A boa notícia para o ex-ministro Luiz Gushiken, que foi retirado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, do rol dos acusados pelo mensalão, é uma má notícia para José Dirceu, outro ex-ministro de Lula, confirmado como "chefe da quadrilha" montada a partir do Palácio do Planalto para comprar apoio político no Congresso.
Dirceu alardeava em conversas em Brasília que não havia contra ele qualquer prova nos autos e estava certo de que seria absolvido.
O procurador-geral, ao admitir que não encontrou provas que ligassem Gushiken ao uso de verbas públicas no esquema do mensalão, dá uma demonstração de imparcialidade que faz com que as acusações contra os demais 36 réus, especialmente Dirceu, ganhem peso técnico e moral.
O tempo, ao contrário do que esperavam, conspira contra o PT e sua principal liderança, o ex-ministro José Dirceu.
Nada poderia ser pior para os dois do que o retorno ao centro do noticiário político de escândalos de corrupção, sejam os "aloprados", sejam os mensaleiros.
A coincidência de as alegações finais do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, serem divulgadas no mesmo período em que novas denúncias de corrupção surgem contra o PR do mensaleiro deputado Valdemar Costa Neto, e pouco depois de novas revelações sobre a compra de dossiês por parte do PT na eleição de 2006, coloca por terra a tentativa dos últimos meses de reabilitar os petistas envolvidos no mensalão.
A manobra de José Dirceu parecia bem arquitetada. Um a um, os principais líderes petistas estavam sendo reabilitados, a começar por ele próprio, que, mesmo sem assumir um cargo oficial no PT, faz questão de exibir seus poderes políticos e influência no governo, e anda pelo país de jatinho particular no papel de "consultor".
O principal acusado no processo do mensalão, ao lado de Dirceu, é o ex-tesoureiro Delúbio Soares, que foi reincorporado ao PT com o apoio de 70% do Diretório Nacional.
O deputado João Paulo Cunha, mesmo sendo réu no mensalão, foi indicado pelo partido para presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
O ex-deputado José Genoino, que presidia o PT na época do mensalão, perdeu a eleição, mas foi nomeado assessor especial do Ministério da Defesa.
Mas esses fatos consumados apresentados à opinião pública como uma maneira de constranger o procurador-geral da República e o próprio Supremo Tribunal Federal não surtiram o efeito desejado.
Bem ao contrário, o procurador chama a atenção em suas alegações finais de que José Dirceu continua muito poderoso no esquema petista, como a ressaltar que ele se considera acima da lei.
No seu documento, Roberto Gurgel não aliviou as acusações a Dirceu, chamando-o formalmente de "chefe da quadrilha", como já o havia classificado o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza, que iniciou o processo no Supremo:
"As provas coligidas no curso do inquérito e da instrução criminal comprovaram, sem sombra de dúvida, que José Dirceu agiu sempre no comando das ações dos demais integrantes dos núcleos político e operacional do grupo criminoso. Era, enfim, o chefe da quadrilha", afirma Gurgel.
Sobre Dirceu, afirmou ainda: "Foi o mentor do esquema ilícito de compra de votos e, como líder do grupo, determinou as ações necessárias à consecução do objetivo que justificou a união de todos os agentes, seja no que dizia respeito às negociações travadas com os parlamentares e líderes partidários, seja na obtenção dos recursos necessários ao cumprimento dos acordos firmados. Exercia notória ascendência sobre os demais agentes, especialmente os dirigentes do Partido dos Trabalhadores que integravam a sua corrente política."
O acordo que o então secretário do PT, Sílvio Pereira, fez com a Justiça para sair da relação dos réus - ele está prestando serviços comunitários - é uma admissão de culpa, pois ele continuou sendo incluído como membro da quadrilha pelo procurador-geral, porque pela legislação penal só se tipifica o crime de formação de quadrilha com mais de três participantes.
Segundo Roberto Gurgel, ele também participava das negociações com políticos. "Sílvio Pereira atuava nos bastidores do governo, negociando as indicações políticas que, em última análise, proporcionariam o desvio de recursos em prol de parlamentares, partidos políticos e particulares."
Sobre a "quadrilha" em si, Gurgel não tem dúvidas: "As provas que instruem a presente ação penal comprovaram que os acusados associaram-se de modo estável, organizado e com divisão de trabalho, para o cometimento de crimes contra a administração pública, contra o sistema financeiro, contra a fé pública e lavagem de dinheiro."
Os novos-velhos escândalos do Ministério dos Transportes, onde quem manda e desmanda é o PR do deputado Valdemar Costa Neto, trouxeram à tona novamente os mesmos esquemas que foram a origem do mensalão.
Na encarnação anterior no PL, o deputado protagonizou a primeira venda explícita de apoio político para, em troca de R$10 milhões, assumir a vice-presidência na chapa de Lula em 2002 através do empresário José Alencar.
Fica cada vez mais difícil a tarefa que o ex-presidente Lula bravateou ser sua prioridade ao deixar o Palácio do Planalto: provar que o mensalão nunca existiu, foi uma armação política contra seu governo.
Ele, que no auge da crise em 2005 chegou a dizer-se traído e pediu desculpas pelo acontecido, com o passar do tempo recuperou o sangue-frio e tentou, apenas na base do discurso, apagar da História o que o procurador-geral da República classifica como "um plano criminoso voltado para a compra de votos dentro do Congresso Nacional. Trata-se da mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber".
FONTE: O GLOBO