Segundo Piketty, a concentração de fortunas inibe a inovação e um crescimento econômico maior, já a redução da desigualdade permite mais prosperidade
Por Assis Moreira | Valor Econômico / Eu &Fim de Semana
GENEBRA - O francês Thomas Piketty ficou mundialmente conhecido ao aprofundar o tema da desigualdade e concentração de patrimônio no debate internacional com seu livro “O Capital no Século 21” (2013), traduzido para 40 línguas e com 2,5 milhões de exemplares vendidos.
Reconhecido como um dos economistas mais influentes de sua geração, Piketty, de 49 anos, volta agora com um novo livro, “Capital e Ideologia” (Intrínseca), de 1.056 páginas na versão brasileira, em que põe ênfase nas ideologias que procuram justificar as desigualdades nas sociedades e a propriedade privada.
Professor da Escola de Economia de Paris, Piketty constata que as sociedades podem mudar rapidamente de trajetória, dependendo do rumo político que tomarem. Desta vez, ampliou as pesquisas para sociedades como Índia e Brasil. Sobre o Brasil, sua conclusão é a de que o país, do ponto de vista de repartição de renda, é ainda mais desigual do que a Europa de antes da Primeira Guerra. Acha que as elites brasileiras cometem um erro histórico ao não impulsionar uma melhor distribuição de renda, o que poderia aumentar o crescimento econômico.
Piketty reconhece avanços nos governos do PT (2003-2016), mas nota que, no geral, o resultado do partido foi pouco expressivo na luta contra a desigualdade. Considera que as políticas sociais foram financiadas pela classe média e não pelos mais ricos, nos governos petistas, que não levaram adiante uma reforma tributária para estabelecer impostos mais progressivos.
O economista francês considera o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) um “Trump piorado” e sugere ao atual governo alterar seu rumo para estabelecer uma verdadeira política social.
Afirmando-se mais otimista do que no livro anterior, Piketty se diz convencido de que é possível superar o capitalismo e a propriedade privada e adotar uma política baseada no que chama de socialismo participativo. Por esse novo modelo, defende imposto sobre os mais ricos para permitir dar a todo mundo uma herança de €120 mil (R$ 717 mil) aos 25 anos de idade.
Trechos da entrevista feita pelo Skype:
Valor: Após “Capital no Século 21”, em seu novo livro o senhor coloca a ideologia no centro da discussão. Por quê?
Thomas Piketty: Minhas pesquisas me levaram à conclusão de que isso é a mais importante determinante das desigualdades. No livro anterior, eu já apontava a importância do fator político na redução das desigualdades no curso do século XX. A novidade no novo livro é que ampliei o estudo sobre desigualdades além dos países ricos. Estudo países no resto do mundo, como Índia e, em parte, o Brasil - sociedades escravagistas, coloniais. E todos esses novos dados me levaram à conclusão de que, se tentamos explicar os diferentes níveis de desigualdade na história com fatores estritamente econômicos e tecnológicos, culturais às vezes, não vamos muito longe.
Valor: Por quê?
Piketty: Não conseguimos explicar essa diversidade incrível, as transformações que observamos na história. Há países que passaram de muito desiguais para se tornar muito igualitários, como a Suécia, que há um século era ainda mais desigual que o Brasil de hoje. As coisas podem mudar muito rapidamente. É um livro talvez mais otimista do que o anterior, em que insisto que há movimento de longo prazo na direção da redução das desigualdades. Há uma forma de aprendizado da justiça na história. A redução das desigualdades permitiu também mais prosperidade econômica, mais crescimento. Todos os países que ficaram ricos chegaram a isso reduzindo suas desigualdades durante o século XX. Ao mesmo tempo, insisto que não é um processo determinista, a situação pode virar, depende de mobilização política, ideológica, das sociedades.
Valor: Ou seja, a desigualdade é ideológica e política, e não realmente econômica ou tecnológica?
Piketty: Exato. Mas especifico que, quando digo isso, não quero dizer que é fácil reduzir as desigualdades e que a igualdade absoluta seria a solução. Penso que vamos sempre ter um certo nível de desigualdade, simplesmente porque as pessoas são diferentes, tem projetos diferentes. É complicado encontrar o bom nível de igualdade ou desigualdade. É por isso, para mim, que o termo ideologia no livro não é forçosamente negativo.
Valor: Por quê?
Piketty: Às vezes tem ideologia que vai longe demais para justificar a posição de certos grupos em relação a outros, notadamente da parte de grupo dominante. A abordagem no meu livro é de que as sociedades humanas precisam de ideologia, porque precisam tentar dar sentido ao nível de suas desigualdades, de suas estruturas sociais em geral. Não há sociedades na história em que os ricos se contentam em dizer que eles são ricos e os outros são pobres, e é sempre assim. Na verdade, os grupos dominantes vão sempre tentar explicar que são ricos, mas é do interesse dos mais pobres, porque é isso que permite manter a ordem nas sociedades de propriedades, manter a estabilidade social, inovação técnica. Os diferentes discursos são às vezes em parte hipócritas, mas são também em parte plausíveis. Tento dar a parte de verdade a esses diferentes discursos ideológicos para tentar tirar lições em seguida.