segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Rubens Ricupero - Maré antidemocrática está em jogo

- O Globo

Nenhum país possui a capacidade de pautar a agenda mundial como os Estados Unidos. A última vez em que isso aconteceu de maneira brutal e instantânea foi em 2016, com a eleição de Donald Trump. Antes, ao menos em duas ocasiões sucedera algo parecido: em 1932, com a eleição de Franklin Roosevelt, e em 1980, com a de Ronald Reagan. O que existe em comum entre personalidades tão contrastantes?

Todos foram homens de ruptura com o que se vinha fazendo até então, todos chegaram ao poder em meio a crises graves, todos tinham total autoconfiança na capacidade de mudar os acontecimentos. Os outros presidentes, mesmo Barack Obama, não foram homens de ruptura, não inauguraram novas eras, não mudaram o mundo.

Roosevelt encontrou um país prostrado pela Grande Depressão e o capitalismo em crise profunda. Reformou com o New Deal o sistema capitalista, inaugurou o Estado do bem-estar e o ativismo do governo em matéria social e econômica. Liderou os aliados na derrota do nazifascismo na Segunda Guerra Mundial.

Sua influência só foi superada com Reagan, que abandonou o keynesianismo, sustentou que o governo era o problema, não a solução, desregulamentou as finanças, acelerou a globalização. Peitou Moscou na corrida armamentista, contribuindo para o fim da Guerra Fria e da União Soviética.

Esse poder americano de definir a agenda não depende só da riqueza ou da força militar. Tem muito a ver com o fato de que, há mais de 100 anos, os americanos fazem a cabeça do mundo com o cinema, a música, a TV, as histórias em quadrinho, o streaming, a internet, as mídias sociais. É um poder para o bem e para o mal, para construir e destruir.

Fernando Gabeira - O perigoso esporte de humilhar general

- O Globo

A humilhação repercute no respeito que as pessoas têm pelas Forças Armadas

Com a redemocratização, conheci alguns generais. Um deles visitava nossa casa para alegria das crianças. Era o bisavô das meninas, já nos últimos anos de vida. Serviu no Brasil profundo, tinha memórias de índios e do mato.

Um dia ele me contou que o médico íntimo dele, antes de operá-lo, aplicou a anestesia e perguntou: “Quer dizer que o senhor é o general da banda?” Ele tentou responder, mas dormiu com um sorriso nos lábios.

“General da banda” é uma canção antiga, regravada por Astrud Gilberto, que dizia: “Chegou o general da banda, eh eh/ Chegou o general da banda eh ah”. Era possível brincar com um velho general. Mas seria impensável desrespeitá-lo.

Quando leio nos jornais que há um plano para humilhar generais, minha reação inicial é esta: um general não se deixa humilhar.

Mas, ao longo destes anos compreendi também que, assim como nos outros ofícios, há diferenças entre as pessoas. Nem todas se comportam da mesma maneira. Há generais que entraram no governo pensando num trabalho sério. Santos Cruz foi golpeado por intrigas. Saiu e hoje é um crítico sensato dos descaminhos de Bolsonaro.

Rêgo Barros foi um dos generais que conheci, como jornalista. Era a interface com o Exército, coordenava a comunicação. Fui visitá-lo algumas vezes no Forte Apache, na tarefa de preparar programas de TV sobre algumas ações militares que me interessavam.

Carlos Pereira - A hora da moderação

- O Estado de S.Paulo

Incerteza e insegurança trazidas pela pandemia abrem caminho para moderação política

Já é possível observar claros sinais de arrefecimento da polarização política que varreu o mundo, especialmente a partir da crise financeira internacional de 2008.

A disputa entre grupos polarizados estava em relativo “equilíbrio” com cada polo se nutrindo da oposição radicalizada de identidades e preferências políticas. Grupos polares, tanto à esquerda como à direita, se retroalimentavam. Não dialogavam entre si e tendiam a consumir informações que só reforçavam suas crenças anteriores. Ao mesmo tempo, rejeitavam qualquer informação que contrariasse seus valores prévios. Portanto não faziam atualizações que pudessem colocar em risco suas respectivas “zonas de conforto” identitárias. O espaço para alternativas moderadas que buscam o eleitor mediano ficou bastante reduzido.

