quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Merval Pereira - Um bom cobrador

O Globo

Bolsonaro é resiliente, mas não tem um partido para chamar de "seu"

O presidente Bolsonaro demonstrou em diversas oportunidades ser resiliente, recuperando-se de situações políticas embaraçosas, como quando foi obrigado a entregar o Orçamento nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira, para sobreviver a um possível impeachment. Parecia um “pato manco”, mas sua prioridade nunca foi gerir o país, e sim atuar em setores ideológicos específicos, como costumes, religião, armamentos. Dedicou-se a esses temas por meio das redes sociais e de suas lives e formou uma base de apoio que se mostrou forte na eleição presidencial.

Quando todos achavam que o Centrão o abandonaria, conseguiu mantê-lo unido em torno de sua candidatura, que, devido também ao abuso do poder econômico, mostrou-se mais competitiva do que parecia. “Pato manco” (lame duck) é uma expressão usada principalmente na política norte-americana. Define o político que continua no cargo, mas perde a expectativa de poder.

Malu Gaspar - Lula nas mãos do Centrão

O Globo

Três semanas após vitória do petista no segundo turno, Brasília vive briga no escuro entre gabinete de transição e o Congresso

Luiz Inácio Lula da Silva sempre soube que seu primeiro grande desafio, antes mesmo da posse, seria conseguir recursos para cumprir a promessa de manter o pagamento do Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) em R$ 600 e dar mais R$ 150 por criança de até 6 anos frequentando a escola. Mas lá se vão três semanas desde a vitória, e o que se vê em Brasília é uma briga de foice no escuro entre a equipe da transição e o Congresso.

O time de Lula quer tirar do teto de gastos as despesas com o Bolsa Família e outros programas sociais, que somam quase R$ 200 bilhões, de forma permanente. Os líderes do Congresso não aceitam. A cifra considerada razoável varia, mas o que mais se ouve no Parlamento é que essa “licença para gastar” não deverá passar de R$ 80 bilhões e poderá valer por apenas um ano.

Míriam Leitão - No deserto, a visão da floresta

O Globo

Marina fala sobre como pode ser a reconstrução da política ambiental no país e diz que o mundo quer ajudar o Brasil

Marina viajou pelo deserto no Egito. “Foram quase três horas até o Monte Sinai e comecei a ficar angustiada. Quando os cientistas dizem que o desmatamento transformará a Amazônia em um deserto é disso que se trata. Nós temos esse privilégio, produzimos a nossa própria chuva. O agronegócio é uma potência porque temos essa potência florestal, uma parte do agronegócio já entendeu isso”. A Amazônia é de fato uma fábrica de chuvas para todo o país. É esse patrimônio que o governo Lula quer de novo proteger, mas agora será muito mais difícil do que há vinte anos porque o crime avançou muito. A ex-ministra sabe o que é preciso fazer para reconstruir a ação do governo nessa área. Ela defende também a criação de um órgão técnico, que tem sido chamado de Autoridade Climática.

Luiz Carlos Azedo - Pedido de anulação da eleição estimula o golpismo

Correio Braziliense

Do outro lado do balcão, a equipe de transição começa a cair na real das dificuldades que enfrentará no Congresso

Não foi à toa que o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou ao Palácio do Planalto, ontem, depois de um chá de sumiço, no qual estaria em depressão e com erisipela – um processo infeccioso da pele, que pode atingir a gordura do tecido celular, causado por uma bactéria que se propaga pelos vasos linfáticos. A doença é comum em diabéticos, obesos e portadores de deficiência da circulação das veias dos membros inferiores, mas também pode ser causada pela baixa imunidade de quem está em depressão.

Na terça-feira, o pedido de anulação das eleições apresentado pelo presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, animou Bolsonaro a liderar uma espécie de terceiro turno das eleições, embora essa seja uma causa impossível no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro acredita piamente na manipulação das urnas eletrônicas desde sua eleição em 2018, pois afirma que a teria ganho já no primeiro turno.

