quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

Vive-se um fim de ciclo e nada garante que o próximo será melhor do que este em via de fechar. Há tempos que nosso mundo gira fora do eixo dos seus gonzos. Estamos, agora, no reino da imprevisibilidade, condenados a marchar nas trevas, uma vez que o passado não mais ilumina o futuro, uma vez que deixamos escapar, por manobras erráticas e ambições de poder, o rico repertório que criamos ao longo das lutas contra o regime militar e nos conduziu à democratização do País.

Não se chegou a esse momento de refundação da vida republicana com as mãos abanando, pois foi antecedido por uma bem-sucedida revisão crítica, por parte das ciências sociais, da nossa história de autoritarismo político e pela ação de movimentos sociais e partidos políticos aplicados na mesma direção.

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*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio. ‘Retomar o fio da meada’, O Estado de S. Paulo, 7.2.2016

Eliane Cantanhêde: Os caças da FAB

- Estado de S. Paulo

O Ministério Público reabriu as investigações sobre os caças da FAB, mas uma coisa é certa: se alguém pagou propina a favor do sueco Gripen NG, da Saab, jogou dinheiro fora; e, se alguém recebeu por fora para forçar esse resultado, levou sem muito esforço (recorrendo à Wikipedia?) O que, talvez, torne ainda mais grave a suspeita de suborno.

O programa FX da FAB começou no governo Fernando Henrique, arrastou-se pelos oito anos de Lula e só teve um desfecho no primeiro mandato de Dilma. Deve ter rolado muito lobby, pressão e tráfico de influência, mas o fato é que a narrativa tem uma sequência razoavelmente clara e uma conclusão lógica. Com corrupção ou não, daria o avião sueco.

O FX evoluiu para FX-2, já com novos modelos, e levou todos esses anos por falta de dinheiro, decisão política e coragem para enfrentar a opinião pública, que prefere investir em saúde (e evitar o zika vírus) a comprar aviões, tanques e submarinos das Forças Armadas. Mas, quando Dilma Rousseff anunciou o sueco, com um custo aproximado de US$ 5 bilhões, não houve bafafá. A sociedade já tinha assimilado a importância da defesa aérea e os concorrentes estavam preparados. Passou sem dor.

Além do Gripen NG, concorriam o francês Rafale, da Dassault, e o americano F-18 Super Hornet, da Boeing, alvos de um embate entre as áreas política e técnica do governo nos dois mandatos de Lula. O presidente e os ministros da Defesa, Nelson Jobim, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, fizeram de tudo pelo Rafale, mas a Aeronáutica sempre trabalhou pelo Gripen, com apoio de empresas brasileiras do setor.

Deslumbrado com a tal “aliança estratégica” com a França, Lula queria o Rafale e, num dos três ou quatro encontros com o então presidente Nicolas Sarkozy num único ano, chegou a anunciar a escolha do caça francês antes de receber o relatório da Comissão Coordenadora do Programa Aeronaves de Combate (Copac, da FAB). Diante do constrangimento geral e da chiadeira na Força Aérea, voltou atrás no dia seguinte. Primeiro, a posição da FAB; depois o anúncio.

E aí veio o problema: a conclusão do relatório de 37 mil páginas, que vazou pela imprensa, dava o caça sueco em primeiro lugar, o dos EUA em segundo e o queridinho do Planalto em terceiro e último. Como anunciar o francês na contramão da Aeronáutica? A partir daí, a política fez o resto. Lula foi se afastando de Sarkozy e perdeu definitivamente o encanto quando a França passou-lhe uma bela rasteira, votando na ONU contra o acordo do Irã articulado por Brasil e Turquia. Nunca mais Lula falou de Sarkozy e de caça da FAB. Selou-se, assim, a sorte do mais caro dos três concorrentes do FX-2.

Início de Dilma, reinício do programa. Sem o Rafale, começou a decolar o F-18 americano, embalado pelo fato de que os EUA são o país que mais investe em defesa, a Boeing é a maior empresa do setor no mundo e dez entre dez pilotos adoram os caças americanos. Com essa promissora avenida – ou pista –, a Boeing instalou até representação no Brasil, com a respeitada ex-embaixadora Donna Hrinak à frente, mas a espionagem dos EUA no Brasil explodiu tudo. Assim como o acordo do Irã derrubou o Rafale, a NSA atingiu o F-18 em plena decolagem.

A compra dos jatos deu um giro de 180 graus e voltou ao início: o relatório da Copac, que considerou critérios como preço, custo de manutenção e absorção de tecnologia, e deu a vitória ao Gripen NG. Muita gente certamente ganhou dinheiro por fora dos três lados, mas prevaleceu a lógica: pela preferência da FAB, pelas condições técnicas e pelas circunstâncias políticas, daria o avião sueco de qualquer jeito. Se o MP e a PF descobrirem mutretas, vão descobrir também que quem pagou entrou de gaiato e quem levou ficou na sombra e água fresca.