A manutenção de um ambiente polarizado é o ideal para a viabilização eleitoral de candidatos extremos, como o presidente Donald Trump. Entretanto, a grande maioria dos institutos de pesquisa projeta que o candidato democrata, Joe Biden, é o franco favorito, com 90% de chances de derrotar o atual presidente.

Ao contrário de Trump, um outsider com perfil populista e antissistema, Biden é um típico representante da política tradicional americana. Uma espécie de candidato livre de surpresas, representando estabilidade, previsibilidade, segurança e, fundamentalmente, moderação.

Assim como nos EUA, a polarização política tomou conta do Brasil, especialmente a partir das grandes mobilizações de massa que varreram o País em 2013. As eleições de 2018 testemunharam uma escalada da polarização política tanto na grande massa quanto na elite. Naquela ocasião, o número de eleitores que votaram num candidato de um dos polos se aproximou daquele relativo aos que expressaram forte rejeição ao candidato oponente. Os candidatos de centro não tiveram a menor chance e o eleitorado moderado ficou literalmente órfão.

Marcus André Melo* - O mito das instituições perfeitas

- Folha de S. Paulo

O colégio eleitoral americano está na berlinda e lhe tem sido atribuído todo tipo de distorção, como a eleição do candidato em segundo lugar em número de votos. Mas o fenômeno do "ganhador errado" não decorre dele nem é tipicamente americano: aconteceu em outros lugares, como a Nova Zelândia nas eleições de 1978 e 1981.

O resultado esdrúxulo é produto da adoção da regra majoritária e é independente, como podemos ver, do sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo). No caso dos EUA, bastaria que a escolha dos delegados fosse proporcional aos votos obtidos no estado que as distorções seriam eliminadas mesmo com um colégio eleitoral. Mas o arranjo persiste, como já discuti aqui. E é um mito que sempre favorece os republicanos.

Na Nova Zelândia, a mudança foi deflagrada por um forte choque: ganhadores errados em duas eleições seguidas. Ela contou com o apoio dos dois principais partidos para a realização, em 1992, de um referendo para adoção de um sistema misto, que foi aprovado por 85% dos votantes.

Celso Rocha de Barros* - A maré vira amanhã?

- Folha de S. Paulo

Ao que tudo indica, nesta terça-feira (3) Donald Trump se tornará um presidente de um mandato só. As pesquisas são favoráveis a Biden, e, se elas errarem só o que erraram em 2016, Biden ainda ganha. O site 538, do estatístico norte-americano Nate Silver, dá a Trump pouco mais de 10% de chance de vencer a eleição. Não é zero. É o risco de morte de quem faz roleta-russa com uma arma de dez tiros. Mas é pouco.

É possível que Trump não aceite a derrota e tente ganhar no tapetão. Grande parte da votação já ocorreu por correspondência, por causa da pandemia. Trump pode sair em vantagem no início da contagem, quando os votos por correspondência ainda não tiverem sido totalmente contados.

No cenário golpista, declararia vitória enquanto estivesse na frente e montaria uma ofensiva jurídica para interromper contagens estaduais por um motivo ou outro. Para isso contaria com sua recém-adquirida maioria na Suprema Corte e com os juízes federais que nomeou nos últimos anos. Temendo conflitos de rua em caso de impasse, a rede de supermercados Walmart interrompeu a venda de armas até a confusão passar.

Catarina Rochamonte* - A Constituinte do centrão

- Folha de S. Paulo

Em uma de suas frases acerbas a respeito da nossa Carta de 1988, Roberto Campos a descreve como "saudavelmente libertária no político, cruelmente liberticida no econômico, comoventemente utópica no social." Essa é, de modo geral, a visão liberal acerca da atual Constituição. Reavaliá-la deve estar no horizonte político, e o Congresso guarda poder para modificá-la através de emendas.

Embora seja possível uma nova Constituinte, ela configura uma ruptura com a ordem em vigor e normalmente resulta de lutas sociais, revoluções ou golpes de Estado. Pode resultar também de um descarado oportunismo político, como é o caso do projeto que o líder do governo, Ricardo Barros, pretende submeter ao Congresso no sentido de viabilizar um plebiscito para uma nova Constituinte. Felizmente a proposta está sendo amplamente repudiada.

