Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2021
Merval Pereira - É a História, General
Míriam Leitão - O caso Ford e os vários erros
Muitos
erros da política econômica ficam evidentes nesse episódio da Ford. Falhas da
empresa e equívocos do governo. A indústria automobilística está mudando no
mundo, migrando para motores elétricos, de menor impacto no meio ambiente.
Algumas empresas estão sendo mais ágeis. No Brasil, as montadoras sempre foram
dependentes de subsídios fiscais, empréstimos baratos e barreiras contra o
produto importado. Inclusive no governo Bolsonaro, que só em 2019 deu R$ 6,6
bilhões de subsídios ao setor. No caso da Ford, a história dos erros é antiga.
Quando
a Ford veio ao Brasil, na década de 20, foi perseguida a ideia de Henry Ford de
implantar uma cidade no meio da floresta, removendo, claro, a floresta. A
Fordlândia deu errado mas ela se assentou sobre um milhão de hectares doados à
empresa pelo governo no Pará. Produziria borracha para os pneus. Depois foi
transplantada para 100 quilômetros adiante, em Belterra, também no Pará. A
história mostra a arrogância do capitalista e o erro dos governos brasileiros
em relação a Amazônia.
A indústria automobilística só cresceu no Brasil à base de muito subsídio, empréstimos com juros baixos, doação de terrenos, estímulo à guerra fiscal entre os estados. Exploraram até o nacionalismo, era o “produto nacional” contra a concorrência externa. Só o governo Collor reduziu as tarifas de importação, mas são ainda muito altas.
Luiz Carlos Azedo - O recado da Ford
Pode-se
responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter
feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal
Neste
episódio do encerramento das operações da Ford no Brasil há mais coisas entre o
céu e a terra do que os aviões da Embraer. A propósito, a mais importante
empresa de tecnologia da indústria nacional, que foi a consagração do modelo de
substituição das importações, luta para sobreviver, depois do fracasso da
bilionária parceria com a Boeing. A indústria de aviação passa por uma
reestruturação mundial, agravada pela pandemia do novo coronavírus, que teve
forte impacto no transporte de passageiros. De certa forma, a redução do fluxo
de pessoas pode ajudar a volta por cima da Embraer, que produz aviões menores,
como o E190, para 100 passageiros, ideal para a aviação regional. A startup EGO
Airways divulgou, recentemente, que o avião brasileiro vai operar 11 rotas
italianas, inicialmente, tendo por hubs os aeroportos de Forli e de Catânia, no
norte e no sul da Itália, respectivamente; depois, na rota Milão-Roma.
Pode-se responsabilizar o governo Bolsonaro pela saída da Ford do Brasil? Por não ter feito nada para evitar, sim; mas essa não foi a causa principal. Em tese, poderíamos ter disputado a permanência das fábricas com a Argentina e o Uruguai, mas isso exigiria um arranjo institucional impossível de ser feito sem reforma tributária, política industrial e política de comércio exterior adequadas. Além disso, poderia ser uma solução de curto prazo, porque a indústria de automóveis passa por uma revolução tecnológica, na qual a Ford ficou para trás. Já são vendidos no Brasil, por exemplo, cerca de 20 modelos diferentes de carros elétricos Audi, Chevrolet, Nissan, Jaguar, BMW, Renault, JAC, Mercedes-Benz, BYD e Tesla. A briga boa é para produzi-los aqui no Brasil, mas, aí, surge o problema da automação: modernas plantas industriais são automatizadas, a mão de obra barata deixou de ser um atrativo.
Ricardo Noblat - Bolsonaro deve preparar-se para colher o que plantou
A
saída da Ford. Presidente francês quer soja europeia para não depender da
brasileira
O
ministro Paulo Guedes, da Economia, soube pela imprensa do fechamento das
fábricas da Ford no Brasil e da retirada da empresa do país depois de mais de
100 anos. Foi a primeira montadora de automóveis a se estabelecer por aqui.
Guedes
caiu na mais irresistível tentação que acomete os homens públicos – mentir ou
exagerar. A primeira coisa que disse foi que o encerramento das atividades da
Ford no Brasil destoa da forte recuperação econômica que vive o país.
Foi
mais fundo o governador Rui Costa (PT), da Bahia, que sedia uma das fábricas
que será fechada: “Não há planejamento. O que pensaram nos últimos cinco anos
para aumentar os investimentos em tecnologia e industrialização? Nada.”
