sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Otimismo de resultados

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Atitude propositiva é um dado da realidade, ajuda. O sucesso do Plano Real no combate à inflação deveu-se, em grande parte, à participação da sociedade que aderiu às fórmulas de transição da moeda, ergueu uma barreira contra a remarcação de preços e a coisa deu certo.

Portanto, partamos do princípio de que o tom corrente pra frente do presidente Luiz Inácio da Silva, no caso da crise econômica, além de evitar um ambiente de dispensável baixo-astral, não causa danos. Inclusive porque seus efeitos piores ou melhores independem da vontade presidencial e estão à disposição de quem quiser tomar conhecimentos deles - detalhada ou superficialmente.

Já não se pode fazer a mesma avaliação, contudo, dos tantos episódios em que o presidente da República abusou do direito de apartar sua figura simbólica das adversidades reais do País. A crise aérea foi o exemplo mais dramático.

Lula negou as agruras por que passavam milhares de passageiros nos aeroportos diariamente, apartou-se do tema até que foi obrigado a lidar com ele no pior contexto possível: o desastre da TAM em Congonhas.

Mesmo assim, pôde prosseguir na estratégia iniciada quando da eclosão do primeiro escândalo de corrupção, o caso Waldomiro Diniz, no início do segundo ano do primeiro mandato, e levada aos píncaros por ocasião da descoberta de que a direção de seu partido e integrantes de seu governo davam-se a práticas de quadrilha.

Qual estratégia? A de não atuar no molde de um presidente tradicional que compreende como inerente à função a administração da bonança e da tempestade. Lula optou, e com bons resultados políticos, por continuar atuando sob a ótica da simbologia de origem, forjada nos tempos de oposição: é o zelador da porta da esperança nacional.

Sendo assim, não há fundamento na perplexidade geral com os altos índices de popularidade do presidente. Ele só dá boas notícias e passa uma descompostura na adversidade sempre que ela se apresenta. Antes, era tudo culpa do governo ou "disso tudo que está aí"; agora, se há problemas, resultam da vontade da torcida contra ou da herança de malfeitorias nos últimos 500 anos.

Natural, portanto que seja identificado com o lado luminoso da vida. Lula tem dois tipos de atuação: quando as coisas vão bem, assume o presidente, aí sim, dono de todos os méritos, incluídos os externos e os do passado; quando vão mal, entra em cena o crítico do sistema, internacional e do passado, pouco interessando que este esteja em vigor, na forma de parceria com o presente e aquele tenha mantido, até outro dia, as vacas em regime de engorda.

A diferenciação dessas situações cabe à massa crítica de um País fazer. Como a que existe entre nós oscila entre o constrangimento, a rendição ao argumento de que a popularidade é o valor maior e o enfado, o exame de mérito não entra na avaliação do desempenho do presidente e do governo.

Não entra, mas de certa forma está - ainda que superficialmente - presente no sentimento de perplexidade diante de cada nova pesquisa registrando mais uma subida nos índices. Senão, vejamos: se o presidente e o governo tivessem uma aprovação incontestável, incutida naturalmente na convicção do senso comum, por que a surpresa?

As pesquisas não seriam acompanhadas de por quês nem a estupenda popularidade seria vista como um mistério a ser desvendado. Se assim ocorre é porque, de fato, não se enxergam razões objetivas para tanto sucesso.

E não são visíveis porque são subjetivas: têm a ver, de um lado, com a estratégia do otimismo de resultados e, de outro, com o abandono do salutar exercício do raciocínio que nos permite distinguir fato a ficção.

Incompatível

A proposta de transferir do Legislativo para o Judiciário o julgamento da conduta parlamentar tem a finalidade de tirar desses processos a celeridade e a visibilidade própria dos procedimentos políticos no ambiente livre do Congresso.

Muita gente defendeu essa ideia à época do mensalão e escândalos correlatos. Agora quem defende tal deturpação é o novo corregedor da Câmara, Edmar Moreira, sob o argumento de que, sendo o "vício da amizade" entre colegas, "absolutamente insanável", a Justiça livraria o Parlamento do ônus da parcialidade e, evidentemente, da cobrança pública.

Quer dizer, o responsável pelo zelo da compostura interna não vê nada demais na quebra do preceito constitucional da impessoalidade que preside o comportamento do agente público e ainda se apresenta como guardião do compadrio.

A incompatibilidade do deputado com o cargo de corregedor é "absolutamente insanável". Por essa profissão de fé na proteção a acusados e por outras mais, evidenciadas na declaração falsa de patrimônio à Receita e constantes no inquérito de que é alvo no Supremo Tribunal Federal sob a acusação de fraudar a Previdência em R$ 1 milhão.

A má fama do Congresso

Por Cristian Klein, Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Do Planalto Central vinham as informações: às vésperas das eleições dos novos comandantes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Congresso se revirava. As casas ferviam em negociações feitas abertamente ou à boca pequena. Personagens antigos da Nova República, como os ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor, davam as cartas. O até pouco tempo atrás enxovalhado Renan Calheiros, após ter sido apeado da presidência do Senado, voltava a demonstrar força, como um dos grandes jogadores à mesa. Na Câmara, o não menos poderoso Michel Temer era eleito para presidir a casa pela terceira vez - assim como Sarney no Senado. O Congresso Nacional se mexia para continuar quase o mesmo.

Desta vez, as casas legislativas não foram palco de escândalos de corrupção. Mas a manutenção do status quo de uma instituição mal avaliada pela população também contribui para o quadro de desconfiança em relação ao Parlamento, coração de todo regime democrático. O nível de confiança no Congresso Nacional brasileiro é de apenas 34%, segundo pesquisa do Latinobarômetro realizada no fim do ano. O curioso é que para 45% dos entrevistados não pode haver democracia sem o Congresso.

O Parlamento não desfruta de melhor fama em outra pesquisa de opinião, que indica que ele está entre as instituições que despertam menos confiança entre os brasileiros (apenas 27%). Perde só para os partidos políticos (18,9%), ficando muito atrás da Igreja Católica (74,3%) e dos campeões de insuspeição, os bombeiros (85,3%). Os dados, coletados em um grande levantamento nacional de dois anos atrás sobre comportamento político, apontariam para um suposto paradoxo.

Apesar de a democracia ser cada vez mais valorizada pelos brasileiros - em quase 20 anos, a preferência por ela em relação à ditadura subiu de 43% para mais de 70% -, cerca de dois terços dos cidadãos não confiam nas principais instituições democráticas e 77% se dizem pouco ou nada satisfeitos com o modo pelo qual a democracia funciona no país.

Mas que fenômeno estaria por trás desses números? Haveria, de fato, um paradoxo entre apoiar a democracia e não confiar em suas instituições? Até que ponto a desconfiança em relação a pilares do sistema representativo - como o Congresso e os partidos - poderia abalar as convicções no próprio regime, abrindo espaço para forças antidemocráticas, à esquerda ou à direita?