Tentando evitar desgastes ao governo, o general Mourão disse que a ideia de Barros foi um "voo solo". Não convence. O líder de Bolsonaro é um dos ases do fisiologismo político e sempre vai por onde sopra o vento coletivo do centrão. Em seguida, veio o próprio Barros dizer que errou "em não consultar o governo antes". Convence menos ainda. Até porque ele continua a tocar o projeto sem nenhum óbice por parte do presidente.

Almir Pazzianotto Pinto* - Liberdade para trabalhar

- O Estado de S.Paulo

Regulamentação pode destruir avançada e liberal forma de trabalho assalariado

O trabalhador, tal como o conhecemos hoje, é fruto da primeira Revolução Industrial. Sua existência como classe data do final do século 18. Surge com a invenção das primeiras máquinas de fiar e de tecer na Inglaterra. Até então esse trabalho era executado em casa, com a utilização de equipamentos toscos, de reduzida capacidade produtiva. 

A esse respeito escreveu Jurgen Kuczynski: “Antes de la introducción de las máquinas, el hilado y tejido de materias primas se hacía em la casa del trabajador. Su mujer y su hija hilaban el hilo que el marido tejía; o bien lo vendían cuando el padre de família no lo trabajaba en persona. (...) De esta manera vegetaban los trabajadores en una existencia tranquila, llevando una vida pacífica y ordenada llenos de piedad y dignidade. Su bienestar material era mucho mejor que el de sus sucessores” (Evolución de la Classe Obrera, Ed. Guadarrama, Madri).

A Revolução Industrial provocou o aparecimento de grandes unidades industriais construídas pela iniciativa privada. Karl Marx sintetiza de forma magistral a passagem da economia rudimentar para o processo de produção industrial. Leia-se o que escreveu no Manifesto do Partido Comunista, cuja primeira edição inglesa data de 1850: “A indústria moderna transformou a pequena oficina do antigo mestre da corporação patriarcal na grande fábrica industrial capitalista. Massas de operários, amontoados nas fábricas, são organizadas militarmente. Como soldados da indústria, estão sob a vigilância de uma hierarquia completa de oficiais e suboficiais. Não são somente escravos da classe burguesa, do Estado burguês, mas também diariamente, a cada hora, escravos da máquina, do contramestre e, sobretudo, do dono da fábrica. E esse despotismo é tanto mais mesquinho, odioso e exasperador quanto maior é a franqueza com que proclama ter no lucro seu objetivo exclusivo”.

Carlos Sampaio* - Risco ambiental e econômico

- O Globo

Não podemos dar argumentos para países criarem barreiras para nossos produtos

O Brasil sempre atraiu a atenção do mundo na questão ambiental pela sua riqueza. E o fator econômico contribui para elevar as cobranças sobre o nosso país, um dos principais players no disputado mercado internacional de commodities. Ainda mais quando se discute o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, anunciado no ano passado, depois de 20 anos de negociação.

O acordo eliminará tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos, mas ainda precisa ser ratificado por cada um dos países-membros. Há, portanto, muitas resistências a vencer.

Assim, não podemos dar argumentos para países criarem dificuldades ao acordo ou barreiras para nossos produtos, alegando que o Brasil não protege o meio ambiente. A França, por exemplo, já expressou essa posição.

Neste momento, em nada ajudam iniciativas ou omissões que possam lançar desconfiança sobre a política ambiental brasileira. A revogação pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente de resoluções para a proteção de áreas de restinga, manguezais e outros sistemas sensíveis — derrubada depois pelo STF — é a polêmica mais recente.

Cacá Diegues - Um novo modo de ver o mundo

- O Globo

As redes sociais deviam ser um instrumento de conhecimento, como a ciência

Miles Taylor, ex-chefe de Gabinete do Departamento de Segurança Interna dos EUA, acaba de se identificar como autor do artigo publicado como anônimo pelo “New York Times” há cerca de dois anos. No artigo, que o jornal informava apenas ter sido escrito por um colaborador do presidente, Taylor dizia que Trump era contraditório, mesquinho, ineficaz, amoral, um risco para as instituições democráticas do país. Na época, Trump mandou abrir investigação entre seus funcionários para descobrir o autor. Agora, Taylor pediu demissão de seu cargo, sem nunca ter sido descoberto.

