sexta-feira, 16 de abril de 2021

Fernando Gabeira* - O som e a fúria em Brasília

- O Estado de S. Paulo

Com um governo negacionista como o de Bolsonaro despontamos para o atraso

Não é fácil entender a política brasileira, mas quem se detiver, esta semana, nos dois mais intrincados nós a serem desatados em Brasília talvez chegue a algumas conclusões interessantes. Os dois nós são a CPI da pandemia e a inadequação do Orçamento da União.

No primeiro, o governo é acusado de omissão no processo de combate ao vírus que já nos custou mais de 360 mil vidas e poderá custar 600 mil até julho, segundo prognósticos da Universidade de Washington. Acusações e mesmo investigações sobre a atuação de Bolsonaro na pandemia não são novas. Há processos no Tribunal Internacional de Haia e inquéritos como o das mortes em Manaus, em que Eduardo Pazuello é o principal investigado.

Bolsonaro é acusado de negacionismo e, realmente, tem negado a importância da pandemia desde o início. Era previsível que surgisse uma CPI sobre o tema no Congresso, uma vez que os parlamentares estavam de quarentena, mas não mortos.

Eleito com apoio de Bolsonaro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, bloqueou a instalação da CPI. Quando, numa entrevista, perguntei a razão do bloqueio, ele respondeu com os argumentos usais de que é preciso união, foco no combate à doença. Na verdade, usou o argumento da própria pandemia para negar direitos legais, algo que muitos governos autoritários tentam fazer no mundo.

A reação de Bolsonaro à CPI foi uma nova forma de demonstrar seu negacionismo. Ele sabe que CPI, além do número legal de assinaturas, precisa de fato determinado. Na conversa gravada com o senador Kajuru, ele pede que a investigação seja estendida aos prefeitos e governadores. É preciso investigar tudo, diz ele. E nós sabemos que essa é a senha para não investigar nada.

Eliane Cantanhêde – Barril de pólvora

- O Estado de S. Paulo

O que Bolsonaro quis dizer com ‘providência’ e ‘sinalização’ contra o ‘barril de pólvora’ no Brasil?

 “O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar uma providência. Estou aguardando o povo dar uma sinalização, porque a fome, a miséria e o desemprego está (sic) aí”, disse o presidente da República, Jair Bolsonaro, que vê um “barril de pólvora” no País. Atenção! Ele não estava falando dos mortos, nem de providências e sinalizações contra a covid-19.

Alvo do Supremo, da CPI do Senado, do TCU, do Ministério Público, da mídia, de epidemiologistas, psiquiatras e cientistas, de economistas e sociólogos, da OMS, de toda a comunidade internacional e, agora, de parte do empresariado, do mundo financeiro e até do Centrão, Bolsonaro reage à la Bolsonaro: ameaça.

O que ele quis dizer com essa frase enigmática? Quem é o “pessoal” que sugere providências? Filhos, olavistas, militares, poloneses, húngaros e Donald Trump? Que “providências” seriam essas? Atacar um ou todos os poderes, assumir o controle de polícias e milícias? Quem é “o povo”? O do Twitter, do Facebook, as vivandeiras virtuais? E, afinal, que “sinalização” o presidente está esperando?

José Álvaro Moisés* - Pluralismo político é afetado

- O Estado de S. Paulo

Um meteoro despencando desastradamente sobre o mundo da política foi a imagem usada recentemente para avaliar os efeitos da decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Operação Lava Jato.

A decisão, confirmada pelo plenário do STF, altera radicalmente o cenário eleitoral de 2022, pois, readmitido na disputa, Lula se mostra um candidato super competitivo, que liquefaz a tranquilidade relativa com que a reeleição de Bolsonaro era vista até antes do agravamento da tragédia do coronavírus. Pesquisas recentes já mostram um cenário em que Lula ou aparece quase empatado com Bolsonaro – embora só este esteja em campanha – ou lidera as preferências dos eleitores. Os efeitos devastadores disso podem ser percebidos em algumas declarações e atos recentes do presidente.

Vera Magalhães - Salles não é Ernesto nem Weintraub

- O Globo

Quem imagina que a pressão internacional pela adoção de políticas mais firmes no combate ao desmatamento, a demissão do superintendente da Polícia Federal no Amazonas ou os sucessivos indicadores de aumento dos desmates e das queimadas colocam em risco imediato a permanência de Ricardo Salles no governo deve atentar para uma diferença importante: Salles não tem nada a ver com Abraham Weintraub ou Ernesto Araújo.