Pelo andar da carruagem, o presidente da Corte eleitoral, Alexandre de Moraes, nem tomará conhecimento do pleito. Se o fizer, alimentará as especulações criadas por um relatório sem consistência técnica, que se alimenta de um falso argumento: a numeração de série não individualizada em 60% das urnas utilizadas no segundo turno, que são as mesmas do primeiro e das eleições anteriores. Hoje, veremos se o PL aditará ao requerimento o pedido de anulação das eleições do primeiro turno, por uma questão de coerência, como exigiu Moraes no seu primeiro despacho sobre o tema.

Maria Cristina Fernandes - A zoada da transição

Valor Econômico

Vácuo de definições reaproxima golpistas que ocupam as ruas do eleitor que optou por Lula pelo anti-bolsonarismo

O governo que está por ser empossado resiste a definir o valor da licença para gastar que vai pedir ao Congresso, o compromisso fiscal que assumirá em troca e os ministros da tropa que vai entrar em campo. Não são as manifestações antidemocráticas no país que represam estas definições, mas a zoada, amplificada esta semana pela petição golpista do maior partido do Congresso em 2023, resume a armadilha em curso. Se o presidente eleito precisou ampliar para ganhar a eleição não poderá ir no sentido contrário para enfrentar a chantagem armada.

É bem verdade que na primeira vez em que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, as definições tardaram, mas, 20 anos atrás, a terra era mais redonda. O terraplanismo golpista, além de ter sobrevido ao resultado eleitoral, mostra-se diferente daquele da campanha. Se a ameaça à democracia amalgamou credos em torno de Lula, as indefinições sobre seu futuro governo aproximaram, pelo mau humor, os eleitores de Jair Bolsonaro daqueles que optaram pelo petista para se livrar do atual presidente.

O exemplo mais explícito disso foi o do ministro do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, no áudio em que juntou a “irresponsabilidade fiscal” do PT com a aposta na insurreição das casernas. O binômio se reproduz em mesas de operação e reuniões de conselhos de empresas nos últimos dias.

Cristiano Romero - A inútil batalha contra os mercados

Valor Econômico

Lula, com declarações e hesitações, piora já juro, câmbio e bolsa

As declarações do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, desde a vitória e o mistério com que vem tratando a nomeação do futuro ministro da Fazenda estão impondo custos desnecessários à economia brasileira. Trata-se de algo de difícil compreensão, afinal, o período eleitoral acabou e, portanto, se há algo inútil neste momento são as arengas dirigidas ao mercado.

Quando três autoridades de Brasília - o presidente da República, o chefe da equipe econômica e o presidente do Banco Central - abrem a boca para dizer qualquer coisa, a atenção dos mercados é absoluta. E por que é assim? Porque o que eles declaram é capaz de mudar imediatamente as condições financeiras do país, isto é, a taxa de câmbio, os valores das ações de empresas negociadas na B3 (a bolsa de valores de São Paulo) e os juros de contratos também negociados na bolsa.

Bruno Boghossian - Bolsonaro apaga as luzes

Folha de S. Paulo

Gestão se encerra as com marcas da paralisia, do vazio de políticas públicas e da turbulência golpista

Depois de quase três semanas, Jair Bolsonaro voltou ao Palácio do Planalto para um dia de trabalho. O capitão retornou ao gabinete presidencial para apagar as luzes de um governo que se encerra com as mesmas marcas dos últimos quatro anos: paralisia administrativa, vazio de políticas públicas e turbulência golpista.

Bolsonaro havia se recolhido por quase 20 dias num misto de melancolia pela derrota eleitoral e a recuperação de um processo infeccioso em uma das pernas. Nesse tempo, o governo não sentiu a necessidade de apresentar nenhuma satisfação sobre o problema de saúde que mantinha afastada do trabalho a principal autoridade do país.

