quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Casuísmo eleitoral

Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

A reforma política não passa no Congresso, só os casuísmos, como a janela para o troca-troca partidário

Não estou entre aqueles que consideram o nosso sistema eleitoral a matriz de todos os males da política brasileira. Temos a maior democracia de massas do mundo, com eleições limpas, voto direto, secreto e universal. A crise de representatividade dos partidos é um problema mais profundo, que independe do sistema eleitoral. Desconfio de reformas políticas aprovadas a toque de caixa, às vésperas das eleições. É um cacoete herdado do regime militar, que recorria aos casuísmos eleitorais para favorecer o status quo.

Por isso mesmo, a proposta de reforma política enviada ao Congresso pelo governo Lula, por mais bem-intencionada que seja, acabará virando mais um casuísmo eleitoral. Se a reforma política fosse mesmo fundamental para o governo, teria sido feita no primeiro mandato do presidente Lula ou logo nos primeiros meses do segundo. Ou seja, estamos diante de mais uma mudança nas regras do jogo às vésperas da eleição, o que não é novidade. Eis a reforma:

Lista partidária fechada

Os eleitores não votarão em candidatos a vereador, deputado estadual e federal, mas nos partidos, que concorrerão com listas fechadas de nomes. A cédula eleitoral terá espaço apenas para que o eleitor indique a sigla ou o número do partido em cuja lista pretende votar. Comentário: a proposta dá poderes ilimitados aos donos dos partidos.

Financiamento de campanhas

O Orçamento da União incluirá dotação destinada ao financiamento público exclusivo de campanhas. O TSE distribuirá os recursos da seguinte forma: 1% dividido igualmente entre os partidos registrados; 19% divididos igualmente entre os partidos com representação na Câmara; e 80% divididos entre os partidos proporcionalmente ao número de eleitos na última eleição para a Câmara. Comentário: só beneficia os grandes partidos.

Fidelidade partidária

Os parlamentares que mudarem ou forem expulsos de partido perderão os mandatos para os respectivos suplentes. Será permitida a desfiliação em caso de perseguição política ou mudança de programa partidário, desde que aprovada pela Justiça. Será possível mudar de partido para disputar a eleição subsequente. Comentário: abre-se uma janela para o troca-troca partidário.

Inelegibilidade

São inelegíveis candidatos condenados em segunda instância, seja por crime eleitoral ou por um rol de delitos, que inclui abuso do poder econômico ou político, crime contra a economia popular, contra a administração pública ou por tráfico de entorpecentes. A inelegibilidade valerá para a eleição à qual o candidato concorre ou foi eleito e para as que se realizarem no três anos seguintes. Comentário: contraria decisão do STF de que ninguém pode ser impedido de concorrer à eleição antes do processo ser concluído na última instância.

Coligações

Fim das coligações para eleições proporcionais (para deputado federal, estadual e vereador). A coligação das eleições majoritárias (para presidente, governador, prefeito e senador) disporá do tempo de rádio e televisão destinado ao partido com o maior número de representantes na Câmara. Comentário: liquida os pequenos partidos e redistribui os tempos de televisão dos partidos que não lançarem candidaturas próprias.

Cláusula de barreira

O mandato de deputado (federal, estadual ou distrital) só poderá ser exercido pelo candidato eleito cujo partido alcançar pelo menos 1% dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos, em eleição para a Câmara, e distribuídos em pelo menos um terço dos estados, com o mínimo de 0,5% dos votos em cada estado. Comentário: a representação dos pequenos partidos será cassada.

A reforma política não passa no Congresso, só os casuísmos, como a janela para o troca-troca partidário, sem a qual o fim das coligações e a clausula de barreira dificilmente serão aprovadas.

O voto em lista tem apoio no Senado, mas não na Câmara. Eleitos pelo voto proporcional uninominal, os deputados não entregarão a própria reeleição à burocracia partidária. O financiamento público enfrenta resistência pelo mesmo motivo. Quanto à inelegibilidade, é como falar de corda em casa de enforcado.

Após racha, tucanos querem antecipar candidato

Flávio Freire
DEU EM O GLOBO

Em encontro com FH, deputados dissidentes cobram nome para sucessão; ex-presidente quer oposição mais forte

SÃO PAULO. Em reunião no apartamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, tucanos da chamada ala dissidente discutiram ontem a necessidade de lançar, "o quanto antes", o nome do PSDB que disputará a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010. No partido, a análise é a de que a definição de um presidenciável tucano potencializaria a voz de oposição ao governo, e que não se deveria deixar passar em branco a conjuntura de crise financeira internacional.

- Discutimos a necessidade de definirmos o quanto antes nosso candidato a presidente. Precisamos ter uma voz de oposição. À medida que tivermos candidato definido, as coisas ficam mais fáceis até no ponto de vista da crítica - disse o deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP), que participou do encontro que reuniu cerca de dez parlamentares na casa do ex-presidente.

Paulo Renato tem liderado o grupo contrário à recondução de José Aníbal ao cargo de líder da bancada na Câmara, sob a justificativa de que houve uma ruptura das normas do estatuto. Seria esse o assunto da reunião de ontem, mas logo o tom ganhou contornos eleitorais. Paulo Renato, com o apoio do governador de São Paulo, José Serra, perdeu a disputa pelo posto de líder do PSDB na Câmara para Aníbal, que contou com votos de tucanos ligados ao governador mineiro Aécio Neves.