A começar pela origem. Salles não é um fanatizado seguidor de Olavo de Carvalho, nem mesmo um cultor da imagem de Jair Bolsonaro como um “mito”. A associação entre ambos é uma conveniência de agenda, pragmática para ambos os lados.

O ministro não era o preferido do presidente eleito na transição. As primeiras reuniões entre eles foram cercadas de desconfiança, pelo fato de Salles ter integrado o governo de Geraldo Alckmin.

O paulista ganhou o posto ao se comprometer a implementar à risca a agenda de Bolsonaro, que logo nas primeiras conversas reclamou do excesso de fiscalização e de multas aplicadas por órgãos como o Ibama a madeireiros e produtores rurais. Disse que seu ministro teria a incumbência de acabar com a “indústria da multa” e enfraquecer o papel das ONGs, inclusive suas conexões no Inpe, no Ibama e no ICMBio.

Bernardo Mello Franco - Plano de desmonte

- O Globo

No início da pandemia, Ricardo Salles expôs um plano para desmontar o sistema de proteção ao meio ambiente. Segundo ele, era preciso aproveitar as atenções voltadas para o coronavírus e “ir passando a boiada”. O ministro pode ser acusado de muita coisa, menos de não fazer o que prometeu.

Desde a célebre reunião de abril de 2020, Salles revogou normas de licenciamento, perseguiu servidores e se aliou abertamente aos devastadores da Amazônia. O resultado foi o maior desmatamento da floresta em dez anos, de acordo com os dados do Imazon.

Encorajado pelo chefe, o ministro continuou a tabelar com os algozes da floresta. Em março, ele se solidarizou com os alvos da maior apreensão de madeira da história do Brasil. A atitude revoltou os investigadores que comandaram a operação. “Na Polícia Federal não vai passar boiada”, reagiu o superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva.

Luiz Carlos Azedo - O favoritismo de Lula

- Correio Braziliense

Com a CPI da Covid em funcionamento no Senado, o custo político dos desatinos de Bolsonaro na pandemia e da incompetência dos militares na Saúde será altíssimo

O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, ontem, a anulação de todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por 8 a 3, com base no princípio do “juiz natural”, pedra basilar do chamado devido processo legal, invocado pela defesa do petista desde quando o processo começou a andar na 13a Vara Federal de Curitiba, sob a batuta do então juiz Sergio Moro. Quando a revisão do caso do ex-presidente da República começou a ser ventilada nos bastidores do Supremo, o presidente Jair Bolsonaro imaginava que Lula como adversário seria meia reeleição garantida, mas a vida está mostrando, com a pandemia da covid-19, que a roda da Fortuna girou em favor do petista.

Como já era de se esperar, a reação de Bolsonaro e seus aliados será na direção de contestar a decisão do Supremo e desacreditar os integrantes da Corte, além de intensificar a narrativa de que houve fraude nas eleições passadas e de que o voto eletrônico não é seguro. Os propósitos golpistas dessa narrativa são conhecidos, porém não têm encontrado eco nos meios políticos, nem mesmo entre os aliados do Centrão, e também nas Forças Armadas, apesar das insatisfações com a decisão. A ideia de que a polarização com Lula seria a chave da vitórianas eleições de 2022 está furada.

Ricardo Noblat - Um presidente assombrado pelo fantasma do impeachment

- Blog do Noblat / Veja

Bolsonaro impõe condições a Deus para deixar a presidência

Se não bastassem os problemas que ele mesmo cria em volume considerável, além dos naturais que costumam afligir qualquer governante, o presidente Jair Bolsonaro ganhou mais um de bom tamanho que certamente lhe subtrairá o sono até que se resolva.

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, deu um prazo de cinco dias para que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), explique por que não aceitou até agora nenhum dos pedidos de processo de impeachment contra Bolsonaro.

São mais de 60 pedidos que repousam numa gaveta desde quando Rodrigo Maia (DEM-RJ) era o presidente da Câmara. Outros quatros foram arquivados pelo não cumprimento de formalidades. Maia sempre disse que não era a hora de examiná-los.