Ainda no mundo do inesperado, Donald Trump, depois de empossado, demitiu de sua assessoria o famoso Steve Bannon, criador do sistema de fofocas e mentiras virtuais, as célebres fake news que, pelas redes sociais, o haviam elegido. Demitido, Bannon se mandou para a Itália, onde foi assessorar o populismo de direita que tomou o poder com o Movimento 5 Estrelas e a Liga. Reclamando do tratamento de Trump, Bannon foi consolado por fãs e discípulos de todo o mundo. Como Eduardo Bolsonaro, que o visitou e prestou homenagens ao mestre.

O reencontro de velhos inimigos jurados, assim como desavenças definitivas entre aliados de sempre, é mais ou menos uma constante na prática política de hoje em dia. Podíamos simplificar, dizendo que essa é uma das consequências do moderno embaralhamento ideológico. Ou do fim das ideologias com rigor de catecismo. Mas há outras razões, além dessas.

Demétrio Magnoli - A China vota vermelho

- O Globo

Todos os governos têm muito em jogo nas eleições presidenciais da superpotência global

Vermelho ou azul? Nos EUA, vermelho é a cor dos republicanos; azul, dos democratas. Todos os governos do mundo têm muito em jogo nas eleições presidenciais da superpotência global — e cada um deles acalenta, secreta ou abertamente, uma preferência. Quem “vota” em Joe Biden? E em Donald Trump?

A Europa está dividida. No núcleo da União Europeia, Alemanha, França, Itália e Espanha são Biden, o candidato democrata que promete restaurar a aliança transatlântica tão desprezada por Trump. Mas o Reino Unido de Boris Johnson não segue o rumo dos vizinhos, inclinando-se pelo republicano que ergueu um brinde ao Brexit e acena com um acordo privilegiado de comércio com os britânicos.

Trump é o cara, na opinião do húngaro Viktor Orbán e do polonês Andrzej Duda, líderes nacionalistas, populistas e xenófobos da Europa Central. Recep Tayyip Erdogan, presidente autocrático da Turquia, vai na mesma direção, mas por motivos menos ideológicos. Ele aposta no isolacionismo do republicano para prosseguir sua agressiva política externa, que exige acordos com a Rússia, ataques aos curdos sírios, pressão sobre a Grécia e tensão perene com a União Europeia.

Israel e Arábia Saudita estão fechados com Trump, o promotor de um “plano de paz” baseado numa coalizão regional anti-iraniana e na negação dos direitos nacionais palestinos. O Irã oscila, o que reflete a cisão entre o Estado teocrático e o governo moderado. Ali Khamenei, Líder Supremo, “vota” Trump, uma garantia de confronto com os EUA e, portanto, de hegemonia da “linha-dura” doméstica. Por outro lado, o presidente Hassan Rouhani “vota” Biden, que recolocaria os EUA no acordo nuclear, dando fôlego à economia iraniana.

Entrevista |'Reeleição de Trump traria dúvidas até sobre eleições livres nos EUA em 2024', diz Yascha Mounk*

Autor de 'O Povo Contra a Democracia' afirma que vitória de Biden seria batalha mais crucial que democracia terá conseguido vencer

Marcos Augusto Gonçalves – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Num pleito presidencial épico, que mobiliza como nunca as atenções dos Estados Unidos e do mundo, a escolha entre a permanência do republicano Donald Trump na Casa Branca ou a eleição do democrata Joe Biden representará uma decisão histórica sobre o futuro da democracia.

“Uma vitória de Biden seria uma enorme dádiva para a democracia americana”, diz o cientista político Yascha Mounk, professor associado da universidade Johns Hopkins e autor de “O Povo contra a Democracia” (Companhia das Letras, 2019).

Em entrevista à Folha, ele avalia que uma eventual reeleição de Trump, o mais valioso aliado de governantes hostis às instituições democráticas, em países como Índia, Polônia, Filipinas e Brasil, aprofundaria a crise existencial das democracias e lançaria incertezas até mesmo sobre as perspectivas de eleições livres e justas nos EUA em 2024.