Articulação para anunciar nome no meio do ano

A estratégia de antecipar o nome do presidenciável veio à tona como uma forma de evitar eventuais desgastes com disputas internas. A preocupação é com a possível insistência de Aécio em promover prévias para escolha do candidato, o que criaria fissuras no ninho tucano. Segundo um dos participantes do encontro, o nome de Serra aparece como o mais provável.

- Pedimos o lançamento o quanto antes: na metade ou antes do fim do ano. Desde que através de um mecanismo aceito por todos, seja qual for - disse Paulo Renato, ao sair do prédio de FH.

O encontro serviu para o PSDB debater a reafirmação como partido de oposição ao governo Lula, pegando como carona a turbulência dos mercados internacionais, que tem gerado desemprego em massa também no Brasil.

- Discutimos, além da reafirmação como oposição, denúncia da má gestão no combate à crise, o juro elevado, atraso nos programas de investimento, excesso nos gastos correntes. O presidente (Fernando Henrique Cardoso) reafirmou a necessidade e a conveniência de o movimento (dissidente) sair para assumir posição claramente oposicionista - afirmou Paulo Renato, que acrescentou: - Que aproveitemos essa força, criada a partir de episódio do passado (reeleição de Aníbal), para olhar para frente.

Entre os participantes do encontro, estavam os deputados Walter Feldman (SP), Julio Semeghini (SP) e Luiz Paulo Velozo Lucas (ES).

Tucanos dissidentes: pressa na escolha de candidato

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

SÃO PAULO – Em reunião no apartamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo, tucanos da chamada ala dissidente discutiram ontem a necessidade de lançar, “o quanto antes”, o nome do PSDB que disputará a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010. No partido, a análise é a de que a definição de um presidenciável tucano potencializaria a voz de oposição ao governo e que não se deveria deixar passar em branco a conjuntura de crise financeira internacional. O ex-presidente FHC alertou que o partido tem de colocar o foco na oposição ao PT, que já estaria em “campanha” com a pré-candidata do partido, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

“Discutimos a necessidade de definirmos o quanto antes nosso candidato a presidente. Precisamos ter uma voz de oposição. À medida que tivermos candidato definido, as coisas ficam mais fáceis até no ponto de vista da crítica”, disse o deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP), que participou do encontro que reuniu cerca de dez deputados na casa do ex-presidente.

Renato tem liderado o grupo contrário à recondução de José Aníbal ao cargo de líder da bancada na Câmara, sob a justificativa de que houve uma ruptura das normas do estatuto. Seria este o assunto da reunião de ontem, mas logo o tom ganhou contornos eleitorais. Paulo Renato, com o apoio do governador de São Paulo, José Serra, perdeu a disputa pelo posto de líder do PSDB na Câmara para Aníbal, que contou com votos de tucanos ligados ao governador mineiro Aécio Neves.

A estratégia em antecipar o nome do presidenciável veio à tona como uma forma de evitar eventuais desgastes com disputas internas. A preocupação é com a possível insistência de Aécio em promover prévias para a escolha do candidato, o que criaria fissuras no ninho tucano. Segundo um dos participantes do encontro, o nome de Serra aparece como o mais provável.

FHC cobra de tucanos foco na oposição e nome de 2010

Julia Duailibi e Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Depois do racha na bancada do PSDB na Câmara, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem aos chamados tucanos dissidentes que o partido tem de colocar o foco na oposição ao PT, que já estaria em "campanha" com a pré-candidata do partido, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Em encontro em São Paulo, oito parlamentares ouviram de FHC que o partido tem de ser mais combativo, principalmente num momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já pôs sua candidata em evidência. Ele defendeu ainda a tese de o candidato tucano deve ser definido rapidamente.

Os parlamentares colocaram ao ex-presidente a crise na bancada, mas Fernando Henrique preferiu não interferir na questão. Na semana passada, o atual líder, José Aníbal, foi reeleito, mas 19 deputados foram contra a sua recondução por não estar prevista no estatuto.

"Colocamos para ele que o nosso movimento (contra a atual liderança) tem a ver com isso. Com uma oposição mais forte", declarou o deputado Vanderlei Macris. Embora tenha decidido manter a dissidência, o grupo resolveu não tomar nenhuma medida contra Aníbal. "Essa é uma questão da bancada", disse Arnaldo Madeira (SP).

Governantes em palanque

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os três principais pretendentes à sucessão do presidente Luiz Inácio da Silva são ocupantes de importantes cargos públicos e, nessa condição, a ministra da Casa Civil e os governadores de São Paulo e Minas Gerais dispõem de uma vantagem que em tese aniquilaria com as pretensões de quaisquer novos aspirantes a entrar na disputa de 2010: a máquina administrativa, seu uso, a visibilidade que proporciona e os apoios que atrai.

Ela não é tudo, nem sempre as pessoas votam conforme os ditames do mundo oficial, mas, no caso do próximo pleito presidencial, poderá ser um fator preponderante como em nenhum outro desde a volta das eleições diretas.

A administração federal está a serviço de Dilma Rousseff, enquanto os governos dos dois maiores colégios eleitorais do País são cidadelas dos postulantes do PSDB, José Serra e Aécio Neves.

