sábado, 22 de outubro de 2022

Marco Aurélio Nogueira* - Votar pelo futuro

O Estado de S. Paulo

O voto em Lula nesta eleição é, no mínimo, uma medida cautelar, uma manifestação de cuidado e preocupação com o Brasil.

Não é correto nem digno, nesta hora dramática em que vivemos no Brasil, silenciar sobre o que está em jogo no segundo turno das eleições presidenciais.

Não estamos diante de uma disputa qualquer, de uma competição entre dois candidatos que se posicionam com um idêntico respeito pelas regras democráticas. Lula e Bolsonaro são pontos antípodas de uma disputa que transcorre de modo imperfeito, sem muita clareza e sem densidade. O embate entre eles se tem feito em tom de ataques recíprocos, sem preocupações programáticas ou de esclarecimento público. Tudo tem sido levado para o palco eleitoral – da liberdade religiosa às convicções morais –, o que dificulta o discernimento e as escolhas da população.

A batalha eleitoral de 2022 é entre democracia e autoritarismo, civilidade e barbárie.

O que está em disputa hoje, muito mais do que em outros momentos de nossa experiência como Estado democrático, é uma ideia de País e, sobretudo, de governo.

O Brasil não vai acabar, por mais que esteja à beira do precipício. Tem resiliência e recursos para seguir em frente. Mas pode continuar piorando, o que será trágico. Estamos ficando para trás em diversos setores estratégicos, como o ambiental, o científico e o tecnológico. Áreas sociais estratégicas – saúde e educação, antes de tudo – foram desconstruídas e abandonadas à própria sorte. Nossa imagem no mundo nunca foi pior, consequência de uma política externa feita com rancor, sem diplomacia e baseada em postulações ideológicas. As agressões à democracia, às instituições do Estado, à civilidade, ao decoro público foram tantas que, se continuarem a se repetir, farão do Brasil uma caricatura.

Bolívar Lamounier* - Equilíbrio pelo terror

O Estado de S. Paulo

Em Brasília ele não acontece todos os dias. É intermitente e cheio de mistérios. Entra em estado de suspensão como o erário mostra sua face dadivosa.

Equilíbrio pelo terror é uma situação comum na história dos povos, em todos os níveis, na política e em cada escaninho da sociedade.

Claro, ele é mais facilmente perceptível no topo da pirâmide mundial de poder, naquela altitude onde lorpas e pascácios se divertem com a hipótese de destruírem o planeta. Imaginam tal situação, caem na gargalhada e, em seguida, sérios, diante das câmeras, aterrorizam os mortais comuns com a mensagem de que cedo ou tarde, de fato, transformarão a Terra num monte de pedrinhas. No momento atual, é esse o espetáculo em cartaz em Moscou, disponível nas melhores casas do ramo. Não tendo como distinguir o que é realidade e o que é teatro, nos apavoramos, óbvio, pois sabemos que o sr. Vladimir Putin não bate bem da cabeça. A devastação que já impingiu à Ucrânia nos força a crer que está falando sério.

Mas, como antecipei, a busca do equilíbrio pelo terror acontece até nos menores nichos da vida animal. Garotos igualmente exímios no manejo do estilingue, em geral, preferem agredir seus amigos ineptos, pois têm ciência de que rivais exímios lhes darão o troco. Um touro bravio quase sempre opta por esperar sua vez a impedir outro também bravio que já se aproximou de uma garbosa novilha.

Oscar Vilhena Vieira* - Democratas contra a democracia?

Folha de S. Paulo

Nem todas as pessoas entendem a democracia de uma mesma forma

O que leva uma parcela de eleitores que se manifestam favoráveis à democracia a escolherem governantes autoritários, que desprezam valores democráticos e atacam sistematicamente as suas instituições, como vem ocorrendo em países tão distintos como Estados UnidosHungria ou Brasil?

Nada menos que 79% dos brasileiros, conforme o último levantamento realizado pelo Datafolha, apontam a democracia como a melhor forma de governo. Para apenas 5%, a ditadura é melhor regime. Como explicar, então, um apoio significativo a um candidato abertamente autoritário como Bolsonaro?

Hélio Schwartsman - Quem precisa de ditadores?

Folha de S. Paulo

Ala bolsonarista do Novo entende que Amoêdo difamou a imagem do partido

Há um problema com os liberais brasileiros. Eles parecem não saber o que é liberalismo. A demonstração de ignorância desta vez vem do Novo, partido que se vende como agremiação genuinamente liberal. Pois bem, lideranças do Novo pedem a expulsão do fundador da legenda, João Amoêdo, por ter declarado voto em Lula. A sigla havia liberado seus filiados a se posicionarem como quisessem no segundo turno, mas a ala bolsonarista do partido, francamente majoritária, entende que Amoêdo difamou a imagem ou reputação do Novo, o que, pelo estatuto, é infração que pode gerar expulsão.

