abatida por um escândalo político. A de Bolsonaro chegou a bom termo, apesar de ele mesmo só ter interferido para defesa corporativa dos policiais. A previdência dos militares não foi exatamente uma reforma. Foi um biombo para uma grande concessão salarial. E eles mantiveram privilégios como a paridade e a integralidade até para os que futuramente entrarão nas Forças Armadas.

Na economia houve frustração e, depois, melhora. No começo do ano a previsão do mercado era de que o PIB cresceria 2,5%. Esse otimismo desidratou-se rapidamente ao longo do primeiro semestre e chegou a 0,8% em agosto. A partir daí houve uma melhora gradual nas expectativas, a tal ponto que se pode dizer que o ano terminou bem melhor do que se esperava há seis meses.

Carlos Andreazza - A histeria lavajatista

- O Globo

A histeria lavajatista sobre a implementação do juiz de garantias —ótima figura jurídica — em nosso ordenamento ocultou outros pontos relevantes, aperfeiçoados ou incluídos pelo Parlamento, e sancionados pelo presidente, no chamado pacote anticrime; sobretudo aqueles ligados ao instrumento da colaboração premiada, ferramenta importante, mas cuja juventude, legislação nascida em 2013, merecia alguns graus de maturidade.

O pacote os trouxe. Não o proposto por Sergio Moro, esvaziado também com a intenção política de lhe diluir a identidade do ex-juiz. Mas o costurado pelo Congresso e chancelado por Jair Bolsonaro, um bom conjunto, que impõe necessários limites à lei de delações. Por exemplo: que depoimentos de delatores não possam, per si, sustentar medidas cautelares nem denúncias.

É sabido que houve excessos nos usos desses conteúdos delatados, sem qualquer outro elemento de corroboração, para colocar indivíduos —não interessa o quão criminosos — na cadeia. É sabido que muitas investigações se acomodaram — como que apoiadas numa muleta — na palavra de um (encrencado, em busca de se safar) contra outro (não raro nem sequer investigado), disto resultando fragilidades nas acusações.

“Ah! Mas isso é um ataque ao combate à corrupção! Vai acabar com a Lava-Jato”.

É o escambau! Basta deste embuste de ouvir —toda semana —que qualquer mudança proposta pelo Parlamento bota em risco a luta contra a corrupção. Isso virou um mantra de fanáticos que outra coisa não fazem senão defender a estrutura do próprio poder. Ouço esse papo, de Lava-Jato ameaçada, desde 2014 —e nunca o combate à corrupção retrocedeu.

O lavajatismo não dita —não pode ditar — o ritmo da vida pública neste país. Não pode controlar nossos humores. Não pode — porque popular —raptar a independência da imprensa. E não se pode admitir a retórica influente de que fazer críticas —ainda que as mais duras — aos operadores da Lava-Jato equivalha a ser a favor da corrupção. O que é isso? Estamos criando uma casta de intocáveis?

Ricardo Noblat - Nunca se viu e jamais se verá um governo como esse

- Blog do Noblat | Veja

Que 2019 não se repita

O primeiro ano da Era Bolsonaro começou com uma controversa declaração da ministra Damares Alves, dos Direitos Humanos, sobre gênero (“Menino veste azul, menina veste rosa”). E acabou com outra de natureza homofóbica disparada pelo próprio presidente contra um jornalista (“Você tem uma cara de homossexual terrível”).

Entre uma e outra, não teve para mais ninguém – só para Bolsonaro, que protagonizou os fatos mais relevantes do ano e produziu os disparates mais absurdos. Bolsonaro superou-se. Postou no Twitter um vídeo pornográfico (março) e tentou acabar com a multa para quem transportasse crianças sem o uso da cadeirinha (junho).

Conseguiu, em abril, desgostar dois governos estrangeiros ao mesmo tempo. Em visita a Israel, declarou que o Holocausto que dizimou 6 milhões de judeus durante a 2ª Guerra Mundial seria perdoável, e lá mesmo ouviu que não seria possível. Então diisse que o nazismo foi de esquerda – e o governo alemão respondeu que foi de direita.

