quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Merval Pereira - É a História, General

- O Globo

Ao afirmar que a vacinação acontecerá no dia D e na hora H, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, demonstra que não tem a menor condição de estar à frente de um ministério civil. Pareceu um deboche, mas pode ter sido apenas uma frase típica de quartel. Mas ele não está lá, embora seja um General da ativa, está no ministério da Saúde, um posto civil, e tem que saber se comunicar de maneira que as pessoas entendam.

Não adianta usar chavões militares para dizer que dará a vacina na hora certa, no tempo certo. Além do que esse “tempo certo” já passou tanto que o mundo inteiro já está se vacinando. Nosso dia D deveria ter sido há muito tempo. Quando ele definir o dia D do Brasil, estaremos muitos mil mortos à frente, com a sociedade paralisada pelo medo, com a economia devastada.

É uma situação que a cada dia demonstra que o governo brasileiro não sabe governar, só sabe conversar com o povo para dar orientações incorretas, populismo que é especialidade de Bolsonaro.

O ministro da Saúde está nervoso porque perdeu o controle da situação, não azeitou uma máquina de vacinação que historicamente produziu efeitos. Não se deu conta de que a principal tarefa dele é montar a logística da operação nacional de vacinação, o que poderia ser relativamente fácil, porque já temos uma estrutura importante. Mas, para uma pandemia, com a exigência de duas doses para uma imunização individual efetiva, é preciso um trabalho coordenado com estados e municípios, e ele quer concentrar tudo.

Míriam Leitão - O caso Ford e os vários erros

- O Globo

Muitos erros da política econômica ficam evidentes nesse episódio da Ford. Falhas da empresa e equívocos do governo. A indústria automobilística está mudando no mundo, migrando para motores elétricos, de menor impacto no meio ambiente. Algumas empresas estão sendo mais ágeis. No Brasil, as montadoras sempre foram dependentes de subsídios fiscais, empréstimos baratos e barreiras contra o produto importado. Inclusive no governo Bolsonaro, que só em 2019 deu R$ 6,6 bilhões de subsídios ao setor. No caso da Ford, a história dos erros é antiga.

Quando a Ford veio ao Brasil, na década de 20, foi perseguida a ideia de Henry Ford de implantar uma cidade no meio da floresta, removendo, claro, a floresta. A Fordlândia deu errado mas ela se assentou sobre um milhão de hectares doados à empresa pelo governo no Pará. Produziria borracha para os pneus. Depois foi transplantada para 100 quilômetros adiante, em Belterra, também no Pará. A história mostra a arrogância do capitalista e o erro dos governos brasileiros em relação a Amazônia.

A indústria automobilística só cresceu no Brasil à base de muito subsídio, empréstimos com juros baixos, doação de terrenos, estímulo à guerra fiscal entre os estados. Exploraram até o nacionalismo, era o “produto nacional” contra a concorrência externa. Só o governo Collor reduziu as tarifas de importação, mas são ainda muito altas.

Luiz Carlos Azedo - O recado da Ford

- Correio Braziliense

Pode-se responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal

Neste episódio do encerramento das operações da Ford no Brasil há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões da Embraer. A propósito, a mais importante empresa de tecnologia da indústria nacional, que foi a consagração do modelo de substituição das importações, luta para sobreviver, depois do fracasso da bilionária parceria com a Boeing. A indústria de aviação passa por uma reestruturação mundial, agravada pela pandemia do novo coronavírus, que teve forte impacto no transporte de passageiros. De certa forma, a redução do fluxo de pessoas pode ajudar a volta por cima da Embraer, que produz aviões menores, como o E190, para 100 passageiros, ideal para a aviação regional. A startup EGO Airways divulgou, recentemente, que o avião brasileiro vai operar 11 rotas italianas, inicialmente, tendo por hubs os aeroportos de Forli e de Catânia, no norte e no sul da Itália, respectivamente; depois, na rota Milão-Roma.