O tema provoca opiniões divergentes até entre os dois cientistas políticos - José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP), e Rachel Meneguello, da Universidade de Campinas (Unicamp) - que coordenaram a pesquisa "A Desconfiança dos Cidadãos nas Instituições Brasileiras".

Para José Álvaro Moisés, os resultados encontrados são preocupantes. Ele lembra que antes do regime militar, durante a chamada República de 1946, já existia uma posição crítica dos brasileiros em relação às instituições democráticas, mas não no grau verificado hoje. Em sua opinião, a avaliação que a população faz corresponde exatamente à realidade: as instituições funcionam mal e não são compatíveis com o que prometem ou com o que a sociedade espera delas. É o caso da polícia, que desperta alta desconfiança (pelos casos de truculência, associação ao crime, morte de inocentes por bala perdida ou não, etc.), e do Poder Judiciário, que obriga um cidadão, por exemplo, a esperar por mais de dez anos para ter seu processo trabalhista resolvido, ilustra Moisés.

"Há uma adesão normativa dos brasileiros à democracia, em torno de seus princípios ou de suas promessas, como a liberdade, a igualdade, etc. Mas se os cidadãos não encontram elementos para reforçar essa crença, eles se tornam uma potencial base social que pode se virar contra a democracia", alerta o cientista político, acrescentando que se, por um lado, mais de 70% preferem a democracia, por outro, há cerca de 30% que acreditam poder haver democracia sem Congresso ou sem partidos.

Esses mesmos dados, contudo, são vistos por um ângulo mais otimista por sua colega de pesquisa. Para Rachel Meneguello, o ponto a destacar é que 70% dos brasileiros consideram que uma democracia não pode existir sem Congresso ou partidos. Isso refletiria um avanço: um entendimento e uma adesão ao modus operandi democrático.

A professora diz que é preciso separar o que está no imaginário dos cidadãos - as referências negativas do mundo político, que são construídas a partir das informações transmitidas pela mídia e pelo embate permanente dos partidos -, da maneira como o sistema político brasileiro realmente funciona.

"Vários estudos mostram que o nosso Congresso não está morto ou submisso ao Executivo e que os partidos são fortes, não são meros instrumentos de líderes personalistas", afirma Rachel. "Acho muito difícil haver um espaço para o autoritarismo. Não somos uma anomalia completa. Basta olharmos os índices de democracias mais consolidadas, onde a filiação partidária e a confiança nas instituições também caíram."

De fato, a confiança dos brasileiros em algumas instituições está praticamente no mesmo nível da média aferida pelo Eurobarômetro para o conjunto de países que formam a Comunidade Europeia. Se aqui apenas 27% confiam no Congresso Nacional, lá são 34%. A confiança nos partidos políticos é idêntica: 18,9% entre os brasileiros e 18% entre os europeus. A mesma semelhança é verificada em relação ao crédito depositado no governo (34,3% x 32%), nos sindicatos (34,8% x 39%), no Poder Judiciário (44,1% x 46%), na televisão (57,8% x 53%) e nas Forças Armadas (60,7% x 70%). As grandes discrepâncias referem-se à polícia, que inspira mais confiança na Europa do que aqui (38% x 63%), e às instituições religiosas, mais bem-vistas no Brasil do que nos países do Velho Continente (74,3% x 46%).

Quanto aos recordistas de desconfiança, os partidos políticos, Rachel Meneguello lembra que o fenômeno é internacional e bem estudado. Uma interpretação bastante aceita, formulada pelo cientista político francês Bernard Manin, é a de que as antigas democracias de partidos - caracterizadas por grandes agremiações políticas, com ampla estrutura burocrática e forte capacidade de mobilizar os cidadãos - foram substituídas pela democracia de público, em que a televisão exerce um papel fundamental.

"Os partidos só podem comunicar-se em massa pela televisão, por meio da qual sua mensagem perde em eficiência e conteúdo. A política e a TV não foram feitas uma para a outra, mas uma precisa da outra", resume Rachel, que cita ainda um fator adicional para o desencantamento em relação às agremiações políticas: conforme os países foram se democratizando, várias bandeiras defendidas pelos partidos entraram na agenda do Estado, esvaziando o programa ideológico que os diferenciava.

Na mesma linha de Rachel, o professor e pesquisador Leonardo Avritzer, um dos coordenadores do Centro de Referência do Interesse Público, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que o suposto paradoxo da democracia brasileira deve ser relativizado. Para ele, seria uma contradição cognitiva caso os brasileiros apoiassem a democracia ao mesmo tempo em que sua confiança fosse baixa em todas as instituições.

Em pesquisa sobre o tema corrupção, que realizou no ano passado, Avritzer afirma ter observado uma considerável variação no descrédito do Poder Legislativo, no plano das assembleias estaduais e das câmaras locais. E ressalta que - além da família e da Igreja Católica, tradicionalmente bem avaliadas -, a Polícia Federal tem aparecido como instituição que inspira alta confiança na população, em razão de suas operações contra a corrupção.

Para José Álvaro Moisés, a atuação da Polícia Federal, com seus erros e acertos, é uma boa novidade e deve ser elogiada. Mas ressalva que poucos são punidos no país, sobretudo os que cometem crime de colarinho-branco e conseguem, com bons advogados, subterfúgios para escapar da prisão. Aí está, afirma o professor, um dos problemas mais graves na consolidação da democracia brasileira: a falta do primado da lei, a ideia de que uns são mais iguais do que outros, vide o instituto do fórum privilegiado para quem ocupa cargos públicos.

Moisés não questiona o fato de o nível de desconfiança em relação às instituições democráticas ser tão baixo no Brasil quanto na Europa. Mas, para ele, há uma diferença importante. "Nos países desenvolvidos, essa desconfiança gerou mais envolvimento, a partir de cidadãos críticos. Com o declínio dos partidos, surgiram protestos e movimentos direcionados a outras causas, como o ambientalismo, o feminismo, no que se convencionou denominar pós-materialismo", diz o cientista político. "A turma dos partidos saiu, não inteiramente, para os movimentos, e agora está voltando, como se pôde observar nos Estados Unidos, na eleição de Obama. Lá fora, o efeito foi o de dinamizar a democracia representativa. No caso brasileiro, a desconfiança gera afastamento, cinismo, desinteresse e desengajamento", compara.

Essa visão mais negativa do processo político no Brasil, porém, não é compartilhada pelos cientistas políticos Argelina Figueiredo e Fabiano Santos, ambos do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

Coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso, Santos não vê contradição ou paradoxo nas opiniões políticas dos brasileiros. Para ele, uma vez que há um consenso de que a democracia é o melhor sistema, é natural que as expectativas sobre as instituições também sejam crescentes. Se em relação aos partidos políticos há um fenômeno de desconfiança que segue uma tendência internacional, no caso do Poder Legislativo, afirma Fabiano Santos, há uma particularidade nacional, porque o Congresso foi uma das instituições mais prejudicadas pela ditadura.