Julho e agosto foram meses infernais para quem acreditou que Bolsonaro, aos poucos, seria forçado a entrar nos eixos. Ele ofendeu a mulher do presidente francês, culpou ONGs pelos incêndios que destruíram parte da floresta amazônica e sugeriu aos brasileiros que fizessem cocô dia sim, dia não, para preservar o meio ambiente.

Fevereiro foi o único mês onde Bolsonaro comportou-se com razoável moderação. Operado mais uma vez em São Paulo, ficou preso a uma cama de hospital durante mais de 15 dias. Aproveitou que convalescia para bater boca pelo celular com o ministro Gustabo Bebbiano, Secretário-Geral da presidência. De volta a Brasília, demitiu.

Segue uma modesta coleção das mais barulhentas trapalhadas do governo de um presidente acidental. Com os votos de feliz Ano Novo para os leitores deste blog.

Pablo Ortellado* - Ainda faltam três

- Folha de S. Paulo

No primeiro ano, governo comprometeu autonomia de instituições como Polícia Federal, universidades, Ancine e institutos ambientais

Chegamos ao fim do primeiro ano do governo Bolsonaro. Quão perto estivemos de um governo propriamente iliberal?

Se olharmos para a relação entre os Poderes, notamos que o sistema de contrapesos funcionou razoavelmente. Mas, quando olhamos para a autonomia de instituições subordinadas ao Executivo, o quadro é preocupante.

Embora não tenha agido muito proativamente, o STF pode corrigir medidas de Bolsonaro como quando manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, quando reverteu a extinção dos conselhos participativos e quando determinou que as empresas voltassem a publicar balanços nos jornais.

No Legislativo, vimos um Congresso independente derrubando metade das medidas provisórias apresentadas por Bolsonaro. Para efeito de comparação, Temer e Dilma no primeiro ano tiveram 30% e 20% das medidas provisórias derrubadas.

Ranier Bragon – Bolsonaro, ano 1

- Folha de S. Paulo

Bem mais do que ações, as reações são a principal boa-nova deste 2019

Então, é 2020! Quer dizer, quase, o que nos permite uma última olhada neste impagável 2019.

O ano 1 do mandato de Jair Messias Bolsonaro irá merecidamente entrar para a história como um dos mais lastimáveis que já vivemos. Os ataques a pilares da democracia, à ciência, à história, à diversidade, à civilização e ao bom senso em geral encontraram um terreno fértil na idiotia das redes sociais e nos gabinetes do Executivo, em Brasília.

Como isso não é novidade pra ninguém, permito-me neste último dia de 2019 praticar exercício reverso, o de tentar vislumbrar o que de bom o bolsonarismo produziu no ano.

Seria muito mais divertido, é verdade, ficar apenas na lista precedida da advertência “contém ironia”.

Ou não foi espetacular a sonhada e esperada abertura da caixa preta do BNDES que qualquer um já podia acessar pela internet? Ou a pedagógica discussão nacional-carnavalesca sobre o golden shower? Ou a descoberta, pelo menos da minha parte, e aqui quase ironia não há, de como há mais sensatez do que podia imaginar em figuras como Alexandre Frota, Janaina Paschoal e o general Mourão? Ou, termino por aqui, a lista é interminável, a celebrável constatação de que, devido ao que passamos a saber, jamais poderemos voltar a usar, sem a advertência “contém ironia”, o termo “filósofo” associado a Olavo de Carvalho.

Hélio Schwartsman - Democracia, ser ou não ser?

