Autor
de 'O Povo Contra a Democracia' afirma que vitória de Biden seria batalha mais
crucial que democracia terá conseguido vencer
Marcos Augusto Gonçalves – Folha de S.
Paulo
SÃO
PAULO - Num pleito
presidencial épico, que mobiliza como nunca as atenções dos Estados Unidos
e do mundo, a escolha entre a permanência do republicano
Donald Trump na Casa Branca ou a eleição do democrata
Joe Biden representará uma decisão histórica sobre o futuro da
democracia.
“Uma
vitória de Biden seria uma enorme dádiva para a democracia americana”, diz o
cientista político Yascha Mounk, professor
associado da universidade Johns Hopkins e autor de “O Povo contra a Democracia”
(Companhia das Letras, 2019).
Em
entrevista à Folha,
ele avalia que uma eventual reeleição de Trump, o mais valioso aliado de
governantes hostis às instituições democráticas, em países como Índia, Polônia,
Filipinas e Brasil, aprofundaria a crise existencial das democracias e lançaria
incertezas até mesmo sobre as perspectivas de eleições livres e justas nos EUA
em 2024.
Mounk
considera que Biden, caso eleito, enfrentaria dificuldades, mas tenderia a
manter seu perfil moderado no governo, em que pesem as pressões que sofrerá, a
começar pelas da ala mais à esquerda do Partido Democrata.
O
cientista político também opina sobre o papel de um Trump relegado à oposição e
levanta hipóteses sobre o futuro do Partido Republicano. Analisa, ainda, as
possíveis mudanças nas relações que uma administração democrata teria com
Rússia e China.
Uma
vitória de Trump provavelmente reforçaria a onda conservadora internacional. No
Brasil, seria quase uma vitória pessoal do presidente Jair Bolsonaro. No plano
internacional, seriam mais quatro anos de ataques ao multilateralismo. A ameaça
às democracias seria renovada?
Nos
últimos quatro anos Donald Trump enfraqueceu
significativamente as instituições democráticas nos Estados Unidos.
Além disso, tem sido o aliado mais valioso de populistas autoritários que
procuram enfraquecer a democracia, em países que vão da Índia às Filipinas.
Se
ele for reeleito, a crise existencial da democracia vai se intensificar. Nesse
caso, deixaremos de ter a certeza de eleições livres e justas nos EUA em 2024 e
será ainda mais provável que a democracia seja enfraquecida nos países onde ela
está lutando para sobreviver neste momento.
Na
hipótese de uma derrota de Trump, o populismo de direita tenderia, em tese, a
se enfraquecer. Mas a polarização vai prosseguir de alguma forma. Você acredita
que um Trump derrotado exerceria algum papel como opositor ou tenderia a sair
de cena, como costuma ocorrer com ex-presidentes americanos?
Uma
derrota de Donald Trump será uma enorme dádiva para a democracia americana.
Embora muitos dos problemas do país provavelmente devam continuar refratários,
teríamos uma administração progressista, decente, de visão humanitária, que
respeita os direitos de seus adversários no poder. Também seria a expressão do
desejo de muitos americanos de superar o clima de confrontação e ódio mútuo dos
últimos quatro anos.
Joe
Biden venceu as primárias e pode vencer a eleição geral porque desde o primeiro
momento sua candidatura apostou na ideia de que esta é uma luta pela
reconciliação e pela alma da América. É claro que Donald Trump provavelmente se
recusará a aceitar a legitimidade da eleição e fará o que puder para instigar a
divisão por meio do Twitter.
Eu
imagino, porém, que se for derrotado por uma margem mais ou menos ampla ele
conseguirá atrair menos atenção do que tem sido o caso até agora. A atração que
ele exerce sempre foi a do vencedor, mas, se ele perder e for rejeitado pela
maioria da população americana, isso enfraquecerá sua posição seriamente.