Cristina Serra - Máquinas do ódio contra o eleitor

Folha de S. Paulo

Bastou o TSE tentar cumprir melhor o seu papel para ser criticado por falta de transparência

O TSE ampliou seus poderes para atuar contra uma imensa e complexa rede criminosa de propagação de mentiras, distorções e manipulações operada pela candidatura da extrema direita. Antes tarde do que muito tarde.

A transmissão massiva de desinformação é concatenada em vários níveis pela campanha de Bolsonaro com o intuito de tentar nocautear o adversário, que se vê obrigado a esclarecer falsidades o tempo todo, além, claro, de desestabilizar o sistema eleitoral.

Ao não divulgar sua avaliação sobre a eleição no primeiro turno, o ministério da Defesa contribui para a fermentação de teorias conspiratórias sobre as urnas. Não divulga, simplesmente, porque não tem como reprovar a urna eletrônica. Mas, ao postergar suas conclusões, age para semear dúvidas e suspense.

Alvaro Costa e Silva – Quem é o bandido?

Folha de S. Paulo

Campanha de Bolsonaro bate recorde de mentiras e desumaniza moradores de favelas

Carimbo do bolsonarismo, a mentira consome o Brasil desde 2018. Só agora, na boca do segundo turno, o TSE resolveu agir de forma dura e ágil, investigando o "ecossistema de desinformação" a favor do candidato governista e determinando a desmonetização de canais e a retirada de fake news no prazo de duas horas. Os suspeitos contumazes — Bolsonaro e seu filho Carlos estão na lista, claro — terão de dar explicações à Justiça Eleitoral.

Uma coisa é certa: as notícias falsas, até 30 de outubro, vão aumentar, assim como a insanidade delas. Na véspera do primeiro turno, uma reportagem mentirosa —segundo a qual o líder do PCC, Marcola, teria declarado voto em Lula — atingiu milhões de visualizações no YouTube até ser excluída, por ordem do TSE, na manhã do dia de votação.

Demétrio Magnoli - Meios e fins

Folha de S. Paulo

Os fins justificam os meios, assegura a crença de pessoas que se imaginam moralmente superiores

"O tema dessa campanha não é economia, são os temas propostos por Bolsonaro, o que significa que o presidente venceu o debate desta eleição". Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, não erra no diagnóstico. Na TV e nas redes sociais, a campanha de Lula emula a linguagem do bolsonarismo. Segundo a síntese do ministro, "Lula não está lutando no campo dele; está travando uma eleição no campo adversário".

A gosma oriunda da campanha bolsonarista espalhou-se por toda a comunicação eleitoral, dos dois lados. Sob o "efeito Janones", a campanha lulista transitou da qualificação de "genocida", aplicada ao presidente desde a pandemia, para sugestões de que ele teria inclinações ao canibalismo e à pedofilia. Jogo empatado? Diferentes pesquisas, que registram discretas quedas nos índices de rejeição a Bolsonaro, indicam que não. O jogo "no campo adversário" sempre serve ao adversário – eis uma regra universal da política.

Ascânio Seleme - Mentir pode?

O Globo

O pleno do TSE ganhou uma responsabilidade que transcende esta eleição e marcará todos os pleitos de agora em diante

O Tribunal Superior Eleitoral terá de responder em decisão colegiada se candidatos podem mentir em campanhas eleitorais. A decisão será balizadora do futuro, de resto bastante ameaçado em razão da própria mentira que se transformou no principal capital eleitoral de Jair Bolsonaro. Ao remeter para o plenário a decisão sobre o pedido de direito de resposta feito pelo PT, a ministra Maria Cláudia Bucchianeri não apenas transferiu ao colegiado uma decisão que podia ser sua (e que foi até ela voltar atrás), mas deu ao pleno do TSE uma responsabilidade que transcende esta eleição e marcará todos os pleitos de agora em diante.

O caso submetido a Maria Cláudia Bucchianeri é restrito a afirmações formais feitas em inserções da campanha de Bolsonaro e que o PT julga mentirosas. Mas a decisão que o tribunal tomar ao se reunir para decidir a questão será mais ampla do que isso. Se o plenário não der o direito de resposta a ilações claramente falsas estará autorizando a mentira. A ministra voltou atrás da decisão inicial por não suportar a pressão política feita pela campanha e pelos partidos que apoiam o presidente. A obrigação do colegiado é ser mais forte e refratário a pressões do que um ministro individualmente.

Carlos Alberto Sardenberg - Onde buscar os votos que faltam?

