(Roberto Freire, em artigo, , no jornal Brasil Econômico.)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 23 de janeiro de 2010
Reflexão do dia - Roberto Freire
(Roberto Freire, em artigo, , no jornal Brasil Econômico.)
Roberto Freire * :: Silêncio ensurdecedor
Em 2010 comemoramos os 25 anos do fim da ditadura militar. Sintomático e relevante é o silêncio abissal do PMDB e o total alheamento do PT, talvez o partido que mais se beneficiou com a redemocratização.
É compreensível a não-comemoração de tão importante fato na vida política do país por parte do PT, que se recusou a fazer parte da aliança democrática que elegeu Tancredo Neves em 1985, depois de derrotada a emenda das Diretas Já - e ai da democracia brasileira se dependesse do PT: a ditadura teria se reproduzido com a escolha de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Já o silêncio do PMDB e de outras forcas democráticas nos parece constrangedor.
O MDB, antecessor do PMDB, fundado pelo Ato Institucional 2 (juntamente com a Arena), em 1965, nucleou desde o início uma oposição derrotada remanescente dos diversos partidos que haviam sido extintos pelo regime militar.
Um momento marcante aconteceu em 1974, quando o MDB obteve uma vitória histórica na eleição para o Senado, derrotando a Arena em 17 dos então 21 estados da Federação. Com licença do leitor para o grifo, "consolidava-se ali a via democrática como a única forma de luta capaz de derrotar a ditadura".
Cabe destacar, sobretudo para a nova geração, o papel que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) desempenhou na redemocratização do País. Foi o Partidão o setor da esquerda que, junto e sob a liderança dos democratas, construiu a mais ampla frente de forças políticas e sociais de resistência ao regime militar.
O PCB recusava o voluntarismo e o aventureirismo da opção pela luta armada: além de equivocadas, as teorias militaristas dos focos, as guerrilhas urbanas e rurais, os seqüestros e atentados, serviram para articular as forças da repressão e os ultrarradicais do regime militar. O PCB entendia que uma frente democrática era o instrumento efetivo para o isolamento e derrota da ditadura.
De todo modo, nós, que viemos daquelas forças políticas que forjaram o velho MDB, temos, não apenas que festejar, mas nos sentirmos responsáveis pela saída democrática que o país conheceu com a eleição de Tancredo Neves (sim, o vice era José Sarney!).
E o PT com isso? Aí é que está. Alguns anos antes do Colégio Eleitoral, precisamente após a anistia (a primeira) de setembro de 1979, o regime havia, por meio de uma reforma política da lavra do general Golbery do Couto e Silva, dividido a oposição e permitido a legalização e criação de partidos democráticos, dentre eles, no campo da esquerda, o PDT (legenda que resultava do golpe judiciário contra o PTB de Brizola) e o PT (articulação de movimentos da Igreja Católica com expressivas lideranças sindicais e egressos da luta armada).
Não por acaso, o regime não permitia a livre organização partidária, o PCB continuava perseguido. A liberdade partidária plena só se concretizaria após a eleição de Tancredo, quando o governo removeu entulhos autoritários, acabou com a censura, restaurou a liberdade de imprensa e convocou a Assembleia Nacional Constituinte.
Não é motivo bastante para comemorações?
* É presidente do PPS
Merval Pereira :: Máquina politizada
O próximo presidente da República vai herdar uma máquina pública experiente e bem formada, mas com fortes vínculos políticos com o PT e a CUT, relação histórica ampliada e aprofundada no governo Lula. A mais completa radiografia dessa máquina no âmbito do Poder Executivo nacional está registrada no livro “A elite dirigente do governo Lula”, da cientista política Maria Celina D’Araujo, atualmente professora na PUC do Rio de Janeiro, com participação da também cientista política Camila Lameirão.
Realizado basicamente a partir de pesquisas quando atuava no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) da Fundação Getulio Vargas, no Rio, o trabalho define as principais características da máquina pública federal: formada por pessoas altamente escolarizadas, com experiência profissional, na maioria proveniente do serviço público, com fortes vínculos com movimentos sociais, partidos políticos, especialmente o PT e sindicatos e centrais sindicais, principalmente a CUT.
Na análise de Maria Celina, os integrantes das carreiras públicas estão majoritariamente filiados a sindicatos e têm preferencialmente adotado o PT, “de forma que mesmo que o governo seja de outro partido, a máquina pública irá refletir essa tendência”.
Esse “sindicalismo de classe média”, onde predominam professores e bancários, tem sua base no funcionalismo público, fundamental para reativar o sindicalismo brasileiro a partir da redemocratização nos anos 1980, e está na origem do Partido dos Trabalhadores.
Dados oficiais indicam que em julho de 2009 havia cerca de 80 mil cargos e funções de confiança e gratificações no Poder Executivo federal.
Destes, cerca de 47.500 eram cargos e funções de confiança na administração direta, autárquica ou fundacional, que podiam ser preenchidos discricionariamente pelo Poder Executivo federal.
No governo Lula, todas as nomeações passaram a ser concentradas na Casa Civil.
“Um número excepcional de indicações concentrado nas mãos do presidente e dos ministros, o que revela não só a alta centralização da administração pública no país, mas também uma contradição gritante e desconfortável do ponto de vista da boa gestão pública: de um lado, um grande número de cargos e posições preenchidos por critérios de confiança política, de outro, regras praticamente ad hoc para preenchê-los” analisa o estudo da cientista política Maria Celina D’Araujo.
Um dos aspectos mais preocupantes derivados dessa pesquisa, diz ela, é a ausência de regras estáveis para definir os critérios de nomeação dos dirigentes públicos no Brasil, em especial os ocupantes dos cargos de DAS.
“Em geral predomina a falta de transparência nos processos de seleção. (...) A administração pública nem sempre é tratada de forma impessoal e profissional e, portanto, pode mudar a cada governo, segundo critérios e interesses de ocasião”.
Como consequência, analisa o estudo, o setor público “pode facilmente ser capturado por interesses organizados”, situação na qual “o patrimonialismo e o corporativismo podem ser acentuados”.
A amostragem de Maria Celina indica que 45% dos ocupantes dos cargos de Direção e Assessoramento Superiores, os famosos DAS, de níveis 5 e 6, e cargos de Natureza Especiais, os menos famosos NES, no primeiro governo Lula, e 42,8% no segundo, eram filiados a sindicatos de trabalhadores.
Da mesma forma, a presença de membros de centrais sindicais é expressiva: 10,6% no primeiro governo e 12,3% no segundo. O grupo de sindicalizados que ocupa cargos de confiança nos governos Lula não só é mais vinculado a partidos políticos (ao PT) como é também mais associado a centrais: 24,3% indicaram ter esse tipo de vinculação.
