segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

Nós estamos num momento de uma grande virada. A democracia brasileira criou condições de se enraizar. Mais agora do que em qualquer outro momento. Está claro para a sociedade, eu penso, que as reformas e as mudanças sociais derivam do processo eleitoral – e não de ações externas ao processo eleitoral. Vale dizer: as eleições no Brasil são uma forma superior de luta da agenda social. As pessoas vizualizaram, por experiência própria, que o caminho de conquistas sociais está no aprofundamento da democracia política.

Luiz Werneck Vianna, sociólogo e professor-pesquisador da PUC-Rio, entrevista na revista Época: “Plebiscito sobre reforma política jogaria o país num labirinto”

Temer reúne o PMDB para marcar liderança

• Vice-presidente defenderá reforma política e tentará evitar Eduardo Cunha na presidência da Câmara

Simone Iglesias – O Globo

BRASÍLIA -Antes de se ver emparedado por correligionários em busca de cargos no governo, o vice-presidente, Michel Temer (PMDB), buscará costurar o compromisso dos deputados e senadores de seu partido com a reforma política. Amanhã, ele receberá governadores e parlamentares eleitos, ministros e dirigentes em um jantar no Palácio do Jaburu. O objetivo é reafirmar sua liderança sobre o partido depois de sair fortalecido das urnas com a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT). Na quarta-feira, numa nova rodada, Temer reunirá o Conselho Nacional do PMDB, formado por 67 dirigentes, para definir pontos da reforma e deixar clara a posição contra a regulação da mídia.

Como forma de manter o controle, Temer decidiu que não se licenciará novamente da presidência do PMDB, exercendo a função paralelamente à vice-presidência. Ele preside a sigla desde 2001, se licenciou em janeiro de 2011 e reassumiu o cargo em julho, dias antes da convenção nacional, porque um grupo defendia o rompimento com Dilma.

Candidatura de Cunha preocupa
Além do compromisso com a reforma política, preocupa Temer e o Palácio do Planalto a candidatura do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara. Ele foi reconduzido à liderança da bancada e já tem apoio dos deputados do partido e de outras legendas. Cunha tem um histórico de conflitos com o governo Dilma. A presidente já pediu ao vice que tente evitar a eleição dele.

A direção do PMDB apresentará um cronograma para discussão da reforma política, sugerindo que, primeiro, o partido ajude a viabilizar o projeto de iniciativa popular do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. A partir desse texto e com alterações feitas pelo Congresso, o projeto iria a referendo popular. Só em último caso, por falta de acordo e demora do Congresso, a reforma se viabilizaria por plebiscito. A fórmula foi apresentada por Temer a Dilma na quarta-feira passada. Foi a partir dali que a presidente passou a modular suas declarações sobre o tema.

- O PMDB vai incorporar a reforma política como programa de partido. Vamos adotá-la e discuti-la para que ela finalmente se viabilize - disse o presidente da Fundação Ulysses Guimarães, deputado Eliseu Padilha (RS).

Nos debates dos peemedebistas, entrará ainda um ponto que coloca PT e PMDB em oposição: a regulação da mídia.

- Nós não aceitamos quebra da liberdade de imprensa. Não vamos aceitar. É um princípio. Nós, do PMDB, derrubamos uma ditadura, e a presidente Dilma também teve alguns anos presa, foi torturada para garantir a liberdade de imprensa. Nós não vamos, e creio que ela também, não vai abrir mão disso - afirmou o ministro Moreira Franco (Aviação Civil).

No Congresso, dizem os peemedebistas, não há chance desse tema prosperar, mas é preciso diálogo e permanente atenção para impedir que a regulação comece a ser operada via Executivo, por meio de decretos.

- A imprensa precisa ser independente não só da tutela estatal, mas das forças econômicas. A pretensão de abolir o direito à liberdade de expressão é totalmente imprópria. Quem regula, gosta, rejeita ou critica é o consumidor da informação. Ele é quem faz isso e somente ele. O único controle tolerável é o controle remoto - reafirmou o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

O PMDB detém o controle de cinco ministérios: Agricultura, Minas e Energia, Previdência, Turismo e Aviação Civil. A sigla brigará para mantê-los e tentará ampliar sua participação, tanto em número como em poder dentro das pastas.

A cúpula do PMDB trabalha pela manutenção de Moreira Franco e Vinícius Lages (Turismo), para que Eliseu Padilha volte à Esplanada, após ter sido ministro do governo Fernando Henrique Cardoso. Ainda quer as indicações de Josué Alencar (filho do ex-vice-presidente José Alencar) e da senadora Kátia Abreu (TO). Esses dois últimos, para alguns peemedebistas, entrariam na cota pessoal de Dilma, mas de qualquer forma, são dois nomes de peso do partido e, no ministério, podem acomodar dezenas de correligionários.

PMDB cobra de Temer mais espaços no governo federal e nos Estados

César Felício - Valor Econômico

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer procura manter o controle sobre o PMDB, em meio à ressaca eleitoral provocada pela derrota de diversas lideranças do partido e da consolidação da candidatura à presidência da Câmara do líder da bancada de deputados, Eduardo Cunha. Temer, que é presidente nacional do PMDB, convocou uma reunião do conselho político da sigla no próximo dia 5 oficialmente para discutir a reforma política. O encontro, entretanto, deve formalizar o projeto de candidatura presidencial própria em 2018.

"A hora é agora, se depender de mim. Precisamos tirar uma diretriz porque uma candidatura não se constrói em menos de três anos e nem abrindo um leque de candidatos. E o conselho é instância habilitada para tratar disso", afirmou o senador Valdir Raupp (RO), primeiro vice-presidente da sigla e ligado a Temer.

Ao acenar com a perspectiva de concorrer na eleição presidencial de 2018, para a qual o partido não conta com nenhum nome viável por enquanto, Temer sinaliza que o PMDB tentará negociar seu espaço na reforma ministerial em uma posição de força, o que agrada a ala insatisfeita com o governo. A pretensão de Cunha não deve ser confrontada. "Esta coisa do Cunha não ter o aval da cúpula do PMDB para postular a presidência da Câmara está no campo da especulação", disse Raupp.

A relação entre Temer e Cunha ficou estremecida durante a campanha eleitoral quando o líder do PMDB na Câmara disse, no dia 16 durante entrevista ao portal UOL, que dificilmente Temer conseguiria continuar conduzindo o partido caso a presidente perdesse a reeleição. A declaração irritou o vice, que disse que, por esta lógica, Cunha teria dificuldades em permanecer como líder e ser presidente da Câmara, caso Dilma se reelegesse. Durante a eleição, em que Temer figurou com destaque na chapa, Cunha declarou-se formalmente neutro.

O PMDB acumulou derrotas estaduais na eleição, em que Temer conseguiu manter a coligação com o PT com 43% dos votos contrários na convenção da sigla. Perderam a eleição local os senadores Romero Jucá (RR), Jader Barbalho (PA), Eunicio Oliveira (CE), Roberto Requião (PR); o ministro de Minas e Energia Edison Lobão MA), o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), entre outros. O processo deixou sequelas e aumentou a pressão dos dirigentes sobre o vice-presidente.

"O PMDB precisa se reciclar. Tem que estar unido para ascender, não para ser rebaixado. O partido precisa se sintonizar com a aspiração popular e o que vimos foi um processo eleitoral acirrado, com alto nível de abstenção. Quem classifica a candidatura do Eduardo Cunha como um movimento de oposição ao governo erra. Ele expressa a bancada. O vice-presidente sabe que o PMDB transcende o mandato de Dilma", disse o senador Romero Jucá, terceiro-vice-presidente, cujo filho foi derrotado como vice-governador.

O primeiro estremecimento entre o PMDB e o governo aconteceu no própria dia da reeleição de Dilma. No discurso da vitória, a presidente relançou a tese de plebiscito para a reforma política, cujo rechaço é consensual dentro do PMDB. A sigla reagiu, trabalhando para a aprovação do projeto que revoga o decreto presidencial sobre conselhos populares na administração pública.

Em seguida, Henrique Eduardo colocou na agenda da Câmara um projeto de reforma política que ignora as sugestões do Planalto. Em paralelo, Cunha foi reconduzido à liderança da bancada na Câmara sem contestações. "Nós já respondemos e não se pode ficar em uma relação de tapas e beijos. A bola está com a Dilma", disse Jucá.

A questão da reforma ministerial é outro ponto que eleva a pressão do partido contra Temer. Os dirigentes da sigla veem com desagrado a possibilidade do vice-presidente definir diretamente com Dilma quais serão os novos integrantes do PMDB que irão compor o ministério.

"Nós temos diversas situações regionais em que espaços de convivência precisam ser construídos. Na Bahia perdemos para o PT. No Rio Grande do Norte, perdemos para uma aliança integrada pelo PT, em que foi rompido um pacto de neutralidade. É preciso acomodar o poder a essa nova realidade", disse o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que perdeu a eleição para o Senado na Bahia, aliado ao DEM e ao PSDB. Geddel é primeiro-secretário do partido.

