Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO
As exportações brasileiras para a China cresceram 135% só em março e fecharam o trimestre com alta de 63%. O país já é o segundo maior mercado brasileiro lá fora, atrás apenas dos EUA, mas o governo parece não entender a oportunidade.
A visita que o presidente Lula fará à China em maio terá apenas dois dias, menos tempo do que na Turquia, que era uma “parada técnica”.
Ainda não existe uma agenda para a viagem do presidente à China, o que dificulta a mobilização de empresários brasileiros e chineses, apesar de ontem ter terminado uma reunião de dois dias do Ministério do Desenvolvimento com os chineses.
Para o secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Rodrigo Maciel, o governo quer deixar claro que está descontente com a falta de investimentos e as dificuldades de acesso ao mercado de carnes chinês e que, dessa forma, desconfia se o país realmente considera o Brasil como parceiro estratégico.
Mas duvida que esta é a melhor forma de lidar com eles.
— Parece birra. Dizem que é de propósito, para mostrar insatisfação, mas não pode ser assim. Esta resposta, com a viagem, vai ser desastrosa.
Não vai ajudar em nada, e justo na hora em que a China está mostrando interesse na América Latina.
Só no primeiro trimestre, as exportações brasileiras para a China somaram US$ 3,4 bilhões, apenas US$ 200 milhões a menos que para os Estados Unidos, o maior comprador dos produtos brasileiros. O CEBC fez um estudo e constatou que dos produtos que os chineses compram, o Brasil poderia exportar 619 para lá. Destes, 147 poderiam ser vendidos rapidamente, “hoje mesmo”, segundo Maciel, como alimentos, toda a parte de produtos lácteos, carnes, cosméticos, produtos de higiene, autopeças, todo o setor de metalurgia, máquinas e eletroeletrônicos. A expectativa dos empresários era elevar as exportações brasileiras para 3% do total que a China importa até 2010, passando de US$ 16,4 bi em 2008 para US$ 30 bi em 2010, ampliando os produtos.
— Não vamos conseguir.
Podemos chegar no valor, mas com mais exportações de minério, soja e petróleo, sem diversificar a pauta. O valor é importante, mas é preciso diversificar. Com essa postura do governo, a China vai continuar comprando commodities aqui e ponto.
Negociar com a China é diferente, porque tudo passa pelo governo. É preciso que o país leve os empresários para lá e mostre a disposição de se tornar um parceiro comercial.
Os governos devem fazer parte deste processo, mostrando aos chineses as oportunidades de investimento.
Em 2008, por exemplo, a Espanha mandou ao país 42 missões empresariais, com o apoio oficial. O México também ampliou as conversas e o comércio com a China já cresceu cerca de 20% no primeiro trimestre de 2009.
— As exportações brasileiras para a China subiram, em março houve uma corrente de comércio absurda, eles já são o segundo maior parceiro no comércio internacional. Mas a atitude do governo é como se eles fossem um país irrelevante — diz Maciel.
A China iniciou diálogos estratégicos com alguns países, entre eles o Brasil, em 2007. De lá para cá, apenas duas reuniões entre brasileiros e chineses foram realizadas, contando com a desta semana, enquanto representantes dos Estados Unidos se encontram seis vezes ao ano com eles. Os EUA conseguiram a abertura do mercado chinês para produtos farmacêuticos e aviação comercial e a adoção de projetos de controle de emissão de dióxido sulfúrico pelo governo chinês, por exemplo.
Segundo Maciel, o Brasil não corre o risco de se tornar alvo de dumping da China caso reconheça a economia do país como de mercado, um dos assuntos que devem ser debatidos. O que tem problema, para ele, é exatamente não reconhecer, desde 2004, a economia chinesa como de mercado.
— Se tiver dumping, faz processo, investiga e, se resolver corretamente, não vai ter prejuízo para a relação.
O que prejudica é o governo não se mostrar disposto a negociar.
Até para se defender das exportações chinesas, que chegam mais baratas a diversos países e tomam mercado brasileiro, a saída seria a parceria com a China. Ontem mesmo eles aumentaram a devolução de impostos aos produtos têxteis exportados.
— Existem projetos de integrar a cadeia de produção chinesa com outros países, como os da América Latina.
Um exemplo seria o setor automotivo. Há discussões no BID para eles financiarem empresas da América Latina para elas serem fornecedoras das indústrias chinesas.
Aqui, a Vale e a Baosteel tinham um projeto na área de siderurgia, mas ele naufragou em janeiro. A Vale, aliás, está com dificuldades para negociar a venda de minério e já perdeu mercado para concorrentes indianos pelo aumento de preços no fim de 2008.
— Os chineses estão deixando claro que vão procurar outros fornecedores, mas eles sabem que não podem ficar sem a Vale.
A China é um dos poucos países que cresce neste momento, é objeto de desejo de todos os mercados mundiais.
É um desses fatos inevitáveis da vida atual. O presidente Lula ir lá é uma boa decisão; encurtar a visita e dar mais tempo à Turquia, para quem a gente vendeu só US$ 85 milhões neste ano, é uma esquisitice que só mesmo a diplomacia do governo Lula pode explicar.
Com Leonardo Zanelli