- Folha de S. Paulo

Não há garantias em um regime, por isso nos resta manter marcação cerrada para autoritarismos

Nicolás Maduro é um ditador? Houve golpe na Bolívia? Gostamos de travar esse tipo de discussão em termos binários e essencialistas, mas a verdade é que a democracia é muito mais uma questão de grau do que de ser ou não ser. Não é uma coincidência que tenham se multiplicado nos últimos anos iniciativas, como Freedom House, Polity e V-DEM, para qualificar e mensurar o estado da democracia em cada país.

Nesse contexto, apenas ter uma figura como Jair Bolsonaro na Presidência já representa uma nódoa. Um país cujo chefe de Estado faz pessoalmente bullying contra jornalistas e opera para esvaziar órgãos de controle perde pontos nos quesitos liberdade de expressão e freios e contrapesos. Mas daí não decorre que a erosão democrática esteja ocorrendo em todas as dimensões e muito menos que o Brasil esteja fadado a tornar-se uma tirania.

Joel Pinheiro da Fonseca* – Crise de confiança

- Folha de S. Paulo

A tecnologia não voltará atrás, e a difusão de informações não será mais controlada

Ao longo de 2019, ficou claro que o governo não tem qualquer intenção de moderar seu discurso e sua estratégia de ataques constantes a todas as instituições democráticas (Congresso, STF, imprensa, universidade, ciência). A imprensa, em particular, foi escolhida como inimiga jurada do governo, com direito a ameaças a anunciantes da Folha e à licença da Rede Globo. A ciência e as universidades também estiveram na mira.

A pior reação num momento como este seria adotar uma posição convictamente contrária ao presidente. Um blog de notícias pode se dar ao luxo de “ter lado” e anunciá-lo com orgulho. Um veículo de jornalismo profissional, contudo, capaz de falar a todos, deve sempre mirar no ideal (ainda que jamais plenamente alcançável) da objetividade.

Não é só do governo, contudo, que vêm os problemas. A sociedade crescentemente desconfia da mídia e das universidades. Há menos de duas semanas, a simples decisão editorial da Folha de escrever “Flávio”, sem o sobrenome, no título de uma reportagem que era obviamente sobre Flávio Bolsonaro levou centenas de internautas a concluir que o jornal está protegendo o presidente da República. A acusação é absurda, mas não houve argumento que convencesse os indignados.

Eliane Catanhêde - Coleção de retrocessos

- O Estado de S.Paulo

Em 2019, Brasil avançou devagar na economia e recuou velozmente no resto

Último dia do ano, hora de discutir o que deu certo, o que deu errado, o que poderia ser melhor. No governo Jair Bolsonaro, a economia andou devagar, mas andou. O problema foi o resto, que andou rápido, mas em marcha a ré. Uma coleção de retrocessos.

A reforma da Previdência foi o grande marco político e econômico de 2019. O grande mérito do governo foi enviar o projeto e o do Congresso foi ter encaminhado, debatido e votado com razoável rapidez e com a menor desidratação possível. Bolsonaro jogou o pacote no Congresso e lavou as mãos, deixando a condução, a negociação, os ajustes e os votos por conta de dois personagens-chave no seu primeiro ano de governo: Rodrigo Maia, do Legislativo, e Paulo Guedes, do Executivo. Com a reforma da Previdência aprovada, abriu-se uma avenida de oportunidades para novas reformas e a própria economia.

A previsão do PIB foi ao fundo do poço em meados do ano, mas recuperou-se e é otimista neste 31 de dezembro. A inflação e os juros estão baixos como nunca e o desemprego continua dolorosamente alto, mas caindo. Logo, as condições são boas. O preço da carne precisa baixar e Bolsonaro tem de parar de atrapalhar.

Quando se fala (ou reclama) em recuos, pensa-se logo em Meio Ambiente, que jogou o Brasil na imprensa internacional e abriu atritos desnecessários com parceiros como França, Alemanha, Suécia. E Bolsonaro também bateu de frente com China, Argentina, Chile, o mundo árabe, além de chegar no Paraguai elogiando Stroessner.