Um dos nomes do PMDB cotados para o ministério é o do deputado Eliseu Padilha (RS), em fim de mandato. Padilha liderou uma dissidência no PMDB gaúcho a favor da reeleição de Dilma. No Estado, a maioria do partido apoiou a candidatura de Marina Silva (PSB) à Presidência e no segundo turno fechou com Aécio Neves (PSDB). Padilha é visto como um nome da cota pessoal de Temer, que já conta no ministério com o titular da Aviação Civil, o ex-governador do Rio de Janeiro Wellington Moreira Franco. A bancada de deputados na Câmara no momento não tem representantes no ministério. A do Senado controla as pastas de Minas e Energia e Turismo.

Cunha reúne 'blocão' para tentar isolar PT na Câmara

• Deputado do PMDB tenta viabilizar candidatura à presidência da Casa

• Encontro nesta terça também deve discutir aprovação da PEC da Bengala, sobre aposentadoria de juízes

Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - De olho na presidência da Câmara dos Deputados em 2015, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) convocou, para esta terça-feira (4), uma reunião de líderes do chamado "blocão", visando articular apoio à sua candidatura e isolar o PT.

Além do PMDB, integram o "blocão" PTB, PR, PSC e Solidariedade. Esse conjunto de partidos vem sendo costurado por Cunha, que tenta montar uma bancada capaz de se impor numericamente em votações na Casa e que tenha peso para conquistar espaços na Mesa Diretora e em comissões importantes.

Na nova legislatura, eleita em outubro e que toma posse no ano que vem, os partidos do grupo terão, somados, 160 parlamentares. Na Câmara atual, são cerca de 180 dos 513 deputados da Casa.

A ideia de Cunha é reunir o máximo de apoios entre os colegas na Câmara para desidratar uma possível candidatura petista em fevereiro.

Procurado pela Folha, Cunha disse que as reuniões são rotineiras, mas confirmou que, além da pauta da semana, o assunto sobre a sucessão estará em discussão.

A bancada do PMDB rejeita reeditar o acordo de rodízio entre o partido e o PT no comando da Câmara, costurado no começo do mandato de Dilma Rousseff, em 2010. Hoje, o PMDB comanda as duas casas no Congresso.

Nos bastidores, peemedebistas alegam não ser saudável o PT, que controlará o Executivo por mais quatro anos com a reeleição de Dilma, também comandar o Legislativo.

O líder do PMDB é desafeto do Palácio do Planalto, que, internamente, considera que o deputado age como líder da oposição"" na Casa. O partido de Dilma deve lançar um nome contra a candidatura de Eduardo Cunha.

Entre os cotados estão os ex-presidentes da Casa Arlindo Chinaglia (SP) e Marco Maia (RS), além do ex-líder da bancada José Guimarães (CE).

Ministros de Dilma ouvidos pela Folha admitem, no entanto, que se o PT lançar candidato, Cunha deve derrotá-lo. Isso porque, segundo eles, a legenda não teria uma base de sustentação como a do peemedebista.

Uma das hipóteses aventadas pelo governo é o PT abrir mão da candidatura própria para apoiar um nome competitivo contra Cunha. "O problema é achar quem tope", resigna-se um auxiliar da presidente, pedindo anonimato.

No primeiro mandato de Dilma, o deputado fluminense foi adversário do governo em diversas votações na Câmara. Em alguns casos, ele armou rebeliões e mediu forças --e sempre preservou pontes com a oposição.

Partidos como PSDB, DEM, PPS e PSB ainda não definiram posição na eleição e estão abertos a negociações com o peemedebista.

PEC da bengala
Outro tema que será discutido na terça-feira pelos líderes, segundo Cunha, é a chamada PEC da Bengala, proposta de emenda à Constituição que eleva de 70 para 75 anos a idade limite para a aposentadoria em tribunais.

Como a Folha revelou no sábado (1º), ministros de tribunais superiores --como Gilmar Mendes (STF) e Joaquim Falcão (STJ)-- articulam a aprovação da emenda com líderes do Congresso.

Ela tiraria de Dilma a chance de nomear cinco novos ministros do STF até o fim de seu segundo mandato, em 2018.

A proposta, aprovada em 2005 pelo Senado, aguarda votação no plenário da Câmara desde 2006.

Parlamentares ouvidos pela Folha disseram que a ideia é aguardar a aposentadoria de José Jorge no TCU (Tribunal de Contas da União), em novembro, para evitar que a aprovação seja associada a uma manobra para favorecê-lo. Jorge, que completa 70 anos em 2014, tornou-se desafeto do Planalto.

As bancadas aliada e de oposição

Governista
304 cadeiras
(PT, PMDB, PSD, PP, PR, PROS, PDT e PC do B)
Oposição no 2 º turno
209 cadeiras
(PSDB, DEM, SD, PTB, PSB, PRP, PPS e PV)

Onda de fusões partidárias promete iniciar 2015 em alta

• Movimentos em busca de mais tempo de tevê, de fortalecimento institucional e de aumento da bancada no parlamento levam siglas, como PSD, Pros, PPS, Solidariedade e PSB, a cogitarem incorporações em 2015

João Valadares – Correio Braziliense

Para garantir a sobrevivência política de algumas siglas ou fortalecer blocos governistas e oposicionistas, a onda de fusões partidárias promete iniciar 2015 em alta. Na base de sustentação de apoio ao segundo governo da presidente Dilma Rousseff, a principal manobra começa a ser feita pelo ex-prefeito de São Paulo e presidente do PSD, Gilberto Kassab. Ele pretende recriar o Partido Liberal (PL), atrair parlamentares que estão insatisfeitos na oposição e, depois, fundir a legenda ao PSD. Para aumentar a sua musculatura, o recém-criado Pros tenta atrair o PDT e o PCdoB. Na oposição, mesmo com divergências e dificuldades impostas pelas regras eleitorais, existe ainda a possibilidade remota de uma fusão entre PPS, Solidariedade e PSB.

Até o momento, a estratégia mais avançada é a que foi traçada por Kassab, bastante cotado para assumir o Ministério das Cidades. O plano é pragmático e já está em curso. A recriação do PL é um mecanismo para driblar as regras eleitorais sem cometer ilegalidades de fato. Em 2011, quando fundou o PSD, muitos parlamentares queriam migrar para a nova legenda, no entanto, não havia segurança jurídica que garantisse o tempo de televisão para que pudessem concorrer nas eleições municipais de 2012. Às vésperas do prazo final, o TSE decidiu favoravelmente e determinou que o PSD teria direito ao tempo para a disputa do pleito.

O problema é que já havia se esgotado o prazo de filiação partidária, um ano antes da disputa eleitoral. Agora, uma resolução do TSE diz que uma nova agremiação não pode incorporar o tempo de propaganda de rádio e televisão da legenda antiga sem realizar a fusão. É aí que entra o plano de Kassab. Os parlamentares pulam para o partido novo, no caso o PL, e o mesmo se funde ao PSD, dando ao parlamentar os minutos tão desejados de propaganda eleitoral.

Campanha busca apoio da população por reforma política

• Críticos da paralisia do Congresso, OAB, CNBB e outras 97 organizações da sociedade civil lançam iniciativa nesta terça-feira para coleta de assinaturas para reforma política

Bertha Maakaroun -Estado de Minas

A inércia do Congresso Nacional para buscar consenso em torno da esperada reforma política põe em alerta entidades da sociedade civil que, comandadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), decidiram fazer a matéria avançar na próxima legislatura por meio de projeto de iniciativa popular. A campanha nacional para a coleta de assinaturas será lançada nesta terça-feira, em Brasília, na sede do Conselho Federal da OAB.

“Se a iniciativa não for popular, a mudança não sairá do papel”, afirma o presidente da OAB de Minas, Luís Cláudio Chaves, em referência ao fato de só na última década já terem sido constituídas três comissões especiais no Congresso Nacional, cujos anteprojetos propostos a partir de inúmeras audiências públicas e debates terminaram esquecidos. “Dali não sai. Os parlamentares foram eleitos por esse sistema de regras. Não têm interesse em mudar”, considera Luís Cláudio Chaves.

O momento é oportuno para rearticular as mudanças. Já em seu primeiro discurso após as eleições, a presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) propôs a reforma por meio de plebiscito. A ideia não agradou a muitos no Congresso Nacional. Entre as reclamações a meia boca, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), indicou como “caminho” a aprovação de uma proposta no Legislativo, submetida a referendo popular. Em autocrítica, o próprio Renan reconheceu “uma unanimidade estática, onde todos são favoráveis, mas ela nunca prospera”.

OAB e CNBB, velhas parceiras que patrocinaram, depois da redemocratização, por meio de projetos de iniciativa popular, as mudanças mais importantes na legislação eleitoral – o projeto Ficha Limpa e o projeto de cassação por compra de votos –, estão à frente da mobilização pela reforma política desde o ano passado. Após as manifestações de rua, as duas entidades, encabeçando a plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema político, e outras 97 organizações da sociedade civil se intitularam “Coalizão pela reforma política”. Elaborado o anteprojeto, dão início agora à coleta de assinaturas, dispostos a levar a matéria à pauta na legislatura que se inicia em fevereiro do ano que vem.