Quando o estudo analisa o quantitativo geral de ocupantes de cargos de DAS e NES dos dois governos que compõem a amostra de 505 pessoas, a taxa de filiação sindical é de 40,8%, e a adesão a centrais entre esses sindicalizados é de 24,3%.
O trabalho verificou que é alta a presença de funcionários públicos entre os ocupantes dos cargos de DAS, um grupo de fortes vínculos com movimentos sociais, partidos, terceiro setor, academia e, em especial, com sindicatos.
Não se trata, portanto, salienta Maria Celina D’Araujo, de funcionários desinteressados, mas de um conjunto de cidadãos “com níveis de participação e de inserção política e social muito acima dos que são praticados pela média da sociedade brasileira”.
Segundo dados do Ministério do Trabalho relativos a 2001, entre os 498 sindicatos de servidores públicos filiados a centrais, 392 eram filiados à CUT. Segundo o trabalho, a conexão entre servidores públicos sindicalizados e CUT está bem evidenciada como forte tendência do sindicalismo do setor público brasileiro desde a Constituição de 1988.
“Mesmo que, com a eleição de Lula, fosse de esperar que os sindicatos ficassem mais perto do governo e do Estado, esses dados chamam a atenção. Num país conservador como o Brasil, a presença tão significativa de profissionais sindicalizados nas altas esferas do governo parece destoante”, observa a cientista política.
Ela salienta que os percentuais de sindicalização na máquina pública estão muito acima do que se observa na sociedade brasileira, que, em 2006, segundo o IBGE, registrava uma taxa de sindicalização em torno de 18% num total de 17 milhões de trabalhadores.
Do total da amostra, 24,7% são filiados a partidos, mas, quando a análise enfoca apenas os sindicalizados, a taxa de filiação partidária sobe para 39,3%, demonstrando que o grupo de dirigentes públicos sindicalizado é também mais envolvido com a vida partidária.
A hegemonia do PT é avassaladora: dos sindicalizados, 82,5% são filiados ao PT, e no resto da amostra esse percentual chega a 78%. (Amanhã, os fundos de pensão)
Dora Kramer:: Parceria de adversários
Desde que anunciaram a disposição de disputar a eleição presidencial em regime de coalizão formal, o PT e o PMDB só têm feito blefar um com o outro.Não se pode dizer que seja uma relação fundada na confiança. Até porque a suspeita mútua é explícita.
O PT acha que o PMDB pode pular fora a qualquer momento, se sentir no adversário a possibilidade de um porto mais seguro. O PMDB desconfia que o PT só o chamou à dança para valorizar a candidatura de Dilma Rousseff, e teme ser deixado no meio do salão assim que, e se, a ministra cair no gosto do eleitorado.
Assim que terminou a eleição municipal de 2008, em que naufragou a maioria das tentativas de acordos entre PT e PMDB, o presidente Luiz Inácio da Silva prometeu aos aliados que o mesmo não se repetiria em 2010, pois ele pessoalmente se encarregaria de enquadrar o PT nos Estados.
Blefe. O tempo passou, não houve enquadramento algum e Lula só resolveu a pendência do Rio de Janeiro, tirando o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, do caminho do governador Sérgio Cabral. As outras complicações permaneceram complicadas e o PMDB deu-se conta disso logo.
A fim de se precaver, no segundo semestre do ano passado, a direção do PMDB forçou um pré-acordo segundo o qual o PT se comprometia a reservar a vaga de vice ao partido alegando que, com isso, demonstravam sua fidelidade ao presidente Lula.
Blefe. Na verdade, o que os pemedebistas queriam era afastar a hipótese Ciro Gomes do caminho e assegurar o lugar na chapa nacional com o objetivo de se fortalecer nas montagens das candidaturas estaduais aos governos e ao Senado.
Queriam apressar o processo e produzir o fato consumado.
O PT disse ok. Montou-se um encontro com o presidente Lula e foi sacramentado o acordo em torno do nome do presidente do PMDB, Michel Temer.
Blefe. O que se ouve mais falar no PT é em nomes de outros vices que não do PMDB. Além disso, o presidente Lula pouco depois de consagrado o acerto pediu uma lista com três nomes para escolha. Quer dizer, ignorou solenemente a posição do aliado em favor de Michel Temer.
O PMDB reagiu alegando interferência indevida nas decisões do partido. O PT recuou sob a alegação de que o presidente Lula havia apenas se livrado de uma saia-justa quando lhe perguntaram se preferia Edison Lobão ou Temer para a vaga.
Blefe. Na reunião de ministros, na quinta-feira, Lula repetiu a ideia da lista tríplice.
Menos de 24 horas antes o PMDB havia decidido antecipar de março para fevereiro sua convenção para reconduzir Temer à presidência do partido sob a alegação de que com o partido unido em torno dele fica reforçada sua autoridade para negociar com o PT a vice e estabelecer "regras claras" para as composições nos Estados.
Blefe. Com a realização da convenção, estrategicamente marcada para duas semanas antes do Congresso do PT que consolidará Dilma Rousseff como candidata, o PMDB pretende que sejam explicitados vários aspectos que a direção nacional não pode vocalizar.
Por exemplo, a dimensão da resistência à aliança e o quanto ela poderá ser maior quanto mais o tempo passa e se aproxima a hora de a oposição assumir a candidatura de José Serra.
Nenhum dirigente pemedebista pode dizer isso de público, mas nada impede de os convencionais manifestarem o sentimento do partido de que o PT não tem para onde correr e que no PMDB, embora a tendência seja de ficar com o governo, há alternativa.
Resumindo, lance a lance, ambos pagam para ver o jogo do parceiro. E nesse ambiente de cismas recíprocas é que se firma uma aliança para governar o Brasil.
Tributo
A extinção da CPI do panetone da Câmara Distrital de Brasília não influi nem contribui para a impunidade do governador José Roberto Arruda, porque a CPI existia exatamente para não influir nem contribuir com qualquer possibilidade de punição.
Agora, o juiz que provocou a reação deu uma excelente contribuição: expôs a farsa, estabeleceu um contraponto à desfaçatez, rompeu com a rotina de aceitação às burlas do Legislativo e serviu de exemplo a outros Parlamentos. Inclusive, e principalmente, o nacional.
Nó de marinheiro
Se o vice-presidente José Alencar decidir mesmo, como parece que decidirá, concorrer ao Senado, o espaço em Minas Gerais fica mais estreito.
Mantida a candidatura de Aécio Neves, em tese as duas cadeiras existentes já estariam praticamente ocupadas, pois ambos, cada qual em seu campo, são tidos como imbatíveis.