Houve ainda recuos assustadores na Cultura, até na última semana do ano, com o veto ao projeto de incentivo ao audiovisual, e na Educação, que saiu de um ministro inútil para outro que só vê “balbúrdia” nas universidades. Cultura e Educação não são inimigas, presidente! Nem a mídia e os jornalistas.

Pedro Fernando Nery* - Vencemos o desafio maior

- O Estado de S.Paulo

A reforma da Previdência deveria ter sido tema das eleições de 2014

A principal reforma aprovada na década começou a ser pautada por Dilma Rousseff. Em seu último ano de governo, foi ao Congresso, e conclamou: “nos cabe enfrentar o desafio maior para a política fiscal no Brasil e para vários países do mundo, que é a sustentabilidade da Previdência Social em um contexto de envelhecimento da população.” De fato, amanhã já se completam quatro anos do artigo “Um Feliz 2016 Para o Povo Brasileiro”, em que anunciara a construção de “uma proposta de reforma previdenciária, medida essencial para a sobrevivência estrutural desse sistema que protege dezenas de milhões de trabalhadores”. Anos depois, vencemos em 2019 o que Dilma chamou de desafio maior da política fiscal. A reforma foi promulgada no penúltimo mês deste ano.

A reforma já deveria ter sido tema das eleições de 2014. Mas a propaganda de João Santana para a chapa vencedora falava que direitos não seriam mexidos “nem que a vaca tussa”. Enquanto isso, o opositor falava em “rever” o fator previdenciário – sugerindo acabar com o puxadinho que controlava o gasto na ausência de uma idade mínima.

Luiz Carlos Azedo - A coerência de Bolsonaro

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Publicado em 30/12/2019

“O bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais”

Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com o presidente Jair Bolsonaro. A característica mais marcante de seu primeiro ano de mandato é a coerência com o discurso de campanha. Esse entendimento vale para seus apoiadores e para a oposição. Pela primeira vez, temos um governo assumidamente de direita, que tirou do armário uma parcela do eleitorado que andava enrustida e desorganizada, mas que agora se articula nacionalmente, em torno do clã Bolsonaro, e está constituindo um novo partido, a Aliança pelo Brasil, que já conta com 100 mil filiados.

Uma direita orgânica, de caráter nacional, sem vergonha de mostrar a própria cara, é um fenômeno raro no Brasil. Temos a Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado, na década de 1930, liquidada por Getúlio Vargas, no Estado Novo, após uma tentativa frustrada de tomada do poder, em 1938. A antiga UDN era mais heterogênea, surgiu como uma frente democrática, em São Paulo, inclusive com a participação dos comunistas, antes de se transformar no partido conservador e golpista que marcou a Segunda República. A vertente da UDN mais próxima do bolsonarismo foi o lacerdismo, no Rio de Janeiro, um movimento da classe média carioca liderado pelo então governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda. Na transição à democracia, o que mais poderia se aproximar do bolsonarismo é o malufismo, um fenômeno paulista, em decorrência da penetração popular do ex-governador Paulo Maluf, que nunca teve um caráter orgânico nem nacional.

Podemos concluir que o bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais. Sem isso, não seria possível a Jair Bolsonaro ter feito com êxito um movimento contrário ao de seus antecessores, que buscaram apoio político entre as forças do centro, como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, pela via dos governos de coalizão. Bolsonaro desprezou as alianças partidárias, prestigiou apenas os setores do Congresso que o apoiaram nas eleições, como evangélicos, ruralistas e a “bancada da bala”. Desprezou até mesmo o partido pelo qual se elegeu, o PSL, que contava com a segunda maior bancada na Câmara, com 41 deputados, muitos dos quais policiais e militares.