Lira, eleito presidente da Câmara contra a vontade de Maia, pensa a mesma coisa. A seu juízo, e por falta de conveniência no momento, o melhor é que fiquem adormecidos. A acordarem, só quando o governo estiver caindo pela tabela, o que ainda não está.

Dora Kramer - Na alça de mira

- Revista Veja

Bolsonaro colecionou tropeços na ofensiva para barrar a investigação em via de instalação no Senado

 “Fulano pisou no tomate”, dizia-se lá pelos idos dos anos 1980 quando alguém cometia uma bobagem. Se fosse muito grande e em série, a coisa evoluía para a constatação de uma pisada no tomateiro. Trocando os tomates pelos limões com os quais Jair Bolsonaro pretendia fazer uma limonada no caso da CPI da Pandemia, pode-se dizer que o presidente pisou no limoeiro, tantos os tropeços dados na ofensiva para barrar a investigação em via de instalação no Senado.

Nada do que ele fez deu certo, como, de resto, costumam fracassar suas tentativas de criar tumultos, distrações e dispersões. Por ora encontra-se atolado no terreno pantanoso em que procurou jogar senadores, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores e prefeitos.

Se a CPI funcionará a contento e chegará a bom termo, são quinhentos a ser conferidos de agora em diante, mas a cena não é nada boa para Bolsonaro. Descontados outros fatores de que trato mais à frente, comissão parlamentar de inquérito nenhuma é boa para governo algum, justamente por ser instrumento de atuação da minoria. Daí a razão de a maior parte delas ficar pelo meio do caminho, sucumbindo ao emprego das armas à disposição dos detentores do poder.

Murillo de Aragão - O momento pré-eleitoral

- Revista Veja

O ambiente é de total indefinição e surpresas devem acontecer

Uma das lições de 2018 foi tirada do início prematuro da pré-campanha e da curta duração da campanha presidencial em si. A campanha curta decorreu da imposição de limites de gastos por candidatura e do fim das doações milionárias de empresas, bem como da decisão do Congresso Nacional de reduzir pela metade o tempo da campanha.

As decisões do Legislativo e o ambiente polarizado por causa da Operação Lava-Jato e pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff aqueceram a pré-campanha. Ao mesmo tempo, a Lava-Jato, com seus acertos e exces­sos, devastou o mundo político.

Poucos, além de Jair Bolsonaro, perceberam o alcance das mudanças e o início prematuro da corrida eleitoral. No começo de 2017, ele já estava em plena atividade eleitoral. Aproveitava-se de três fatores: não ser levado a sério pelo mundo político como candidato, do desgaste do establishment político com o avanço das investigações de corrupção e o uso intensivo e eficiente das redes sociais.

Fato é que, às portas das eleições de 2018, remanesceram duas narrativas: Bolsonaro como o candidato anti-establishment e Fernando Haddad como o “procurador” do lulismo. O centro e as periferias não conseguiram se posicionar. Ficaram pelo meio do caminho.

José de Souza Martins* - Empresário fragilizado

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O jantar dado ao presidente por minúsculo grupo de  empresários, deu indicação de que são daqueles que estão longe dos fatores históricos da ética capitalista clássica

O envolvimento do empresariado brasileiro na política partidária e seu alinhamento com políticas antidemocráticas é um dos indícios de um capitalismo fragilizado. Fragilizado pela incompetência oportunista para assumir a verdadeira missão histórica dos empresários, que eles a têm, embora nem sempre tenham consciência disso.

Já no século XIX, a sociologia demonstrava que o verdadeiro capitalista é um funcionário do capital, que é produto de trabalho social, capital que manda nele. Se o empresário se mete a fazer com o capital o que não é propriamente capitalista, como vem acontecendo no Brasil, cria problemas sociais e políticos para todos e problemas econômicos para si mesmo. Corre o risco de virar esmoler do Estado, bajulador de governo. Corre o risco de ter que vender a alma ao poder.

O jantar dado ao presidente, recentemente, por minúsculo grupo de empresários, deu indicações de que são daqueles que estão longe dos fatores espirituais e históricos da ética capitalista clássica. No menu, palavrões, bajulação, oportunismo e o aplauso eleitoreiro a um governante que governa à beira do abismo do interesse público.