E
concluiu com uma frase de efeito, mas não distante assim da realidade: “Estamos
satisfeitos em nos tornarmos uma grande fazenda”. Bolsonaro preferiu criticar a
Ford e esconder que seu governo aumentou os subsídios dados às montadoras.
No
momento em que mais o governo hostiliza a China, o maior parceiro comercial do
Brasil, chamando a Covid-19 de vírus chinês, desancando a vacina CoronaVac e
rejeitando a tecnologia chinesa para o 5G, a quem ele pensa recorrer no caso da
Ford?
O Ministério da Economia já entrou em contato com outras montadoras sobre a possibilidade de elas assumirem as fábricas da Ford que serão fechadas em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e em Horizonte (CE). E uma das montadoras é a Chery, chinesa.
Zuenir Ventura - Tempos estranhos
Queria,
por exemplo, que não houvesse uma mesquinha guerra pela vacina
Só
agora, com o início das obras de restauração do Cristo Redentor, é que me dei
conta de que temos a mesma idade — somos, ele e eu, de 1931. As semelhanças,
infelizmente, param por aí. O Cristo está mais bem conservado e, com a reforma,
vai ficar novinho em folha para continuar de braços abertos sobre a Guanabara.
Se antes ele já tinha sido eleito informalmente como uma das Sete Maravilhas do
Mundo, imagina quando for recauchutado.
Ele,
não sei, não perguntei, mas, de minha parte, não me lembro de ter vivido tempos
mais estranhos — e olha que “vivi” o suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de
Jânio Quadros, a deposição de Jango, a ditadura militar, a redemocratização
etc. O problema é que agora foram reunidas todas as crises de uma vez só, a
começar pela pandemia — política, econômica, ambiental, ética.
Pessoalmente, não tenho do que me queixar. Enquanto mais de 200 mil brasileiros já foram impiedosamente exterminados pelo coronavírus, eu cheguei são e salvo a 2021, claro que em quarentena absoluta. O que que eu quero mais? Queria, por exemplo, que não houvesse uma mesquinha guerra pela vacina. A politização atingiu tal nível que o presidente chegou a ameaçar: “O povo brasileiro não será cobaia da vacina chinesa de João Doria”.
Elio Gaspari - Tasso avisa: trinquem os dentes
Bolsonaro
sonha com um problema na eleição presidencial
Na
sua entrevista aos repórteres Renan Truffi e Vandson Lima, o senador Tasso
Jereissati deu um aviso, coisa de quem conhece a política brasileira: “As
instituições precisarão ser fortes, trincar os dentes”. Há uma semana vê-se o
espetáculo da partida de Donald Trump num país de instituições fortes. Depois
de um sobressalto inédito, Joe Biden assumirá a Presidência dos Estados Unidos.
As instituições brasileiras não têm a força das americanas, e nos próximos dois
anos elas passarão por um teste de estresse.
Jair
Bolsonaro, com sua opção preferencial pelo apocalipse, já deu a pista: “Se nós
não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos
ter problema pior que os Estados Unidos”. O inesquecível Chacrinha dizia que
“não vim aqui para explicar, eu vim aqui para confundir”.
Ao confundir, Bolsonaro explicou: ele sonha com um problema na eleição presidencial. Ele já sonhou com saques na pandemia e com uma intervenção no Supremo Tribunal Federal. Um apocalipse viria do andar de baixo. O outro talvez viesse daquilo que ele chamou de “as minhas Forças Armadas”. Nenhum dos dois se materializou. Sabe-se lá o que Donald Trump tinha na cabeça, mas no dia 6 de janeiro os seus milicianos (“we love you”) bateram num muro e agora estão sendo recolhidos pela polícia.
Hélio Schwartsman - Epifania bolsonarista
Num
átimo entendi a essência deste governo
Foi
lendo o artigo
do secretário de Comunicação Social do Ministério das Comunicações,
Fábio Wajngarten, em que ele procura explicar as razões de o Brasil estar tão
atrás de Israel na vacinação contra a Covid-19, que tive a epifania. Num átimo,
entendi a essência do governo Bolsonaro: ocupam os cargos mais estratégicos
aqueles que não têm qualificação para exercê-los.