A criação da Aliança pelo Brasil é uma jogada que não deve ser subestimada, pois visa à criação de um partido de massas, de caráter nacional, com uma doutrina reacionária e ligações internacionais. De certa forma, essa foi a decisão mais audaciosa que Bolsonaro tomou no plano estritamente político, nesse primeiro ano de mandato. É uma aposta estratégica para a sua própria reeleição. Sua base social é formada pelos segmentos que o apoiam incondicionalmente, como militares, policiais, caminhoneiros, garimpeiros, evangélicos pentecostais, ruralistas e milicianos. Não formam a maioria do eleitorado, mas têm grande capacidade de mobilização e identidade programática com a nova legenda.

Maioria do STF apoia novo juiz de garantias

Ao menos seis dos 11 ministros da Corte se manifestaram favoravelmente à medida sancionada por Bolsonaro, que entra em vigor em todo o País no dia 23 de janeiro

Rafael Moraes Moura | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) apoia a criação do juiz de garantias, prevista na lei anticrime sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 25. Seis integrantes da Corte ouvidos pelo Estado indicaram ver com bons olhos a divisão entre dois juízes na condução e no julgamento dos processos.

Prevista para entrar em vigor no dia 23 de janeiro em todo o País, a implantação do juiz de garantias já foi contestada pelo Podemos e por associações de classe, como a dos Magistrados Brasileiros (AMB) e dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que recorreram ao Supremo para suspender o dispositivo. Esses grupos criticam a possibilidade de aumentar custos do Legislativo e de atrapalhar investigações em andamento.

Entre quem defende a nova regra está a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se manifestou pela constitucionalidade da lei. Um dos principais argumentos a favor da medida é a preservação da imparcialidade dos julgamentos. Na Operação Lava Jato, alguns advogados questionaram a proximidade entre a acusação e o então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e da Segurança Pública.

Atualmente, o juiz que analisa pedidos da polícia e do Ministério Público na investigação é o mesmo que pode condenar ou absolver o réu. De acordo com a nova lei, o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal e tomar medidas necessárias para o andamento do caso, como autorizar busca e apreensão e quebra de sigilo telefônico e bancário, até o momento em que a denúncia é recebida. A partir daí, outro magistrado vai ouvir o réu e as demais partes e dar sua sentença.
A discussão provocou polêmica no governo. A aprovação da lei no Congresso foi vista como uma derrota de Moro, que orientou Bolsonaro a vetar o novo dispositivo, mas não foi seguido. Como revelou o Estado, Bolsonaro recebeu aval do presidente do STF, Dias Toffoli, para sancionar a medida.

Toffoli deve indeferir no recesso pedidos para barrar juiz das garantias

Toffoli antecipa decisão sobre juiz das garantias; Fux só analisaria caso dia 19

Painel – Folha de S. Paulo

Deixa o verão pra mais tarde O presidente do STF, Dias Toffoli, decidiu analisar as ações que questionam a constitucionalidade do juiz das garantias logo após o Ano Novo e ainda durante o recesso da corte. Favorável à nova figura jurídica, alvo de reclamações de associações de magistrados e de alguns partidos políticos, Toffoli deverá invalidar os pedidos por suspensão da norma. O relator no Supremo, Luiz Fux, que ainda não se manifestou publicamente sobre o dispositivo, assumiria a análise do caso no dia 19.

DNA As associações dos magistrados e dos juízes federais, além do Podemos e do Cidadania, foram ao Supremo contra a legislação que criou o juiz das garantias. A medida entraria em vigor dia 23 de janeiro –30 dias após a sanção.

Prorrogação Toffoli, porém, já decidiu que vai ampliar em seis meses o prazo de início, considerado exíguo.

A regra é clara O presidente do STF pretende usar as ações que questionam a constitucionalidade do juiz das garantias para estabelecer as diretrizes de implementação da norma. Como já disse ao Painel, ela só será aplicada na primeira instância e em novos processos.

Mais um A Defensoria Pública do Rio quer ingressar como parte interessada das ações no Supremo –quer ajudar a derrubar os pedidos de suspensão do juiz de garantias.