Pode-se responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal. Em tese, poderíamos ter disputado a permanência das fábricas com a Argentina e o Uruguai, mas isso exigiria um arranjo institucional impossível de ser feito sem reforma tributária, política industrial e política de comércio exterior adequadas. Além disso, poderia ser uma solução de curto prazo, porque a indústria de automóveis passa por uma revolução tecnológica, na qual a Ford ficou para trás. Já são vendidos no Brasil, por exemplo, cerca de 20 modelos diferentes de carros elétricos Audi, Chevrolet, Nissan, Jaguar, BMW, Renault, JAC, Mercedes-Benz, BYD e Tesla. A briga boa é para produzi-los aqui no Brasil, mas, aí, surge o problema da automação: modernas plantas industriais são automatizadas, a mão de obra barata deixou de ser um atrativo.

Ricardo Noblat - Bolsonaro deve preparar-se para colher o que plantou

- Blog do Noblat / Veja

A saída da Ford. Presidente francês quer soja europeia para não depender da brasileira

O ministro Paulo Guedes, da Economia, soube pela imprensa do fechamento das fábricas da Ford no Brasil e da retirada da empresa do país depois de mais de 100 anos. Foi a primeira montadora de automóveis a se estabelecer por aqui.

Guedes caiu na mais irresistível tentação que acomete os homens públicos – mentir ou exagerar. A primeira coisa que disse foi que o encerramento das atividades da Ford no Brasil destoa da forte recuperação econômica que vive o país.

Foi mais fundo o governador Rui Costa (PT), da Bahia, que sedia uma das fábricas que será fechada: “Não há planejamento. O que pensaram nos últimos cinco anos para aumentar os investimentos em tecnologia e industrialização? Nada.”

E concluiu com uma frase de efeito, mas não distante assim da realidade: “Estamos satisfeitos em nos tornarmos uma grande fazenda”. Bolsonaro preferiu criticar a Ford e esconder que seu governo aumentou os subsídios dados às montadoras.

No momento em que mais o governo hostiliza a China, o maior parceiro comercial do Brasil, chamando a Covid-19 de vírus chinês, desancando a vacina CoronaVac e rejeitando a tecnologia chinesa para o 5G, a quem ele pensa recorrer no caso da Ford?

O Ministério da Economia já entrou em contato com outras montadoras sobre a possibilidade de elas assumirem as fábricas da Ford que serão fechadas em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e em Horizonte (CE). E uma das montadoras é a Chery, chinesa.

Zuenir Ventura - Tempos estranhos

- O Globo

Queria, por exemplo, que não houvesse uma mesquinha guerra pela vacina

Só agora, com o início das obras de restauração do Cristo Redentor, é que me dei conta de que temos a mesma idade — somos, ele e eu, de 1931. As semelhanças, infelizmente, param por aí. O Cristo está mais bem conservado e, com a reforma, vai ficar novinho em folha para continuar de braços abertos sobre a Guanabara. Se antes ele já tinha sido eleito informalmente como uma das Sete Maravilhas do Mundo, imagina quando for recauchutado.

Ele, não sei, não perguntei, mas, de minha parte, não me lembro de ter vivido tempos mais estranhos — e olha que “vivi” o suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Jânio Quadros, a deposição de Jango, a ditadura militar, a redemocratização etc. O problema é que agora foram reunidas todas as crises de uma vez só, a começar pela pandemia — política, econômica, ambiental, ética.

Pessoalmente, não tenho do que me queixar. Enquanto mais de 200 mil brasileiros já foram impiedosamente exterminados pelo coronavírus, eu cheguei são e salvo a 2021, claro que em quarentena absoluta. O que que eu quero mais? Queria, por exemplo, que não houvesse uma mesquinha guerra pela vacina. A politização atingiu tal nível que o presidente chegou a ameaçar: “O povo brasileiro não será cobaia da vacina chinesa de João Doria”.