Em 1989, todos os candidatos eram de oposição; de 1994 a 2002 Lula fez sempre o contraponto com o candidato oficial no comando do principal partido de oposição; em 2006 seu oponente era governador de São Paulo.

Uma diferença crucial em relação ao cenário de hoje, porém: Geraldo Alckmin virou candidato às vésperas do início propriamente dito da campanha e do prazo para a desincompatibilização do cargo, enquanto Dilma, Serra e Aécio embora não sejam candidatos de direito são pretendentes de fato desde já.

Com isso, têm tempo de sobra para se valer da condição de híbridos, aproveitando os bônus dos cargos sem enfrentar os ônus que a lei impõe aos candidatos no período oficial de campanha.

Não caberia a nenhum deles, óbvio, abrir mão de suas funções atuais em nome de projetos futuros ainda incertos. Ocorre, entretanto, que a realidade tal como está posta provoca distorções das mais variadas naturezas.

A principal delas, a agressão ao princípio da igualdade de condições assegurado pela Constituição. No quesito, a infração maior parte do governo federal, cujo presidente dá a sua administração o caráter de campanha eleitoral permanente.

Com tal falta de cerimônia que lança abertamente uma candidata três anos antes da eleição usando de todos os instrumentos de poder para torná-la conhecida. A prova está nas pesquisas de opinião.

Dilma Rousseff sozinha, a bordo de seus atributos de líder política, não teria como ter subido de 2% para 13% nas pesquisas no período de um ano. Conseguiu por meio do cargo, dos eventos proporcionados por ele, todos pagos com o dinheiro de cidadãos com preferências eleitorais múltiplas.

Os exemplos acontecem todos os dias. Um dos mais exuberantes aconteceu ontem mesmo, no encontro de prefeitos convidados a Brasília para ouvir o presidente e aplaudir o projeto de candidata.

Considerando que nada se decide em reunião de 3 mil pessoas e que decisões de governo são atos públicos por definição, publicados em Diário Oficial, a realização de um espetáculo em torno tem outros objetivos. No caso, eleitoral.

Tudo certo com eventos políticos eleitorais, desde que sejam feitos na época certa, sob a forma da lei, sem o disfarce da reunião de trabalho nem o uso da máquina em favor de um grupo partidário. Do contrário, é abuso de poder.

E onde entram os governadores do PSDB na história? Justamente naquele pedaço em que a oposição abre mão de sua prerrogativa de fiscalizar as ações do governo, recorrer à Justiça se houver agressão à lei e impedir que se pratique o financiamento público de campanha na marra, porque também tem máquinas poderosas nas mãos e delas podem se valer na operação do mesmo embuste: a campanha eleitoral que não ousa dizer seu verdadeiro nome.

Escolha

Uma hora o Congresso terá de fazer uma opção: ou representa a voz de fora ou continua a se afundar em defesa das conveniências de dentro.

O Poder Legislativo caminha inexoravelmente para este dilema por ele mesmo contratado ainda no processo de redemocratização, quando recuperou o poder perdido na ditadura, não soube o que fazer com ele e passou a fazer o pior uso dele.

Parceria

O partido que se dispuser a aceitar a filiação de Edmar Moreira será fiador da folha corrida e da concepção do deputado de que os vícios do Parlamento são parte natural, e aceitável, do jogo.Como todos sabem disso, num primeiro momento é possível que nenhum deles abra as portas. Mas só até a poeira baixar, depois voltam à habitual frouxidão de critérios para a filiação de pessoas com dinheiro ou influência suficientes para conseguir um mandato.

Ônus da prova

O DEM abriu prazo até amanhã o deputado Edmar Moreira apresentar sua defesa no processo de expulsão aberto pelo partido.

Caso típico em que o direito de defesa seria do eleitor.

Rituais vestibulares

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Adiantadas algumas etapas, como a definição do nome e preparação minuciosa do seu perfil físico e conteúdo de marketing, e vencida também a arrumação política para ter em postos estratégicos, à época certa, aliados confiáveis, cuida agora o presidente Lula, seu governo e o PT de preparar o conteúdo político-ideológico da candidatura Dilma Rousseff à Presidência da República. Os dois dias de reunião do Diretório Nacional do PT, encerrados ontem, em Brasília, foram integralmente dedicados a esta tarefa.

Oficialmente, discutiu-se a crise econômica mas, na realidade, delineou-se a ideologia sobre a qual se vai discursar a partir de agora e que será o cerne da campanha eleitoral da candidata a suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Veio do Palácio do Planalto, especialmente do discurso do ministro Luiz Dulci, chefe da Secretaria Geral da Presidência, aos seus colegas da direção, o recado, sob forma de sugestão. A campanha de Dilma resgatará o PT como partido de esquerda, os aliados históricos vão ser procurados para darem densidade ao projeto, o mesmo ocorrendo com os movimentos sociais, os sindicatos, os estudantes, as organizações civis.

Unidos, darão voz a um discurso que voltará a comparar o governo Lula com o governo Fernando Henrique Cardoso, como feito em 2002 e 2006. Mais ou menos o que se fez com a demonização da privatização. A crise global do momento estará no centro das comparações. Na reunião do Diretório do PT, segunda-feira, por exemplo, a partir de critérios levados por Dulci do Palácio do Planalto para o partido, discutiu-se como mostrar que Fernando Henrique (o "governo anterior", na concepção petista) reagiu às crises econômicas do México, da Ásia e da Rússia, e como Lula reagiu à atual crise financeira internacional.