"Essa recuperação não é rápida. A democracia tem um certo ritmo, lida com interesses distintos, e obstáculos mesmo, como a questão da corrupção. Mas o Congresso tem tentado reagir", afirma.

Argelina Figueiredo lembra que o Legislativo é mais mal avaliado, em comparação ao Executivo, em praticamente todas as democracias. E uma das razões para isso são suas diferentes formas de legitimação e representação: o governo assume em nome da maioria e o Parlamento representa 100% dos cidadãos, por isso, suas decisões são mais demoradas, havendo mais espaço para o dissenso.

"O Congresso é mais aberto, todas as negociações aparecem mais, porque o processo decisório é público. Isso não ocorre com o Executivo, que funciona por um sistema hierárquico e não tem interesse em demonstrar seus conflitos internos. No Congresso, há 513 deputados e 81 senadores, iguais entre si, mas que são de partidos diferentes e têm interesse em que essas diferenças e divergências apareçam", afirma.

Fome de cultura

Paulo.Carlos Augusto Calil
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A fome de cultura poderá ser aplacada se recuperarmos o papel do Estado, por meio do investimento direto nas ações de interesse social

HÁ UM fenômeno marcante na cena cultural brasileira: a sociedade clama por oferta de espaços de lazer e convívio, pela universalização da expressão artística, correspondendo ao acesso à representação e à participação cultural. Paira uma fome de cultura no ar. Por anos, a Secretaria Municipal da Cultura, cuja origem ilustre remonta à criação do Departamento de Cultura em 1935 -intervenção pública pioneira em nível internacional-, permaneceu estagnada, numa posição de confortável irrelevância política.

Em 2005, a deterioração -e a progressiva paralisia- atingira a biblioteca Mário de Andrade, as 55 bibliotecas de bairro, os teatros distritais, enfim, boa parte da sua rede física. Tornara-se indispensável recuperar a iniciativa do governo, visando à prestação de serviço público de melhor qualidade e à preservação das coleções, dos edifícios e equipamentos. Era preciso sinalizar a mudança de atitude, contra o desânimo geral dos funcionários, descrentes de fantasias redencionistas, e ampliar o orçamento insuficiente. Em um sinal inequívoco de que a cultura alçava outro patamar na Prefeitura de São Paulo, seu orçamento foi de R$ 176 milhões em 2005 para R$ 383 milhões em 2008. A revitalização da biblioteca Mário de Andrade, segunda maior do país, foi priorizada. Ainda em 2009 deve ser entregue seu primeiro módulo, que prevê o restauro do prédio principal, com abertura para a praça que a circunda. Ao mesmo tempo, inicia-se a segunda etapa, com a incorporação de um edifício vizinho, que será habilitado a receber a imensa coleção de periódicos.

Reanimar as bibliotecas públicas foi o maior desafio. Abandonadas pela administração e pelos frequentadores, sua precariedade era chocante: muitas delas não dispunham sequer de banheiro em funcionamento. Para atrair novamente o público a esses espaços, implantamos o Projeto de Bibliotecas Temáticas -atualmente há sete em funcionamento- e atualizamos o acervo com novos livros e assinatura de periódicos. A descentralização dos espaços culturais é hoje inadiável. A implantação em 2006 do Centro Cultural da Juventude, em Vila Nova Cachoeirinha, respondeu em alto nível à demanda da comunidade. No coração de Cidade Tiradentes, inicia-se em breve a construção de um centro de formação cultural para prover a região de cinema, teatro, circo, biblioteca e salão de exposições, além de cursos de formação sequenciada em atividades como cenotécnica, iluminação e sonorização. Esse conceito inovador reúne no mesmo espaço condições para formação profissional e fruição cultural.

A partir da experiência libertadora da vivência cultural, está em curso um crescente processo de culturalização da sociedade. Só a impregnação da cultura na educação formal e nos programas de reabilitação social poderá devolver-lhes alguma expectativa de transformação. Nesse processo, a ação cultural mobiliza e estimula a participação dos jovens em busca de oportunidades de atuação e de afirmação das identidades individuais e de grupo.

Concentrada principalmente no centro da cidade, a Virada Cultural faz parte de um esforço de reocupação dessa área crítica, ainda deprimida após 40 anos de abandono. A cada nova edição, jovens descobrem as ruas e praças do centro velho à procura de sua atração, e tudo se passa sob a égide da relação direta entre poder público e população, sem a intermediação de bandeiras comerciais ou de patrocinadores do dinheiro público via leis de incentivo. O imposto recolhido pela prefeitura devolvido ao contribuinte no velho modo republicano. A Virada Cultural nos ensinou que o vetor que pode recuperar o centro histórico, mesmo na sua vertente construtiva, é o da valorização cultural. Fixada a vocação da região, cabe ao poder público criar condições para atrair atividades ligadas à cultura e às artes: escritórios de arquitetura, de design, produtoras de cinema, de teatro e dança, residências de artistas.

Associar recuperação concreta à simbólica, reurbanização física à humana é o caminho que se vislumbra. Basta observar, no entorno do vale do Anhangabaú, os movimentos espontâneos de abertura de novos bares e restaurantes, faculdades, requalificação de apartamentos em edifícios antigos, gestos inequívocos de convite ao investimento governamental. A fome de cultura poderá ser aplacada se recuperarmos o papel do Estado, por intermédio do investimento direto nas ações de interesse social. Ao assumir as suas responsabilidades, o poder público e seus parceiros darão respostas à altura das demandas vivas da sociedade.

Carlos Augusto Calil , 57, é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e secretário municipal da Cultura de São Paulo.

Um círculo virtuoso para o PMDB

César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Nos últimos 24 anos, o PMDB comandou o Senado por vinte. Não é um dado desprezível: é um recorde no período republicano. Desde 1946, ano em que o Brasil passou a contar com partidos de caráter nacional, nenhuma sigla, nem mesmo o aglomerado Arena/PDS durante o regime militar, exerceu uma domínio tão longo. Diante de uma cadeira cativa tão longeva, desde o acordo de 2007 que garantiu a presidência da Câmara para Arlindo Chinaglia (PT-SP), a volta da hegemonia pemedebista sobre as duas Casas do Congresso Nacional era uma possibilidade concreta, que não poderia ser desconhecida por nenhum petista e por nenhum tucano.

Há vasta jurisprudência que mostra como os universos do Senado e da Câmara disputam entre si, e não se comunicam. Mas os dois partidos investiram contra a vitória de Sarney por motivos distintos. O PSDB buscou fragilizar o dirigente pemedebista mais avesso a uma aproximação com a oposição. Sem ter tido um resultado brilhante nas urnas em 2008 e sob a circunstância de aceitar a candidatura presidencial imposta pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT busca espaços de poder no âmbito nacional.