Elio Gaspari - Tasso avisa: trinquem os dentes

- Folha de S. Paulo / O Globo

Bolsonaro sonha com um problema na eleição presidencial

Na sua entrevista aos repórteres Renan Truffi e Vandson Lima, o senador Tasso Jereissati deu um aviso, coisa de quem conhece a política brasileira: “As instituições precisarão ser fortes, trincar os dentes”. Há uma semana vê-se o espetáculo da partida de Donald Trump num país de instituições fortes. Depois de um sobressalto inédito, Joe Biden assumirá a Presidência dos Estados Unidos. As instituições brasileiras não têm a força das americanas, e nos próximos dois anos elas passarão por um teste de estresse.

Jair Bolsonaro, com sua opção preferencial pelo apocalipse, já deu a pista: “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos”. O inesquecível Chacrinha dizia que “não vim aqui para explicar, eu vim aqui para confundir”.

Ao confundir, Bolsonaro explicou: ele sonha com um problema na eleição presidencial. Ele já sonhou com saques na pandemia e com uma intervenção no Supremo Tribunal Federal. Um apocalipse viria do andar de baixo. O outro talvez viesse daquilo que ele chamou de “as minhas Forças Armadas”. Nenhum dos dois se materializou. Sabe-se lá o que Donald Trump tinha na cabeça, mas no dia 6 de janeiro os seus milicianos (“we love you”) bateram num muro e agora estão sendo recolhidos pela polícia.

Hélio Schwartsman - Epifania bolsonarista

- Folha de S. Paulo

Num átimo entendi a essência deste governo

Foi lendo o artigo do secretário de Comunicação Social do Ministério das Comunicações, Fábio Wajngarten, em que ele procura explicar as razões de o Brasil estar tão atrás de Israel na vacinação contra a Covid-19, que tive a epifania. Num átimo, entendi a essência do governo Bolsonaro: ocupam os cargos mais estratégicos aqueles que não têm qualificação para exercê-los.

No caso do secretário, isso fica evidente na própria peça, que incorre em erros lógicos e retóricos, além dos factuais. Como tenho pouco espaço, limito-me a apontar o que me pareceu o sofisma maior. Para Wajngarten, não se pode afirmar que o Brasil esteja atrasado na vacinação porque foi só agora que os laboratórios entraram com a papelada na Anvisa.

Não é preciso ser gênio para entender que o que permitiu a Israel ter imunizado cerca de 20% da população foi justamente ter-se antecipado às dificuldades, em vez de esperar que fabricantes, já abarrotados de pedidos, se mexessem. Israel pagou à Pfizer mais do que os europeus para ter acesso rápido a um estoque suficiente de vacinas e ainda ofereceu os dados do sistema de saúde local para a farmacêutica monitorar os efeitos da vacinação em massa.

Bruno Boghossian – O showman engoliu o governador

- Folha de S. Paulo

 Doria fica mal na foto e dá munição a opositores alucinados da vacina

Na semana passada, o showman João Doria anunciou que a Coronavac tinha "eficácia de 78% a 100%" contra a Covid-19. "Esse resultado significa que a vacina tem elevado grau de eficiência para proteger a vida dos brasileiros", derramou-se. Já nesta terça-feira (12), o governador João Doria não apareceu para explicar que a taxa global de eficácia do imunizante é de 50,38%.

Sedento pelos dividendos políticos da guerra de imunização travada com Jair Bolsonaro, o tucano decidiu maquiar os dados de uma boa vacina para que ela parecesse ainda melhor. Não funcionou: Doria ficou mal na foto e prestou um desserviço ao país ao dar munição para os alucinados opositores da vacina.

O Instituto Butantan tem um imunizante promissor. A Coronavac é segura, reduz pela metade a chance de desenvolvimento da doença, pode ser produzida em larga escala e tem características que permitem sua distribuição com facilidade. Deveria ser suficiente, mas a política parece ter falado mais alto.