César Felício - A aposta de Lula no front externo

- Valor Econômico

Apoio internacional é arma para se esquivar de mazelas

Em uma charge do jornal suíço “Neue Zürcher Zeitung”, publicação que está longe de ser de esquerda, o presidente Jair Bolsonaro foi retratado dentro de uma escavadeira, derrubando uma árvore. Atrás do presidente, em um gigantesca escavadeira vermelha, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara-se para remover o rival, enquanto um pequenino tucano revoa apavorado.

Nesta semana, o francês “Le Monde” publicou um extenso material em que busca demonstrar que a Operação Lava-Jato foi muito influenciada por integrantes do governo e da Justiça dos Estados Unidos.

Em conversa por WhatsApp com o jornalista John Lee Anderson, da “New Yorker”, publicada dia 13, Lula pontificou: “É preciso que os países ricos esqueçam as divergências para discutir a produção de vacinas e a vacinação de todos”. Ao falar com o espanhol “El País”, no mês passado, abusou da soberba. “A Europa desapareceu na política. Tudo são comissões. Comissão para isto, comissão para aquilo... todos uns burocratas”, e arrematou: “Sejamos sinceros, meu tempo foi o melhor momento da América Latina desde Colombo”.

Andrea Jubé - Está em curso uma operação de minimização de danos

- Valor Econômico

Objetivo de parte dos ministros é salvar Lava-Jato

A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu ontem o salvo-conduto para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concorra à Presidência da República em 2022, prerrogativa que lhe foi negada pela mesma Corte em 2018.

“Três anos depois” - dirá o PT, repetindo o comentário irônico do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas à nota de repúdio divulgada pelo ministro Edson Fachin.

O relator da Lava-Jato reagiu à revelação, no livro de memórias do general, de que a cúpula do Exército atuou para pressionar a Corte a barrar a candidatura do petista naquele ano.

Em contrapartida, o voto de Fachin blindou a Lava-Jato, como fez questão de deixar claro o presidente do STF, Luiz Fux. Em seu voto, ele explicitou que os efeitos do julgamento de ontem não são “sistêmicos”, e que a operação está preservada.

Claudia Safatle - O impasse no Orçamento

- Valor Econômico

Inflação em alta melhora as contas do ano que vem

Em uma rápida olhada nas contas do Orçamento para este ano é possível encontrar receitas que poderiam ser realocadas. Um exemplo é o Bolsa Família, orçado em R$ 34,8 bilhões, sendo que em 2020 o gasto foi de 19 bilhões, e de R$ 33 bilhões em 2019. Acontece que neste exercício por quatro meses o Bolsa Família será financiado com parte dos R$ 44 bilhões destinados ao auxílio emergencial.

Feitas as contas, estariam sobrando cerca de R$ 15 bilhões no orçamento do programa, segundo fontes. Uma verba que, suspeita-se, seria destinada a colocar em pé um programa social de renda mínima com o selo de Jair Bolsonaro, no segundo semestre do ano, para lhe dar melhores condições de disputar a reeleição.

É uma lástima, aliás, ver o que está acontecendo com o Bolsa Família, referência de programa de transferência de renda para os mais pobres, que está sendo objeto de desmonte.

Monica de Bolle* - O plano Biden

- Revista Época

Nada mais em linha com o papel indutor do Estado no desenvolvimento de longo prazo do que o plano recém-anunciado pelo atual presidente

Diretamente de Washington D.C., vejo com curiosidade a maneira como a imprensa brasileira tem repercutido o plano do presidente Joe Biden para aprimorar a infraestrutura do país e deslanchar sua dupla agenda de proteção social e combate às mudanças climáticas. Curiosidade e também alguma graça. Persiste no Brasil a ideia de que os Estados Unidos são o exemplo de país em que o desenvolvimento se deu pela iniciativa privada, sem protagonismo do Estado. A ideia é errada e mostra um profundo desconhecimento da história do país. E o desconhecimento histórico, nesse caso, não é inofensivo, porque acaba servindo para afastar os aspectos positivos do Estado indutor, em argumentos simplórios, que apresentam apenas seus aspectos negativos, que de fato existem. Tenta-se revitalizar, com esse tipo de construção, a noção de que o Estado protagonista só traz ineficiências, como se o mundo pudesse ser simplificado para caber no que tenho chamado de “liberalismo à brasileira”.