Manifestações
O movimento ganha força porque o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento ainda em curso de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Conselho Federal da OAB, já sinalizou com as manifestações de seis ministros que será considerado inconstitucional o financiamento de campanhas eleitorais por empresas. Um dos argumentos da ação é o de que a Constituição define em seu artigo primeiro, parágrafo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Para a OAB, as empresas, não sendo “povo”, não podem ser fonte do poder.

As pessoas jurídicas responderam nas eleições de 2010 por cerca de 70% do conjunto do financiamento de R$ 3,3 bilhões em valores nominais – R$ 4,10 bilhões em valores corrigidos despendidos nas campanhas de 22.538 candidatos em todo o país. Os valores gastos nas campanhas deste ano só serão divulgados a partir desta terça-feira, prazo final para a prestação de contas do primeiro turno. “Se confirmada a decisão do STF, o Legislativo poderá até tentar reação na direção oposta, aprovando emenda à Constituição Federal autorizando o financiamento privado”, avalia o cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fábio Wanderley Reis.

De fato, a proposta de emenda constitucional (PEC 352/2013), elaborada pelo grupo de trabalho para a reforma política, que hoje está parada na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, acaba com a reeleição, mantém os mandatos em quatro anos, institui o voto facultativo e estabelece o financiamento privado empresarial, apesar da manifestação da maioria dos ministros do STF, além de constitucionalizar a possibilidade de que os partidos políticos decidam entre o financiamento privado, o público ou a combinação de ambos (misto).

Não seria a primeira vez que o embate entre a decisão do STF e os interesses dos parlamentares levaria à aprovação de mudança na Constituição. Foi assim nas eleições de 2006. Após entendimento do STF de que os partidos políticos teriam de seguir nos estados as mesmas coligações firmadas para a disputa presidencial, no Congresso, as forças políticas da situação e da oposição se uniram em torno do fim da obrigatoriedade da chamada verticalização. “O Congresso, quando foi afetado pela interpretação do STF, se apressou em aprovar uma proposta para incluir na Constituição Federal a prática que era corrente”, analisa o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Jairo Nicolau, em referência à liberdade que até então prevalecera para todas as possibilidades de coligações nas eleições nacionais e estaduais.

Problemas estruturantes
O anteprojeto de iniciativa popular para a “reforma política e eleições limpas” aborda quatro problemas no atual sistema eleitoral e político considerados, em cartilha explicativa, como “estruturantes”:

1 » O financiamento das campanhas por empresas e a corrupção que, acredita, dele deriva.
2 » O sistema eleitoral proporcional de lista aberta para a eleição de deputados estaduais e federais.
3 » A sub-representação das mulheres nos legislativos e em cargos majoritários.
4 » A falta de canais para a participação e a influência direta dos cidadãos no sistema político.

O que propõe
1 » A proibição do financiamento de campanhas por empresas e o “financiamento democrático”, uma combinação de financiamento público com o financiamento de pessoas físicas. O financiamento de pessoas físicas seria de, no máximo, R$ 700, corrigidos por índices oficiais, a cada eleição. E o total dessas contribuições não poderia ultrapassar 40% dos recursos públicos destinados ao candidato.

2 » Para substituir o atual sistema proporcional de lista aberta utilizado para as eleições legislativas, o movimento pela reforma política propõe o sistema proporcional em lista pré-ordenada e em dois turnos. No primeiro turno, o voto seria dado ao partido, a partir do debate em torno de sua plataforma política e também considerando uma lista pré-ordenada de candidatos. Nesse primeiro turno, os partidos elegeriam o número de cadeiras. Já no segundo turno, os eleitores escolheriam os candidatos. Cada legenda apresentaria o dobro de candidatos das vagas conquistadas no primeiro turno.

3 » Para corrigir a su-representação das mulheres, as listas pré-ordenadas, que seriam escolhidas em eleições primárias, apresentariam alternância de gênero em sua composição – de tal forma que 50% das vagas seriam preenchidas por homens e 50%, por mulheres.

4 » A proposta ainda busca ampliar os instrumentos de consulta aos eleitores, como plebiscito, referendo, além dos projetos de iniciativa popular.

Aliados preteridos na eleição alimentam rebelião contra PT

• Derrotados por rivais apoiados pela presidente, congressistas pressionam por mais diálogo e espaço na reforma ministerial

• Entre os magoados com o governo estão o atual presidente da Câmara, Henrique Alves, e o senador Lobão Filho

Gabriela Guerreiro, Márcio Falcão

BRASÍLIA - Eles são aliados da presidente Dilma Rousseff, pertencem a partidos da base de apoio do governo federal no Congresso, mas não digeriram o comportamento do PT e do Palácio do Planalto nas eleições deste ano.

Um grupo de congressistas, a maioria do PMDB, forma um "exército" de magoados com o governo, com potencial para dificultar a vida da petista no início de seu segundo mandato no Planalto.

Os deputados e senadores não admitem oficialmente a irritação, mas nos bastidores disparam contra Dilma e o ex-presidente Lula.

A principal crítica é o que chamam de "traição petista" diante das alianças com os seus principais adversários nas eleições estaduais, das quais saíram derrotados.

Descontentes, reforçam a ameaça de rebelião para pressionar o governo a dialogar mais e ampliar o espaço de suas legendas na mudança ministerial.

Outra demanda é a ampliação de verbas do Orçamento para seus redutos políticos.

É o caso de Eunício Oliveira (CE), líder do PMDB no Senado, que não engoliu o apoio de Dilma ao candidato que acabou vencedor ao governo do Ceará, Camilo Santana (PT). A irritação começou quando o Palácio do Planalto patrocinou a candidatura do petista por ser aliado do governador Cid Gomes (Pros), desafeto de Eunício.

Por meses, o Planalto pressionou o peemedebista a sair do páreo, mas Eunício foi em frente e se aliou ao PSDB no Estado, que elegeu Tasso Jereissati (PSDB-CE) ao Senado.

Eunício, porém, sustenta que se manteve fiel ao apoio a Dilma, sem declarar voto em Aécio Neves (PSDB), adversário da presidente. "O governo vai ter que dialogar mais. Não tem como sair sem atrito de um processo político complexo", afirmou.

Muitos palanques
O excesso de aliados também irritou o petista Lindbergh Farias, que dividiu o apoio da presidente Dilma com os adversários Marcelo Crivella (PRB), Luiz Fernando Pezão (PMDB) e Anthony Garotinho (PR) na disputa pelo Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

Antes do início da campanha, o PT tentou forçar um recuo de Lindbergh, mas o petista manteve o seu nome e acabou em quarto lugar no primeiro turno.

O grupo de insatisfeitos também inclui o senador Lobão Filho (PMDB), derrotado ao governo do Maranhão. Como os petistas são aliados do PC do B de Flávio Dino --que derrotou o peemedebista e foi eleito governador--, Lobão Filho atribui parte de sua derrota à falta de empenho da presidente.

"Essas mágoas existem. Todos têm as suas. A presidente não gravou para mim, não veio aqui. Faz parte do jogo, eu pessoalmente não fiquei magoado com ela. Mas é preciso que o governo dê valor ao seu Congresso para que ela possa governar", afirmou.

Alguns aliados deram o tom do comportamento dos "magoados" já na primeira semana de atividade do Congresso depois das eleições, como o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Sob seu comando, os deputados derrubaram o decreto presidencial que vinculava decisões governamentais de interesse social à opinião de conselhos e outras formas de participação popular.

Derrotado na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte, Alves disse que já "deletou" o apoio que o ex-presidente Lula deu a seu adversário, mas não esconde de interlocutores a insatisfação.

O PMDB também lançou Eduardo Cunha (RJ), desafeto do PT, como candidato para comandar a Câmara dos Deputados. A ala mais rebelde da sigla não descarta, no Senado, lançar como candidato à Presidência da Casa um nome menos alinhado com o Planalto --embora nos bastidores o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) trabalhe por sua reeleição.

Nanicos negociam bloco parlamentar para a eleição na Casa

Ricardo Della Coletta - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Numa Câmara pulverizada em 28 partidos, as 10 siglas “nanicas” tentam formar um bloco parlamentar para ter peso na eleição para a presidência da Casa no próximo biênio - uma disputa que pode colocar em rota de colisão as duas maiores legendas da base de apoio da presidente Dilma Rousseff.

Peemedebista e petistas ouvidos pelo Broadcast Político, serviço no notícias em tempo real da Agência Estado, afirmaram que, se formalizada, a nova força política será cobiçada pelos candidatos que, nos bastidores, tentam viabilizar seus nomes.

Juntos, PHS, PTN, PRP, PMN, PEN, PSDC, PTC, PT do B, PSL e PRTB elegeram 24 deputados. O PHS, fundado em 1997, teve o melhor resultado e conquistou cinco cadeiras.

“As conversas estão bem adiantadas e é uma questão de sobrevivência para os pequenos partidos”, avalia o deputado Luis Tibé, líder do PT do B. “Se o bloco não se concretizar será horrível para nós.”

O líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), foi lançado na semana passada pela bancada peemedebista candidato ao comando da Câmara. O PT, que fez a maior bancada neste ano e elegeu 77 deputados, também articula lançar um nome, o que deve romper um acordo de revezamento entre os dois partidos que foi iniciado em 2006.

Desafeto do governo por ter liderado rebeliões na Câmara neste ano, Cunha tenta se colocar como candidato “do tapete”, que tenta construir alianças de baixo para cima. Já contando com a oposição do Planalto, conquistar o apoio “no varejo” dos nanicos ganhou importância na sua estratégia para ser eleito.

“Na composição do novo Congresso Nacional vai ser fundamental a capacidade de aglutinar”, avalia do deputado Leonardo Picciani (RJ), aliado próximo a Cunha. “É fundamental ter esse diálogo para que eles se somem à candidatura do Eduardo.”

Cunha tem tentado se cacifar como uma alternativa capaz de valorizar a Câmara e prestigiar os deputados, discurso que deve fazer parte das negociações para atrair os nanicos. “Não adianta ter força na eleição e depois não ser prestigiado”, diz Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), outro articulador próximo ao líder peemedebista. “Se o PT não dá importância a um partido do tamanho do PMDB, imagine que importância dará aos demais partidos”, conclui.

Um dos cotados a sair candidato pelo PT, o vice-presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (SP), concorda que os “nanicos” terão peso, mas pondera que ainda é preciso avaliar o grau de unidade que eles conseguirão formar entre si.

Reforma política. Montar um bloco que dê força política aos dez menores partidos da Câmara também tem por objetivo formar um grupo que atue contra propostas de uma reforma política que possa criar barreiras para que as pequenas legendas tenham representação na Casa.

Um dos pontos que os partidos nanicos não querem ver aprovados, por exemplo, é a cláusula de barreira, mecanismo pelo qual um partido que não alcançar determinado porcentual de votos não chega ao Parlamento. “É preciso discutir, mas sem barrar a existência dos pequenos partidos”, avalia o líder do PT do B.

FHC critica proposta de 'diálogo' de Dilma

• Em artigo, tucano ataca campanha eleitoral do PT e diz ser difícil acreditar que promessa da presidente reeleita não seja "manipulação"

• Ex-presidente reforça desgaste da relação entre os partidos e cobra oposição a retomar "ofensiva" do debate

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Em sua primeira análise após as eleições, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) cobrou que a oposição retome "logo a ofensiva nos debates políticos" e insinuou desconfiança sobre a disposição que a presidente Dilma Rousseff (PT) disse ter para dialogar com seus adversários.

"Só se pode confiar em quem demonstra com fatos os seus propósitos", escreveu FHC em artigo publicado neste domingo (2) em jornais como "O Globo", "O Estado de S. Paulo" e "Gazeta do Povo".

"Depois de uma campanha de infâmias, difícil crer que o diálogo proposto não seja manipulação", concluiu.

No texto, FHC acusa Dilma de ter protagonizado uma campanha de "má-fé". Ele não escondeu a mágoa com os ataques que a petista fez ao candidato do PSDB, o senador Aécio Neves (MG), usando sua gestão como vidraça.

"Eu, que nem candidato era, fui sistematicamente atacado pelo PT", desabafou.

O ex-presidente diz que a propaganda petista "inventou uma batalha dos pobres contra os ricos". "Isso não é política de esquerda nem de direita, é má-fé política para a manutenção do poder a qualquer custo."

FHC disse ainda que Dilma coloca-se "como campeã da moralidade pública", apesar de ter se esquivado de perguntas sobre "seus companheiros que ainda estão na Papuda" (os presos no processo do mensalão) e sobre o suposto envolvimento do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, na arrecadação de propinas de obras da Petrobras.

Para o ex-presidente, uma das principais bandeiras da oposição deve ser o protesto contra a estratégia da "desconstrução do adversário".

"O vale-tudo na política não é compatível com a legitimidade democrática do voto", escreveu.

"Marina, de lutadora popular e mulher de visão e princípios foi transformada em porta-bandeira do capital financeiro", resumiu. "Aécio, que milita há 30 anos na política (...), foi reduzido a playboy, farrista contumaz e candidato dos ricos"".

Por fim, o ex-presidente diz que "a confiança é como um vaso de cristal, uma pequena rachadura danifica a peça inteira", numa referência ao desgaste que a campanha provocou nas relações entre Dilma e o PSDB, e entre a petista e ele próprio.

FHC manteve durante anos relação cordial com Dilma.

Neste ano, em entrevista à Folha dias antes da eleição, o ex-presidente revelou ter ficado "entristecido" com a postura da petista. Na ocasião, disse que Dilma estava mostrando até onde "a ambição pelo poder" podia levar um político a dizer coisas em que não "crê".

PSDB afirma que não deu apoio a ato contra Dilma

• Tucanos veem indignação, mas negam apelo 'antidemocrático'; petistas falam em 'golpismo'

Ricardo Chapola e Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Dirigentes do PSDB ouvidos pelo Estado afirmaram ontem que o partido não teve participação na organização do ato realizado no sábado na região da Avenida Paulista pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os tucanos atribuíram as manifestações ao que chamam de sentimento de indignação com o PT no governo e na campanha eleitoral. Já os petistas classificaram o protesto como "golpista".

O ato reuniu cerca de 2,5 mil pessoas, segundo a Polícia Militar. Alguns manifestantes exibiram cartazes que pediam intervenção militar no País.

"Não houve nenhuma intervenção partidária. Nem nossa, nem de nossos aliados na mobilização. É um ato espontâneo, voluntário, produto de uma indignação que está existindo", afirmou Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB. "Muita gente indignada não só com o resultado (das eleições), mas porque o resultado é também fruto de uma das campanhas de mais baixo nível de que tivemos conhecimento."

Goldman afirmou que o PSDB não fará nenhum apelo a instrumentos "antidemocráticos" para fazer oposição ao governo Dilma.

Presidente do PSDB paulista, o deputado Duarte Nogueira disse que o partido não tem responsabilidade na organização do ato. Segundo ele, a sigla fará oposição "sem dar dimensão a processos exacerbados". "Nós queremos a fiscalização, a contestação. Vamos cobrar as promessas firmadas, mas não é necessário a gente dar dimensão para esse processo um pouco mais exacerbado."

O deputado federal José Aníbal também atribuiu à campanha eleitoral o sentimento de irritação nas ruas. Segundo ele, porém, isso não é argumento que justifique as manifestações por uma intervenção militar. "Espero que tudo isso rapidamente se canalize para uma ação política de cobrança, de fiscalização, de vigência de mudança efetiva", afirmou.

"Acho isso (manifestações em defesa de uma intervenção militar) totalmente fora de propósito. Não faz o menor sentido. A coisa mais distante de nós é qualquer veleidade golpista", afirmou o tucano, que foi perseguido pela repressão durante a ditadura e foi obrigado a deixar o País em 1973. Ele viveu no exílio até 1979.

'Golpismo'. No PT a ordem é ignorar as manifestações, que o partido classifica como golpistas, e concentrar esforços na construção da governabilidade do segundo mandato de Dilma. "A resposta da minha parte será ignorá-los", disse Jorge Coelho, um dos vice-presidentes do PT.
Segundo ele, protestos como o de sábado indicam a possibilidade do surgimento de um novo partido de extrema-direita. O presidente da Câmara Municipal de São Paulo, José Américo, secretário de Comunicação do PT, classificou o ato como um "ponto fora da curva".

"Todo mundo tem direito de protestar, mas um protesto que pede a volta dos militares é extremamente comprometedor para a democracia", afirmou o dirigente petista. "Pedir o impeachment de uma presidente poucos dias depois da eleição é golpismo", completou.

Para senador, 'infiltrados' pediram intervenção militar

Débora Bergamasco - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), um dos vice-presidentes do PSDB, disse ontem que acredita que havia "adeptos do próprio governo infiltrados" no protesto realizado anteontem em São Paulo e no qual manifestantes pediram uma intervenção militar no País.

"Só para descaracterizar e enfraquecer o movimento", afirmou o senador tucano. "O que vimos na rua foi esse sentimento de inconformismo, por isso o pedido de impeachment. Mas essa coisa militar foi plantada. Fica para mim a suspeição de que foi algo encomendado. Algo como aconteceu nas manifestações de junho do ano passado, com infiltrações que descaracterizaram o movimento."

'Cautela'. Para o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Antonio Imbassahy (BA), o ato em defesa do impeachment de Dilma Rousseff, realizado menos de uma semana depois de a presidente ser reeleita, mostra que o "sentimento de indignação continua muito forte" contra a petista. Segundo ele, porém, a defesa da saída da presidente precisa ser vista com "cautela".

"É preciso aguardar fatos concretos que confirmem esse suposto envolvimento de Dilma com os escândalos da Petrobrás", afirmou.

Sobre as manifestações que pediam intervenção militar, o líder do PSDB limitou-se a dizer que "não existe regime melhor do que a democracia".

