Para
economista, é preciso superar o arcabouço analítico anacrônico e equivocado que
impõe o equilíbrio fiscal como o único objetivo de política econômica
- Adriana
Fernandes | O Estado de S. Paulo
O
economista André Lara Resende é hoje uma voz dissonante do pensamento
econômico dominante no Brasil. Quinto entrevistado da série do Estadão "Saídas
para a Crise Fiscal”, Lara Resende afirma que o investimento público é
hoje muito mais importante do que a política de juros como resposta
para a retomada econômica após a pandemia do coronavírus e
também para o desenvolvimento de longo prazo do País.
Um
dos formuladores do Plano
Real e com a experiência de ter trabalhado mais de 30 anos no mercado
financeiro, Lara Resende propõe a criação de um órgão, protegido de
"pressões políticas ilegítimas", para definir os investimentos
públicos. Para ele, essa é hoje uma medida mais valiosa do que um Banco
Central independente.
O
economista alerta que até agora não houve uma única iniciativa, nem mesmo
propostas, de políticas públicas para garantir uma recuperação sustentada,
uma vez superada a pandemia. Ambientalista, Lara Resende diz que é
incompreensível a postura do governo Jair Bolsonaro em
relação à questão ambiental, considerada por ele o mais grave problema a ser
enfrentado pela humanidade, e que compromete o Brasil no exterior.
● Como o sr. avalia a
resposta do governo à pandemia da covid-19?
A
resposta à pandemia foi conturbada, incompetente e negacionista no todo. Quanto
à política econômica, apesar de alguma hesitação inicial, com o auxílio de
emergência, o governo acabou por dar uma resposta que aliviou temporariamente a
situação dos que perderam o emprego ou a renda. O auxílio
emergencial foi fundamental para aliviar a recessão e a crise social
provocada pela pandemia. Até agora não houve uma única iniciativa, nem mesmo
propostas, de políticas públicas para garantir uma recuperação sustentada, uma
vez superada a pandemia. Quando a pandemia parece recrudescer, volta-se a falar
na necessidade de encerrar o auxílio em nome do equilíbrio fiscal. Mais uma
demonstração clara de que o governo continua dominado por restrições
ideológicas.
● Uma das
preocupações no Brasil é justamente o crescimento da dívida, que caminha para
100% do PIB. É um problema?
Trata-se
de uma preocupação infundada. Em várias ocasiões na história, sobretudo depois
de guerras ou catástrofes, inúmeros países tiveram dívidas superiores ao PIB.
Hoje, Japão, EUA, Itália, entre outros, têm dívida superior ao PIB. A dívida
pública não pode ter uma trajetória explosiva, mas, desde que o seu crescimento
acelerado seja transitório, que passada a crise, com as contas reequilibradas e
restaurado o crescimento da economia, a relação entre dívida e PIB volte a
cair, não há qualquer problema em ultrapassar os 100% do PIB.
● Existe um limite
para a dívida?
Não
existe um limite intransponível para a dívida interna e o PIB. O endividamento
externo, que depende de financiamento do exterior em moeda estrangeira, é sim
perigoso. Como aprendemos com as sucessivas crises da dívida externa no século
passado, quando os credores internacionais passam a ter dúvida sobre a
capacidade do País de honrar seus compromissos em moeda estrangeira, a súbita
interrupção do fluxo de financiamento pode provocar crises gravíssimas. No
século passado, o Brasil era importador líquido de petróleo e derivados, assim
como de trigo e outras commodities (produtos classificados como
básicos por não ter tecnologia envolvida ou acabamento). Precisava de
financiamento externo para cobrir o déficit com o resto do mundo. Hoje, somos
autossuficientes em petróleo, exportadores líquidos de commodities e temos um
setor agropecuário altamente superavitário. O Brasil de hoje não tem dívida
pública externa, ao contrário, tem quase 30% do PIB em reservas
internacionais. A nossa dívida é interna, do Estado com os brasileiros.