O comando total do PMDB se reinstala em circunstância quase opostas às que marcaram os governos Sarney e Collor, ocasião em que também o partido mandava nas cúpulas do Legislativo. Como lembra o professor Fabiano Santos, do Iuperj, do Rio de Janeiro, a primeira hegemonia terminou por fragmentar a sigla, que perdeu coesão ao mesmo tempo em que canalizava as frustrações de um eleitorado que esperava mais da volta do regime democrático. O partido balcanizou-se de forma gradativa, ganhando seu formato de confederação de caciques regionais. A tal ponto que perdeu a Presidência da Câmara em 1993, em um momento de grande fraqueza do Executivo: Collor havia sofrido impeachment meses antes e Itamar Franco governava sem estar filiado a qualquer partido.

A falta de rumo nacional removeu lentamente a força dos chefes locais, e os caciques cada vez mais fracos fragmentaram ainda mais a sigla. A história do PMDB no governo Fernando Henrique foi a narração de uma marcha para a entropia.

A partir do instante em que a sigla ingressa no governo Lula, instala-se o processo oposto: a força do governo federal fez com que os oligarcas estaduais começassem a recuperar prestígio, e esta recuperação colaborou para que o partido ganhasse mais espaço na articulação de poder. A trajetória de Geddel Vieira Lima é exemplar neste sentido. Sua ida para o ministério de Lula colaborou para que o PMDB voltasse a ser forte no plano baiano, e o poder regional o torna um protagonista no jogo de alianças em 2010, buscado tanto pelo governo quanto pela oposição. "O partido entrou em um círculo virtuoso, ao menos na ótica própria", constata Cristiano Noronha, analista política da empresa de consultoria Arko Advice.

É um círculo virtuoso que só cumpre seu papel realimentador de forças dentro de uma ótica que passa pelo governo federal. Por isso a dupla vitória na Câmara e no Senado fortalece a aposta pemedebista de buscar uma composição com Lula em 2010, e não com a oposição. O PT é credor da vitória de Temer na Câmara. E Sarney, segundo relato de tucanos e de integrantes do DEM, é o mais sólido aliado do governo federal dentro da sigla.

O fim da verticalização é mais uma argamassa para unir o PMDB ao PT em um projeto para 2010. Diminui o peso regional, decisivo nas duas últimas eleições, no processo decisório, ou não decisório, pemedebista. O fato de PT e PMDB serem inimigos regionais diretos no Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal e manterem tensa convivência no Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Pará perde impacto. "O PMDB agora dispõe de condições para uma ação conjunta e autônoma no plano nacional, em relação às circunstâncias regionais", comenta Santos. Nada impedirá, por exemplo, que o ex-governador paulista Orestes Quércia componha como candidato ao Senado em São Paulo em uma chapa encabeçada por um tucano, independente do partido apoiar ou não a candidatura do PT à Presidência.

César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às sextas-feiras, Maria Cristina Fernandes, está em férias

O triângulo do poder

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - As duas Casas do Congresso estão nas mãos do PMDB. Isto é resultado de um longo processo. Na Câmara, a principal comissão já estava com eles. É a de justiça, tocada pelo PMDB do Rio, às vezes tão acossado pela própria justiça.

A tática dos burocratas de esquerda foi a mesma do Leste Europeu. Para quem obedece, tudo.

Para os que se opõem, a marginalidade.

A sorte é a existência da imprensa. Os mortos-vivos para a burocracia são os que ganham os prêmios de performance parlamentar. Acabam sobrevivendo todos, o que não acontecia no Leste Europeu.

O PMDB significa uma ponta do triângulo. Os dois outros partidos disputam a presidência. Será o sócio em qualquer hipótese.

Para levar adiante seu projeto nacional, Bismarck mantinha os partidos presos às suas pequenas causas. Eles perdiam o interesse em definir o futuro, desde que fossem atendidos.

Este quadro indica que o Brasil não muda tão cedo. Eleição como a americana, com grande participação popular, será difícil. Será difícil também inaugurar uma era de responsabilidade.

Assim como não me arrisco a fazer grandes previsões otimistas, é preciso desconfiar também do pessimismo. Nos períodos de crise, os saltos são maiores. A voracidade fisiológica vai atingir o ponto máximo. Mas os mortos-vivos pelo menos podem esperar uma Primavera de Praga. Tanto Sarney como Temer não são vingativos.

Uma perversão no Congresso foi jogar a agressividade dos fisiológicos, em número esmagador, contra a minoria que procura interpretar a opinião pública. Do ponto de vista eleitoral, até nos ajuda. Mas a vida em Brasília torna-se um inferno. Calor, vaias, ressentimento. Que vengan los toros, quem sabe, dessa vez, mais leves.

Optei por apartar

Cristovam Buarque
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O mais forte e conhecido adesivo de atração para o PT era aquele que dizia “optei”. Trazia a mensagem clara de que era preciso mudar: havia um lado e precisávamos optar por outro. Os seis anos do governo Lula mostram uma outra direção, optou-se por apartar, separar, conciliar, mas não por fazer opções.

É constrangedor acompanhar a troca de acusações entre dois ministros. Reinhold Stephanes, da Agricultura, defendendo o aumento da produção agrícola, e Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente, a preservação das florestas. Os dois têm razão, o governo é que não tem. Cada um defende os objetivos de sua respectiva pasta, porque o governo não definiu uma linha de ação à qual os ministros fiquem submetidos. Determina-se que uma ministra aparte os que estão brigando, como se o problema estivesse no desentendimento pessoal e não no choque conceitual.

O que está em jogo não é fazer que os dois ministros se calem, mas determinar a escolha, entre concepções diferentes, para definir uma linha que oriente o desenvolvimento que o País precisa seguir. O que deve estar em debate não são as posições dos dois ministros, mas a posição do governo e do País para seu futuro: manter o velho padrão de desenvolvimento a qualquer custo, ou escolher um modelo com base na conservação de nosso patrimônio natural e na justiça social.

Mas o estilo do presidente Lula é de apartar as diferenças que existem nos diversos grupos sociais e políticos nacionais, procurando e conseguindo aglutinar pela omissão da escolha. No mesmo momento do embate entre Agricultura e Meio Ambiente, temos a disputa entre o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, e o ministro Mangabeira Unger, sobre a Bolsa-Família. Na ótica do futuro, é necessário um instrumento estrutural – a educação – que permita reduzir a pobreza. A próxima contenda a ser apartada pelo presidente será entre o Ministro Lupi, do Trabalho, que corretamente defende que o dinheiro público seja usado para conservar emprego e os empresários que consideram um direito receber dinheiro público, sem compromisso público.