'Estamos longe da modernidade', diz Carlos Guilherme Mota

• Eleição revelou País que sai da cordialidade para o confronto sem discutir problemas com seriedade, diz historiador

Gabriel Manzano – O Estado de S. Paulo

O Brasil que sai das urnas "é o Brasil real, em que os dois lados retornaram à polarização, sepultaram terceiras vias e nada debateram sobre como consertar um país desigual, atrasado e incivilizado", diz o historiador Carlos Guilherme Mota. No rescaldo dos ataques entre os candidatos e da radicalização nas redes sociais, ele conclui que "o 3.º turno já começou", reforçado pelo pedido do PSDB de auditar as urnas do Tribunal Superior Eleitoral.

Mota vê "um quadro econômico preocupante somado a um conflito político latente" - e a providência mais lógica é a presidente Dilma Rousseff, reeleita, "comportar-se como estadista, construir pontes, convocar lideranças, inclusive da oposição, para uma agenda nacional comum". "Não há solução esparadrapo para o atual cenário."

Que Brasil é esse que saiu das urnas no dia 26 de outubro?

O que saiu das urnas foi o Brasil real. Um país no qual interessou aos dois lados em combate retornar à polarização, sepultar terceiras vias e gastar toda a campanha em uma discussão inútil sobre os defeitos do outro e na qual mal se falou sobre os entraves que nos definem como um país desigual, atrasado e incivilizado. Essa campanha mostrou o quanto estamos longe, ainda, de ser uma sociedade moderna. Uma sociedade com um liberalismo moderno, uma esquerda moderna, que discuta assuntos com seriedade. Onde a solução para saúde, educação ou infraestrutura não seja reduzida a frasezinhas de efeito inventadas por marqueteiros.

A campanha foi marcada por ataques e radicalização na internet. O clima piora quando o PSDB tenta auditar a votação?

O 3.º turno já começou. Somos um país politicamente rachado, que parece sair da cordialidade para o confronto. O que temos equivale a uma crise do regime: não conseguimos nos livrar de um modelo autocrático burguês e entrar em outro moderno, democrático e republicano. Mencionar o que corre nas redes sociais, como faz o PSDB, para contestar o resultado é um recurso frágil, descabido. As redes são um oceano de informações viciadas e tendenciosas por todos os lados.

No que isso vai dar?

Temos uma crise, das boas, a caminho e é preciso começar a juntar os cacos. Essa crise reúne um quadro econômico preocupante e um conflito político latente. E não há como transferir a tarefa: a iniciativa tem de ser da presidente. Não resolve tomar uma ou outra medida pontual, mandar projetos ao Congresso. Quanto ao que eu acho, diria que sou um "cético moderado". A grande virada dela seria comportar-se como estadista, como fizeram em tempos recentes Michelle Bachelet no Chile, Angela Merkel na Alemanha. Teria de afastar-se do padrinho, da marquetagem. Convocar lideranças - o que inclui os adversários - e criar uma agenda nacional comum. Seria algo mobilizador. Mas não é fácil.

De que desafios o sr. fala?

Primeiro, definir uma saída para a economia que atraia o mercado para seu projeto. Isso significa adotar medidas ortodoxas para baixar a inflação - coisa que ao longo da campanha ela desconsiderou e ironizou. Tem de trazer de volta o crescimento, reanimar a indústria, reinvestir na infraestrutura. Não há solução esparadrapo para o atual cenário.

E a negociação política? Como se entender com o Congresso?

Nas relações com o Congresso é certo que a presidente vai ter menos autonomia do que tinha - e que já era pouca. Ela é dependente do PMDB, que saiu mais forte das eleições de outubro, um sinal de que essa dependência vai aumentar. Não é por acaso que os caciques desse partido já lhe impuseram duas derrotas em uma semana, o "não" ao projeto sobre os conselhos populares e um "nem pensar" ao plebiscito para a reforma política. E ela terá o ex-presidente Lula mais perto, o que também lhe reduz os espaços. E ainda um PT mais impaciente, voltando a namorar as massas na rua.

Há quem diga que os protestos de 2013 foram ignorados nestas eleições. Outros dizem que as manifestações mudaram a agenda nacional. Quem está certo?

Há um pouco de cada. Sabemos como é o Estado brasileiro, que tem esse caciquismo, uma máquina estatal separada da sociedade. Mas acho que os clamores estão vivos. Tampouco, do outro lado, vemos uma esquerda interessada em arriscar-se a superar esse precário estado social. Ela incorporou-se nesse modelo autocrático burguês que é desmobilizador. Um modelo de poder que não vai buscar os grupos sociais para tê-los representados no Congresso. Igualmente, não tivemos ainda uma Presidência capaz de fazer uma grande costura nacional mobilizadora. O resultado é esse racha fantástico.

Sucessão no Rio deve envolver sete partidos

• No PMDB, prefeito Eduardo Paes trava disputa com Jorge Picciani para emplacar o candidato da legenda

Juliana Castro e Leticia Fernandes – O Globo

Rumo a 2016
Uma semana depois do fim das eleições, já está aberta a corrida para a prefeitura do Rio. Ao menos sete partidos estão dispostos a lançar nomes para concorrer ao cargo em 2016: PMDB, PT, PSOL, PSB, PR, PRB e PSDB.

No PMDB, há uma briga entre o prefeito Eduardo Paes e o presidente regional do partido, Jorge Picciani, para indicar o candidato que sucederá Paes. O prefeito aposta todas as fichas na candidatura do deputado federal Pedro Paulo, e Picciani quer lançar o filho, Leonardo. Paes e Picciani apoiaram a reeleição do governador Luiz Fernando Pezão, mas estiveram em lados opostos da campanha presidencial: o prefeito apoiou Dilma Rousseff (PT), na linha de frente do "Dilmão", e o presidente do PMDB fluminense coordenou o "Aezão", que fez campanha para Aécio Neves (PSDB).

- É legítimo que as pessoas queiram colocar seu nome, mas, aos poucos, o partido vai entender majoritariamente que (é importante que) seja um nome colocado pelo prefeito. Mas, como não quero meu cafezinho frio nem minha cerveja quente, quanto mais eu puder adiar esse processo, melhor. Meu nome está colocado, é o candidato Pedro Paulo - afirmou ao GLOBO Eduardo Paes.

O prefeito nega brigas internas com Picciani.

- O Pedro Paulo é uma espécie de primeiro ministro do meu governo. Tenho certeza de que é isso que a Dilma e Pezão desejam. Vamos todos nos entender direitinho - disse.

A incógnita entre os peemedebistas é o comportamento do ex-governador Sérgio Cabral na queda de braço entre o prefeito e Picciani.

- Essa discussão não está no momento de acontecer. O PMDB é um partido democrático, quem quiser ser candidato que vá ao partido no momento apropriado e inscreva o desejo - afirmou Leonardo Picciani, destacando suas quatro eleições para deputado federal e sua experiência como secretário estadual de Habitação:

- Pela minha experiência no PMDB, posso ser candidato. Teve gente que passou por cinco ou seis partidos. Às vezes, a circunstância leva a isso, mas sempre fui do PMDB - disse Leonardo. Paes já passou por cinco partidos, incluindo o PMDB.

Nos bastidores, especula-se ainda que, se Paes sair perdendo na disputa interna do PMDB, pode se abrigar em outro partido, o que o prefeito nega. O PDT é o mais citado entre aliados. O presidente nacional do partido, Carlos Lupi, contou que, em 2002, intermediou uma conversa entre Paes, que estava no PSDB, e Leonel Brizola. Mas não prosperou a tentativa de trazer o então tucano para o PDT.

- Se ele tiver dificuldades no PMDB, eu serei o porteiro para abrir as portas para ele no PDT - afirmou Lupi.

O presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Paulo Melo, que, assim como Paes, apoiou Dilma no estado, disse que Picciani é um "brigador", mas que prevalecerá o projeto político do PMDB de permanecer no poder. Segundo ele, Paes sairá da prefeitura com os mais altos índices de aprovação, o que o dará credencial para que brigue de igual para igual com o presidente do partido:

- Picciani tem credencial para defender os interesses dele, mas o Eduardo vai sair com um dos maiores índices de popularidade de um prefeito de capital, e isso tem que ser levado em conta. Ele (Paes) tem legitimidade de iniciar conversas dentro do PMDB. No final, prevalece o interesse que a política do PMDB continue se solidificando no Rio. A corda estica, mas ninguém pega a faca para cortar - resumiu Paulo Melo.

PT entre Adilson Pires e Alessandro Molon
Não é só no PMDB que haverá disputa interna. O vice-prefeito do Rio, Adilson Pires (PT), já afirmou que quer ser candidato à sucessão de Paes. Seu nome, no entanto, não é unanimidade no PT. Dentro do partido, circula ainda a possibilidade de uma candidatura do deputado federal Alessandro Molon, que disputou a prefeitura em 2008.

- Nessa história de 2016, teremos que buscar um acordo partidário - afirmou Adilson, demonstrando contrariedade com a declaração do presidente estadual do PT, Washington Quaquá, que defendeu o nome do deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) para a prefeitura do Rio: - O que o Quaquá colocou não tem correspondência com a realidade, não é uma posição do PT. Quem conhece o PT do Rio sabe que essa não é uma possibilidade.