No
caso do secretário, isso fica evidente na própria peça, que incorre em erros
lógicos e retóricos, além dos factuais. Como tenho pouco espaço, limito-me a
apontar o que me pareceu o sofisma maior. Para Wajngarten, não se pode afirmar
que o Brasil esteja atrasado na vacinação porque foi só agora que os
laboratórios entraram com a papelada na Anvisa.
Não é preciso ser gênio para entender que o que permitiu a Israel ter imunizado cerca de 20% da população foi justamente ter-se antecipado às dificuldades, em vez de esperar que fabricantes, já abarrotados de pedidos, se mexessem. Israel pagou à Pfizer mais do que os europeus para ter acesso rápido a um estoque suficiente de vacinas e ainda ofereceu os dados do sistema de saúde local para a farmacêutica monitorar os efeitos da vacinação em massa.
Bruno Boghossian – O showman engoliu o governador
Na
semana passada, o showman João Doria anunciou que a Coronavac tinha "eficácia
de 78% a 100%" contra a Covid-19. "Esse resultado significa
que a vacina tem elevado grau de eficiência para proteger a vida dos
brasileiros", derramou-se. Já nesta terça-feira (12), o governador João
Doria não apareceu para explicar que a taxa global de eficácia do imunizante é
de 50,38%.
Sedento
pelos dividendos políticos da guerra de imunização travada com Jair Bolsonaro,
o tucano decidiu maquiar os dados de uma boa vacina para que ela parecesse
ainda melhor. Não funcionou: Doria ficou mal na foto e prestou um desserviço ao
país ao dar munição para os alucinados opositores da vacina.
O Instituto Butantan tem um imunizante promissor. A Coronavac é segura, reduz pela metade a chance de desenvolvimento da doença, pode ser produzida em larga escala e tem características que permitem sua distribuição com facilidade. Deveria ser suficiente, mas a política parece ter falado mais alto.
Ruy Castro - Os brutos também amam o mimimi
Genocídio,
feminicídio, homicídio e outros cídios, tudo bem. Suicídio não
A
palavra mimimi ainda não está nos dicionários. Pelo menos não nos aurélios e
houaisses, mas a culpa pode ser das minhas edições, tão antigas que ainda
impressas em papel. Mimimi é um desafio à morfologia, ciência que, em
linguística, significa o estudo da estrutura e da formação das palavras. De
onde veio mimimi? Desconhece-se uma raiz que a justifique. Pode ter vindo de
mi, a 3ª nota da escala musical, donde mi-mi-mi seria uma sequência de mis. Mas
não deve ser o caso —é raro alguém sair solfejando em meio aos selvagens
bate-bocas em que hoje é usada a palavra mimimi.
Foi com ela que, de maneira avassaladora nos últimos tempos, bandeiras como o combate ao racismo, ao feminicídio, à homofobia, ao genocídio, às armas que levam ao homicídio e a outros cídios passaram a ser classificadas por certos grupos. Mimimi é sinônimo de chororô, vitimismo maricas, coisa de fracos, choro de perdedor. Tornou-se não apenas uma forma de negar aos humilhados e ofendidos o direito de se defenderem como de ridicularizá-los, reduzindo seus argumentos a uma palavra cômica.
Fernando Exman - Covid renova debate sobre política industrial
Falta
de diálogo reforça críticas à extinção do Mdic
Ano
novo, vida nova. Nem sempre para melhor. Os primeiros dias de 2021 já impõem
desafios ao governo, uma administração que vai criando o hábito de terceirizar
responsabilidades e adiar a tomada de decisões que podem evitar o agravamento
da crise.
As
taxas de contaminação e óbitos por covid-19 crescem, lamentavelmente, a uma
velocidade alarmante. Acelerado também é o crescimento da imprevisibilidade
quanto ao início do plano nacional de imunização, assim como do receio de que o
anúncio da Ford seja apenas o prenúncio de um movimento maior daqueles que não
consideram mais o Brasil um bom destino para investir.
Sem
vacinação, estima o Ministério da Saúde, o país precisaria manter medidas de
isolamento social por até dois anos, para só então conseguir interromper a
transmissão da enfermidade sem o colapso do sistema de saúde. Não existe
possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro apoiar ideia como essa, a qual
também não parece atrair a cúpula da pasta.