Ruy Castro - Os brutos também amam o mimimi

- Folha de S. Paulo

Genocídio, feminicídio, homicídio e outros cídios, tudo bem. Suicídio não

A palavra mimimi ainda não está nos dicionários. Pelo menos não nos aurélios e houaisses, mas a culpa pode ser das minhas edições, tão antigas que ainda impressas em papel. Mimimi é um desafio à morfologia, ciência que, em linguística, significa o estudo da estrutura e da formação das palavras. De onde veio mimimi? Desconhece-se uma raiz que a justifique. Pode ter vindo de mi, a 3ª nota da escala musical, donde mi-mi-mi seria uma sequência de mis. Mas não deve ser o caso —é raro alguém sair solfejando em meio aos selvagens bate-bocas em que hoje é usada a palavra mimimi.

Foi com ela que, de maneira avassaladora nos últimos tempos, bandeiras como o combate ao racismo, ao feminicídio, à homofobia, ao genocídio, às armas que levam ao homicídio e a outros cídios passaram a ser classificadas por certos grupos. Mimimi é sinônimo de chororô, vitimismo maricas, coisa de fracos, choro de perdedor. Tornou-se não apenas uma forma de negar aos humilhados e ofendidos o direito de se defenderem como de ridicularizá-los, reduzindo seus argumentos a uma palavra cômica.

Fernando Exman - Covid renova debate sobre política industrial

- Valor Econômico

Falta de diálogo reforça críticas à extinção do Mdic

Ano novo, vida nova. Nem sempre para melhor. Os primeiros dias de 2021 já impõem desafios ao governo, uma administração que vai criando o hábito de terceirizar responsabilidades e adiar a tomada de decisões que podem evitar o agravamento da crise.

As taxas de contaminação e óbitos por covid-19 crescem, lamentavelmente, a uma velocidade alarmante. Acelerado também é o crescimento da imprevisibilidade quanto ao início do plano nacional de imunização, assim como do receio de que o anúncio da Ford seja apenas o prenúncio de um movimento maior daqueles que não consideram mais o Brasil um bom destino para investir.

Sem vacinação, estima o Ministério da Saúde, o país precisaria manter medidas de isolamento social por até dois anos, para só então conseguir interromper a transmissão da enfermidade sem o colapso do sistema de saúde. Não existe possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro apoiar ideia como essa, a qual também não parece atrair a cúpula da pasta.

A postura do ministro Eduardo Pazuello aumenta os argumentos daqueles que apostam que ele deixará a farda para entrar na política e disputar algum cargo eletivo no próximo pleito. Estes dizem ser prudente acompanhar suas movimentações na região Norte.

Nilson Teixeira - Não estamos quebrados, mas perdidos

- Valor Econômico

O Brasil não precisa de milagres, mas sim do empenho do governo e das lideranças em fazer ajustes e reformas

A fala do presidente Bolsonaro de que o Brasil está quebrado e de que ele não consegue fazer nada em termos de alocação de recursos repercutiu muito. Apesar de reconhecer que a situação econômica e fiscal embute riscos relevantes, discordo do comentário, pois julgo que há muito a ser feito.

O Brasil avançou em várias frentes nos últimos 40 anos, tais como: a construção de uma democracia sólida; um Congresso e um Judiciário independentes e capazes de evitar equívocos do Executivo; a universalização do atendimento gratuito no sistema público de saúde - quase três bilhões de atendimentos anuais desde procedimentos ambulatoriais até cirurgias de alta complexidade; a estabilização econômica - com inflação baixa e estabilidade monetária; e a modernização do setor de commodities, com o país tornando-se um dos maiores exportadores de produtos agropecuários e minerais.

Todavia, não é possível festejar essas conquistas, pois vários países com estágios de desenvolvimento mais atrasados no fim dos anos 1970 avançaram muito mais. Cerca de 60% da população brasileira nasceu depois do início da década de 1980 e não viveu os anos de crescimento pujante. O crescimento médio do PIB desde então foi inferior a 2,5% ao ano, com uma expansão per capita muito reduzida.