Para o PT, há uma diferença abissal entre os dois, e ela é sobretudo ideológica. As análises contornam evidências como, por exemplo, as diferenças também espantosas entre as próprias crises dos dois períodos. As que atingiram México, Ásia e Rússia (1994/1997/1998), eram crises dos países emergentes, que envolveram diretamente Brasil, Argentina, Turquia e quem mais se incluia naquela condição. No governo Lula, a crise está no centro do mundo desenvolvido, Estados Unidos e Europa, sobretudo, com reflexos no Brasil e outros emergentes que, além de se encontrarem em melhor situação hoje do que há 10, 15 anos, receberam o impacto de uma forma mais branda, definida pelo próprio presidente como uma marolinha que vai perdendo força à medida em que se propaga.

Entretanto, isto sequer importa. Para quem prepara a campanha eleitoral, é um pormenor com que não é preciso gastar argumento. O que se vai usar na campanha é que "Fernando Henrique enfrentou as crises econômicas do seu tempo com demissões, desemprego, aumento de juros, tudo ao contrário de Lula, que enfrentou a maior crise do sistema capitalista desde 29 com aumento de crédito, combate ao desemprego, aumento de salários, redução de juros, expansão dos programas sociais e de habitação popular".

Discutiu também o PT a aceleração do processo desta candidatura. Que Dilma é a preferida de Lula e do governo, que seu nome está definido sem risco de contestações, ninguém duvida. Mas o partido defende que ela seja logo a candidata do PT e comece a fazer o circuito dos movimentos sociais. Munida do apoio de Lula e do PT, cercada de sindicatos, camponeses, estudantes, donas de casa, profissionais liberais, tendo ao seu lado aliados históricos à esquerda, a candidata Dilma Rousseff estará, na avaliação do partido, fortalecida o suficiente para, só então, procurar o PMDB.

Segundo a discussão dos últimos dois dias na cúpula do partido, o PMDB deve agir de acordo com o que mostrarem as pesquisas de opinião do eleitorado. "Se estivermos bem, o PMDB vem conosco; se o PSDB estiver melhor, o PMDB vai para lá; se estivermos em equilíbrio, parte do PMDB vai com um, parte vai com outro", comenta um realista dirigente do PT, explicando que, para evitar que as pesquisas definam a força da candidatura, é preciso chegar ao PMDB com mais consistência. O que interessa é o latifúndio de tempo que o partido tem no horário eleitoral gratuito, e este seguirá, mesmo com divisão, com quem ficar oficialmente o PMDB.

Lula, enquanto prepara Dilma, vai jogando em todas as posições. No momento, articula para influir nas definições do PMDB, para não ficar totalmente vulnerável ao imponderável das opções do partido. O presidente trabalha agora para levar o partido a optar por um novo presidente da legenda, com a próxima renúncia do deputado Michel Temer, eleito presidente da Câmara, que facilite a vida do PT.

Nesta reunião partidária de dois dias definiu-se, também, que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, vai começar a correr os Estados para uma abordagem mais objetiva da formação dos palanques para Dilma. A tese de acelerar as providências deve ser vencedora das atuais discussões, sobretudo para dar "tranquilidade" à candidata.

Gula

O presidente Lula operou, pessoalmente, o comparecimento do maior número possível de prefeitos de cidades importantes à reunião que promove, desde ontem, em Brasília. Enviou emissários a Eduardo Paes, do Rio, não só informando sobre seu interesse que ele estivesse no encontro, como pediu que Paes se candidatasse a vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitos, entidade que representa as cidades grandes e que deverá ter na presidência o prefeito de Florianópolis, Dário Berger. A própria reunião de prefeitos, desta semana, já representou uma tentativa de antecipar-se e, com isto, derrubar a marcha de prefeitos organizada anualmente por Paulo Ziulkoski, da Confederação Nacional de Municípios, entidade que congrega as cidades menores. Lula quer tudo e está ganhando.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

3,5 mil prefeitos na capital: Lula lança 'pacote de ataques'

Tânia Monteiro
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Lula discursa na abertura de encontro com prefeitos: exaltado, afirmou que imprensa foi "pequena" e fez "insinuações grotescas" ao dizer que o evento servirá de palanque para Dilma.

Para Lula, imprensa foi ""pequena"" ao ligar Dilma a benesses a prefeitos

Presidente reclama da forma como jornais anunciaram o parcelamento de dívidas de municípios em até 240 meses

Irritado com os jornais que trataram o Encontro Nacional com Novos Prefeitos e Prefeitas como um ato político-eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a solenidade de abertura da reunião, ontem, em Brasília, para responder à crítica de que o Planalto montou um "pacote de bondades" para cooptar os dirigentes municipais - entre outras medidas, conforme o Estado noticiou ontem, o governo aumentou o parcelamento das dívidas de prefeituras com o INSS de 60 para até 240 meses.

Para Lula, a imprensa foi "pequena" ao tratar as concessões do Planalto como benesses oferecidas aos municípios de olho nas eleições de 2010 e para arregimentar apoio para a ministra e pré-candidata Dilma Rousseff.