A postura do ministro Eduardo Pazuello aumenta os argumentos daqueles que apostam que ele deixará a farda para entrar na política e disputar algum cargo eletivo no próximo pleito. Estes dizem ser prudente acompanhar suas movimentações na região Norte.
Nilson Teixeira - Não estamos quebrados, mas perdidos
O Brasil não precisa de milagres, mas sim do empenho do governo
e das lideranças em fazer ajustes e reformas
A
fala do presidente Bolsonaro de que o Brasil está quebrado e de que ele não
consegue fazer nada em termos de alocação de recursos repercutiu muito. Apesar
de reconhecer que a situação econômica e fiscal embute riscos relevantes,
discordo do comentário, pois julgo que há muito a ser feito.
O Brasil avançou em
várias frentes nos últimos 40 anos, tais como: a construção de uma democracia
sólida; um Congresso e um Judiciário independentes e capazes de evitar
equívocos do Executivo; a universalização do atendimento gratuito no sistema
público de saúde - quase três bilhões de atendimentos anuais desde
procedimentos ambulatoriais até cirurgias de alta complexidade; a estabilização
econômica - com inflação baixa e estabilidade monetária; e a modernização do
setor de commodities, com o país tornando-se um dos maiores exportadores de
produtos agropecuários e minerais.
Todavia, não é possível festejar essas conquistas, pois vários países com
estágios de desenvolvimento mais atrasados no fim dos anos 1970 avançaram muito
mais. Cerca de 60% da população brasileira nasceu depois do início da década de
1980 e não viveu os anos de crescimento pujante. O crescimento médio do PIB
desde então foi inferior a 2,5% ao ano, com uma expansão per capita muito
reduzida.
As distorções domésticas são vergonhosas. Enquanto uma parte diminuta da sociedade vive em condições compatíveis às dos países desenvolvidos, a maior parcela vive as agruras do subdesenvolvimento, com elevada deficiência nos sistemas, por exemplo, de educação - quase 50% dos brasileiros com 25 anos ou mais têm, no máximo, ensino fundamental completo - e de saneamento - 30% dos domicílios não têm rede geral nem fossa séptica.
Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Civilidade e racionalidade para divergir
Com
força predatória, surge o preconceito ligado ao pensar diferente, que enraivece
Inicialmente
deve ser dada uma explicação acerca do título. Não se trata de divergência ou
diversidade social, de raça ou de sexo. Ela se refere às diferenças de opinião
e de manifestação como corolários da liberdade de pensamento, que é a essência
da democracia e a base de uma sociedade livre e pacífica.
Em
relação ao conteúdo do texto também é necessário um esclarecimento. As opiniões
divergentes precisam ser justificadas. Assim, ao menos se saberá tratar-se de
um ato de racionalidade, ainda que não aceitas as razões. Os divergentes devem
manter respeito recíproco, sem fanatismo, com tolerância e mente aberta,
prontos para, eventualmente, mudar suas posições.
Vários
fatores certamente concorreram para a formação daqueles que integram os
segmentos que cultuam os valores da democracia e da liberdade, no Brasil de
hoje. Foram forjados num ambiente de livre pensar, opinar, contestar e
contrapor as suas opiniões com as que lhes são contrárias.
Nesse
sentido, ao lado da liberdade de se expressar, cada qual deve reconhecer o
mesmo direito para seu semelhante, e mais, defender esse direito como se seu
fosse, mesmo divergindo do pensamento alheio. Trata-se do absoluto respeito
pelo pensar de outrem. “Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a
morte o direito de dizeres.”
Pois
bem, esse antigo e sábio brocardo está sendo afrontado sem nenhum disfarce ou
constrangimento. A intolerância é a resposta àqueles que ousam discordar.
Assistimos
às constantes agressões aos postulados civilizatórios construídos durante
séculos, os quais se pensava que estariam hoje absorvidos pelo (in)consciente
social e impregnados na cultura universal.
Ledo
engano. As duas guerras mundiais no século passado; as cruentas disputas
religiosas do Oriente Médio e de outros sítios do universo; a existência de
grupos de extermínio; as organizações criminosas; as perseguições
discriminatórias de raça, cor, religião e sexo; tudo isso reflete um quadro de
ódio, fruto do desamor que pouco a pouco se vai alastrando aqui e fora.