Rogério Furquim Werneck - Bolsonaro em seu turbilhão

- O Globo

O Planalto escancara seu despreparo para lidar com o que ainda terá de enfrentar

Jair Bolsonaro parece estar enfrentando uma tempestade perfeita. Mas não falta quem pondere que o presidente está só colhendo as incontáveis ventanias que plantou. E o espantoso é que, não obstante suas múltiplas agruras, Bolsonaro continua pronto a ampliar o tamanho de cada nova crise com que vem tendo de lidar.

O Planalto converteu-se numa máquina de turbilhonamento do governo e de suas relações com o Congresso, o Judiciário e a sociedade como um todo. E, é claro, de agravamento do clima de alta incerteza em que já vem operando a economia.

O que se vê é um quadro de preocupante esgarçamento do governo. E como, da perspectiva do Planalto, tudo parece estar dando errado ao mesmo tempo, o presidente mostra-se a cada dia mais desarvorado, propenso a se afogar em todas as poças.

De crise em crise, Bolsonaro escancara seu despreparo para lidar com um mínimo de serenidade e racionalidade com os complexos desafios que está fadado a enfrentar até o final do mandato.

Bruno Boghossian – Um governo investigado

- Folha de S. Paulo

Apurações miram ações pelas quais presidente e auxiliares devem ser responsabilizados

A frequência com que Jair Bolsonaro tenta aparelhar e intimidar órgãos de controle sugere que o presidente entendeu o perigo das investigações que cercam o governo. A troca de um chefe da Polícia Federal, o complô para amedrontar opositores na CPI da Covid e sua aliança permanente com a Procuradoria-Geral da República são manobras desesperadas para enterrar esses riscos.

Este é um governo sob investigação. Bolsonaro se vende como um presidente perseguido, mas as apurações abertas ao longo dos últimos anos miram decisões e ações concretas, pelas quais ele e seus auxiliares deveriam ser responsabilizados.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro ameaça o país com ‘ordem’

- Folha de S. Paulo

CPI, STF e conspirações imaginárias levam presidente a esboçar campanha de reação

Jair Bolsonaro insinua que começou uma campanha decisiva pelo seu impeachment. Que os governadores conspiram para criar até uma inflação, a fim de derrubá-lo. Que é preciso extirpar “um câncer” para o Brasil voltar à normalidade. Que está chegando o momento de um “ponto de encontro”, dado o “jeito que as coisas estão acontecendo”. Critica Supremo e governadores. Assim, “dentro das quatro linhas da Constituição”, o governo vai “restabelecer a ordem no Brasil”.

Foi o que Bolsonaro pareceu dizer no seu vídeo semanal (“live”) desta quinta-feira (15). “Pareceu”, porque Bolsonaro tem recorrido mais a idiotias sibilinas, para nem mencionar todas as suas inimizades com o pensamento, seu português menos do que rudimentar e sua perturbação psicológica. De qualquer modo, pareceu se tratar do início de uma campanha de reação a CPI, a pressões do Congresso, à crise do Orçamento e a menções a impeachment, que não vai acontecer, mas tem saído da boca do pessoal do centrão, como ameaça.

Reinaldo Azevedo – STF acerta: extremista em descontrole

- Folha de S. Paulo

Centro-extremismo se juntou à extrema direita para cobrar que o STF fizesse julgamento político em nome do bem do país

Receitem, por favor, doses elevadas de Rivotril para os extremistas de direita e para esta categoria realmente insólita surgida em certo colunismo: os extremistas de centro. Daqui a pouco, será preciso chamar o “Bonde do Tigrão” para fazer uma releitura de “Elas estão descontroladas”.

Uns e outros, ainda que se estranhando, estavam, na prática, a advogar que o STF fizesse um “julgamento político” da anulação dos processos que dizem respeito a Lula que tramitaram na 13ª Vara Federal de Curitiba.

Não aconteceu. Por 8 a 3, o Supremo fez a coisa certa. Ademais, não se julgava mérito ali. Nunes Marques, o Kássio Conká, ignorou a natureza do embate. Abriu divergência e meteu os pés pelos pés.

Afirmou haver provas de que tríplex e sítio pertenciam a Lula. Mentira. Não há. Disse haver ligação entre contratos da OAS com a Petrobras e apartamento. Mentira. O próprio Sergio Moro nega. Conká já deu três votos exemplares do buraco civilizacional em que nos metemos.

Silvio Almeida* - Josué de Castro, a fome e a política

- Folha de S. Paulo

Intelectual pernambucano ensinou ao mundo como a fome é sempre uma decisão política

A pesquisa “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, realizada pelo grupo Alimento Para Justiça, da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília, apontou para o fato de que até o final do ano passado 59,4% dos brasileiros enfrentavam algum grau de insegurança alimentar.