O que caracteriza o presidente Lula é sua capacidade de “apartar” as diferentes opiniões, juntando-as em um silêncio reverencial por parte dos intelectuais, na submissão dos sindicatos e dos empresários, no acomodamento dos estudantes e da juventude, na formação de pacotes partidários tão amplos que ele fica sem oposição, porque mesmo quando esta vence, ele vence também. No lugar de serem as forças da “opção”, Lula e o PT são as forças da aglutinação ao “apartar” cada grupo e uni-los por meio da interminável conciliação.

Por um lado, isto traz tranquilidade social ao País. Basta comparar nossa situação com os vizinhos, onde os presidentes “optaram” e dividiram as sociedades de seus países. Mas, esta aglutinação leva a um acomodamento que, por sua vez, leva ao adiamento do enfrentamento de nossos problemas. Em nome de ficar no poder e ganhar novas eleições, o governo posterga as “opções” que o País precisa para construir o futuro. Em nome de manter-se no cargo, os ministros calam, como se não houvesse um problema a ser enfrentado. Em nome de não romper alianças, o presidente tolera as discordâncias públicas entre seus ministros.

Não sabemos o preço que o Brasil pagará por adiar por mais tempo a opção que deverá fazer, nem quanto vai custar nosso vício histórico de sempre apartar, acomodar, para não optar.

» Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF

Peemedebista já foi chamado de ''grande ladrão''

MEMÓRIA
Daniel Bramatti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Hoje amigo e aliado de José Sarney, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já fez do maranhense um de seus principais alvos de ataques e até de ofensas. Quando Sarney era presidente (1985-1990), Lula e o PT faziam oposição sistemática, não raro acusando o governo de corrupção.

Em 2003, quando o petista e o peemedebista já eram aliados próximos, o ressurgimento de um discurso de Lula feito 16 anos antes provocou constrangimento para ambos. "Nós sabemos que antigamente se dizia que o Ademar de Barros era ladrão, que o Maluf era ladrão. Pois bem: Ademar de Barros e Maluf poderiam ser ladrões , mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República, perto dos assaltos que se faz", disse Lula, em 1987, em um evento em Aracaju, em referência ao então presidente.

A frase que Lula preferia que caísse no esquecimento foi revelada em 2003 pelo então deputado federal petista João Fontes (SE). Ameaçado de expulsão por ter votado contra a reforma da Previdência, Fontes queria mostrar que continuava fiel aos princípios do PT, e que Lula é que havia mudado ao chegar ao poder. Expulso, o deputado ajudou a criar o PSOL.

Lula ataca oligarquias, mas poupa Sarney

Leonencio Nossa, São Salvador
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente se irrita ao ser indagado sobre hegemonia do clã no Maranhão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou que não ficará refém do PMDB nos últimos dois anos de governo. Em viagem ao sul do Tocantins, ele chamou os novos presidentes da Câmara, Michel Temer (SP), e do Senado, José Sarney (AP), de "parceiros" e reconheceu que não é possível governar sem as oligarquias. "Acho que eles dão muita tranquilidade, não ao presidente da República, mas ao País", afirmou. "São duas pessoas que pela terceira vez vão fazer a governança no Senado e na Câmara, portanto, têm muita experiência e responsabilidade." Ao inaugurar a hidrelétrica de São Salvador, a 420 quilômetros de Palmas, ele alternou momentos de críticas e de defesa das oligarquias.

Em discurso, reclamou, sem citar nomes, que oligarquias nordestinas atrapalharam obras importantes ao longo da história para a população do semiárido. Depois, em entrevista, um repórter perguntou sobre o que ele achava da oligarquia de Sarney no Maranhão. O presidente se irritou. "Quem está dizendo que o Sarney é oligarca é você, não sou eu", reagiu. "O que eu disse (no discurso) é que historicamente a oligarquia do País que mandou por vários séculos não permitia que se fizesse uma obra como a interligação de bacias do São Francisco, e nós estamos fazendo sem nenhum problema. Apenas mostrei a diferença do comportamento que mandava no Brasil com a elite que hoje é favorável a que a gente construa a obra."

Na entrevista, Lula, porém, admitiu que não é possível governar sem o apoio das oligarquias. Indagado se era possível governar sem alianças com oligarquias, ele respondeu: "Não, tanto que eu tenho uma parceria extraordinária com os empresários brasileiros. Acho que é uma relação de respeito, uma relação digna." E concluiu: "Agora, todos nós na vida, seja o trabalhador ou o oligarca, cada um tem momento de pensar coisas diferentes, e eu acho que tivemos momentos de muito retrocesso no Brasil pelo comportamento de uma oligarquia que no século passado não via com uma visão de futuro o nosso país."

RETROSPECTIVA
Ainda na conversa com os jornalistas, Lula fez uma retrospectiva da relação de seu governo com o PMDB. O partido conta com as pastas de Saúde, Integração, Agricultura, Defesa, Comunicações e Minas e Energia.

Só não fez referências ao espaço ocupado pelo grupo de Sarney na máquina pública. O presidente do Senado tem um aliado no comando de Minas e Energia (Edison Lobão) e uma série de apadrinhados em cargos de segundo escalão e órgãos federais no Nordeste. Ao menos em público, o senador e o presidente nunca se atacaram nos seis anos do atual governo, nem mesmo quando, no ano passado, a Polícia Federal mirou nos negócios da família Sarney no Maranhão. "A minha relação com o PMDB tem sido a melhor possível", avaliou Lula, que considera fundamental a manutenção da aliança com o partido para a disputa presidencial de 2010.

FRASE
Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente

"Todos nós na vida, seja o trabalhador ou o oligarca, cada um tem momento de pensar coisas diferentes, e eu acho que tivemos momentos de muito retrocesso no Brasil pelo comportamento de uma oligarquia que no século passado não via com uma visão de futuro o nosso país"

Ativismo do BC

Merval Pereira
DEU EM O GLBO


NOVA YORK. A decisão do Banco Central de emprestar até US$36 bilhões das reservas internacionais para ajudar a financiar empresas com dívidas no exterior que vencem até dezembro de 2009 é mais um sinal de que o governo está disposto a atuar no mercado para ajudar as empresas brasileiras a superarem dificuldades devidas à crise internacional, mas nada indica que seja uma solução para um problema que, para analistas aqui nos Estados Unidos, é mais de falta de crédito do que de dólares. A questão é que o Banco Central já vem fazendo isso: vendeu mais de U$20 bilhões de reservas; já ofereceu empréstimo para cartas de crédito de exportação; já ofertou mais de U$50 bilhões de hedge cambial.

Toda essa movimentação do Banco Central parece mais uma tentativa de mostrar-se cooperativo nesse momento de crise para reduzir as pressões sobre sua política de juros, ou pelo menos não ser acusado de responsável pela diminuição da atividade da economia brasileira.

Agora, se prepara para ajudar cerca de 4 mil empresas brasileiras ou multinacionais com negócios no país. As novas regras para esses empréstimos, que procuram compensar a falta de crédito internacional para as companhias brasileiras, não incluem leilões.