Dentro desse panorama que contrasta com as expectativas de um mundo harmonioso e pacífico, sobressalta, como fenômeno mundial, um endêmico sectarismo. Esse fenômeno encontra as suas raízes não necessariamente em conturbações sociais ou na luta pelo poder. A sua origem está relacionada à liberdade de pensamento, de raciocínio e de expressão.
Paulo Delgado* - Incógnitas e lutas caducas
O
Brasil parece renunciar ao amor por seu povo. Não há melhores a imitar
Aos
trancos e barrancos, em violentas erupções eles governam. Se o país está
quebrado, é hora de comprá-lo. Barão de Rothschild vaticina: a riqueza troca de
dono quando há sangue nas ruas. Os mercados lucram com a miséria humana,
explica o New York Times, porque
as bolsas estão bombando na pandemia.
Como
o presidente libera sentimentos que ninguém quer ver e em geral destrói todos
os que cometeram o erro de nele acreditar, há alguma coisa no ar que não fecha.
Declarar a insolvência do Brasil sabendo da manipulação da descrença que a isso
se segue permite supor que alguém já lhe deve mais do que ele jamais poderia
dever.
Brasil
e EUA vivem a moléstia do vitorioso mal-agradecido que debilita a glória de
presidir o país pela mortificação pessoal de ocupar cargo acima de seu nível.
Porque esse negócio de dizer que não pode fazer nada quer dizer que não pode
fazer tudo em regime legal. Alusão ao mundo subterrâneo, motor da palhaçada
ultrajante no Capitólio querendo produzir torpor na democracia.
A
democracia não tem a velocidade maldosa do impune. Não detém sua esterilidade
petulante, nem suaviza a dureza da pedra ou incute valores morais em atitudes
destrutivas. Basta uma declaração para resumir a aversão ao diálogo, como
campeão de lutas caducas.
Dois países, um mole, outro desarranjado, assistem ao êxtase de líder errado, num concurso de paixão sem razão e capacidade de frear. Impeachment é por crime de responsabilidade. De irresponsabilidade é interdição, desqualificação por circunstância. Como a sorte lançou votos em seu caminho, drenar o pântano é aposentar quem não entende as dificuldades da vida normal e fazer regredir a preferência pelo conservadorismo político desinformado e pelo liberalismo tosco.
Roberto DaMatta* - O combate de Trump contra a igualdade
Eis
um combate revelador de um permanente negacionismo hierárquico cujas raízes
estão centradas na crença segundo a qual as pessoas poderosas canibalizam a seu
gosto as regras e estão acima da lei
A
eleição é um evento de formidável significado político nas democracias. O
ritual eleitoral livre e individualizado equivale à morte paradoxalmente
programada de um rei. Ele renova o sistema político e acaba com o exclusivismo
dos arranjos de familismos e abala os ardis de classe, dando sentido a
associações voluntárias que ajudam a enfrentar problemas. Somente na democracia
há uma entrega do poder político ao julgamento do povo.
Tal
paradoxo torna-se ainda mais poderoso num planeta permeado por redes digitais –
uma jamais vista capacidade de livre expressão, o que facilita tanto a verdade
quanto a intriga e a mentira. O fato inegável, contudo, é que a eleição livre é
a melhor vacina contra os golpes cujo primeiro ato é eliminá-la.
A
dúvida de quem vai ser o mandatário por meio eleitoral é a prova viva do valor
da igualdade inibidora do execrável “você sabe com quem está falando?”, porque
a competição eleitoral suspende e separa indivíduos de cargos, revelando que
estes são fixos, mas pessoas e contextos – eis o centro do surto trumpista e de
todos os autoritarismos – passam.
As
estruturas eleitorais neutralizam hierarquias e exigem igualdade. No fundo,
elas equilibram esses dois polos descompassados, mas acasalados da vida social.
Elas substituem um obrigatório “sabe com quem está falando?” por um realista
“quem você pensa que é?”, numa transição verdadeiramente revolucionária quando
se vai do personalismo patriarcal para a impessoalidade de um igualitarismo
universalista – esse marco da vida moderna.
A eleição, diz um ativista amigo e querido, não é o emplastro de Brás Cubas, mas renova a esperança de liberdade, igualdade e justiça.