Apoio de PT a Marcelo Freixo, do Psol, é pouco provável
No PSB, Romário surge como nome mais forte após vitória no Senado

Dentro do PT, foi cogitada uma aliança com o PSOL, que vai lançar Freixo para o páreo. Mas membros do partido negam essa possibilidade, acusando os petistas de estarem "alinhados demais" com o governo do PMDB.

- Teve essa conversa (com o PT), mas acho quase impossível (o PT apoiar o Freixo). Exatamente porque o PT é vice do Eduardo Paes, tem lá os deputados falando que vão apoiar Pezão. Eles não têm nada a ver com a política do PSOL. Há um descolamento total do que nós chamamos de política com "P" maiúsculo - afirmou o deputado estadual eleito Eliomar Coelho

Entre os tucanos, o nome cogitado é o do deputado federal Otávio Leite, que disputou o cargo em 2012. Já no PSB, o nome de Romário é tido como o mais forte para concorrer em 2016. Depois de desentendimentos com o partido, socialistas pretendem reatar laços com o novo senador, eleito com 4,6 milhões de votos. O deputado Glauber Braga disse que Romário é valorizado no partido, e que o PSB se unirá em torno de seu nome:

- É um nome forte, tem por parte do PSB um entendimento do seu valor como liderança, como senador eleito com votação expressiva. O diálogo será feito, o PSB vai procurar ter uma relação positiva com ele.

Crivella e Clarissa lembrados
O senador Marcelo Crivella (PRB), derrotado na disputa pelo Palácio Guanabara, também cogita entrar na disputa. No segundo turno, ele foi apoiado por Anthony Garotinho (PR), que deve lançar a filha, a deputada federal eleita Clarissa Garotinho. A aposta de membros do PR é que, com as desavenças internas no PMDB, haja um espaço que poderá ser preenchido por Clarissa, segunda candidata à Câmara mais bem votada do Rio.

- Ela foi a mais votada do partido. O PMDB está muito hegemônico no Rio, e isso vai causar uma briga interna. Pode ser que, nesse meio, caiba ela - afirmou um interlocutor do partido.

Quem são os candidatos
Adilson Pires (PT)
Vice-prefeito do Rio, quer concorrer em 2016, apesar de não haver consenso. Alessandro Molon, reeleito deputado federal, concorreu à prefeitura em 2008. Como não há consenso em torno de Adilson, é lembrado nos bastidores.

Clarissa Garotinho (PR)
É o nome mais forte do partido para concorrer à prefeitura. Em 2012, foi vice na chapa de Rodrigo Maia (DEM) à prefeitura.

Marcelo Crivella (PRB)
O senador foi derrotado no segundo turno das eleições para governador do Rio. Foi candidato a prefeito em 2008.

Marcelo Freixo (PSOL)
É unanimidade dentro do partido. Foi o deputado estadual mais votado do Rio neste ano e concorreu à prefeitura em 2012.

Otavio Leite (PSDB)
O tucano, deputado federal reeleito, cogita disputar a prefeitura em 2016, mas também não é consenso no PSDB. Disputou o cargo em 2012.

Pedro Paulo (PMDB)
É o nome de Eduardo Paes. Foi deputado estadual e se reelegeu deputado federal. Leonardo Picciani é a opção de Jorge Picciani. Foi eleito deputado por quatro vezes consecutivas e secretário de Habitação do ex-governador Sérgio Cabral.

Romário (PSB)
Senador eleito pelo Rio é o nome mais forte de seu partido.

Planalto tenta pôr aliado no TCU para relatar Pasadena

• José Jorge, atual relator da investigação sobre compra de refinaria pela Petrobrás, vai se aposentar; governo quer substituto 'amigável'

Fábio Fabrini - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto trabalha para emplacar um aliado na vaga do ministro do Tribunal de Contas da União José Jorge, que se aposenta no próximo dia 18, ao completar 70 anos. A indicação de um substituto de perfil amigável é considerada estratégica pelo governo, pois o novo ocupante da cadeira herdará a relatoria dos processos de investigação da Petrobrás, entre eles o que avalia prejuízos na compra da refinaria de Pasadena (EUA).

A apuração sobre Pasadena tem potencial para causar mais danos políticos à presidente Dilma Rousseff - que presidia o Conselho de Administração da Petrobrás na época da aquisição, iniciada em 2006.

Egresso da oposição no Senado, José Jorge tomou posse no TCU em 2009 e é considerado pelos aliados de Dilma um ministro rigoroso ao julgar casos delicados para o governo. Como relator, foi dele o voto - seguido pela maioria do plenário - pelo bloqueio dos bens de 11 executivos da Petrobrás por dano ao erário de US$ 792 milhões na compra de Pasadena. A tomada de contas especial sobre o caso, ainda em curso, poderá implicar no futuro conselheiros de administração da estatal que deram aval ao negócio, entre eles a presidente. Inicialmente, a corte os excluiu da lista de responsáveis.

O TCU é composto por nove ministros: 3 indicados pela Câmara, 3 pelo Senado e 3 pelo presidente da República. O substituto de José Jorge tem de ser indicado pelo Senado, pelo critério constitucional. Não há exigência de que o aprovado seja político, mas, tradicionalmente, os escolhidos são senadores, ex-senadores ou servidores apadrinhados pelas maiores bancadas da Casa.

Os partidos aliados ainda não discutiram a questão oficialmente, mas já lançam alguns nomes nos bastidores.

Ministras. Segundo fontes do governo, o Planalto é simpático à indicação da ex-senadora e atual ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti (PT-SC). Ela já era cotada para ocupar a vaga de Valmir Campelo, que deixou a corte em abril, mas o escolhido foi o ex-consultor legislativo do Senado e ex-integrante do Conselho Nacional de Justiça Bruno Dantas, que teve aval do PMDB.

Ideli enfrenta resistência nas principais legendas, principalmente por causa do desgaste no papel de negociadora do governo quando ministra das Relações Institucionais.

Outra opção é a senadora e ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann (PT-PR), que perdeu a eleição para o governo do Paraná e voltou ao Congresso. Na Casa Civil ela tratou de alguns dos principais interesses do governo no TCU, como a aprovação de concessões. Gleisi, porém, foi vinculada recentemente ao escândalo na Petrobrás, o que dificulta sua indicação.

Como revelou o Estado, em depoimento ao Ministério Público Federal, o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa afirmou que o esquema de corrupção na companhia repassou R$ 1 milhão para a campanha da petista ao Senado, em 2010. Ela nega participação nas irregularidades e diz que a acusação é mentirosa.

Maior aliado do PT, o PMDB diz que só discutirá o assunto após a aposentadoria de José Jorge. Líderes do partido prometem não ceder facilmente ao PT e cogitam negociar a vaga de forma casada, com a cadeira a ser ocupada no Supremo Tribunal Federal após a aposentadoria de Joaquim Barbosa. Um dos nomes sugeridos para o TCU é o do senador Vital do Rêgo (PB), que preside as duas CPIs da Petrobrás e é um dos peemedebistas mais alinhados com o Planalto no Congresso. Ele é cotado ainda para ser o próximo líder do governo.

Os três cotados, procurados pelo Estado, disseram não ter discutido o assunto com governo e partidos. Na base do governo, também é citado, embora com menos chances, o senador Inácio Arruda (PC do B-CE).

Azarões. Como a votação é secreta, há a possibilidade de vitória de azarões, apadrinhados pela minoria. Foi o caso do próprio José Jorge em 2009, que conseguiu aprovação sendo um dos mais ativos opositores do governo Lula. No PSDB, o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, é citado para concorrer a uma vaga no TCU.

Fora Pasadena, o gabinete de José Jorge concentra auditorias das maiores obras da Petrobrás, como a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O substituto de Jorge relatará os casos que já estão curso. A partir de 2015, novos processos sobre a Petrobrás serão conduzidos por José Múcio, ex-ministro de Lula.

O espírito da coisa - O Estado de S. Paulo / Editorial

A natureza dos chamados "conselhos participativos" salta aos olhos quando se lê o decreto da presidente Dilma Rousseff que criou o Sistema Nacional de Participação Social e a Política Nacional de Participação Social. De nada adianta os petistas apelarem a sofismas os mais diversos - a começar por aquele que diz que tais conselhos já existem e que precisam apenas ser regulamentados -, pois o que se propõe, no texto, compromete o próprio sistema de governo, submetendo-o permanentemente a representantes da "sociedade civil" que nada mais são do que militantes profissionais.

Se alguém ainda tem alguma dúvida sobre qual é o espírito desse atentado à ordem constitucional, convém ler a entrevista dada ao Estado por um ex-integrante do Conselho Nacional de Saúde. Ele testemunha o aparelhamento desse conselho e comprova seu desvio de finalidade - em vez de servir como órgão consultivo para a formulação de políticas públicas, transformou-se em correia de transmissão de interesses partidários.

"Os interesses da população não estão devidamente representados", disse o ex-conselheiro Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da USP. Dizendo-se favorável à "ampliação dos espaços de participação da sociedade", Scheffer afirmou, no entanto, que o governo deveria estar mais preocupado hoje em corrigir as distorções dos atuais conselhos antes de criar novos.