O Globo

No primeiro governo, petista contou com a colaboração de líderes do agronegócio. Perdeu parte do apoio, mas tem como recuperá-lo

Então somos quase todos democratas, pelo Datafolha. Nada menos que 79% dos brasileiros, nível recorde, se declaram pela democracia. Mas certamente não se entendem na questão essencial: de que regime mesmo estamos falando?

Ocorre que 80% dos eleitores de Bolsonaro dizem apoiar a democracia. Considerando os votos do primeiro turno, isso dá quase 42 milhões. É claro que não todos, mas muitos desse grupo, a começar pelo próprio presidente Bolsonaro, acham que já existe uma quase ditadura no Brasil, a do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente quando se trata do ministro Alexandre de Moraes.

Portanto, para essa turma, fechar o Supremo ou afastar juízes dessa Corte seria defender a liberdade e, pois, a democracia.

Se alguém acha que isso faz sentido, pode se incluir naquele grupo.

Entre os eleitores de Lula, 78% manifestam preferência pela democracia. Também pela votação do primeiro turno, são quase 45 milhões de eleitores. Em números absolutos, mais que entre os bolsonaristas. Em proporção, menos, mas está, digamos, na margem de erro. É claro que não todos, mas muitos do grupo lulista acham que quem vota no Bolsonaro é fascista.

Pablo Ortellado - O TSE vira alvo

O Globo

Em caso de derrota, eles alegarão que perderam no tapetão

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomou uma série de medidas para tentar controlar a difusão de desinformação no segundo turno. O bolsonarismo reagiu acusando-o de parcialidade e ampliando os ataques à Justiça Eleitoral — usando até mais desinformação.

A Corte tomou três medidas na última semana para punir a onda de desinformação. A primeira, atendendo a um pedido da coligação de Lula, foi suspender a monetização de quatro grandes canais bolsonaristas no YouTube —Foco do Brasil, Folha Política, Brasil Paralelo e Dr. News — e impedir que as empresas que os administram impulsionem conteúdos sobre Lula ou Bolsonaro nas mídias sociais. A Brasil Paralelo sozinha gastou mais de R$ 700 mil em impulsionamento de conteúdos políticos apenas em outubro. Além disso, o TSE determinou o adiamento para depois da eleição do lançamento de um documentário da Brasil Paralelo sobre a facada em Bolsonaro.

Paulo Sternick* - Déficit de bom senso

O Globo

Primeiro turno sofreu influxo de reação primitiva do imaginário de um eleitorado aterrorizado pela ascensão da esquerda

Jorge Luís Borges dizia ser suficiente ler jornais a cada cem anos. Fatos realmente importantes aconteceriam raramente. Mas a vida mudou, e hoje o jornal — a mídia em geral — é indispensável fonte de informação e análise do peculiar e acelerado mundo que nos cerca. Trecho de uma letra de Dua Lipa, na música “Future nostalgia”, aponta para um assombroso espírito de mutação: “Eu sei que você está morrendo tentando me entender; meu nome está na ponta da sua língua; continua correndo na sua boca; você deseja uma fórmula, mas não aguenta meu som”.

O som do futuro pode ser inaudível, mas ensurdece. Estar na ponta da língua, sem conseguir dizer, resume o impasse entre o mal-estar e sua tradução simbólica. Somos atônitos prisioneiros de um indizível, soterrados em meio aos espectros do futuro. Mas nem tudo é obscuro. O recente artigo de Paul Krugman no New York Times — “Por que a libra britânica está tomando uma surra?” — é autêntica aula de economia e também de psicologia financeira. Pergunta Krugman:

— Então, o que explica a súbita queda da libra?

Uma resposta que lhe agradou veio do economista Dario Perkins, do centro financeiro de Londres:

— O problema com o orçamento não é seu impulso inflacionário, mas sua “idiotice”. Uma economia administrada por idiotas tem de pagar pelo “risco extra”.

Eduardo Affonso - O Brasil mais profundo

O Globo

Um país arcaico, avesso à mudança, agarrado à propriedade privada, obcecado com segurança

Uma justificativa para que sejam Lula e Bolsonaro os candidatos que chegaram ao segundo turno é que, cada um a seu modo, ambos representam o Brasil profundo.

Um Brasil arcaico, avesso à mudança, agarrado à propriedade privada, obcecado com segurança, refém dos valores herdados dos tataravós — um Brasil simples, que se veria traduzido num homem comum, como Bolsonaro. Ou um Brasil que luta contra a adversidade, a miséria, o desamparo e anseia por um líder messiânico, carismático, um pai dos pobres — um Brasil humilde, que se reconheceria num homem do povo, como Lula.

Mas Bolsonaro não é simples: é simplório. Lula não é do povo: é populista.