Cristovam Buarque* - Futuro para a esquerda
1. Acreditar em utopias.
Os progressistas precisam recuperar sonhos utópicos, aceitando a marcha da história: automação, inteligência artificial, limites ecológicos, o valor da natureza, o esgotamento do Estado, a globalização, a mudança no perfil etário da população. Não devem mais prometer a ilusória e autoritária igualdade de renda e consumo. De fato, devem buscar que, graças a um piso social, todos, mesmo aqueles com baixa renda, tenham acesso a todos os bens e serviços essenciais; e que, graças a um teto ecológico, ninguém, mesmo aqueles com renda alta, possa consumir bens e serviços que desequilibrem o meio ambiente. Os progressistas também devem assegurar igualdade na qualidade dos serviços de saúde e educação, permitindo que cada pessoa use seu mérito para ascender socialmente.
Aylê-Salassié F. Quintão* - As últimas consequências podem ser fatais
Viciado em opiniões e leituras acadêmicas, qual não foi minha surpresa recente, ao consultar, por curiosidade, um grupo de analistas de mercado da Seeking Alfa (Nova York) , e deparar com gente altamente antenada na realidade conjuntural global e que se encaixa perfeitamente na realidade brasileira atual.
Impressionaram-me particularmente as projeções do
analista Andrés Cardenal – não sei se é doutor, mestre ou especialista -
seguido por onze mil investidores ao redor do mundo. Do seu portifólio consta
que, em 2020, ano da pandemia, ele bateu o mercado por 5 a 1, em acerto
nas projeções econômicas, disponíveis somente no Data Driven Investors, para
assinantes da newsletter digital.
Cardenal fala agora dos efeitos do Covid. Sugere uma revisão do cenário de investimentos para este ano (edição de 2020, 07.01.2021) . Pontua que as medidas restritivas dos governos, no ano passado, afetaram importantes segmentos da economia global, apontando para uma recessão. Lembra que as iniciativas sem precedentes dos governos e dos bancos centrais, tentando mitigar a crise, não impactaram diretamente, mas resvalaram nas grandes corporações, no mercado imobiliário e no financeiro.
Pior, geraram uma desconexão com as economias saudáveis, que elevaram em 20%, U$14 trilhões, o suprimento de dinheiro no mercado. Com isso, o déficit fiscal global, dos governos, cresceu para 13% do PIB, conforme vem mostrar o FMI.
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
Propostas
que esvaziam subordinação da segurança aos estados são parte do projeto de
poder de Bolsonaro
O
apoio do presidente Jair Bolsonaro a dois projetos que alteram a organização
das Polícias Militar e Civil, para reduzir o poder que os governadores têm
sobre ambas, não é apenas uma manobra para o presidente ampliar o apoio com que
já conta nas corporações, principalmente na PM. Mais do que isso, representa um
risco institucional seriíssimo de que as polícias possam constituir um poder
paralelo sob a influência de Bolsonaro. É um perigo para o estado democrático
de direito e toda a sociedade.
O
ex-capitão sempre procurou atrair o apoio de PMs e militares de baixa patente,
com a promessa de medidas populistas. Como fez há pouco, em visita à central de
abastecimento de São Paulo (Ceagesp), estatal federal, ao anunciar que
policiais militares, fardados ou não, passariam a ter desconto de 20% dos
comerciantes. Comportou-se como representante sindical desses servidores
públicos armados ao longo dos 28 anos em que integrou o baixo clero da Câmara.
Continua a comportar-se no Planalto.
É
inequívoca a adesão que conquistou nessas categorias. Entre os praças, 41%
acessam e interagem em espaços bolsonaristas na internet, revelou pesquisa do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Decode. Desses, 16% navegam em
ambientes radicalizados. Entre os oficiais, tais números são, respectivamente,
35% e 18%. Como presidente, Bolsonaro parece interessado em obter dos policiais
bem mais do que votos. Os números alertam para a possibilidade de novas
insubordinações, como a que aconteceu ano passado durante a greve da PM no
Ceará.
Bolsonaro se recusou a chamar de “motim” a rebelião cearense. Em 13 dias de paralisação — proibida pela Constituição —, policiais desobedeceram às ordens para voltar ao trabalho. Houve 240 assassinatos no estado. Como agiriam outros policiais diante de governos estaduais com menos poderes?
Poesia | Fernando Pessoa -Cada um cumpre o destino que lhe cumpre
Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.
Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.
Não
tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.