Fux deve suspender lei que cria juiz de garantias

Ministro assume plantão do STF no dia 20 e, segundo interlocutores, já se manifestou contrário ao texto sancionado por Bolsonaro; duas ações que questionam a mudança chegaram à Corte

Carolina Brígido | O Globo

BRASÍLIA - O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), já manifestou a interlocutores ser contrário à lei que institui o juiz de garantias. No Supremo, há expectativa de que o ministro suspenderá a medida a partir do dia 20 de janeiro, data em que assume o plantão do recesso do tribunal e, portanto, ficará responsável por tomar decisões urgentes. A nova lei tem previsão para entrar em vigor no dia 23. Pela norma, um magistrado deverá conduzir as investigações e outro receber o processo ao final da instrução, apenas para julgar.

Até o dia 20, quem ficará no comando da Corte é o presidente, Dias Toffoli. Ele não deve derrubar a nova lei, porque já declarou a pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro que é favorável à medida. Já chegaram ao STF duas ações para suspender a validade da lei — uma de autoria do Podemos e do Cidadania, e outra da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Se Toffoli rejeitar o pedido de liminar, os autores das ações poderão apresentar recurso que seria, então, julgado por Fux. A assessoria de Toffoli informou ontem que as ações sobre o juiz de garantias não serão objeto de decisão do presidente nesta semana.

OAB defende no Supremo juiz de garantias

Manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil foi dada no âmbito de ação movida por duas das principais entidades da magistratura, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)

Pepita Ortega e Fausto Macedo | O Estado de S. Paulo

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil defendeu no Supremo Tribunal Federal o juiz de garantias. Em manifestação protocolada no âmbito de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a entidade máxima da advocacia sustenta: “A eventual concessão da ADI representaria inequívoco retrocesso em matéria de direitos fundamentais”.

No texto, a entidade pede sua entrada como ‘amicius curiae’ no processo que pede a derrubada do juiz de garantias, figura aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro dentro do pacote anticrime. Além da ADI ajuizada pelas associações, uma outra ação, apresentada à Corte pelo Podemos, também pede a suspensão da mudança prevista para entrar em vigor no dia 23 de janeiro, em todo o País.

A posição da OAB, no entanto, vai de encontro aos argumentos das associações, indicando que a figura do juiz de garantia – que ficaria responsável por decisões durante a investigação criminal, mas não julgaria o caso no final do processo – não é apenas constitucional, mas também ‘medida fundamental para assegurar em toda sua plenitude a garantia constitucional da imparcialidade do juiz’.

O que a mídia pensa – Editoriais

Caldeirão chileno – Editorial | Folha de S. Paulo

Acuado por protestos, governo convoca plebiscito que pode mudar contrato social

Na última sexta (27), o Chile deu um passo histórico com a convocação, por parte do presidente Sebastián Piñera, de um plebiscito constitucional. Trata-se da principal resposta do mundo político às virulentas manifestações que há mais de dois meses chacoalham o país.

A votação dará início a um processo que pode culminar na redação de uma nova Carta, para substituir a elaborada em 1980 durante o regime do ditador Augusto Pinochet, que durou de 1973 a 1990.

Os chilenos responderão, em abril do ano que vem, a duas perguntas: se querem ou não uma nova Constituição e que tipo de órgão deve escrever o documento —se um colegiado inteiramente composto por representantes eleitos, ou uma assembleia mista, na qual metade será designada por voto direto e metade pelo Congresso.

Se a primeira pergunta do referendo for aprovada, a escolha dos representantes constitucionais ocorrerá em outubro de 2020, com as eleições regionais e municipais.

O trabalho da assembleia principiará do zero, ou seja, sem o uso de qualquer artigo atualmente em vigor, e qualquer dispositivo só será incluído no texto se contar com o apoio de dois terços dos parlamentares. Ao final, o resultado obtido ainda precisará ser ratificado em nova votação popular.

Música - Alceu Valença - Tropicana

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Passagem do ano

O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão

E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,

Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus…

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.

Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa, já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles… e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.