As distorções domésticas são vergonhosas. Enquanto uma parte diminuta da sociedade vive em condições compatíveis às dos países desenvolvidos, a maior parcela vive as agruras do subdesenvolvimento, com elevada deficiência nos sistemas, por exemplo, de educação - quase 50% dos brasileiros com 25 anos ou mais têm, no máximo, ensino fundamental completo - e de saneamento - 30% dos domicílios não têm rede geral nem fossa séptica.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Civilidade e racionalidade para divergir

- O Estado de S. Paulo

Com força predatória, surge o preconceito ligado ao pensar diferente, que enraivece

Inicialmente deve ser dada uma explicação acerca do título. Não se trata de divergência ou diversidade social, de raça ou de sexo. Ela se refere às diferenças de opinião e de manifestação como corolários da liberdade de pensamento, que é a essência da democracia e a base de uma sociedade livre e pacífica.

Em relação ao conteúdo do texto também é necessário um esclarecimento. As opiniões divergentes precisam ser justificadas. Assim, ao menos se saberá tratar-se de um ato de racionalidade, ainda que não aceitas as razões. Os divergentes devem manter respeito recíproco, sem fanatismo, com tolerância e mente aberta, prontos para, eventualmente, mudar suas posições.

Vários fatores certamente concorreram para a formação daqueles que integram os segmentos que cultuam os valores da democracia e da liberdade, no Brasil de hoje. Foram forjados num ambiente de livre pensar, opinar, contestar e contrapor as suas opiniões com as que lhes são contrárias.

Nesse sentido, ao lado da liberdade de se expressar, cada qual deve reconhecer o mesmo direito para seu semelhante, e mais, defender esse direito como se seu fosse, mesmo divergindo do pensamento alheio. Trata-se do absoluto respeito pelo pensar de outrem. “Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizeres.”

Pois bem, esse antigo e sábio brocardo está sendo afrontado sem nenhum disfarce ou constrangimento. A intolerância é a resposta àqueles que ousam discordar.

Assistimos às constantes agressões aos postulados civilizatórios construídos durante séculos, os quais se pensava que estariam hoje absorvidos pelo (in)consciente social e impregnados na cultura universal.

Ledo engano. As duas guerras mundiais no século passado; as cruentas disputas religiosas do Oriente Médio e de outros sítios do universo; a existência de grupos de extermínio; as organizações criminosas; as perseguições discriminatórias de raça, cor, religião e sexo; tudo isso reflete um quadro de ódio, fruto do desamor que pouco a pouco se vai alastrando aqui e fora.

Dentro desse panorama que contrasta com as expectativas de um mundo harmonioso e pacífico, sobressalta, como fenômeno mundial, um endêmico sectarismo. Esse fenômeno encontra as suas raízes não necessariamente em conturbações sociais ou na luta pelo poder. A sua origem está relacionada à liberdade de pensamento, de raciocínio e de expressão.

Paulo Delgado* - Incógnitas e lutas caducas

- O Estado de S. Paulo

O Brasil parece renunciar ao amor por seu povo. Não há melhores a imitar

Aos trancos e barrancos, em violentas erupções eles governam. Se o país está quebrado, é hora de comprá-lo. Barão de Rothschild vaticina: a riqueza troca de dono quando há sangue nas ruas. Os mercados lucram com a miséria humana, explica o New York Times, porque as bolsas estão bombando na pandemia.

Como o presidente libera sentimentos que ninguém quer ver e em geral destrói todos os que cometeram o erro de nele acreditar, há alguma coisa no ar que não fecha. Declarar a insolvência do Brasil sabendo da manipulação da descrença que a isso se segue permite supor que alguém já lhe deve mais do que ele jamais poderia dever.

Brasil e EUA vivem a moléstia do vitorioso mal-agradecido que debilita a glória de presidir o país pela mortificação pessoal de ocupar cargo acima de seu nível. Porque esse negócio de dizer que não pode fazer nada quer dizer que não pode fazer tudo em regime legal. Alusão ao mundo subterrâneo, motor da palhaçada ultrajante no Capitólio querendo produzir torpor na democracia.