Nesse caso, as vagas não poderiam ser negociadas nem para aliados de Lula - Hélio Costa ou os petistas que porventura fossem levados a desistir da candidatura a governador - nem para correligionários de Aécio Neves, mais especificamente Itamar Franco.
Sobraria o lugar de vice. Nas chapas estaduais ou nacionais.
Fernando Rodrigues:: "Estados mentais"
BRASÍLIA - Exceto para um brasileiro recém-chegado de Júpiter, já está clara a configuração da eleição presidencial deste ano. Haverá dois postulantes principais: um do PSDB e outro do PT -possivelmente José Serra e Dilma Rousseff.
Ainda assim, por causa de uma idiossincrasia brasileira, a lei proíbe Serra e Dilma de fazerem campanha já. Quem se declarar candidato corre o risco de ser punido por fazer "campanha antecipada". O Código Eleitoral, de 1965, determina: "A propaganda de candidatos a cargos eletivos somente é permitida após a respectiva escolha pela convenção". Nesse caso, "propaganda" é qualquer ato de proselitismo. A lei obriga os partidos a realizarem suas convenções apenas em junho do ano eleitoral. Até lá, é fingimento puro. A hipocrisia se estende aos congressistas. Um deputado ou senador candidato pode divulgar suas atividades, "desde que não se mencione a possível candidatura". Por conta dessa regra bizantina, PT e PSDB vivem entrando na Justiça. Acusam-se mutuamente de "propaganda fora de hora".
É raro uma ação dessas prosperar. Os candidatos nunca se declaram como tal. Fingem não ter pretensões eleitorais. Os juízes, talvez constrangidos pelo texto esdrúxulo da lei, não punem ninguém.
Faria bem à democracia brasileira se os políticos pudessem, a qualquer tempo, dizer se têm ou não têm pretensão eleitoral. Fora do expediente de trabalho e sem usar o dinheiro público, comícios e debates seriam úteis -e não só nos poucos meses antes da eleição.
O paroxismo da obsessão por tutelar o eleitor se dá quando a lei proíbe usar "meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais".
Esse atraso mental é um entulho autoritário resiliente. Os políticos não se livram do problema porque essa é uma ótima muleta para o jogo de dissimulação dos candidatos.
Heloísa contraria PSOL e reitera apoio a Marina
Presidente do partido, ex-senadora lamenta opção por candidatura própria, mas se oferece para colaborar com candidata do PV ao Planalto
Luciana Nunes Leal
A presidente nacional do PSOL, Heloísa Helena, lamentou ontem a decisão da direção partidária de interromper as negociações para apoiar a candidata do PV à Presidência, senadora Marina Silva.
Ex-senadora e hoje vereadora em Maceió, Heloísa disse que continua a torcer pela eleição de Marina e que está à disposição da candidata para contribuir na elaboração do programa de governo.
Na quinta-feira, a maioria do PSOL optou pelo lançamento de candidatura própria ao Palácio do Planalto. Heloísa defendia apoio formal a Marina, mas sem participar das alianças, por causa da opção do PV de se unir, em alguns Estados, a partidos como o PSDB.
"Quero deixar claro que todo respeito, a admiração e a amizade que tenho por Marina estão preservados. Ela é competente, honesta, sensível e absolutamente preparada. Torço muito para que seja eleita", disse Heloísa. "Onde Marina entender que eu posso ajudar, com minha experiência, na construção do programa, vou contribuir, especialmente em segurança pública, saúde e educação."
A costura de uma aliança dos verdes com o PSDB no Rio, em torno da candidatura do deputado Fernando Gabeira ao governo, foi decisiva para a interrupção das negociações do PSOL com o PV. "Infelizmente a tática eleitoral do PV no Rio acabou por criar obstáculos à aliança que seria feita. Minha proposta era apoio a Marina independentemente de aliança com o PV e com interferência no programa de governo. Infelizmente o PSOL não entendeu dessa forma", lamentou Heloísa.
DISPUTA INTERNA
Internamente, a principal líder do PSOL vai trabalhar pela candidatura do presidente do diretório de Goiás, Martiniano Cavalcanti, ao Palácio do Planalto. Martiniano vai disputar a indicação com o ex-deputados Babá e Plínio de Arruda Sampaio em prévia que deverá acontecer em março.
Heloísa negou a existência de uma divisão no PSOL e disse compreender a decisão do partido que preside. "Vejo com tristeza, mas acato. Nem minha candidatura à Presidência da República era consenso no partido. Existiam pessoas que queriam minha candidatura apenas pelo eleitoralismo, para ajudar nos Estados", afirmou Heloísa.
Troca de ofensas serve para demarcar território
Discurso do PT irá comparar Lula a FHC; PSDB venderá "continuidade sem continuísmo"
Fernando Rodrigues
O conteúdo vitriólico das notas e declarações disparadas por PT e PSDB nos últimos dias tem um objetivo simples: demarcar território e fixar a imagem que cada legenda julga conveniente para seu postulante ao Planalto.
Tucanos e petistas já definiram a linha geral dos discursos a partir de junho, quando começa oficialmente a campanha.
O foco do PT no plano nacional será dizer que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma administração melhor do que a de seu antecessor, o tucano Fernando Henrique Cardoso. Para tanto, interessa aos petistas insinuar que tucanos no Planalto serão sinônimo de retrocesso, com o cancelamento de programas atuais.
Do lado do PSDB, o enfoque do discurso no plano nacional será o de reconhecer avanços no atual governo, mas sugerir que muito mais poderia e será feito com um tucano no lugar de Lula. É a proposta de continuidade sem continuísmo, usada por candidatos de oposição em disputa contra administradores bem avaliados.
Nesta fase de pré-campanha, políticos sempre tentam duas coisas: 1) fixar determinados conceitos positivos para si e 2) colar imagens negativas nos rivais. A estratégia é definida por extensas pesquisas qualitativas sobre o humor do eleitor.
No final do ano, por exemplo, circulou no Planalto pesquisa na qual os eleitores diziam estar muito satisfeitos com Lula, mas que enxergavam o tucano José Serra como o mais habilitado a dar continuidade ao programa do presidente petista.
Não é à toa que os tucanos enfatizam sempre em suas críticas o suposto "despreparo" de Dilma Rousseff. Também não é por acaso que Dilma é mostrada pelo PT de maneira recorrente como se fosse uma executiva de sucesso, ao lado de Lula.
Para dar certo, essa política de ataques mútuos precisa preservar o candidato. As pesquisas (sempre elas) mostram que o eleitor rejeita quem fala em tom beligerante. Foi o erro de Lula em várias eleições nas quais saiu derrotado. A solução é terceirizar a artilharia pesada para um pelotão que preserva o principal interessado.
