Por Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico
Em entrevista ao Valor, ministra diz que
"a cada condição que o BC coloca e a gente vai resolvendo, eles vão
colocando outras. Vão colocar mais o quê?”
Simone Tebet entrou no governo
determinada a convencer os colegas de ministério de que sua missão no
Planejamento não era a de uma liberal vocacionada a tesourar o gasto social. Na
quinta-feira da semana passada, ao participar da audiência, no Senado, ao lado
do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi para cima. Usou a metáfora
da dose que diferencia o remédio do veneno para dizer que a taxa de juro de
13,75% encaixava a política monetária nesta segunda condição.
Entrevista No dia seguinte, em entrevista
ao Valor, a
ministra do Planejamento deu um passo adiante. Disse que a aprovação do
arcabouço fiscal em maio, na Câmara, e na primeira semana de junho, no Senado,
deixará o BC sem alternativa: “Não terá mais desculpas para não baixar o juro
no Copom, nem que seja 0,25 ponto percentual. A cada condição que o BC coloca e
a gente vai resolvendo, eles vão colocando outras. Vão colocar mais o quê?”
Após o encontro da semana que vem, o Copom vai se reunir em 20 e 21 de junho e
depois em 1 e 2 de agosto.
A origem no agronegócio e a filiação no MDB
lhe dão liberdade para ser ainda mais incisiva que Haddad, que precisou superar
os estigmas do petismo para se impor junto aos agentes financeiros. A
intimidade adquirida com o Judiciário e com os atuais líderes da oposição quando
presidiu a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a norteia para
trafegar nos impasses surgidos nos tribunais e no Congresso durante a
tramitação das propostas econômicas do governo.
Na semana passada, a previsão, no governo,
era de que o placar no julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a
exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo para a
tributação federal (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido) seria de 7 a 2. A cautelar do ministro André Mendonça,
do Supremo Tribunal Federal, porém, levou à unanimidade do 9 a 0. Com um placar
desses, o STF, na avaliação interna do governo, reverterá o entendimento do
STJ, crucial para a União amealhar as receitas necessárias à sustentação do
arcabouço fiscal. “O Supremo já deu demonstração de que tem o papel de guardião
da Constituição passa por uma interpretação mais sistêmica”, diz a ministra.
Simone Tebet não teme que a derrota de uma
entidade do setor nessa ação, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag),
aumente a tensão com os ruralistas. “O ambiente está conflagrado por outras
razões. Sou do agronegócio e sei que a tensão tem mais a ver com a invasão de
áreas produtivas e com a demarcação de áreas indígenas sem a devida
compensação”.
No fim da semana passada, depois de saber
que o ex-presidente Jair Bolsonaro compareceria a uma feira de agronegócios, a
Agrishow — que perdeu o patrocínio do Banco do Brasil — na comitiva do
governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva proibiu o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, de subir ao mesmo
palanque. O governador ligou para Lula na tentativa de se justificar, mas o
presidente permaneceu irredutível.
A experiência da ministra na CPI da Covid
lhe dá segurança para afirmar que a CPMI dos atos golpistas não mobilizará a
população da mesma forma e, por conseguinte, não afetará a tramitação da
reforma tributária. “Naquela CPI as pessoas estavam apavoradas e queriam
vacina, agora já viraram a página e querem emprego”.
Se a ministra dá por certa a aprovação do
arcabouço até junho, acredita que a reforma tributária, para passar, depende de
mais negociação política com a Câmara dos Deputados do que do burilamento
técnico da proposta. Já haveria, na sua opinião, um grau de consenso
consolidado em torno da proposta.
Esse consenso estaria exemplificado na
escolha do relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), parlamentar que
mergulhou no tema nas legislaturas de Rodrigo Maia na Presidência da Casa. Cresce,
no governo, a expectativa de que os deputados podem vir a cobrar, dos
senadores, celeridade na aprovação da liberalização do jogo aprovada na Câmara
na gestão Jair Bolsonaro e paralisada no Senado.
Quatro meses depois de ser empossada no
cargo, Tebet diz que a surpresa mais positiva no Executivo foi com o grau de
comprometimento dos ministros das pastas de estruturas pequenas, como Anielle
Franco (Igualdade Racial), Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Cida Gonçalves
(Mulheres) em buscar saídas para viabilizar seus projetos. Situa, entre os
desafios a serem superados, a conquista da metade do Brasil que não votou em
Lula.
A seguir, a entrevista concedida por Simone
Tebet ao Valor no
escritório da Controladoria Geral da União em São Paulo, no prédio em que
também fica a sede do Banco Central na Avenida Paulista, no final da manhã da
última sexta-feira.