O BC fixou uma taxa de juros em 1,5% + Libor (taxa internacional de juros) que será cobrada em todas as operações, e a instituição que financiar o contrato cobrará um "spread" (diferença) sobre a taxa do BC.

Num primeiro momento, somente os bancos autorizados a operar em câmbio no Brasil participarão do programa, mas o Banco Central espera poder, em um mês, permitir que bancos estrangeiros classificados como de nível A também possam utilizar esses empréstimos.

Nesse mês, será preparada uma mudança na legislação para viabilizar a participação de bancos estrangeiros nessa operação, pois até o momento eles não podem entrar na categoria de agentes do mercado financeiro nacional.

Provavelmente a mudança de legislação deverá ser feita através de uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN). O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, reclamou da demora entre o anúncio da medida e sua implementação, e o presidente do Banco Cenyral, Henrique Meirelles, explicou em Davos, no Forum Econômico Mundial, que estava procurando uma saída legal para ter garantias dos empréstimos dos bancos estrangeiros.

Desde que anunciou a medida, já faz dois meses, o Banco Central debate-se com as dificuldades para colocar os bancos estrangeiros no programa, pois, no caso deles, não há garantias de que o dinheiro poderá ser recuperado se o banco tiver algum problema.

No caso dos bancos brasileiros, não há risco, pois o Banco Central pode recuperar o dinheiro diretamente das suas contas.

De qualquer forma, segundo Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor da área internacional do Banco Central, o gargalo não é o mercado de câmbio.

Os operadores dos bancos sabem disso, tanto que os bancos diminuíram suas posições longas em dólares. As empresas também sabem que é a falta de crédito, e não de dólares que é a questão.

Todo problema começa com o banco estrangeiro que não quer ou não pode rolar o empréstimo. Não quer ou não pode, segundo Vieira da Cunha, porque não tem limite de capital, e precisa chamar seus créditos para fazer caixa.

Não é muito claro para o mercado que um banco estrangeiro seja atraído pela taxa do empréstimo do Banco Central brasileiro. Embora a taxa de juros do Banco Central seja mais cara que o Cupom cambial no momento, se o empréstimo for de curto prazo, esse subsídio não seria o suficiente para alterar a disposição ou capacidade para emprestar, dificuldade que se registra até para as empresas americanas de nível BBB, quanto mais para as brasileiras.

Para se ter uma ideia, o "spread" dos papéis dessas empresas BBB está hoje no equivalente a uma taxa de 11% ao ano. Vieira da Cunha lembra que, mesmo com esses preços, a emissão de nova dívida corporativa no começo deste ano bateu recordes, porque as empresas não têm acesso ao empréstimo bancário, e muito menos podem vender ações, e têm que ir para o mercado de papéis.

Hoje, segundo Paulo Vieira da Cunha, os bancos já não são o problema maior. "Eles já estão no buraco ou, no caso brasileiro, por exemplo, muito bem. O problema é o risco de crédito especialmente no Brasil, onde os bancos estão com capacidade de emprestar".

A solução seria simples - induzir alguém a emprestar mais para a Sadia, Marcopolo etc., ou, o que seria melhor na opinião de Vieira da Cunha, induzir essas empresas a diminuírem seu endividamento. "Menos investimento faz sentido, pois, no momento, o futuro é muito mais incerto", diz. Outra opção seria reestruturar seu capital, como fez a Votorantim.

"O BNDES tem seu papel, mas se for usar os R$100 bilhões vai ser um exagero. Ele, sim, vai usar o empréstimo do Bacen!", ironiza Vieira da Cunha.


Por um erro, na coluna de ontem coloquei a ministra Dilma Rousseff como ministra do Planejamento. Longe de mim querer tirar do lugar o ministro Paulo Bernardo, e, muito menos, reduzir o status da ministra quase candidata, que, como todos sabemos, é a chefe da Casa Civil e coordenadora do PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, e não um simples "plano", como também escrevi ontem erradamente.

Investimento na era Lula é igual ao de FH

Regina Alvarez
DEU EM O GLBO

Mesmo com o PAC, volume de recursos aplicados pela União não chega a 1% do PIB. Em 2001, era de 1,12%

BRASÍLIA. Apesar dos reforços do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em janeiro de 2007 - e que recebeu mais R$142 bilhões só até 2010 em obras novas - o investimento público direto da União não chega a 1% do Produto Interno Bruto (PIB). No ano passado, foi alcançado o percentual de 0,97%, que é o maior número do governo Lula. No entanto, ele ainda está abaixo do melhor patamar dos últimos dez anos - o 1,12% de 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso. Este patamar, porém, recuou em 2002 a 0,69% do PIB. Considerando os gastos do Orçamento da União e das estatais, os investimentos públicos totais passaram de 2,29% do PIB em 1998 para 2,80% em 2008.

Carro-chefe do governo Lula, o PAC reúne investimentos financiados por várias fontes - Orçamento, estatais, bancos de fomento e setor privado - mas especialistas consideram que o melhor termômetro para medir a evolução dos investimentos de um país é o Orçamento da União, financiado com a arrecadação de impostos. É dele que saem recursos para a construção de rodovias, por exemplo.

No Brasil, os investimentos ficaram nos últimos dez anos próximos de 1% do PIB, patamar aquém das demais despesas do governo com custeio da máquina e pessoal. Mesmo nos últimos anos, quando a economia registrou crescimento robusto, a situação se manteve inalterada. Entre 1998 e 2008, a receita total do governo, impulsionada pelo aumento da arrecadação, passou de 18,74% para 25% do PIB.

- A expansão do gasto público está concentrada nas despesas correntes. O investimento cresceu em relação a valores irrisórios e permanece muito abaixo do patamar dos anos 70 - observa o economia Fábio Giambiagi, especialista em contas públicas.

"Preço por opção padrão de gasto é alto", diz economista

Na visão do economista, houve perda de oportunidade por parte do governo, quando em 2005 rejeitou propostas discutidas pela equipe econômica de conter despesas correntes e ampliar gastos com investimentos.

- O preço por uma opção padrão de gasto pode ser alto. Se tivéssemos optado pela contenção dos gastos correntes, teríamos mais gás para investir - afirma Giambiagi.

Para o economia Raul Velloso, outro especialista em finanças públicas, o PAC é uma tentativa de o governo agregar informações e dar visibilidade aos investimentos das estatais, o que não ocorria no passado de forma organizada. Mas ele destaca que os investimentos dessas empresas têm uma dinâmica própria, e o melhor medidor da capacidade do governo de investir é mesmo o Orçamento.

Ontem, a oposição atacou a ampliação, em R$142 bilhões, do orçamento do PAC até 2010. O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), afirmou que os números "são virtuais" e constituem "um factóide, um engodo". O líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza, rebateu:

- Quem disser que o PAC é uma maquiagem ou é eleitoreiro está fazendo política e proselitismo barato.