Admitindo que estava "virado", mal-humorado, o presidente chegou a fazer uma revisão da reiterada declaração de que foi eleito "graças à liberdade de imprensa". Ontem, em um discurso inflamado, afirmou: "Não é porque a imprensa me ajudou que fui eleito, mas porque suei para enfrentar o preconceito e o ódio dos de cima para com os de baixo". No embalo, chamou as notícias sobre o "pacote de bondades" da União de "insinuações grotescas". E acrescentou: "Nunca fui eleito porque a imprensa brasileira ajudou. Fui eleito porque o povo quis". Em 2008, em entrevista à revista Piauí, Lula já havia dito que ficava "com azia" quando lia jornais.

"Estou meio frustrado. Tem dia em que a gente acorda virado e, se cair um pingo de suor no copo, vira limonada", afirmou o presidente, ao revelar o desconforto com o noticiário.

Diante de cerca de 3.500 prefeitos, o presidente fez um ataque indireto ao governo de São Paulo, sem citar o nome do governador José Serra (PSDB). Ao falar sobre educação, Lula se dirigiu ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), e disse que o Estado mais rico do País tem 10% de analfabetos. "Kassab, você vai cair da cadeira. Você não sabe e eu não sabia, mas no Estado de São Paulo ainda temos 10% de analfabetos. O Estado mais rico da federação.

Significa que tem alguma coisa errada", disse o presidente, causando constrangimento ao prefeito, aliado de Serra.

No início da noite, o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), disse que é "mentiroso" o dado apresentado pelo presidente. Segundo Aníbal, o dado dos 10% é da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1991. O último dado da PNAD é de 2007 e diz que 4,6% da população paulista, acima de 15 anos, é que é analfabeta. "(Lula) passou uma mentira como se fosse uma verdade. Foi uma propaganda e mostra a deliberada intenção política desse ato", afirmou o deputado. "É muito grave usar um dado mentiroso."

Lula criticou a burocracia que, na sua opinião, atrapalha a liberação de obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). "Vivemos a burocracia do preencha a papelada, se não preencher você está ilegal. E se estiver ilegal o TCU e o Ministério Público vêm em cima de você, e vem processo", afirmou, tendo ao lado o presidente do Tribunal de Contas da União, Ubiratan Aguiar, responsável pelo embargo de obras do PAC. "Então, cumpra-se a papelada, preencha-se cada palavra e cada letra. É assim a máquina pública brasileira."

No "pacote de ataques" do presidente, sobrou até para a ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Depois de afirmar que o PAC atrasou no final do ano passado por causa das eleições municipais, Lula declarou que a crise econômica não vai atrapalhar as obras. "Nós cortaremos o batom da dona Dilma, cortaremos (a verba para) o meu corte de unha, mas não cortaremos nenhuma obra do PAC."

Um das informações que mais incomodaram o presidente foi a que tratou o encontro de prefeitos como um ato político para arregimentar apoio para a ministra Dilma.

"Fiquei triste como leitor porque abusaram de minha inteligência e pensam que o povo é marionete, pensa como manada, é vaca de presépio. As pessoas não percebem que o povo consegue pensar com sua própria cabeça. (...) Acabou o tempo em que alguém achava que poderia influenciar uma eleição por ser formador de opinião"", afirmou Lula, no discurso de 50 minutos.

FRASE


Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República

"Nós cortaremos o batom da dona Dilma, cortaremos (a verba para) o meu corte de unha, mas não cortaremos nenhuma obra do PAC"

Apenas um sonho?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Enquanto o Senado se reunia para votar o seu plano de recuperação econômica, o presidente Barack Obama estava em Fort Myers, na Flórida, junto ao eleitorado de uma área onde o desemprego subiu a 10%, índice superior à média nacional, e onde a execução de hipotecas de moradias atinge 12%, o maior índice de todo o país. Lá, beijou uma senhora, Henrietta Hughes, cuja família encontra-se sem moradia devido à crise, e prometeu que faria tudo para ajudá-la.

Na véspera, já estivera em Eikhart, onde a taxa de desemprego é de 15%. Atitudes demagógicas, sem dúvida, mas eficazes contra a politicagem dos republicanos. O sonho de um governo bipartidário mostrou-se irrealizável, e o presidente Barack Obama teve que voltar às ruas para pressionar o Senado a apoiar o plano de recuperação econômica, o que acabou conseguindo por uma margem estreitíssima.

Para quem começou o governo sonhando em obter pelo menos 80 votos de um plenário de cem senadores, ter que se contentar com apenas um voto a mais do que o mínimo necessário é uma derrota política dentro da vitória que foi a aprovação do plano.

Os democratas enumeram os esforços feitos por Obama para atrair os republicanos: três ministérios foram dados ao partido (Robert Gates na Defesa, Ray LaHood nos Transportes e Judd Gregg no Comércio).

Além disso, ele convenceu o governador democrata de New Hampshire, John Lynch, a colocar um republicano na vaga do senador Gregg, para não causar nenhum mal-estar. O governador poderia ter indicado um representante de seu partido para a vaga.

Teve diversos encontros fechados apenas com as bancadas republicanas na Câmara e no Senado, para demonstrar a importância que dava a elas, apesar de ter uma maioria grande no Congresso, e chegou a dar uma recepção para os republicanos.