Mounk considera que Biden, caso eleito, enfrentaria dificuldades, mas tenderia a manter seu perfil moderado no governo, em que pesem as pressões que sofrerá, a começar pelas da ala mais à esquerda do Partido Democrata.

O cientista político também opina sobre o papel de um Trump relegado à oposição e levanta hipóteses sobre o futuro do Partido Republicano. Analisa, ainda, as possíveis mudanças nas relações que uma administração democrata teria com Rússia e China.

Uma vitória de Trump provavelmente reforçaria a onda conservadora internacional. No Brasil, seria quase uma vitória pessoal do presidente Jair Bolsonaro. No plano internacional, seriam mais quatro anos de ataques ao multilateralismo. A ameaça às democracias seria renovada?

Nos últimos quatro anos Donald Trump enfraqueceu significativamente as instituições democráticas nos Estados Unidos. Além disso, tem sido o aliado mais valioso de populistas autoritários que procuram enfraquecer a democracia, em países que vão da Índia às Filipinas.

Se ele for reeleito, a crise existencial da democracia vai se intensificar. Nesse caso, deixaremos de ter a certeza de eleições livres e justas nos EUA em 2024 e será ainda mais provável que a democracia seja enfraquecida nos países onde ela está lutando para sobreviver neste momento.

Na hipótese de uma derrota de Trump, o populismo de direita tenderia, em tese, a se enfraquecer. Mas a polarização vai prosseguir de alguma forma. Você acredita que um Trump derrotado exerceria algum papel como opositor ou tenderia a sair de cena, como costuma ocorrer com ex-presidentes americanos? 

Uma derrota de Donald Trump será uma enorme dádiva para a democracia americana. Embora muitos dos problemas do país provavelmente devam continuar refratários, teríamos uma administração progressista, decente, de visão humanitária, que respeita os direitos de seus adversários no poder. Também seria a expressão do desejo de muitos americanos de superar o clima de confrontação e ódio mútuo dos últimos quatro anos.

Joe Biden venceu as primárias e pode vencer a eleição geral porque desde o primeiro momento sua candidatura apostou na ideia de que esta é uma luta pela reconciliação e pela alma da América. É claro que Donald Trump provavelmente se recusará a aceitar a legitimidade da eleição e fará o que puder para instigar a divisão por meio do Twitter.

Eu imagino, porém, que se for derrotado por uma margem mais ou menos ampla ele conseguirá atrair menos atenção do que tem sido o caso até agora. A atração que ele exerce sempre foi a do vencedor, mas, se ele perder e for rejeitado pela maioria da população americana, isso enfraquecerá sua posição seriamente.

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Escolinha do Jair – Opinião | Folha de S. Paulo

A exemplo de Bolsonaro, ministros brigam em público e mostram governo perdido

Até para o padrão de balbúrdia e inoperância seguido pelo governo de Jair Bolsonaro desde seu início, é espantoso o grau de entropia observado nas últimas semanas.

Conflitos intestinos entre ministros, ataques públicos a adversários reais ou imaginários e intermináveis intrigas palacianas revelam, bem mais que divergências em torno de ideias ou propósitos, uma administração sem rumo.

Um destampatório do titular da Economia, Paulo Guedes, em audiência no Congresso, foi o mais recente episódio do gênero.

Ao discorrer mais uma vez sobre sua cisma em recriar um imposto nos moldes da velha CPMF, Guedes descambou na quinta-feira (29) para uma diatribe contra a federação dos bancos, que estaria a financiar um “ministro gastador” —presumivelmente, Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).

Noticiou-se que, apenas dois dias antes, Bolsonaro pedira um pacto de silêncio a seu primeiro escalão, na esteira de um entrevero entre Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Convenha-se, porém, que o exemplo de cima não ajuda.

Desde que veio a público, poucos meses atrás, o vídeo da fatídica reunião em que o presidente da República indicava seu intento de interferir na Polícia Federal, o país conheceu sem disfarces o chefe inseguro e rude, que exigia em meio a palavrões a fidelidade canina de seus auxiliares.

Música - Camarão que dorme a onda leva

 

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Morte e Vida Severina (Introdução)

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.

Mais isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,

a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.