Minha colher neste mingau

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Em vez de focar na criação do "bad bank", o governo dos EUA seria autorizado pelo Congresso a criar o "good bank"

A IMPRENSA americana tem noticiado o intenso debate em relação à segunda parte do chamado Tarp. Aprovado pelo Congresso ainda no governo Bush, o Tarp é um programa bilionário de auxílio ao sistema bancário americano. Metade desses recursos já foi comprometida, sem que a crise dos bancos tenha sequer estabilizado.

Mais grave ainda, o fracasso colocou mais lenha na fogueira da crise bancária. Por isso a utilização dos recursos remanescentes precisa ser eficiente e justa do ponto de vista das perdas que serão incorridas. Uma das ideias que se debatem hoje é a de dividir os bancos em dificuldades em um banco podre ("bad bank") e outro com menores problemas de crédito ("good bank"). O Proer é um exemplo prático desse caminho.

Essa é uma solução aparentemente simples, mas com muitas dificuldades de execução no momento atual. A mais importante delas é a definição de um critério para distribuição das perdas, em razão da impossibilidade de atribuir um valor transparente aos ativos dos bancos em dificuldade. De um lado está o contribuinte, do outro os investidores privados que possuem ações ou títulos de crédito emitidos pelas instituições envolvidas no resgate.

O caminho eficiente seria lidar com essas duas perdas de maneira clara e justa. Mas chegar a preços justos para os chamados ativos tóxicos é tarefa difícil -talvez impossível- na geleia geral que virou o mercado mundial de crédito e derivativos.

Uma alternativa a ser considerada é a inversão da lógica da separação entre o "good bank" e o "bad bank". Em vez de focar na criação do "bad bank", em razão das dificuldades acima, o governo seria autorizado pelo Congresso a criar o "good bank", apenas com capital público em um primeiro momento. Esse novo banco compraria os ativos que hoje têm um preço de mercado transparente, deixando o "bad bank" com os ativos tóxicos. Além disso, assumiria todos os empregados e instalações do banco antigo. Com isso, teríamos uma instituição com um valor de mercado transparente e que permitiria, no passo seguinte, ao governo realizar um aumento de capital com recursos privados, recolocando-o em uma rota operacional e rentável.

O "bad bank" seria então liquidado judicialmente, sem perdas adicionais para o contribuinte, já que os acionistas e credores atuais arcariam com elas, de acordo com a ordem de prioridade da lei hoje existente. Na prática, em alguns casos isso significaria "zerar" os acionistas e credores atuais. Outro caminho possível seria a criação desse novo banco via uma cisão de ativos e passivos hoje existentes. Nesse caso, os investidores privados manteriam sua participação proporcional no novo banco a ser criado. A dificuldade de avaliar o valor dos ativos seria muito menor. Feita essa divisão, o Tesouro colocaria recursos do Tarp em seu capital e, posteriormente, ofereceria o banco ao setor privado.

O "bad bank" seria liquidado judicialmente como na alternativa anterior. O problema nesse caso é que a ordem de preferência nas perdas seria diferente. Enfim, essas duas soluções alternativas também apresentam problemas operacionais e legais, mas que talvez possam ser superadas com menor dificuldade do que no caso do modelo em consideração. Mas talvez o problema maior seja de outra natureza: a melhor solução é a que exige mais coragem política por ser menos conhecida. E, nesse quesito, nós, brasileiros, aprendemos muito com a URV no Plano Real.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

O homem de "x" trilhões de dólares

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Gestor dos maiores fundos do planeta e de programas do BC dos EUA, Bill Gross pede pacote de trilhões a Obama

O GOVERNO dos EUA precisa gastar trilhões a fim de evitar uma "minidepressão". A opinião é de Bill Gross, que a externou numa entrevista à agência de notícias financeiras Bloomberg. Gross é o principal executivo financeiro da Pimco, gestora dos maiores fundos de renda fixa do mundo, parte da Allianz, maior seguradora europeia. A Pimco é ainda um dos administradores contratados pelo banco central americano para comprar notas promissórias do mercado e títulos lastreados em hipotecas, os papéis que deram origem à série de crises.

Entre as encarnações individuais disso que se chama de mercado, Gross é uma figura bem relevante. Faz parte da cúpula que faz acontecer e sabe o que está acontecendo. Não dá pontos sem nó e, claro, não deve opinar em público contra o seu interesse, para dizer o menos. Mas não é exatamente um bucaneiro vulgar e gratuito do mercado.

Em setembro de 2009, dias antes de o Lehman Brothers explodir, Gross pedia que o governo americano comprasse papéis podres do mercado, entre outras intervenções estatais, em um de seus artigos publicados no site da Pimco. Foi muito enfático na ocasião: se o governo não "abrisse o cofre" (aspas literais), viria um "tsunami financeiro". Veio.

A sugestão é hoje carne de vaca, mas, entre gente mais importante, apenas economistas mais acadêmicos sugeriam então coisa assemelhada em público, muitas vezes tomando pedradas.

Ainda em agosto de 2008, Henry Paulson, o secretário do Tesouro de George Bush, dizia: "Não temos plano algum de injetar dinheiro nessas duas instituições" (as quebradas Fannie Mae e Freddie Mac, que financiam metade do mercado imobiliário americano).Gross deu sua sugestão no dia 4 de setembro. No dia 7, o governo estatizou Freddie Mac e Fannie Mae. No dia 14 de setembro, Paulson dizia: "Jamais considerei apropriado colocar o dinheiro do contribuinte na mesa a fim de [resolver] os problemas do Lehman Brothers". No dia seguinte, o Lehman explodiu. Dia 19, Paulson defendia assim seu pacotão de compra de papéis podres dos bancos (uma quase doação): "Estamos falando de centenas de bilhões de dólares -isso precisa ser grande o bastante para fazer diferença e ir ao coração do problema".

Gross sabia mais ou menos quando e onde o galo iria cantar. Agora, sugere despesa de trilhões enquanto o Senado dos EUA discute se apara o pacote fiscal de Barack Obama. Quando Timothy Geithner, secretário do Tesouro de Obama, está para anunciar o novo pacote financeiro (deve sair dia 9). Gross temperou seu alerta com a mesma pimenta retórica da sugestão de setembro:

"Há [o risco] de uma catástrofe se o governo dos EUA continuar a pensar em [apenas] bilhões de dólares".

Os rumores sobre o pacote Geithner-Obama são confusos. Pode incluir a compra de papéis podres, que seriam transferidos para um banco estatal. Haverá, de qualquer modo, alguma injeção de dinheiro nos bancos -talvez uma estatização adicional. Deve haver mais garantias públicas para dívidas privadas (o governo banca o seguro do calote). O que quer que saia do Congresso e do Tesouro americano, porém, Gross está achando pouco. De algum modo, ele sabe do que está falando.