No caso do PSDB, foi o presidente nacional da legenda, Sérgio Guerra, que deu entrevista classificando como ficção o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), propondo sua eliminação num possível governo tucano. Mais adiante, ao ser atacado, Guerra teve o auxílio nos bastidores de José Serra para escrever uma nota mais dura, na qual acusava Dilma de "mentir". Mas Serra nunca apareceu desempenhando o papel de agressor.
No PT a estratégia é idêntica. Dilma aparece em público fazendo discursos mais políticos. Quem apareceu para bater e chamar Guerra de "jagunço da política" foi o presidente nacional petista, Ricardo Berzoini.
Lula é uma exceção. Do alto de sua popularidade recorde, flutua entre refutar o "baixo nível" e chamar o dirigente tucano Sérgio Guerra de "babaca" durante reunião ministerial.
Villas-Bôas Corrêa :: Baixa o nível da campanha
Desde que acompanho como repórter as campanhas políticas, de 1948 para cá, o nível não é lá o recomendável para uma conversa em casa de família. Mas não há termo de comparação entre o Congresso da fase de ouro da eloquência parlamentar, quando as sessões da Câmara Federal, no Palácio Tiradentes, que hoje agasalha a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, atraíam um público cativo que se espalhava pelas galerias, entupidas nas tardes e noites dos grandes debates, e o pior de todos os tempo que nos envergonha na farra das mordomias, vantagens e privilégios, o campeão dos escândalos desde a mudança da capital para Brasília, ainda em obras.
E que nasceu torta com a autonomia que a promoveu a um estado, com governador, Assembleia Legislativa, Câmara de Vereadores e a mania de grandeza que se embaraça em escândalos, até o recorde da distribuição, pelo governador Arruda, de pacotes de notas a secretários, deputados distritais, cupinchas flagrados escondendo a propina nas meias, calças, bolsos, cuecas, além da previdente senhora que levou a mala com chave para guardar o suborno, fechou a porta por precaução, mas esqueceu de desligar a máquina cinematográfica.
Não apenas necessito justificar-me como acho que os leitores que não viveram a época de ouro podem ter alguma interesse pelo testemunho de um dos poucos sobreviventes em que o Rio era a Cidade Maravilhosa, cheia de encantos mil e o Congresso com a mais brilhante equipe de oradores parlamentares. Outros tempos, outros costumes. O Senado, no Palácio Monroe, derrubado pela insensibilidade do presidente general Ernesto Geisel, era uma casa tranquila, com senhores de cabelos brancos ou carecas, que lá uma vez ou outra pegava fogo com grandes debates de oradores como José Américo de Almeida, Góis Monteiro, Mem de Sá.
A semana parlamentar começava na segunda-feira com sessões diárias e algumas extraordinárias até sábado. Jamais faltava quorum: senadores e deputados moravam no Rio com as famílias, e os subsídios eram modestos e impunham o padrão de vida modesta.
Muitos parlamentares que depois foram governadores, como Aluisio Alves, Antonio Carlos Magalhães e José Sarney, hospedavam-se com as famílias no hotéis próximos à Câmara na Rua do Catete, Glória, Flamengo.
Mas eram os debates entre governo e oposição que vendiam jornais e lotavam as galerias. Carlos Lacerda foi o maior oradores que conheci, mas o maior discurso que ouvi de pé, na “terra de ninguém”, o espaço entre a Mesa da Câmara e o plenário, ao lado do deputado Gustavo Capanema e do saudoso amigo jornalista Oyama Telles, foi o do deputado Afonso Arinos de Melo Franco, líder da oposição, na crise de agosto, que terminaria com o trágico suicídio do presidente Getulio Vargas.
Tive o bom-senso de recusar as melhores propostas para mudar-me para Brasília. Não imagino como me sentiria frequentando o Congresso do escândalo do Senado ou a Câmara das mordomias, vantagens e mutretas.
A campanha que começa dentro do prazo legal em 3 de abril, antecipada pelo presidente Lula para o lançamento da candidatura da ministra Dilma Rousseff e que rolava morna e semiclandestina com as viagens a pretexto de acompanhar obras do PAC e do Minha Casa Minha Vida, esquentou de repente com o surpreendente destampatório da ministra Dilma Rousseff, que no discurso de terça-feira, em Minas, acusou o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE) de ter declarado que, se a oposição chegar ao governo, “acabará com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”.
O revide do senador foi às últimas: “Dilma Rousseff mente. Mentiu no passado sobre seu currículo e mente hoje sobre seus adversários. Usa a mentira como método. Aposta na desinformação do povo e abusa da boa-fé do cidadão”. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem a pasmaceira da oposição ou o desembaraço de Lula e da candidata na peta que viajam para fiscalizar obras, nem a apatia da oposição, que não conseguiu fechar a chapa.
Por ora, certo só o governador José Serra para presidente e o governador Aécio Neves para senador.
Wilson Diniz:: Pulando do barco
Cenário dos estados mostra que aliados podem deixar Dilma
Rio - A Arca de Noé foi um grande navio construído por Noé, a mando de Deus, para salvar sua família e as espécies animais, antes que viesse o grande dilúvio da Bíblia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ter se inspirado no Livro Sagrado para tentar viabilizar sua candidata à Presidência da República, Dilma Rousseff.
O presidente, quando construiu seu arco de coligações nos estados, não esperava que tantos animais políticos construíssem uma insurreição quase surda e pulassem do barco antes da chegada dos trovões da próxima eleição.
Na Região Sudeste, onde a eleição será decisiva, a base aliada está rachada. O PMDB de Orestes Quércia, no Estado de São Paulo, rompeu com a cúpula nacional do partido e se alia com o candidato do PSDB, José Serra. A candidata do presidente corre o risco de sofrer uma derrota fragorosa nas urnas.
Em Minas Gerais, se o governador Aécio Neves não fizer corpo mole para transferir seus votos para José Serra, o cenário torna-se complicado para Dilma Rousseff.
No caso do Rio de Janeiro, o candidato do PSDB sofre os efeitos cruzados da herança maldita do governo de Marcelo Alencar e falta de nomes no partido com densidade eleitoral para concorrer nas eleições majoritárias.
Para agravar quadro crítico do candidato do PSDB, o governador Sérgio Cabral, com 35% das intenções de votos nas últimas pesquisas e mais a máquina do prefeito Eduardo Paes, blinda o crescimento de José Serra.
O cenário muda, no Rio, se o deputado Fernando Gabeira (PV) concorrer ao governo do estado e o ex-governador Anthony Garotinho (PR), que tem asas de águia. pular do “barco” da ministra Dilma Rousseff e pousar no ninho dos tucanos de José Serra.