Segundo Scheffer, muitos desses espaços, em particular na área de saúde, que ele diz conhecer bem, "são hoje ocupados por pessoas cooptadas pelo governo ou por partidos e corporações". No caso do Conselho Nacional de Saúde, afirmou o professor, "houve um encurralamento e um aparelhamento dos espaços".

Como resultado disso, o conselho "não tem assumido seu papel de controle social das políticas públicas", como salientou Scheffer, pois ele está tomado por "pessoas com compromissos partidários ou atreladas ao governo". Na época em que não funcionava "a reboque do ministro ou do gestor de plantão", disse ele, o conselho "fazia uma enorme diferença", pois, em sua visão, tinha independência para avaliar leis importantes como a dos genéricos e a dos planos de saúde.

Hoje, no entanto, o quadro mudou de forma drástica. Scheffer dá como exemplo o programa de combate à aids - que, segundo ele, só se tornou um grande sucesso "porque houve uma grande participação da sociedade civil, por meio do conselho". Agora, o programa "nunca esteve tão ruim".

O decreto de Dilma diz que a intenção é "fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil", mas o que se observa, na prática, é que se trata de uma tentativa de institucionalizar de vez o aparelhamento que já vigora nos conselhos.

Não custa lembrar que o texto do decreto estabelece que a tal "sociedade civil" é composta de "cidadãos" e também - e aqui está o pulo do gato - "coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações". Ou seja, o "cidadão" - isto é, aquele que não é militante político e tem de trabalhar para pagar suas contas - terá de enfrentar grupos muito bem organizados, controlados em sua maioria pelo PT, se quiser prevalecer nos tais conselhos populares, aos quais todos os órgãos da administração pública federal devem dar satisfação, conforme determina o decreto. A esse embate desigual, próprio das ditaduras, o governo petista dá o nome de "ampliação dos mecanismos de participação social".

Depois que a Câmara anulou o decreto de Dilma, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que os parlamentares votaram "contra uma vontade irreversível do povo brasileiro" e agiram "contra os ventos da história". Tal arroubo - que lembra o discurso de líderes totalitários que encarnavam a "vontade popular" e diziam respeitar as "leis da história" - mostra que os dirigentes petistas não pretendem recuar de sua intenção de encoleirar a democracia no País.

Entrevista - Gilmar Mendes: O STF não pode se converter em uma corte bolivariana

• Ministro diz que Supremo poderia deixar de ser contrapeso institucional e apenas chancelaria o executivo caso o PT indique 10 de seus 11 membros

Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

O STF (Supremo Tribunal Federal) corre o risco de tornar-se uma "corte bolivariana" com a possibilidade de governos do PT terem nomeado 10 de seus 11 membros a partir de 2016.

A afirmação é do único personagem dessa conta hipotética a não ter sido indicado pelos presidentes petistas Lula e Dilma Rousseff: o ministro Gilmar Mendes, 58.

Indicado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 2002, ele teme que, a exemplo do que ocorre na Venezuela, o STF perca o papel de contrapeso institucional e passe a "cumprir e chancelar" vontades do Executivo.

A expressão bolivarianismo serve para designar as políticas intervencionistas em todas as esferas públicas preconizadas por Hugo Chávez (1954-2013) na Venezuela e por aliados seus, como Cristina Kirchner, na Argentina.

"Não tenho bola de cristal, é importante que [o STF] não se converta numa corte bolivariana", disse. "Isto tem de ser avisado e denunciado."

Sobre a eleição, Mendes fez críticas a Lula ao comentar representação do PSDB contra o uso, na propaganda do PT, de um discurso do petista em Belo Horizonte com ataques ao tucano Aécio Neves.

Lula questionou o que o Aécio fazia quando Dilma lutava pela democracia e o associou ao consumo de álcool. Ao lembrar do caso, Mendes disse: "Diante de tal absurdo, será que o autor da frase também passaria no teste do bafômetro? Porque nós sabemos, toda Brasília sabe, eu convivi com o presidente Lula, de que não se trata de um abstêmio", afirmou.


Folha -- Durante a campanha, o PT acusou o senhor de ser muito partidário.

Gilmar Mendes -- Não, de jeito nenhum. Eu chamei atenção do tribunal para abusos que estavam sendo cometidos de maneira sistemática e que era necessário o tribunal balizar. Caso, por exemplo, do discurso da presidente no Dia do Trabalho e propagandas de estatais com mensagem eleitoral. O resto, como sabem, sou bastante assertivo, às vezes até contundente, mas é minha forma de atuar. Acredito que animei um pouco as sessões.

Animou como?

Chamei atenção para que a gente não tivesse ali uma paz de cemitério.

O que quer dizer com isso?

Saí do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2006. Não tenho tempo de acompanhar, mas achei uma composição muito diferente daquilo com que estava acostumado. Um ambiente de certa acomodação. Talvez um conformismo. Está tudo já determinado, devemos fazer isso mesmo que o establishment quer.

Diria que o TSE estava tendendo a apoiar coisas do governo?

Fundamentalmente chegava a isso. Cheguei a apontar problemas nesse sentido.

O PT criticou sua decisão de suspender direito de resposta contra a revista "Veja".

A jurisprudência era não dar direito de resposta, especialmente contra a imprensa escrita. Quando nos assustamos, isso já estava se tornando quase normal. Uma coisa é televisão e rádio, concessões. Outra coisa é jornal ou revista. O TSE acabou ultrapassando essa jurisprudência e banalizou.

Quando diz que banalizou a interferência na imprensa, acredita que avançou sobre a liberdade de expressão?

Quanto ao direito de resposta em relação a órgãos da imprensa escrita, certamente. Mas temos de compreender o fato de se ter que decidir num ambiente de certa pressa. E todo esse jogo de pressão. A campanha se tornou muito tensa. Talvez devamos pensar numa estrutura de Justiça Eleitoral mais forte, uma composição menos juvenil.

Qual sua avaliação da eleição?

Tenho a impressão que se traça um projeto de campanha. Se alguns protagonistas não atuarem, inclusive como poder moderador, o projeto se completa. Eu estava na presidência do tribunal quando da campanha da presidente Dilma [de 2010]. O que ocorreu? Havia necessidade de torná-la conhecida. O presidente Lula, então, inaugurava tudo. Até buracos. Quando a Justiça começou a aplicar multas, ele até fez uma brincadeira: "Quem vai pagar minhas multas?" O crime compensava. Foi sendo feita propaganda antecipada, violando sistematicamente as regras. Agora havia também um projeto. Chamar redes para pronunciamentos oficiais, nos quais vamos fazer propaganda eleitoral. A mensagem do Dia do Trabalho tem na verdade uma menção ao 1º de maio. O resto é propaganda de geladeira, de projetos do governo.

O sr. não exagerou nas críticas ao ex-presidente Lula no julgamento de uma representação do PSDB, quando chegou a perguntar se ele teria feito o teste do bafômetro?

O presidente Lula, no episódio de Belo Horizonte, faz uma série de considerações. Houve uma representação [do PSDB]. Ele chegou a perguntar onde estava o Aécio enquanto a presidente Dilma estava lutando pela democracia nos movimentos da luta armada. A representação lembrava que Aécio tinha 8 ou 10 anos. Ela trouxe elementos adicionais da matéria, de que teve um texto de uma psicóloga que dizia que ele [Aécio] usava drogas, que era megalomaníaco. E Lula falou também do teste do bafômetro. Diante de tal absurdo, [eu disse] "será que o autor da frase também passaria no teste do bafômetro?" Porque sabemos, toda Brasília sabe, eu convivi com o presidente Lula, de que não se trata de um abstêmio.

O PT criticou muito suas falas sobre o ex-presidente.

Estávamos analisando só o caso. Em que ele reclamou de alguém que saiu do jardim de infância não ter atuado na defesa da presidente Dilma. Quem faz este tipo de pergunta ou quer causar um impacto enorme e contrafactual ou está com algum problema nas faculdades mentais.

Em dois anos o sr. será o único ministro do STF não indicado por um presidente petista. Muda alguma coisa na corte?

Não tenho bola de cristal, é importante que não se converta numa corte bolivariana.

Como assim?

Que perca o papel contramajoritário, que venha para cumprir e chancelar o que o governo quer.

Há mesmo este risco?

Estou dizendo que isto tem de ser avisado e denunciado.

Há algum sinal disso?

Já tivemos situações constrangedoras. Acabamos de vivenciar esta realidade triste deste caso do [Henrique] Pizzolato [a Justiça italiana negou sua extradição para cumprir pena no Brasil pela condenação no mensalão]. Muito provavelmente tem a ver com aquele outro caso vexaminoso que decidimos aqui, do [Cesare] Battisti [que o Brasil negou extraditar para Itália], em que houve clara interferência do governo.

No mensalão, um tribunal formado em sua maioria por indicados por petistas condenou a antiga cúpula do PT.

Sim, mas depois tivemos uma mudança de julgamento, com aqueles embargos, e com a adaptação, aquele caso em que você diz que há uma organização criminosa que não pode ser chamada de quadrilha.