Apenas três senadores republicanos votaram com a nova administração, e, mesmo assim, porque o governo fez diversas concessões, retirando vários programas que agora os democratas tentarão recolocar no projeto.

Os três republicanos que votaram com o governo, porém, estão dispostos a preservar os cerca de U$100 bilhões que foram cortados, retirando financiamento para programas de planejamento familiar, U$16 bilhões de fundos para a construção de escolas e U$40 bilhões para financiamento direto para estados em situação difícil.

O governador da Flórida, o republicano Charlie Crist, apoia a iniciativa, assim como diversos prefeitos, que querem verbas para aplicar em obras de infraestrutura, que geram emprego e melhorias em suas cidades.

Apesar de ter conseguido aprovar o pacote, mudou significativamente a postura de Obama diante da intransigência dos republicanos. Ele voltou ao tom da campanha eleitoral, ressaltando na primeira entrevista coletiva que concedeu, na noite de segunda-feira - marcada com antecedência, enquanto ainda esperava comemorar a aprovação do pacote no fim de semana - que herdou dos republicanos a crise econômica em que o país se encontra.

E criticou a insistência dos republicanos em cortar impostos dos mais ricos, acusando tal política de ter levado o país à bancarrota.

É possível considerar que Barack Obama tenha sido um tanto ingênuo ao traçar uma estratégia que incluía a maioria dos republicanos como parte de seu governo, conseguindo assim transmitir à população, num momento de grave crise econômica, um apoio consensual da classe política.

No entanto, mesmo que tenha se revelado um sonho irrealizável, esse objetivo político de dar às decisões do Congresso uma qualidade maior do que o resultado simples de barganhas está de acordo com o sentido geral da candidatura Obama, de mudança de hábitos e comportamentos, e nada melhor do que tentar fazer essa mudança ter início no Congresso.

Passado o primeiro momento de estupefação diante da inesperada reação dos republicanos, e tendo demonstrado força suficiente para aprovar os projetos, é possível que Obama volte a tentar realizar o sonho da mudança na classe política. Mas isso dependerá fundamentalmente do êxito das medidas que estão sendo adotadas agora.

Caso falhem, o prestígio político do presidente será corroído mais rapidamente do que se imaginava, e o peso da herança maldita, que ele agora pode acusar de ser responsável pela crise econômica, pode se virar contra ele.

Nesse caso, tudo indica que Obama vai ter que se contentar com os votos dos democratas para tocar seu governo, enquanto os republicanos continuarão jogando no quanto pior, melhor, na tentativa de reconquistar o poder no Congresso nas eleições de 2010.

Mesmo sendo um defensor ativo do multilateralismo, e que defenda a necessidade de maior abertura comercial para o mundo superar a crise econômica, a cláusula "Buy American" que foi incluída no plano de recuperação econômica não é uma inovação.

Ao contrário, ela vai na direção histórica dos governos dos EUA, um país altamente protecionista, que coloca os interesses nacionais sempre em primeiro lugar.

O Buy American Act é uma lei de 1933, editada para ajudar os EUA a saírem da Grande Depressão que se seguiu ao crack de 1929, e, apesar de ser acusada de ter reforçado a recessão econômica naquela ocasião, nunca saiu de pauta.

Em 2007, o Congresso tomou medidas para reforçar o Buy American Act, criticando departamentos de governo que não estavam seguindo aquela lei.

Faltou clareza

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os políticos continuam insistindo que a Main Street (o centro da economia real) é mais importante do que Wall Street (o coração do mercado financeiro americano). Com isso, querem dizer que é preciso parar de injetar dinheiro nos bancos e no inchado mercado financeiro e usar os recursos do contribuinte para acionar a produção e a criação de empregos.

Apesar da enorme hostilidade com que os bancos são vistos hoje nos Estados Unidos, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, anunciou a criação de um plano de três pontos a ser dotado de cerca de US$ 2 trilhões de capitais públicos e privados. E um novo esquema destinado a sanear o sistema financeiro americano.

Convém falar primeiramente do barril de pólvora assentado sobre os mercados e sobre a economia real, num quadro de alastramento do incêndio. E, em seguida, desse novo plano Geithner.

É preciso tomar as lambanças praticadas pelos bancos nos últimos sete anos, com a bênção ou a omissão das autoridades, como um dado da realidade. O Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês), do secretário do Tesouro do governo anterior, Henry Paulson, de US$ 700 bilhões, destinava-se a resgatar os ativos tóxicos que estavam nos livros dos bancos.

Foram consumidos US$ 350 bilhões com esse objetivo e, no entanto, os bancos continuam com a barriga cheia de títulos tóxicos e, por isso, estão longe de inspirar confiança. Além disso, esses recursos estão sendo distribuídos sem transparência e sem que ninguém exija a devida prestação de contas (accountability).

Essa é a principal razão por que ninguém empresta (nem aplica) aos bancos e, consequentemente, por que os bancos continuam sem condições de retomar as operações de crédito. E, sem crédito, consumo e produção, os postos de trabalho vão afundando nos Estados Unidos e no resto do mundo rico.