Após xingar líder tucano, Lula afaga Serra
Presidente disse que o governador é um "caro amigo"; anteontem, na reunião ministerial, chamou o presidente do PSDB de "babaca"
Senador Sérgio Guerra evita entrar em confronto com o presidente e responde que Lula "é conhecido por não controlar o seu vocabulário"
Catia Seabra
Um dia depois de chamar o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra (PE), de "babaca" durante reunião ministerial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cortejou publicamente o governador de São Paulo, José Serra, a quem se referiu como "caro amigo".
Ao lado de Serra -com quem compartilhou, entre risos, um bilhete do senador Eduardo Suplicy (PT-SP)-, Lula rechaçou o risco de estagnação econômica, ontem, durante inauguração das novas instalações da fábrica Cristália, em Itapira.
"Neste momento em que o presidente da República sai de Brasília, o governador sai da capital com o seu secretariado [...] para inaugurar uma nova fase desta empresa, estamos apenas tentando reafirmar que não adianta alguém ficar pensando que este país vai andar para trás. Este país aprendeu a andar para a frente, aprendeu a se desenvolver", discursou Lula, enquanto autoridades do governo federal e petistas insistem na ameaça de retrocesso em caso de vitória da oposição.
Apesar dos afagos -que incluíram provocações futebolísticas e um convite para que viajassem juntos de Itapira a Campinas-, o presidente Lula reafirmou sua pressa na execução do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), plataforma de lançamento da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) na corrida presidencial.
Em sua única alusão à reunião ministerial, Lula contou ter perguntado a Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia) se ele "vai gastar os R$ 41 bilhões" previstos no PAC: "É uma cobrança que eu vou fazer agora, até o final de 2010".
Em Campinas para uma visita ao Laboratório de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, Lula defendeu a importância do PAC, programa que, segundo ele, não tem dono. "O PAC não é do Sérgio Rezende, ele não controla esse programa", disse ele ao lado de Dilma.
Em seu discurso, Rezende e o ministro da Saúde, José Temporão, fizeram críticas a administrações passadas. Temporão disse que a "indústria farmoquímica foi destruída nos finais dos anos 80/90".
"A indústria em grande parte foi liquidada no fim dos anos 80 e começo dos anos 90, quando foi adotada uma abertura econômica no estilo de ataque de cavalaria antiga: rápida e malfeita", discursou Serra.
Serra afirmou que o Brasil começou a produzir medicamentos contra a Aids durante sua gestão à frente da Saúde.
Na cerimônia, Lula mostrou a Serra bilhete em que Suplicy relatava a história de um petista que teve de abrir mão da sociedade na Cristália por imposição do PT. Já no discurso, Lula disse que hoje o empresário não tem mais medo do PT.
Tucanos
Seguindo estratégia do PSDB de não entrar em confronto com Lula, mas com Dilma, Guerra disse que o presidente "é conhecido por não controlar o seu vocabulário":
"Quando ele faz comentários de baixo padrão, não vou respondê-los no mesmo nível".
Subida de tom do presidente no debate eleitoral preocupa cientista político
Lucas de Abreu Maia
A subida de tom do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chamou o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, de "babaca", é "muito preocupante", alerta o cientista político Amaury de Souza, sócio-diretor da MCM Consultores Associados. Segundo ele, a intensa troca de farpas entre lideranças do PT e do PSDB nesta semana indicam que a campanha presidencial já começou.
"A rigor o presidente não pode tomar partido em lutas eleitorais. Existe uma liturgia do cargo que precisa ser respeitada", diz. Ele nega, contudo, que este será o tom de toda a campanha. "O bate-boca em campanha tende a afastar o eleitor, que detesta essa prática."
Segundo Souza, para que a eleição presidencial ganhe o caráter plebiscitário desejado por Lula seria necessário que os potenciais candidatos do PT, a ministra Dilma Rousseff, e do PSDB, José Serra, estivessem mais próximos nas pesquisas de intenção de votos. No último levantamento do Ibope, em dezembro, Serra teria 35% dos votos contra 15% de Dilma.
"A eleição presidencial começará a despertar a atenção na grande massa de eleitores a partir de junho, quando serão realizadas as convenções partidárias", acredita Souza, acrescentando que cerca de 25% dos eleitores ainda se declaram indecisos. "Por enquanto, o bate-boca tem dois efeitos: chama atenção para a Dilma, mas também para todos os outros candidatos", opina. E afirma que a posição do governador paulista é confortável. "O presidente Lula já entrou na discussão. O Serra não precisa fazer o mesmo."
Quanto à estratégia petista de comparar os oito anos do governo Lula com a administração do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, ele alega ter dúvidas quanto à eficácia. "Me parece difícil que o eleitorado se lembre tanto do governo FHC a ponto de isso decidir uma eleição", diz.
A saída do governador mineiro Aécio Neves da corrida presidencial, que definiu a questão interna do PSDB e viabilizou a candidatura de Serra à Presidência, também ajudou a acendeu o bate-boca, segundo o cientista político. Ele aponta ainda como particularmente emblemática a declaração do presidente, na semana passada, de que era "capoeirista" e de que "vale chutar do peito para cima". "Mesmo que o presidente, no dia seguinte, tenha se dado conta do erro e pedido uma campanha de alto nível, o fato é que a intromissão dele levou à radicalização do senador Sérgio Guerra", opina.
A falta de apelo e a apelação - Editorial
Com a inestimável contribuição do presidente do PSDB, o senador pernambucano Sérgio Guerra, o presidente Lula e a sua criatura eleitoral, a ministra Dilma Rousseff, deram esta semana a largada para o festival de capoeira política com que pretendem suprir as carências aparentemente insanáveis da candidata em se afirmar como presidenciável dotada de luz própria. No primeiro comício do ano, travestido de ação administrativa - a inauguração de uma barragem no empobrecido Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais -, a ministra acionou o seu conhecido temperamento agreste para instalar no coração do eleitorado o medo de que uma eventual vitória da oposição abra as portas para o desmanche dos programas sociais de Lula.
O pretexto para a investida foi uma entrevista do senador Guerra. Nela, com a sutileza de um helicóptero americano pousando diante do semidestruído palácio do governo do Haiti, Guerra anunciou que os tucanos acabarão com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por se tratar de uma ficção. No diagnóstico, ele está certo. O PAC é uma invencionice publicitária para Lula mostrar serviço no descuidado setor de infraestrutura e turbinar o nome Dilma, "a mãe" do programa. Perto de 2/3 das 7.700 obras que o integram ainda não saíram do papel. Apenas 10% foram concluídas. Mas uma coisa é apontar o fiasco que expõe a lorota da capacidade gerencial da ministra. Outra é ajudar o presidente aprovado por 80% da população, prometendo acabar com seja lá o que for que tenha feito.