A democracia não tem a velocidade maldosa do impune. Não detém sua esterilidade petulante, nem suaviza a dureza da pedra ou incute valores morais em atitudes destrutivas. Basta uma declaração para resumir a aversão ao diálogo, como campeão de lutas caducas.

Dois países, um mole, outro desarranjado, assistem ao êxtase de líder errado, num concurso de paixão sem razão e capacidade de frear. Impeachment é por crime de responsabilidade. De irresponsabilidade é interdição, desqualificação por circunstância. Como a sorte lançou votos em seu caminho, drenar o pântano é aposentar quem não entende as dificuldades da vida normal e fazer regredir a preferência pelo conservadorismo político desinformado e pelo liberalismo tosco.

Roberto DaMatta* - O combate de Trump contra a igualdade

- O Estado de S. Paulo

Eis um combate revelador de um permanente negacionismo hierárquico cujas raízes estão centradas na crença segundo a qual as pessoas poderosas canibalizam a seu gosto as regras e estão acima da lei

A eleição é um evento de formidável significado político nas democracias. O ritual eleitoral livre e individualizado equivale à morte paradoxalmente programada de um rei. Ele renova o sistema político e acaba com o exclusivismo dos arranjos de familismos e abala os ardis de classe, dando sentido a associações voluntárias que ajudam a enfrentar problemas. Somente na democracia há uma entrega do poder político ao julgamento do povo. 

Tal paradoxo torna-se ainda mais poderoso num planeta permeado por redes digitais – uma jamais vista capacidade de livre expressão, o que facilita tanto a verdade quanto a intriga e a mentira. O fato inegável, contudo, é que a eleição livre é a melhor vacina contra os golpes cujo primeiro ato é eliminá-la. 

A dúvida de quem vai ser o mandatário por meio eleitoral é a prova viva do valor da igualdade inibidora do execrável “você sabe com quem está falando?”, porque a competição eleitoral suspende e separa indivíduos de cargos, revelando que estes são fixos, mas pessoas e contextos – eis o centro do surto trumpista e de todos os autoritarismos – passam.

As estruturas eleitorais neutralizam hierarquias e exigem igualdade. No fundo, elas equilibram esses dois polos descompassados, mas acasalados da vida social. Elas substituem um obrigatório “sabe com quem está falando?” por um realista “quem você pensa que é?”, numa transição verdadeiramente revolucionária quando se vai do personalismo patriarcal para a impessoalidade de um igualitarismo universalista – esse marco da vida moderna.

A eleição, diz um ativista amigo e querido, não é o emplastro de Brás Cubas, mas renova a esperança de liberdade, igualdade e justiça. 

Cristovam Buarque* - Futuro para a esquerda

O artigo “É o futuro, esquerda”, publicado nesta página, em 15 de dezembro, foi criticado por ter aplicado os conceitos de “direita” e “esquerda” a conservadores e progressistas, respectivamente. Também por ter sido mais duro com os progressistas. No entanto, no texto, afirmo que a “direita” ainda nem aceitou a Lei Áurea e que a “esquerda” deve fazer sua revolução para ter futuro. Critico a esquerda com a esperança que se atualize. Para isso, seguem algumas das minhas sugestões.  

1. Acreditar em utopias.   

Os progressistas precisam recuperar sonhos utópicos, aceitando a marcha da história: automação, inteligência artificial, limites ecológicos, o valor da natureza, o esgotamento do Estado, a globalização, a mudança no perfil etário da população. Não devem mais prometer a ilusória e autoritária igualdade de renda e consumo. De fato, devem buscar que, graças a um piso social, todos, mesmo aqueles com baixa renda, tenham acesso a todos os bens e serviços essenciais; e que, graças a um teto ecológico, ninguém, mesmo aqueles com renda alta, possa consumir bens e serviços que desequilibrem o meio ambiente. Os progressistas também devem assegurar igualdade na qualidade dos serviços de saúde e educação, permitindo que cada pessoa use seu mérito para ascender socialmente.  