Indústria cai 16,4% em MG e 14,9% em SP

Camila Nóbrega
DEU EM O GLOBO

No Rio, queda é de 8,2%. De 14 regiões, apenas duas crescem

Os estados de Minas Gerais, Bahia e São Paulo foram os que mais contribuíram para a queda na produção industrial em dezembro de 2008, registrando reduções de 16,4%, 15,6% e 14,9%, respectivamente. Após divulgar, no início da semana, a maior queda já registrada na produção industrial brasileira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apresentou os dados regionais, mapeando os reflexos no panorama nacional.

O IBGE verificou quedas em 12 dos 14 locais pesquisados, como consequência das medidas para reduções na produção. Dessas áreas, as únicas que registraram crescimento foram Amazonas (0,9%) e Goiás (0,4%). Em comparação com janeiro de 2008, os resultados de Espírito Santo (-29,6%), Minas Gerais (-27,1%) e São Paulo (-14,5%) apontaram as maiores quedas desde 1991.

Segundo a coordenadora da pesquisa no IBGE, Isabella Nunes, os níveis de confiança de consumidores e empresários caíram em dezembro e ainda não foram retomados:

- Os empresários tinham estoques elevados e ainda não retomaram a produção, devido a incerteza sobre 2009. Para consumidores o problema é crédito. Os setores mais afetados são o automotivo e de extração de minérios de ferro.

Em dezembro, a queda na produção no Rio de Janeiro foi de 8,2% em relação a novembro. Em comparação com dezembro de 2008, a queda foi ainda maior, chegando a 9,6%.

Para o economista da UFRJ João Saboia, a novidade não é a queda, mas sua dimensão:

- Os números são muito fortes e mostram que os resultados estão relacionados ao tipo de indústria predominante no local. Regiões voltadas aos bens de consumo não duráveis, com indústrias mais sofisticadas, como Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo e Rio tiveram grandes quedas.

O que os americanos precisam fazer

Barack Obama
DEU EM O GLOBO

A essa altura já ficou claro para todos que herdamos uma crise econômica tão profunda e nefasta como nunca desde os dias da Grande Depressão. Milhões de empregos, dos quais os americanos dependiam, evaporaram em apenas um ano; outros milhões de ninhos das famílias, pelos quais tanto se trabalhou, também desapareceram. Em qualquer canto, as pessoas estão preocupadas sobre o que trará o amanhã.

O que os americanos esperam de Washington é ação compatível com a urgência que percebem em suas vidas diárias - ação que seja rápida, ousada e sábia o suficiente para que possamos sair dessa crise.

Porque a cada dia que esperamos para começar a trabalhar na virada da nossa economia, mais pessoas perdem seus empregos, suas poupanças e suas casas. E, se nada for feito, essa recessão pode perdurar por anos a fio. Nossa economia vai perder cinco milhões a mais de empregos. O desemprego ficará perto dos dois dígitos. Nossa nação vai afundar ainda mais numa crise que, em algum momento, não conseguiremos mais inverter.

É por essa razão que percebo tal sentido de urgência em relação ao plano de recuperação que está diante do Congresso. Com ele, vamos criar ou salvar três milhões de empregos nos próximos dois anos, conceder alívio fiscal imediato a 95% dos trabalhadores americanos, estimular o consumo igualmente de empresas e pessoas, e dar passos para fortalecer nosso país para os próximos anos.

O pacote é mais do que uma mera relação de gastos de curto prazo - é uma estratégia para o crescimento a longo prazo dos Estados Unidos e uma oportunidade para setores como energia renovável, saúde e educação. E se trata de uma estratégia que será implementada com transparência e responsabilidade fiscal sem precedentes, de modo que os americanos saibam aonde está indo o dinheiro de seus impostos e como ele está sendo gasto.

Recentemente, surgiram críticas insidiosas contra esse plano, nas quais ecoam as fracassadas teorias que nos levaram à crise - a noção de que apenas o corte de impostos vai resolver nossos problemas; que poderemos enfrentar nossas grandes provas com meias medidas e ações fragmentadas; que poderemos ignorar desafios fundamentais, como independência energética e o alto custo da saúde e ainda esperar que a economia e nosso país prosperem.

Refuto essas teorias, assim como fez o povo americano quando foi às urnas em novembro e votou em massa pela mudança. Ele sabe que insistimos nesses caminhos por tempo demais. E, porque insistimos, o custo da saúde ainda cresce mais rápido do que a inflação. Nossa dependência em relação ao petróleo estrangeiro ainda ameaça nossa economia e nossa segurança. Nossas crianças ainda estudam em escolas que as deixam em desvantagem. Vimos as consequências trágicas quando nossas pontes ruíram e nossas represas vazaram.

A cada dia nossa economia fica mais doente - e o tempo de ministrar um remédio que devolva os americanos ao trabalho, que faça a economia pegar no tranco e invista num crescimento duradouro é agora.

Agora é o momento para proteger o seguro-saúde de mais de oito milhões de americanos, que correm o risco de ficar sem cobertura, e para informatizar os dados de saúde de cada cidadão dentro de cinco anos, economizando bilhões de dólares e incontáveis vidas no processo.

Agora é a hora de economizar bilhões construindo dois milhões de casas e fazendo 75% dos edifícios públicos com uso eficiente de energia; e dobrar nossa capacidade de gerar fontes alternativas de energia em três anos.

É o momento de dar às nossas crianças cada vantagem de que precisam para concorrer, aperfeiçoando dez mil escolas com salas de aula impecáveis, bibliotecas e laboratórios; treinando nossos professores em matemática e ciências; colocando o sonho de uma educação universitária ao alcance de milhões de americanos.

E agora é a hora de criar os empregos que irão preparar os Estados Unidos para o século XXI, reconstruindo velhas rodovias, pontes e diques; desenhando uma rede de energia elétrica inteligente; e ligando cada canto do país com informação através de uma superinfovia.

Há medidas que os americanos exigem que sejam adotadas sem demora. Eles são pacientes o bastante para saber que nossa recuperação será medida em anos, em vez de meses. Mas não têm paciência para o velho entrave partidário que se coloca no caminho da ação enquanto nossa economia continua caindo.

Portanto, temos que fazer uma opção. Podemos deixar mais uma vez que os velhos hábitos de Washington fechem o caminho do progresso. Ou podemos nos unir e dizer que, nos Estados Unidos, nosso destino não é escrito para nós, mas por nós. Podemos priorizar boas ideias em vez de velhas batalhas ideológicas, e um senso de objetividade em vez do míope partidarismo. Podemos agir ousadamente para transformar a crise em oportunidade e, juntos, escrever o próximo grande capítulo de nossa História e enfrentar o desafio de nosso tempo.

BARACK OBAMA é presidente dos Estados Unidos e publicou este artigo no "Washington Post"

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