Deu no que deu. A declaração do senador - de tão desastrosa que poderia vir de um petista infiltrado na cúpula tucana - proporcionou a Dilma a chance de "chutar do peito para cima", como diria o seu patrocinador. "Vira e mexe querem acabar com algum programa do governo Lula. Em 2006, queriam acabar com o Bolsa-Família", aterrorizou. Dias depois, o Planalto propagou a versão de que ela tinha dado prova de traquejo ao chamar a oposição para a briga. Na realidade, observadores independentes registraram a esqualidez do desempenho da candidata, a sua fala desprovida de força e empatia genuínas, a sua atitude subalterna em relação ao chefe de quem é a antítese no quesito carisma e a quem não cessa de invocar para se associar a ele como que por osmose.
Eis por que Lula avisou que levará a ministra a tantas inaugurações quantas puder nestes primeiros três meses - só até o fim de fevereiro deverão ser pelo menos 11, em 7 Estados -, pois a partir de abril "a Dilma já não estará mais no governo e quem for candidato não pode nem subir no palanque comigo". A compreensível insegurança do presidente com os futuros voos solos da sua eleita o leva a exacerbar a mobilização do governo em seu favor e a escalar no vale-tudo.
Na quinta-feira, transformou a primeira reunião ministerial do ano em sessão de comitê eleitoral, reiterando a estratégia de fazer da sucessão um plebiscito. "Quero", anunciou autocraticamente, "fazer a campanha do quem sou eu e quem és tu." "Eu" não seria Dilma, mas o governo Lula, nem "tu" seria José Serra, mas o governo Fernando Henrique.
Num assomo de cinismo, mesmo para os seus padrões, exortou a equipe a evitar o "jogo rasteiro" da oposição, para que a disputa "não seja de baixo nível" - e de um só fôlego disse que Guerra é um "babaca". A grosseria não saiu sem querer. O autor sabia que ela seria relatada à imprensa. Foi, portanto, o prenúncio de um deliberado ciclo de selvageria política.
Diferentemente da ministra, que precisa tomar aulas de comunicação com o povo dia sim, o outro também - pelo visto, com resultados que devem desacorçoar os seus tutores -, ninguém precisa ensinar coisa alguma a Lula em matéria de xingatório de botequim. Ainda que a partir de abril Dilma não possa mais subir ao seu "palanque", ele poderá usar à farta as suas aparições públicas para agredir a oposição, seguro de que esta não poderá lhe dar o devido troco.
Os nexos entre a baixaria e as limitações da candidata são evidentes. Imagine-se, apenas para raciocinar, que Dilma tivesse a metade do poder do seu mentor para empolgar as massas e que a maioria dos brasileiros a considerasse um dos seus, a exemplo de Lula.
Nesse caso, o recurso à truculência na campanha seria supérfluo por definição.
É a completa falta de apelo de Dilma que acentua o pendor de Lula para a apelação.
Para AGU, ações contra Lula e Dilma serão arquivadas; DEM vê arrogância
Ministro diz que inaugurações são prestações de contas à sociedade
Luiza Damé e Adriana Vasconcelos
BRASÍLIA e SÃO PAULO. Embora em tom mais ameno, a guerra entre governo e oposição foi alimentada ontem pelos dois lados.
O ministro da Advocacia Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, disse que a nova representação da oposição contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, por campanha eleitoral antecipada, deverá ser arquivada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Adams considera que são prestação de contas à sociedade e não ferem a legislação os atos praticados pelos dois nos últimos dias — incluindo inaugurações de obras, com palanque e discursos, e a fala de Lula sobre a campanha na reunião ministerial de quinta-feira.
— Essa (representação) deve resultar no indeferimento. Ela reprisa uma questão já discutida no TSE, basicamente exigindo que o governo não fale de suas realizações. Isso não é vedado pela legislação eleitoral — afirmou o advogado geral.
Anteontem, PSDB, DEM e PPS recorreram ao TSE por causa da solenidade de inauguração da barragem do Setúbal, em Jenipapo, Minas Gerais, com discursos de Lula e Dilma rebatendo críticas da oposição.
Foi a quinta representação contra Lula e Dilma.
PSDB, DEM e PPS reagiram a essa previsão e também ao fato de Lula ter chamado de “babaca”, na reunião ministerial, o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE).
— O presidente e seu governo fazem campanha todos os dias, só um cego não vê. — rebateu, dos Estados Unidos, o presidente do PSDB, que voltou a comentar o ataque de Lula a ele. — Respeito Lula como presidente do Brasil. Portanto, quando ele faz comentários de baixo padrão, não vou respondê-los no mesmo nível.
Ele é conhecido por não controlar o seu vocabulário.
Petistas e tucanos disseram ontem não acreditar que essa tentativa de paz possa dar resultado em ano eleitoral.
Para senador José Agripino, líder do DEM no Senado, a postura do advogado-geral da União só reforça a arrogância do governo: — A arrogância do governo é tanta que chega ao ponto de o presidente da República chamar de babaca o presidente de um partido da oposição, e o advogado-geral acha que pode falar pelo TSE.
O presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, disse ontem em São Roque, na Grande São Paulo, que não vai mais ficar em “disputa de comadres” com dirigentes do PSDB
Governo quintuplica tropa de choque no TCU em ano de eleição
DEU EM O GLOBO
Medida, que será assinada por Lula, tenta evitar paralisação de obras
Luiza Damé
BRASÍLIA. Em ano eleitoral, a Advocacia Geral da União (AGU) se prepara para ter maior presença no Tribunal de Contas da União (TCU) e evitar a paralisação de obras do governo federal.
Hoje quatro advogados da União atuam no TCU e, nos próximos dois meses, esse número vai pular para 20. A intenção é que cada um deles acompanhe, por ano, de perto cerca de 1.000 processos de interesse do governo.
Segundo o ministro da AGU, Luís Inácio Adams, os advogados públicos passarão a dar parecer nos processos do TCU de interesse do governo e poderão fazer a defesa oral na sessão de julgamento.
Essa mudança está sendo negociada com o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, depois de, ao longo do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter criticado o Tribunal, atacando decisões que paralisaram obras federais por indícios de irregularidades graves.
Um decreto com as atribuições da AGU no TCU está sob análise na Casa Civil e deverá ser assinado pelo presidente nos próximos dias. Além da ampliação do número de advogados públicos no TCU, o decreto vai prever a possibilidade de acordos para garantir pagamentos, devoluções e regularização de contratos sem ajuizamento de ações, o acompanhamento dos processos e a apresentação da defesa do governo antes do julgamento das ações pelo plenário e o levantamento dos processos mais relevantes para coordenar a atuação do governo.