Maria Hermínia Tavares* - Os Onodas nacionais

Folha de S. Paulo

A adesão política nunca resulta de frio cálculo: envolve paixões às pencas

É como se fossem dois países. Em um, a vida parece seguir normalmente. O presidente eleito viaja pelo mundo e, por onde passa, é recebido com simpatia, enquanto aqui se prepara a transição de governo. No outro país, há crispação e raiva — muita raiva.

Partidários do perdedor fecham estradas, promovem motociatas, atacam pessoas, divulgam desatinos nas redes e se aglomeram diante dos quartéis clamando por intervenção militar. Fazem lembrar Hiroo Onoda, o patético tenente japonês que durante 30 anos ficou escondido na selva das Filipinas, sem saber que a Segunda Guerra Mundial já era história. O comportamento dos nossos Onodas decorre de dois fenômenos casados. O primeiro tem a ver com o modo como se informam; o segundo, com os laços que os unem a seu líder.

Em recente seminário, o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest Pesquisa e Consultoria, argumentou, arrimado em dados de pesquisa, que os brasileiros vivem em ambientes estanques de informação: ecossistemas constituídos por diferentes órgãos da imprensa escrita, emissoras de rádio e TV e redes sociais que veiculam valores e imagens antagônicas dos problemas brasileiros.

Vinicius Torres Freire - Lula 3 deu passo maior do que a perna

Folha de S. Paulo

Sem grupo econômico e político para montar PEC decente, há sururu na finança e no Congresso

"governo de transição" de Luiz Inácio Lula da Silva deu um passo maior que a perna ao propor, sem planejamento, um gasto extra de quase R$ 200 bilhões em 2023. É o que fica evidente a cada dia de negociação ou de confusão da "PEC da Transição".

Antes de jogar essa PEC no lago de tubarões do Congresso, teria sido prudente contar, ao menos, com um conselho econômico, um par de assessores especializados que fizesse as projeções básicas de quanto dá para gastar sem causar tumulto social e economicamente contraproducente.

Isto é, um conselho para encaixar a PEC nas linhas gerais de um programa fiscal, adequando tanto seu tamanho como indicando qual a diretriz geral para conter o endividamento. Nem precisava ser um ministro da Fazenda (embora ajudasse bastante) e, menos ainda, ter uma nova regra fiscal pronta, inviável agora.

Não aconteceu nada disso, mesmo estando claro que seria preciso "governar" imediatamente após a eleição. Sim, esse imperativo que é uma aberração, de fato, mas é o que temos: risco de mais ruína se não se agir rápido.

William Waack - A boniteza do sapo

O Estado de S. Paulo

Lula está no meio do caminho entre criar consensos ou provocar perigosa crise de confiança

O grande teste para o presidente eleito Lula é conseguir pular a própria sombra. Não se trata apenas da sombra deixada pelos escândalos de corrupção do período petista no poder, um dos fatores essenciais para se entender a oposição ao novo/velho governante.

A grande sombra que Lula precisa pular é a da própria geração. É a que, na saída do regime militar, acreditou que a redemocratização e tudo o que se escreveu na Constituição automaticamente levariam à solução de desigualdade, miséria, ignorância, violência e doença.

Essa geração adotou um “contrato social” que fez subir constantemente os gastos sociais nas últimas décadas, não importando qual governo. Ocorre que o País quebrou tentando financiar esse estado de bem-estar social. É este o grande pano de fundo do debate em torno da PEC da Transição.

José Serra* - O novo arcabouço fiscal está na LRF

O Estado de S. Paulo

Uma PEC no atual regime deveria vir com dispositivo exigindo que o Executivo apresente ao Senado os limites de endividamento

A equipe de transição do presidente eleito apresentou a lideranças do Congresso Nacional uma proposta para alterar a Constituição com o objetivo de descumprir o teto de gastos em até R$ 200 bilhões. Com razão, lideranças políticas e especialistas em contas públicas apontaram graves riscos fiscais.