Aylê-Salassié F. Quintão* - As últimas consequências podem ser fatais

O futuro nem chegou e o governo, com milhares de famintos batendo às suas portas e os estados e municípios quase insolventes, já anuncia que está quebrado. Não estamos sós...

Viciado em opiniões e leituras acadêmicas, qual não foi minha surpresa recente,  ao consultar, por curiosidade, um grupo de analistas de mercado da Seeking Alfa (Nova York) , e deparar com gente altamente antenada  na realidade conjuntural global e que se encaixa perfeitamente na realidade brasileira atual. 

Impressionaram-me particularmente as projeções do analista Andrés Cardenal – não sei se é doutor, mestre ou especialista - seguido por onze mil investidores ao redor do mundo. Do seu portifólio consta que, em 2020, ano da pandemia, ele bateu o mercado por 5  a 1, em acerto nas projeções econômicas, disponíveis somente no Data Driven Investors, para assinantes da newsletter digital.

Cardenal fala agora dos efeitos do Covid. Sugere uma revisão do cenário de investimentos para este ano (edição de 2020, 07.01.2021) . Pontua que as medidas restritivas dos governos, no ano passado, afetaram importantes segmentos da economia global, apontando para uma recessão. Lembra que as iniciativas sem precedentes dos governos e dos bancos centrais, tentando mitigar a crise, não impactaram diretamente, mas resvalaram nas grandes corporações, no mercado imobiliário e no financeiro.

Pior, geraram uma desconexão com as economias saudáveis, que elevaram em 20%, U$14 trilhões, o suprimento de dinheiro no mercado. Com isso, o déficit fiscal global, dos governos, cresceu para 13% do PIB, conforme vem mostrar o FMI.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Mudar polícias traz risco para a democracia – Opinião | O Globo

Propostas que esvaziam subordinação da segurança aos estados são parte do projeto de poder de Bolsonaro

O apoio do presidente Jair Bolsonaro a dois projetos que alteram a organização das Polícias Militar e Civil, para reduzir o poder que os governadores têm sobre ambas, não é apenas uma manobra para o presidente ampliar o apoio com que já conta nas corporações, principalmente na PM. Mais do que isso, representa um risco institucional seriíssimo de que as polícias possam constituir um poder paralelo sob a influência de Bolsonaro. É um perigo para o estado democrático de direito e toda a sociedade.

O ex-capitão sempre procurou atrair o apoio de PMs e militares de baixa patente, com a promessa de medidas populistas. Como fez há pouco, em visita à central de abastecimento de São Paulo (Ceagesp), estatal federal, ao anunciar que policiais militares, fardados ou não, passariam a ter desconto de 20% dos comerciantes. Comportou-se como representante sindical desses servidores públicos armados ao longo dos 28 anos em que integrou o baixo clero da Câmara. Continua a comportar-se no Planalto.

É inequívoca a adesão que conquistou nessas categorias. Entre os praças, 41% acessam e interagem em espaços bolsonaristas na internet, revelou pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Decode. Desses, 16% navegam em ambientes radicalizados. Entre os oficiais, tais números são, respectivamente, 35% e 18%. Como presidente, Bolsonaro parece interessado em obter dos policiais bem mais do que votos. Os números alertam para a possibilidade de novas insubordinações, como a que aconteceu ano passado durante a greve da PM no Ceará.

Bolsonaro se recusou a chamar de “motim” a rebelião cearense. Em 13 dias de paralisação — proibida pela Constituição —, policiais desobedeceram às ordens para voltar ao trabalho. Houve 240 assassinatos no estado. Como agiriam outros policiais diante de governos estaduais com menos poderes?

Música | Daniela Mercury - O mais belo dos belos

 

Poesia | Fernando Pessoa -Cada um cumpre o destino que lhe cumpre

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.