Ao falar de risco bolivariano, não teme ser acusado de adotar posições a favor do PSDB?

Não, não tenho nem vinculação partidária. A mim me preocupa a instituição, não estou preocupado com a opinião que este ou aquele partido tenha sobre mim.

A aprovação da proposta que passa a aposentadoria compulsória de ministros do STF de 70 para 75 anos não reduz esse risco, já que menos ministros se aposentariam logo?

Não tenho segurança sobre isto, é uma questão afeita ao Congresso. O importante é que haja critérios orientados por princípios republicanos.

O STF deve analisar outro caso de corrupção, na Petrobras. Como avalia essa questão?

A única coisa que me preocupa, se de fato os elementos que estão aí são consistentes, é que enquanto estávamos julgando o mensalão já estava em pleno desenvolvimento algo semelhante, talvez até mais intenso e denso, isso que vocês estão chamando de Petrolão. É interessante, se de fato isso ocorreu, o tamanho da coragem, da ousadia.

Ricardo Noblat - Não, eles não podem. Ou podem?

- O Globo

"Dilma sabia. "
Dizeres da faixa que abriu, anteontem, em São Paulo, a passeata de três mil pessoas contra o governo Dilma.

Deu a louca no PSDB quando pediu à Justiça uma auditoria nos resultados da recente eleição presidencial. A razão do pedido? Rumores nas redes sociais sobre eventuais fraudes aqui e acolá. Nada mais do que rumores. Convenhamos: é pouco, quase nada, para que se lance suspeição sobre o processo eleitoral. Ou há fatos concretos que justifiquem uma auditoria ou tudo não passa de choro de mau perdedor. (Pág. 2)

ISSO NÃO SIGNIFICA que a eleição deste ano esteja destinada a passar à História como uma rara demonstração de exuberante maturidade da democracia brasileira. Longe disso. Foi uma eleição particularmente suja e desigual, onde quem detinha o poder tudo fez para não abrir mão dele. E acabou se dando bem. Dilma, Lula, o PT e a Justiça Eleitoral são responsáveis por uma inesquecível lambança. Confira.

INTIMIDAÇÃO OU um "liberou geral"? "Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição." Dilma, em um ato falho (04/03/2013). Isso pode? Não, não pode... Mas pode. Ameaça? "Eles não sabem o que nós seremos capazes de fazer, democraticamente, pra fazer com que você seja a nossa presidenta por mais quatro anos neste país". Lula, para Dilma (13/ 06/2014). Isso pode? Não, não pode... Mas pode.

USO DA MÁQUINA pública? "Os Correios trabalharam com as 66 mesorregiões. Fizemos reuniões em todas e nas macrorregiões. Lá em Viçosa, nós tínhamos 70 cidades e por aí, onde eu estive perto, eu fui acompanhando. A Dilma tinha em Minas Gerais , em alguns momentos, menos de 30%. Se hoje nós estamos em 40% em Minas, tem o dedo forte dos petistas dos Correios ." Durval Ângelo, deputado estadual do PT de Minas. Isso pode? Não, não pode... Mas pode.

E O TRIBUNAL Superior Eleitoral (TSE)? Por que não testou as urnas? "Apesar de reconhecer que os testes de segurança das urnas eletrônicas fazem parte do conjunto de atividades que garantem a melhoria contínua deste projeto, o TSE não fez nenhum antes das eleições de outubro. Desde 2012, aliás, o tribunal não expõe seus sistemas e aparelhos à prova de técnicos independentes." (O Globo, 04/06/ 2014) Isso pode? Não, não pode... Mas pode.

POR QUE MUDOU a postura do TSE? No primeiro turno, em que a campanha de Dilma estraçalhou Marina sem que ela revidasse na mesma moeda, o TSE deixou correr solta a pancadaria. No segundo, Dilma repetiu a dose contra Aécio. Assim que ele começou a revidar, o TSE interveio. E decidiu: dali por diante, só valeriam mensagens "propositivas". Isso pode? Não, não pode... Mas pode.

E DAÍ? O TSE proibiu telemarketing em campanhas eleitorais. Certo? Depende. Milhões de SMS foram enviados contra Aécio, com mensagens que beiraram a injúria, a calúnia e a difamação, além de chantagem e intimidação explícitas envolvendo os programas Bolsa-família, Minha Casa, Minha Vida, e outros. A ação revoltou internautas, que postaram sem parar imagens das mensagens recebidas em seus celulares. Isso pode? Não, não pode... Mas pode.

FOI MAL? Um ministro do TSE proibiu uma consultoria financeira – privada! – de fazer propaganda de seus rela tórios de análise em espaços – privados! – na internet. Isso pode? Não, não pode. O pleno do TSE, com a participação dos demais ministros, revogou a proibição. Poucos dias depois, o mesmo TSE proibiu a revista VEJA de anunciar sua edição semanal, como costuma fazer, em rádios, televisões e outdoors.

POSSO ESCREVER sem receio o que escrevi até aqui? Acho que posso... Mas talvez não possa. Sei lá. A ver.

José Roberto de Toledo - A política no gueto

- O Estado de S. Paulo

"Não conheço ninguém que tenha votado em Dilma. Como ela pode ter sido eleita?" Tal pergunta, frequente nas redes sociais, animou 2,5 mil pessoas a irem à rua pedir o impeachment da recém-reeleita e, em alguns casos, defender a volta da ditadura militar. O questionamento à legitimidade do pleito também está nas entrelinhas do pedido de "auditoria" da eleição presidencial feito pelo PSDB à Justiça eleitoral.

Embora diferentes em tom e propósito, são simbólicos. Tanto a suspeição do resultado das urnas insinuada pelo vencido, quanto a apelação explícita de cidadãos inconformados com a derrota por intervenção militar. Mesmo que os eventos sejam inconsequentes, vale investigar o fenômeno de opinião pública na base de ambos.

A propalada divisão eleitoral do País é geográfica, mas não pode ser totalmente vislumbrada nos mapas de fronteiras estaduais, nem sequer municipais. Afora sua inconstitucionalidade e xenofobia, a ideia de um muro que separasse os eleitores de Dilma Rousseff (PT) e de Aécio Neves (PSDB) pressupõe que eles vivam em Estados ou, ao menos, cidades distintas. Não é o caso.

Na Bahia, onde a petista venceu com 70% dos votos válidos no 2.º turno, o tucano tem 2,1 milhões de eleitores. São três vezes mais pessoas do que ele teve de votos em Mato Grosso do Sul, onde saiu-se vitorioso. Há mais aecistas baianos do que goianos, mato-grossenses, acrianos, roraimenses, capixabas, brasilienses e rondonienses - a despeito de os eleitores de tais unidades da Federação terem preferido Aécio a Dilma.

Ao mesmo tempo, só no município de São Paulo, onde Aécio teve 64% dos votos válidos, Dilma tem 2,3 milhões de eleitores. É mais gente do que o eleitorado que sufragou a petista em todo o Pará, onde ela foi a mais votada. E não só. Numericamente, os paulistanos que votaram na petista pesaram mais para sua vitória do que os piauienses, potiguares, paraibanos, amazonenses, alagoanos, sergipanos, tocantinenses e amapaenses.

A segregação de eleitores de Dilma e de Aécio existe, mas é muito mais profunda e complexa do que os mapas podem revelar. Ela ocorre, na maioria das vezes, dentro das cidades. Os eleitores de um e outro vivem no mesmo município, mas convivem muito pouco entre si. Cada grupo conversa quase exclusivamente dentro do seu gueto político-eleitoral - e ignora o outro.

Na média do Brasil, um eleitor tem 2,4 vezes mais chances de encontrar alguém que vote como ele para presidente do que alguém que vote no outro candidato - não importa se ele prefere Dilma ou Aécio. No Estado de São Paulo, a segregação cresce: a chance de encontrar um semelhante é 3,5 vezes maior do que um diferente. Em alguns lugares, essa chance é até 15 vezes maior.

O cálculo é baseado nos resultados por zona eleitoral do pleito presidencial. Como mais de 70% dos eleitores demoram menos de 15 minutos para ir até o local de votação, a zona eleitoral pode ser considerada uma unidade espacial. Dois eleitores que votem numa mesma zona têm maior probabilidade de morar perto um do outro do que longe. Portanto, têm mais chances de conviverem.

Por causa da segregação, há pouca troca de palavras entres os divergentes. Cada grupo tende a conviver dentro de sua própria bolha, repetindo ideias preconcebidas sem que haja contraposição de argumentos - pois todos concordam entre si. Em época de eleição, essas ideias viram slogans e, logo, preconceitos. Aí, quando os contrários se encontram, não há debate, só confronto.

Esse fenômeno de guetização da política é agravado pelas redes sociais. Os eleitores tendem a seguir quem pensa parecido. O Facebook só coloca nos "feeds" de notícias do usuário aquilo que seu algoritmo imagina que seja do seu agrado e interesse. Assim, os guetos de opinião tendem a ser cada vez mais homogêneos entre si e heterogêneos no conjunto. É a receita para o conflito.