Por mais irresponsáveis que tenham sido os banqueiros e os demais gatos gordos de Wall Street, por tantos anos cevados com salários e bônus nababescos, deixar que os bancos afundem é perpetuar a falta de irrigação sanguínea e, assim, empurrar a economia para a gangrena.

Ontem, com queda das bolsas e baixa do dólar ante outras moedas fortes, os mercados reagiram mal ao anúncio do Plano Geithner, não propriamente porque o achassem ruim, mas porque não obtiveram elementos suficientes para o entenderem.

A ideia de atrair capitais privados para ficar com os ativos tóxicos não é ruim. O mercado financeiro trabalha há anos com junk bonds (títulos-lixo) e poderia absorver alto volume de micos, especialmente se o Tesouro ou outros organismos oficiais se dispuserem, como se anuncia, a dar garantias aos interessados em tomar esses ativos.

No entanto, ficou a sensação de que o principal problema continua sem solução: a que preços o setor privado seria convidado a adquirir esses papéis que ninguém sabe quanto valem? E, se o setor público vai distribuir garantias para respaldar o interesse privado, sobre que valor serão passadas essas garantias?

Enfim, o governo Obama conseguiu ontem expressiva vitória no Congresso com a aprovação do seu plano de US$ 800 bilhões para resgatar a economia real. Mas deixou a impressão de que não tem clareza sobre o que pretende fazer com os bancos.

Confira

Mais assimetria - Há anos os argentinos reclamam de que o Brasil faz jogo desleal no comércio com seus vizinhos.

No final dos anos 90, o então ministro da Economia, Domingo Cavallo, afirmava que o Brasil roubava os argentinos por ter um câmbio excessivamente desvalorizado. Agora, é o principal negociador comercial argentino, Alfredo Chiaradia, que acusa o Brasil de desestabilizar a economia argentina com os US$ 36 bilhões emprestados pelo BNDES aos produtores brasileiros.

Mas, se é para tirar o BNDES da parada, então é melhor acabar de vez com o Mercosul.

Uma decepção e dois trilhões

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Plano Obama estreia como fiasco político, ainda não está pronto e estatiza mais o crédito por meio do Fed, o BC dos EUA

É MUITO DIFÍCIL , para não dizer logo pretensioso, avaliar um plano que prevê negócios de trilhões de dólares, lida com instrumentos financeiros que nem a cúpula da banca diz compreender e que pretende reformar os maiores bancos da maior economia do mundo. Mas um efeito evidente e imediato do anúncio do pacote Obama foi uma onda de decepção nos EUA.

Barack Obama já enfrentara dificuldades para aprovar no Congresso mesmo uma versão desfigurada de seu plano de estímulo fiscal (gastos em obras, serviços públicos e abatimento de impostos). O seu plano de conserto das finanças privadas não foi, a princípio, politicamente mais afortunado. A estreia econômica do presidente da esperança foi inesperadamente ruim. Sim, o governo não tem nem um mês. Mas, antes mesmo da posse, americanos eminentes ou influentes já se perguntavam se os EUA podiam esperar tanto para George Bush descer da pilha de ruínas que deixou na Casa Branca.

O núcleo do plano é aparentado do plano Bush. Agora, um fundo com dinheiro público e privado compraria títulos podres dos bancos, começando com US$ 500 bilhões. Isto é, compraria papéis cuja renda dependia do pagamento de prestações imobiliárias, na maior parte. Ainda se trata, pois, de repassar a alguém o mico dos bancos. O objetivo é recompor a quantidade mínima de dinheiro (base de capital) nos bancos, de modo a que possam voltar a emprestar ou não parecer falidos.

O problema também continua o mesmo do plano Bush: quanto pagar por papéis podres? Pagar demais significa dar dinheiro aos bancos. Pagar pouco pode acabar com eles. A alternativa é estatizar: ficar com os prejuízos e com os bancos. De resto, de onde virá o dinheiro privado?

Outro aspecto importante do plano reforça o papel do Fed como banco-mor dos EUA. Mas o plano Obama eleva o caixa do Fed para tais fins de US$ 200 bilhões para até US$ 1 trilhão. O Fed, indiretamente, empresta dinheiro a empresas e consumidores (que compram casas, carros e mensalidades da faculdade ou gastam via cartão de crédito). O Fed na verdade empresta dinheiro para que fundos e instituições financeiras comprem títulos lastreados nessas dívidas, o que abre espaço para mais empréstimos no setor privado.

Um problema que continua a arruinar o sistema financeiro são os despejos e os calotes imobiliários (e, agora, também no cartão de crédito etc.). Mais calotes, menos capital nos bancos. Menos capital, menos empréstimos e juros maiores. O governo não deu detalhes do plano para auxiliar a renegociação de dívidas da casa própria (para piorar, mal se sabe hoje quem são os credores dessa dívida, que foi transformada em títulos e revendida no mercado).

Uma dificuldade nova, mas incontornável, serão as auditorias ("testes de estresse") que vão verificar quais bancos ainda são viáveis o suficiente para que possam receber dinheiro do plano de socorro (via compra de ações). Além das disputas que isso deve causar, pode haver um clima de juízo final ou de tribunal do júri: quem morre e quem merece auxílio público? Novidade também, os bancos socorridos só vão poder pagar no máximo um centavo de dividendo por ação enquanto não pagarem sua dívida com o governo.

