- Revista Consultor Jurídico, 29 de dezembro de 2017
O debate sobre o indulto natalino, suspenso pela ministra Cármen Lúcia na última quinta-feira (28/12), tem sido guiado por pessoas despreparadas e por "espertalhões", afirma o ministro Gilmar Mendes. Em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, o ministro distribuiu críticas também ao uso da imprensa por membros do Ministério Público e do Judiciário.
“Parece que todos estão discutindo às cegas”, lamentou o ministro, destacando que esse cenário “revela um despreparo geral”. Essa situação, disse, está ocorrendo porque “há muitas mãos no Brasil precisando de bandeiras”, e na mão dessas pessoas “até folha vira bandeira”.
Ricos e pobres
Questionado sobre as críticas que tem recebido por conceder Habeas Corpus a políticos e empresários presos, Gilmar Mendes rebateu dizendo que concede as medidas a todos, independente do poder financeiro, ao contrário da mídia, que só noticia a soltura dos ricos.
“Quem gosta de preso rico é jornalista, eu julgo presos ricos e presos pobres.” O problema, disse o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, é que, em geral, a notícia sobre HC para pobre não sai no jornal, "mas estamos dando essas decisões todos os dias”.
Demora do Plenário
Nesse mesmo tema, mais especificamente sobre sua decisão que proibiu as conduções coercitivas de investigados, Gilmar Mendes esclareceu que tomou a decisão após liberar duas vezes o assunto à pauta do Plenário do Supremo e não ver o tema ser efetivamente pautado.
Um novo pedido dos autores da ação — a Ordem dos Advogados do Brasil e o PT — também fez com que o julgamento ocorresse naquele momento. “Estranhamente, depois da decisão, a OAB não se pronunciou. Veja o estado de coisas que estamos vivendo. A OAB, autora da ação, não dá uma palavra defendendo a decisão”, criticou.
Esse ausência de manifestação da Ordem, segundo o ministro, nasce da ideia de que tudo pode ser feito para o combate à corrupção, que também cria um estado de inversão em que juízes criticam ministros por terem suas decisões revertidas.
“Nós passamos a ter procuradores soberanos, juízes soberanos que não podiam ser criticados. Chegamos a um ponto em que um ministro do Supremo não pode cassar a decisão de um juiz, porque pode ser acusado de corrupto”, disse o ministro, que foi chamado de corrupto por um juiz após mandar soltar o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho.
Modelo autoritário
O ministro também criticou a generalização das prisões provisórias, que, segundo ele, acontecem graças a quatro atores: Polícia Federal, Ministério Público, magistratura e imprensa. O resultado disso, apostou, será a criação de “um modelo autoritário que vai afetar ainda mais a vida desse cidadão que está batendo palmas” para esse pretenso combate à corrupção.
Essa punição a todo custo, continuou, surge a partir da “nova onda do Direito Penal de Curitiba”, que criou a prisão provisória para que alguém delate e incentivou o uso das conduções coercitivas como “prisão para investigação”, algo que a Constituição não prvê. “Isso foi normalizado e acabou sendo aceito”, lamentou.
O ministro afirmou ser chocante ouvir e ver sendo incorporada como se fosse natural a defesa de que a prisão é para obter delação, pois esse meio desvirtua os dois institutos. Quem quer fazer justiça assim, continuou, que “vá fazer Constituição na Venezuela”.
Sem heróis
Outro efeito colateral dessas práticas, de acordo com Gilmar Mendes, foi o sentimento de setores das instituições envolvidas nessas investigações de que são os salvadores da pátria. “Tem que parar com essa coisa de heroísmo, é bobagem. Façam bem seu papel, parem de querer reescrever Direito Penal ou mimetizar direito americano.”
“Nossos profetas de Curitiba têm nos ensinado que sem o apoio da mídia não construímos o Estado autoritário que queremos [...] A mídia bateu palma para maluco dançar. Vocês incentivaram pessoas que não tinham a menor qualificação”, criticou.
O Supremo também não escapou das críticas do ministro. Ele afirmou que a corte constitucional brasileira tem seu papel de culpa em muitos desses atos, pois, em certo momento, o tribunal passou a “dar curso a esse populismo judicial”.
Ao lembrar da delação de Joesley Batista, da JBS, Gilmar Mendes afirmou que esse ficará para a história como um dos maiores erros do Judiciário, ainda mais porque os fatos apresentados nessa colaboração (que foi posteriormente anulada) só foram esclarecidos por erro dos delatores, e não pela atuação do Judiciário. “Foi um vexame.”
Outro erro do Supremo teria sido a liberação açodada da prisão após condenação sem segundo grau. Gilmar Mendes explicou que a decisão da corte foi mal interpretada, pois o entendimento permitiu que a prisão pudesse ser iniciada após decisão de tribunal, mas nunca disse que a medida é imperativa e deve ser aplicada a todos os casos.