O Brasil profundo não tem nada a ver com esse das profundezas de onde emergiram janones, tiburis, nikolas, kicis, damares, zambellis, ninas, bolsonaros. O Brasil profundo é conservador, não reacionário. É religioso, não fanático. Quer justiça, não justiçamento. Prefere a liberdade à ditadura, o honesto ao corrupto, o sincero ao hipócrita, o sério ao fanfarrão. Não gosta da mentira, tampouco simpatiza com a censura. Cadê esse Brasil no segundo turno?

João Gabriel de Lima* - A direita e a ‘direita do B’

O Estado de S. Paulo

Direita e esquerda se uniram por achar que é hora de voltar a conversar sobre problemas concretos

A direita brasileira se dividiu. Uma parte está com Bolsonaro, outra apoia Lula. O cisma nas direitas, que surpreendeu os brasileiros, é fenômeno mundial. Na Europa, já faz algum tempo que a política deixou de ter dois lados. O espectro ideológico se divide em três: esquerda, direita e direita radical – ou “populist radical right” (PRR), no jargão dos cientistas políticos.

A direita tradicional diverge da esquerda em temas econômicos: prefere o setor privado como motor da economia, e não o Estado, e vê a prosperidade como principal fator de inclusão social, e não as políticas distributivas. O partido que representa a direita na Espanha é o PP, Partido Popular. Em Portugal é o PSD, Partido Social Democrata. No Brasil, os votos da direita costumavam desembocar no PSDB.

A direita radical tem pouco em comum com a tradicional. Seu foco são a guerra cultural e o ataque aos consensos do mundo moderno. Na Europa, opõe=se ao multiculturalismo e defende restrições à imigração. Na América Latina, a obsessão é a pauta de costumes – a expressão “ideologia de gênero”, pouco usada na Europa, foi criada num congresso episcopal no Peru.

Adriana Fernandes - Consignado, caldeirão prestes a explodir

O Estado de S. Paulo 

Consignado do Auxílio Brasil se transformou em ferramenta de campanha

Os beneficiários do programa Auxílio Brasil são alvo de um verdadeiro bombardeio de fake news nessa reta final das eleições presidenciais. A artilharia pesada tem causado pânico e medo na população mais vulnerável do País.

A escalada das notícias mentirosas atreladas às eleições por conta do crédito consignado vinculado ao programa social atingiu um exacerbado grau de desfaçatez e crueldade com essa população de baixa renda.

Atraídos para grupos fechados de Whatsapp, os beneficiários do Auxílio Brasil, que estão literalmente desesperados para receber o dinheiro do consignado – a despeito do custo altíssimo, com juros de mais de 50% ao ano –, ficam à mercê das mentiras de toda a sorte que circulam aos milhões nas redes sociais.

Quem acompanha nos grupos abertos ou consegue entrar nos fechados pode identificar o estado de caos social que está se formando em torno do empréstimo.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Apoio recorde à democracia tem de ser lido com cautela

O Globo

Repúdio à ditadura atinge maior nível desde 1989, mas não está claro como brasileiro define regime democrático

É sem dúvida um alento saber que, a poucos dias do segundo turno das eleições, o apoio à democracia atingiu no Brasil o ápice na série histórica medida pelo Datafolha desde 1989. No indicador mais relevante, apenas 5% afirmam que “sob algumas circunstâncias” uma ditadura pode ser melhor (eram 20% em 2018 e 12% em 2020). Para 79% dos entrevistados, a democracia é sempre melhor que qualquer outra forma de governo.

O repúdio à ditadura é maior entre os brasileiros que no resto da América Latina. De acordo com os últimos dados disponíveis no Latinobarómetro, apurados em 2020, 24% dos paraguaios, 22% dos mexicanos, 13% dos argentinos e 12% dos chilenos aceitariam uma ditadura “sob algumas circunstâncias” (na média latino-americana, eram 13%). Num país com histórico recente de regime ditatorial, em meio à guerra suja da campanha eleitoral, os resultados são motivo para comemoração.

Mesmo assim, a leitura da pesquisa exige cautela. Ela não revela o que cada entrevistado entende por democracia. É bem possível que a maioria apoie o regime democrático pensando estritamente no direito de depositar seu voto na urna. Embora primordiais, eleições não encerram a questão, pois infelizmente não impedem que democracias sejam solapadas. Consultas populares de Hugo Chávez na Venezuela ou Viktor Orbán na Hungria sufocaram a oposição. Manipulando a opinião pública , ambos eternizaram seus regimes no poder. As ditaduras com tanques nas ruas saíram de moda. Até o russo Vladimir Putin se dá ao trabalho de realizar eleições periódicas.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Um boi vê os homens

 

Música | Verônica Ferriani e Swami Jr. - Corsário (João Bosco e Aldir Blanc