Tribunal não vê interferência
Para Ubiratan Aguiar, a nova sistemática de atuação não significa interferência da AGU no trabalho de fiscalização do TCU.
Segundo ele, a AGU é parceira do Tribunal na rede de controle externo, que atua no combate à corrupção, às fraudes e ao desvio de dinheiro público.
O presidente do TCU explicou que, como a AGU não integra o tribunal, os advogados públicos não participarão da instauração do processo, mas poderão acompanhar o procedimento e fazer defesa nos julgamentos.
— É saudável que a AGU acompanhe tudo o que está sendo discutido para conhecer as falhas e ajudar a corrigir as distorções — afirmou Aguiar.
O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), afirmou que vai acompanhar de perto a mudança na estratégia de atuação da AGU no Tribunal: — Se for para dar mais eficácia ao desempenho pífio do governo em investimentos, não tenho nada contra. Mas não pode significar ingerência no TCU.
Até 2006, o TCU não aceitava a participação da AGU em seus processos. Isso mudou com o julgamento do pagamento de quintos salariais a servidores do Legislativo e do Judiciário que exerceram cargos comissionados entre 1998 e 2001. O TCU entendia que o benefício era devido a esses funcionários, e a União discordava.
No julgamento final, venceu a posição do Tribunal, e a AGU recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). A partir desse processo, o TCU passou a permitir que a AGU se manifeste nos julgamentos e, em 2007, cedeu salas para o órgão se instalar no prédio do Tribunal.
Segundo Adams, como o TCU é um tribunal administrativo, cada órgão do governo federal pode hoje fazer a sua defesa, o que acaba gerando contradições. A intenção agora é uniformizar as defesas. Para ele, a presença da AGU não diminuirá o rigor nos julgamentos do TCU.
Marco Aurélio Nogueira :: A cidade inclemente
Em entrevista concedida ao Estado no último dia de 2009, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), declarou que a cidade estava melhor do que a encontrada no início de seu mandato, um ano atrás.
"A cidade avançou em diversas áreas, principalmente em saúde e educação, pilares da gestão", além de ter ganho em transparência no plano administrativo. Seu primeiro ano como prefeito estaria terminando "sem nenhum problema na cidade". O prefeito manifestava-se plenamente convencido de que ele, "eleito para fazer o que é correto e importante", estava "zelando pelos interesses da cidade".
Menos de um mês depois, o Movimento Nossa São Paulo divulgou pesquisa realizada pelo Ibope no mesmo mês de dezembro, ouvindo 1.512 pessoas com mais de 16 anos. Os resultados não foram somente contrastantes com a avaliação do prefeito: foram impressionantes. A avaliação positiva do governo Kassab caiu de 46% para 28%, impulsionada pela insatisfação manifestada pela população, que atribuiu nota média de 4,8 à qualidade de vida na cidade, numa escala de 1 a 10. Nada menos do que 57% dos paulistanos mudariam da cidade se pudessem.
São números eloquentes, que falam por si e desafiam a todos, não somente ao prefeito. Desanimam, quando lembrados no aniversário de 454 anos de São Paulo. E intrigam, quando confrontados com o dinamismo, a pujança, a ampla oferta cultural e o pluralismo da cidade. Mas são inteiramente compreensíveis, quando se considera a vida cotidiana real da maioria dos moradores.
No último dia 21, por exemplo, as chuvas da madrugada causaram congestionamento recorde e deixaram São Paulo praticamente ilhada. O prefeito atribuiu o estrago ao "crescimento desordenado e à impermeabilização excessiva da cidade", isentando a administração municipal de falhas ou responsabilidades. Garantiu que "a população pode ficar tranquila, pois os investimentos continuarão acontecendo".
No transporte público e no trânsito, o desgaste, a poluição e o desperdício são a regra, para todos. Calcula-se que a cidade jogue fora cerca de R$ 33 bilhões pelo que se deixa de produzir em decorrência das horas intermináveis que muitos gastam para ir de um lugar a outro. Há muito tempo a cidade deixou de ter contato com o silêncio como experiência cívica, vital para a formação de uma cidadania crítica e reflexiva. O caos e o desassossego parecem explodir em todos os cantos.
A visão dos gestores não encontra respaldo na percepção dos habitantes, porque os primeiros tendem a se ver como racionalizadores bem-intencionados e os segundos experimentam na pele tudo o que a cidade produz de pior. O que o prefeito considera sucesso e realização a população vive como problema e decepção, quase com raiva.
A sensação é de que São Paulo está a um passo de perder a lealdade de seus moradores, que estão decepcionados com ela e sofrem para viver nela.
Se for assim, teremos problemas pela frente. Será difícil, por exemplo, contar com apoios sociais para as operações que precisarão ser feitas para que a cidade volte a ser um ambiente apreciado por seus habitantes. Porque é evidente que a cidade não será modificada pela ação unilateral da Prefeitura, por mais que ela possa ser indispensável. Uma cidade muda quando uma população chama a si a tarefa de mudá-la. Mudanças urbanas profundas resultam tanto de obras e planos de governo quanto, especialmente, de modificações de hábitos e comportamentos. São ações que implicam algum tipo de "sacrifício" e não podem ser vitoriosas sem certo grau de adesão, ainda que tardia.
Porém, se uma população acha que seus políticos são desonestos e as instituições públicas não são confiáveis, de que modo poderá aderir à cidade e aos planos que eventualmente vierem a ser-lhe apresentados? Na pesquisa mencionada, a maioria da população (61%) não confia na Prefeitura e 74% suspeitam dos vereadores paulistanos, que receberam nota 2,3 em termos de honestidade. Foi a avaliação mais baixa entre todas as instituições públicas analisadas. Mais de 60% acreditam que não há democracia na educação e 71% acham que o serviço para agendar consultas, exames e resultados nos sistemas de saúde está bem abaixo do razoável. A honestidade dos governantes foi avaliada por 92% dos entrevistados como ruim ou péssima.
Tal manifestação sobre a qualidade de vida na cidade está indicando a possibilidade de que se forme uma onda de descolamento entre o morador e o espaço urbano. Se tudo está ruim e é percebido pelas pessoas como péssimo, a probabilidade maior é de que as coisas continuem a piorar. Se os ônibus são o que são - latas velhas, barulhentas e sem conforto, para levar gente como gado -, por que os usuários cuidarão deles? Por acaso não ficarão tentados a arruiná-los ainda mais?