Qualquer “licença para gastar” concedida pelo Poder Legislativo precisa acompanhar prazos e diretrizes para implantar um novo arcabouço fiscal no País, substituindo o teto de gastos em vigor desde 2016. Sabidamente, o regime atual do teto de gastos já não consegue promover transparência e planejamento na gestão do Orçamento federal. Um novo arcabouço fiscal deveria ser construído sobre os alicerces da nossa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): promover o planejamento e a transparência das medidas fiscais de curto prazo em sintonia com os objetivos fiscais de longo prazo.

Diego Pereira* - Clima e democracia

O Estado de S. Paulo

É no autoritarismo que não nos preocupamos com o futuro das gerações vindouras, com a desigualdade do tempo presente e com o passado sem memória

Costumo dizer que nem tudo no Brasil é um problema jurídico, embora quase tudo seja um conflito de natureza política. Mas todos os nossos problemas são de cunho democrático? Também não. Porém uma verdade é incontestável: discutir clima virou uma vertente democrática. Então, a pergunta que pretendo responder aqui é a seguinte: por que discutir clima é discutir democracia?

A palavra democracia, polissêmica que é, traduz a complexidade de definições teóricas e de sensibilidade empírica sempre que se quer defini-la. Podemos falar de democracia sob um viés político, jurídico, histórico, de legitimidade, de mobilização social, etc. Para não incorrer no erro das escolhas erradas, adoto a ideia, aqui, de que democracia é aquilo que escolhemos deixar escrito em nossa Carta de direitos e deveres legais em 5 de outubro de 1988.

Então, o que conceituo de democracia neste texto coincide com o conjunto de normas estatuídas em nossa Constituição, e daqui já deduzo que vivemos num Estado de Direito, que me diz o que faço ou deixo de fazer por meio da lei.

Ruy Castro - Com Erasmo Carlos para Playboy

Folha de S. Paulo

Nesta entrevista de 1980, ele começava a voltar, depois de conhecer a glória e o desprezo

Playboy, 1980. Trechos de minha entrevista com o suave Erasmo.

"Já tive a minha fase de ídolo, de ser rasgado pelas fãs, de não poder sair à rua. Um dos motivos da minha calvície foram os chumaços de cabelo que as meninas arrancavam. Até três juntas dá pra encarar, só querem beijar. Mas, no que passou de dez, ficam selvagens, te pisoteiam, podem até te matar."

"Eu não vim da elite. Vim do proletariado urbano, nasci na Zona Norte do Rio. Cantei em circo, cantei em propaganda de candidato a vereador na Baixada Fluminense, cantei em caminhão, já fui em avião de carga para cantar no Piauí. Já cantei em cinema sem microfone. Onde pintava uma grana eu ia buscar."

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Copa do Mundo traz oportunidade para Brasil se unir

O Globo

Cindido por eleição fratricida, mais que nunca país precisa encontrar no futebol sua identidade comum

Numa entrevista sobre a façanha do pentacampeonato em 2002, o atacante Ronaldo — principal estrela daquela conquista — descreveu com palavras singelas o efeito da Copa do Mundo no brasileiro: “Ter um momento de união, o país todo feliz por causa de uma coisa, isso nunca acontece no Brasil, só o futebol consegue trazer isso”.

Único pentacampeão mundial e único a participar das 22 Copas, o Brasil, cuja seleção estreia hoje no Catar contra a Sérvia, precisa mais que nunca mirar-se nas palavras de Ronaldo. É essencial, mais que nunca, unir um país de 215 milhões cindido ao meio por uma eleição fratricida, que deixou marcas profundas na sociedade. A ponto de a camisa canarinho, reconhecido símbolo do escrete nacional, ser vista com desconfiança por parte da torcida depois de usurpada pelo bolsonarismo.

Poesia | Pablo Neruda - Saudade

 

Música | Pablo Milanes - Yo pisare las calles nuevamente.