Plano americano

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Poderia ter sido um grande dia para Barack Obama. Não foi. O projeto de estímulo foi aprovado no Senado. Ponto para ele, mas o pacote gigante de resgate dos bancos para recuperar a confiança no sistema bancário só produziu confusão. O que faltou foi exatamente aquilo que Obama tanto prometeu: transparência. O governo anunciou um pacote de US$2 trilhões e o mercado caiu.

Detalhes reveladores. O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, leu no teleprompter o pronunciamento sobre o plano e não respondeu a perguntas. Anunciou que para entrar na nova era de "transparência" tudo poderia ser acompanhado por um site (www.financialstability.gov). Quem entrasse ontem para entender melhor ficaria sabendo que ele estava ainda em formação. No texto do seu pronunciamento estava escrito que os bancos, para participar do programa, passariam por um "compreensivo teste de estresse financeiro". Especialistas se recusavam a tentar explicar ontem o que seria esse teste de estresse.

O pacote de resgate pode ser dividido entre os mecanismos que têm chances de funcionar, os que têm menos chance e outros que estão lá para dar uma cara nova a velhas ideias. O economista internacional do Banco Itaú, John Welch, acredita que a entidade que saneará os bancos, o Financial Stability Trust, é a ferramenta mais viável se funcionar nos moldes do imaginado bad bank, ou seja, uma instituição que compraria ativos de baixa qualidade. Mas sempre haverá a dúvida: se os papéis forem avaliados por valor de mercado, os bancos teriam que pôr um enorme prejuízo em balanço.

Outro mecanismo é o fundo a ser formado por capital público e privado de US$500 bilhões - que pode chegar a US$1 trilhão - e que será também para sanear os ativos podres dos bancos.

- Desde a quebra do Lehman Brothers não há capital privado voluntário comprando ações de instituições financeiras. Portanto, é difícil saber se essa PPP vai funcionar - diz John Welch.

O financiamento de expansão de consumo e de investimento de US$1 trilhão será feito na forma do programa já existente, que compra ativos como cartão de crédito, recebíveis de educação, ativos imobiliários.

Mas, na verdade, o fato mais importante sobre o pacote de ontem foi sua total falta de transparência e clareza, que deixou confusos até economistas experientes em sofisticados mecanismos de saneamento financeiro. Nada poderia ser simples numa crise tão complexa, mas, como o Brasil sabe, de viver e sofrer, o primeiro passo para o sucesso de qualquer plano é a comunicação. E a do Tesouro americano foi uma comunicação de amador.

Já se sabe que o governo dos Estados Unidos gastará uma montanha interminável de dólares. Nem tudo é gasto, alguns são troca de ativos que podem ter uma contabilidade diferente no futuro, mas Welch calcula que é um pacote de US$2,5 trilhões que não conta o pacote de estímulo econômico de US$838 bilhões, aprovado ontem, nem os bilhões já gastos em tentativas inúteis de capitalizar os bancos americanos.

Já o plano de estímulo aprovado pelo Senado ainda terá que ser negociado com a Câmara porque tem inúmeras diferenças. Entre elas: os estados deixam de receber US$40 bilhões se a versão que prevalecer for a do Senado. Os compradores de imóveis que estão comprando pela primeira vez ganhariam US$2,6 bi de estímulo se a versão da Câmara valer, mas no Senado isso vira uma ajuda para qualquer comprador, independentemente do nível de renda, e o valor aumenta para US$18 bilhões.

O plano dá uma arma na mão de Obama que ele queria para começar a gastar, mas tem recebido várias críticas de economistas que dizem que ele faz a mais elementar das confusões entre gastos de custeio e de investimento. Ele vai gastar US$90 bilhões com o sistema de saúde, e Obama diz que é investimento. E explicou na sua primeira coletiva que se as anotações nos prontuários médicos deixarem de ser anotadas à mão, confundindo enfermeiras, para ter tudo computadorizado, isso não é gasto, é investimento. O presidente americano também deu outros exemplos na entrevista: se o governo investir no aumento da eficiência energética dos prédios públicos, vai reduzir o custeio e ainda criar emprego.

Barack Obama decidiu usar seu capital político para tentar virar o jogo paralisado dos últimos dias. E se saiu com algumas boas vitórias. Nos últimos dias, ele vestiu de novo a roupa de candidato e fez calorosos discursos em palanque no estado de Indiana e na Flórida, para pressionar o Senado. Tem 75% de aprovação, mas o plano tinha apenas 54%. Obama conseguiu a aprovação do plano. Mas, ao mesmo tempo, sua equipe fez gol contra ao anunciar de forma atabalhoada aquilo que será a pedra principal de qualquer plano econômico para resgatar a economia americana do buraco financeiro.

- Enquanto não ficar explícito que instituições têm ativos podres, o dinheiro não vai circular. É uma das leis do mercado financeiro - diz John Welch.

O anúncio feito por Timothy Geithner teve alguns pontos favoráveis. Um deles foi garantir que todas as agências do governo - Tesouro, Fed, Fundo Garantidor, SEC, Agências de controle e fiscalização bancárias, entre outras - estarão juntas. "São várias agências, mas um só governo", disse Geithner. Nos próximos dias, na divulgação dos detalhes do arsenal que pretende usar, o jovem secretário do Tesouro tem uma chance de reverter o estrago de ontem.

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