Mas é preciso reconhecer, também, que a mesma população que se mostra decepcionada com a cidade dá um crédito de confiança a ela. Fala em ir embora, mas permanece, até porque não tem para onde ir. E continua, dia após dia, a buscar seus sonhos nas ruas esburacadas e inseguras da metrópole, sinal de que essas são ruas ainda carregadas de promessas.
São Paulo tem certamente virtudes reconhecidas por seus moradores. Mas é vista e sentida como inclemente, um ambiente que exige muito e concede pouco. Fazer com que a cidade virtuosa prevaleça sobre a cidade que não perdoa é o desafio dos próximos anos. Para ser vencido ele exige uma bússola democraticamente definida e recepcionada. O Plano Diretor Estratégico do Município foi aprovado em 2002 e faz parte do caminho, mas é desconhecido da população e não conta com ela em sua aplicação. Poderá até produzir bons resultados, mas estará sempre um passo aquém do necessário.
Uma megalópole como São Paulo, afinal, não é um corpo domesticável ou que se possa modelar sem um forte e permanente envolvimento da população.
Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp
Lourdes Sola :: Chile
As eleições no Chile suscitam entre nós uma variedade de reações e de especulações desencontradas. Como se os analistas brasileiros estivéssemos em busca de um eixo explicativo satisfatório para o alcance político e simbólico do processo eleitoral. É sintoma de que seus efeitos não foram devidamente decantados. Mais cá do que lá. Por várias razões, algumas objetivas, outras menos.
A mais óbvia é a pouca familiaridade com os erros cumulativos da Concertación - a coalizão política derrotada, dominada pela Democracia Cristã e pelo Partido Socialista, que se alternaram no poder nos últimos 20 anos. Há razões menos objetivas. Uma é a opacidade das lentes através das quais enxergamos o processo eleitoral no Chile e as questões estratégicas que definem os alinhamentos entre esquerda e direita. O sistema de filtros que usamos são obstruídos por uma leitura pautada por nossa própria agenda eleitoral. Outra razão é o impulso de transplantar experiências históricas e regras do jogo que valem num contexto, mas não em outro. A imprensa na semana tratou de questões válidas, plausíveis, mas que não iluminam o que está em jogo, cá e lá. Exemplos: a popularidade da(o) presidente, em torno de 81%, é ou não transferível? Fala-se de Michelle Bachelet, mas pensa-se em Lula. Qual o peso da ruptura da coesão interna da Concertación como fator de derrota? Fala-se dos candidatos à esquerda da Concertación, especialmente de Enriquez-Ominami, mas pensa-se em Ciro Gomes (ou Marina Silva).
Convém iniciar a análise por uma constatação: os resultados eleitorais indicam muito mais do que um processo de alternância no poder, relativamente corriqueiro em democracias. Trata-se também de uma mudança de época, que resulta de um deslocamento no eixo do poder político, de alcance histórico. Mas não pelas razões que estamos habituados a supor. A democracia chilena vai muito bem e sua economia está entre as emergentes menos afetadas pela crise de 2008.
A vitória do bilionário Sebastián Piñera, no bojo de uma coalizão política de oposição, representa a reintegração de setores antes alinhados com Pinochet ao processo de concorrência eleitoral. Inclui "os duros" da União Democrata Independente, partido que faz praça de seu culto à imagem do ditador. Para compor esse quadro de mudança na relação de forças a base parlamentar da Concertación reduziu-se de 65 para 54 deputados na Câmara, enquanto a coalizão oposicionista melhorou seu desempenho, com 43,4% dos votos, porcentagem similar à alcançada por seu candidato no primeiro turno. Dentro dela, "os duros" fizeram maioria. É bom qualificar também um indicador citado frequentemente: se é verdade que a eleição do último candidato conservador data de 1958, também é certo que Jorge Alessandri era um conservador democrata, eleito com 31,6% dos votos, com apoio dos liberais.
Isto posto, quais são os fatores que limitam a eficácia de eventuais transplantes? Um deles se refere à composição partidária e à trajetória de continuidade da Concertación. Os partidos de esquerda e centro-esquerda que a integram marcharam unidos no comando da oposição à ditadura e continuaram unidos até aqui. O contraste com a nossa trajetória de democratização é claro. Num raciocínio contrafactual, é como se o PMDB, o PSDB, o PT, o PPS e também a parte republicana do PP disputassem as eleições desde 1982 até hoje. Como se tivessem construído consensos que incluíssem sua lealdade à Constituição de 1988 e também seu compromisso com a pauta republicana no que se refere aos crimes contra os direitos humanos. Claro, isso tem que ver com as diferenças entre o nosso sistema eleitoral e o do Chile, que favorece a formação de dois blocos políticos.
Há uma segunda característica relevante para avaliar os descompassos entre a nossa experiência e a deles. A polarização entre os dois grandes blocos se dá no plano político e simbólico, não no plano do modelo econômico ou da concepção de Estado. Paradoxalmente, o modelo econômico neoliberal, implantado manu militari por Pinochet, simplesmente venceu. "El modelo" foi absorvido durante as negociações que pautaram a transição - e a reforma do Estado foi preservada. Coube ao bloco de esquerda, no poder, usá-la a serviço da construção das redes de proteção social e das instituições que garantem o sistema de pesos e contrapesos entre Congresso, Executivo e Judiciário. Sob esse aspecto, já em 1987 ficou claro para alguns de nós o cálculo estratégico das oposições chilenas. Num seminário organizado por Paul Singer e por mim no Instituto de Estudos Avançados da USP, em colaboração com o Wilson Center, a ausência de polarização nesse campo foi objeto de análise do economista de oposição Alejandro Foxley, que já se preparava para ser ministro ou presidente. Ele trouxe para o centro do palco o caráter irreversível da reforma de Estado levada a cabo sob Pinochet. Caberia ao futuro governo de oposição dar às disciplinas fiscal e monetária recém-introduzidas uma face social.
É a luz dessas características que cabe analisar o impacto das eleições no Chile e o que pode representar para seus vizinhos na região, sobretudo para o eixo bolivariano. O clima de mudança que toma conta do país é predominantemente político e cultural - e nesse terreno entramos em terra desconhecida. As chances da Concertación se estreitaram muito, em função de dois deslocamentos relacionados à forma como se organizou o sistema de pesos e contrapesos. Por um lado, a divisão entre os dois blocos equilibrava a apropriação do poder político pela centro-esquerda, com o poder econômico e midiático concentrado em mãos da direita. Por outro, num país unitário são escassas as chances de a oposição se recompor por meio da ocupação dos espaços abertos pela concorrência em torno dos governos subnacionais, típicos de países federalistas.
Lourdes Sola, professora da USP, ex-presidente da Associação Internacional de Ciência Política, é diretora do Global Development Network, do International Institute for Democracy e do Conselho Internacional de Ciências Sociais