Sylvia Colombo / Folha de S. Paulo
BUENOS AIRES - De passagem por Buenos Aires, onde recebeu um título de doutora honoris causa da Untref (Universidade Nacional Três de Fevereiro), a filósofa húngara Ágnes Heller, 88, disse que teme o crescente sentimento nacionalista na Europa.
Para ela, a região "não tem a tradição democrática nem o sistema de pesos e contrapesos que os Estados Unidos possuem".
Sobrevivente do Holocausto, ela é professora emérita da New School, em Nova York, e divide seu tempo entre os EUA e Budapeste. Discípula do filósofo marxista Georg Lukács, tem um campo de atuação variado, que inclui textos sobre ética, Shakespeare e teoria política.
• Folha - Há quem pense que existe um contexto nos EUA e na Europa que permita o ressurgimento de algo similar ao nazismo. Está de acordo?
Ágnes Heller - As coisas não podem se repetir de forma concreta, mas sim em sua essência. Erram os historiadores que pensam que se aprende algo com a história e não se volta a errar. A única coisa que se aprende com a história é que nunca se aprende nada com ela. Embora um contexto possa apontar uma tendência, são decisões políticas que realmente dão direção ou rompem tendências. O futuro está sempre aberto.
Quando me perguntam o que vai acontecer à União Europeia ou ao mundo, minha capacidade de responder tem uma limitação, que é marcada pela ação dos atores políticos.
• Por exemplo?
O 'brexit'. É um evento histórico baseado na estupidez de um indivíduo. Se David Cameron não propusesse o plebiscito, não estaríamos incluindo o 'brexit' numa cadeia de acontecimentos que parece apontar para uma onda reacionária. Eu classificaria o 'brexit' como um acidente.
• O 'brexit', a eleição de Trump e o ressurgimento dos nacionalismos europeus fazem parte de uma tendência?
Não acho fácil conectar essas coisas. Porque a Europa é uma parte diferente do mundo e, principalmente, diferente dos EUA. Nos EUA, há um sistema de pesos e contrapesos e há uma tradição democrática. Na Europa, a tradição democrática é de pouco alcance e apenas em certos lugares.
A Europa ainda é regida pela lógica dos Estados-nação, onde a religião é o nacionalismo. Todos os países europeus, exceto a Suíça, têm no nacionalismo sua principal identidade. Se você perguntar a um europeu quem ele é, ele não vai dizer que é europeu, nem mesmo que é humano, mas sim responderá que é francês, alemão ou húngaro.
Até o século 18, a religião era a identidade básica. A partir do 19, o nacionalismo foi se impondo de forma cada vez mais intensa. Isso trava a formação de uma tradição democrática, de um sistema de pesos e contrapesos, como nos EUA.