Isso significa dizer que a pandemia do coronavírus mergulhou o país em uma catástrofe humanitária em que aproximadamente 125,6 milhões de brasileiros não têm o que comer, não comem adequadamente
ou convivem diariamente com o medo de não conseguir fazer a próxima refeição.

A fome não é um problema inédito no Brasil. Tanto é assim que foi questão central de importantes obras da cultura brasileira. Lembremos de Fabiano e seus filhos vagando pelo sertão em “Vidas Secas”. Ou das andanças de Chico Bento em “O Quinze”, de Rachel de Queiroz. Na mesma trilha, a pintura “Os Retirantes”, de Cândido Portinari, retrata a tentativa de fuga da seca, da fome e da miséria. “Ilha das Flores”, documentário de Jorge Furtado, nos apresenta a profunda sombra de indignidade que a fome projeta sobre os seres humanos.

Para além de seu valor estético, as obras acima nos fazem sentir que a fome não é um acaso e tampouco resulta de determinações biológicas ou geográficas; a fome é o resultado de escolhas políticas. No fim das contas são as decisões sobre a organização da sociedade que definem quem terá ou não um prato de comida.

Nelson Motta - O mundo chora e ri por nós

- O Globo

Viramos párias internacionais, não podemos entrar em nenhum lugar, ninguém quer vir aqui, o país está em luto. E quebrado

Como uma hiena, Bolsonaro gargalhou ao saber que o relator sorteado no processo de impeachment de seu arqui-inimigo Alexandre Moraes no STF era o seu “100% alinhado” ministro Kássio “Conká”. Desmoralizou de uma vez só o “novato”, pela certeza de sua submissão e decisão automática a seu favor, o tribunal a que pertence, os senadores que o aprovaram e a ele mesmo, que vê o STF como o supremo inimigo, e o que mais teme.

Muito pior foi no Parlamento francês: quando o premiê Jean Castex discursava e disse que o governo do Brasil recomendava cloroquina para combater a Covid-19 e que foi o país que mais a prescreveu, o plenário explodiu numa gargalhada coletiva e ultrajante.

Houve um tempo em que os brasileiros que viajavam tinham vergonha de seu atraso, suas roupas e sua ditadura e se espantavam com o progresso material e civilizacional da Europa e dos Estados Unidos. Também vivemos um tempo de redenção, a partir do governo FHC, com o real emparelhado com o dólar, em plena democracia, com grande crescimento da economia e do agronegócio. Já não tínhamos mais vergonha, mas orgulho do país lindo e poderoso que crescia tanto que, em 2009, no governo Lula II, foi representado pelo Cristo Redentor como um foguete alçando voo na capa da revista The Economist. Pensei, como em outras vezes: desta vez vai. Não foi. O foguete Dilma II deu chabu.

Ruy Castro - 'É o pessoal que fala', diz ele

- Folha de S. Paulo

O que será que o pessoal também poderia falar sobre Bolsonaro?

Note bem, não são denúncias nem acusações. São só tiradas casuais, como as que Jair Bolsonaro solta em suas declarações, jogando veneno sobre alguém, mas de forma a poder voltar atrás se tiver de provar. "É o pessoal que fala", diz ele. Pois o pessoal está falando que, com Bolsonaro, acabou mesmo a corrupção no Brasil. Seus atos de governo podem arruinar o país, mas beneficiam muita gente, para sua olímpica satisfação e só por isso.

Essa história dos madeireiros, por exemplo. Quilômetros de floresta caem por minuto e seus troncos saem em frotas de caminhões com documentação falsa para os navios, sob suas bênçãos. E, se alguém tentar investigar, ele demite. Não é magnânimo? O mesmo acontece com a turma da atividade pecuária, de mineração e pesqueira --Bolsonaro lhes dá livre acesso às áreas protegidas, inclusive indígenas, puramente por esporte. Se eles enriquecerem com seus decretos, é problema deles. E será verdade que os fabricantes de cloroquina são velhos amigos da família? Poxa, toda família tem fabricantes de cloroquina entre os amigos.

Música | Paulinho da Viola - Ainda Mais

 

Poesia | Fernando Pessoa - Tenho tanto Sentimento