Elio Gaspari: ‘Somos todos Lula’

• O comissariado petista inspirou- se num sonho de Farah Diba, a ex- imperatriz do Irã

- O Globo

O ex-presidente Lula acredita na própria invulnerabilidade. No domingo de carnaval os repórteres Vera Rosa e Ricardo Galhardo revelaram que, durante uma reunião com Lula, dirigentes do PT sugeriram a criação de uma rede de apoio a Nosso Guia com o slogan “Somos todos Lula”. Seria algo como o famoso “Je suis Charlie”, criado depois do ataque terrorista à redação do “Charlie Hebdo”. Seria, mas jamais será.

Puxando- se pela memória, a ideia ecoa uma proposta feita em 1978 pela imperatriz Farah Diba, do Irã. Seu país estava conflagrado, com milhões de pessoas na ruas pedindo o fim da monarquia mequetrefe de seu marido, o xá Reza Pahlevi. Farah vivera em Paris e lembrou que em 1968, quando os estudantes franceses pediam a renúncia do presidente Charles de Gaulle, o velho general convocou seus partidários para uma marcha pela avenida Champs-Elysées. Um ministro interrompeu-a:

— Talvez consigamos fazer uma marcha como a de De Gaulle, mas só em Paris.

Era lá que estavam os iranianos endinheirados que haviam fugido do país e lá passava a maior parte do tempo a princesa Ashraf, irmã gêmea de Reza. Semanas depois de propor a marcha, Farah e o marido saíram às pressas de Teerã. Ela não teve tempo para limpar direito sua escrivaninha.

“Somos todos Lula”, quem, cara pálida? Nosso Guia queixa- se de que ninguém o defende. Nem ele, pois até agora não deu uma só explicação para seus confortos. Some- se a isso que jamais defendeu o comissário José Dirceu. Talvez não achasse argumentos para fazê-lo.

A vida deu a Lula um sentimento de onipotência que em certos momentos soa irracional, mas é sempre compreensível. Ele e sua mulher, Marisa, saíram daquele Brasil que tem tudo para dar errado. O retirante pernambucano cresceu na pobreza de uma família desestruturada. Sua primeira mulher, grávida, morreu num hospital público. Marisa, seu segundo matrimônio, fora casada com um taxista assassinado, cujo carro passou a ser dirigido pelo pai, também assassinado.

Como dirigente sindical, Lula comandou duas greves históricas que projetaram- no nacionalmente. Ambas resultaram em perdas financeiras para os grevistas, mas isso tornou- se uma irrelevância. Candidatou- se ao governo de São Paulo em 1982 e ficou em terceiro lugar, com 1,1 milhão de votos contra 5,2 milhões de Franco Montoro. Disputou quatro vezes a Presidência da República e perdeu duas eleições no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso.

Metamorfose ambulante, superou todas as adversidades. Elegeu- se, reelegeu- se, colocou um poste na sua cadeira e ajudou a permanência de Dilma Rousseff no Planalto, dando ao PT um predomínio inédito na história do país. Conta a lenda que um áulico atribuiu-lhe a cura de um câncer de um colaborador.

Lula acredita na própria invulnerabilidade. Para quem se reelegeu depois do escândalo do mensalão, tem boas razões para isso. A ideia de multidões vestindo camisetas com a inscrição “Somos todos Lula” reflete o modo de fazer política de um comissariado intelectual e politicamente exausto. Noves fora a piada de que esse poderia ser o uniforme da bancada de Curitiba, marquetagens desse tipo exauriram-se.

É impossível especular como ele sairá das encrencas em que se meteu, mas uma coisa é certa : seus maiores aliados, como sempre, são os seus adversários.

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Elio Gaspari é jornalista

Dora Kramer: Silêncio eloquente

- O Estado de S. Paulo

Apesar de todos os pesares e dissabores desabonadores vividos ultimamente, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva ainda não perdeu o posto de personagem central da política brasileira. De longe é a figura que desperta maior interesse e recebe mais destaque por parte dos meios de comunicação. Basta acontecer com Lula para que qualquer fato, fala e/ou ato virem notícia.

Câmeras, luzes e microfones estão permanentemente à disposição dele. A recíproca, contudo, não é sempre nem necessariamente verdadeira. Em situações adversas, por exemplo, prefere fazer de conta que não dispõe desse acesso pleno, cala e foge de contato com pessoas ou ambientes passíveis de questionamentos.

Nessas ocasiões entra em cena o “Lula fraquinho”, esculpido pela imaginação publicitária de João Santana. É o perseguido, vítima das elites revoltadas com seu sucesso e absolutamente inconformadas com a redução da miséria no País. Trata-se de um contraponto ao “Lula fortão” (criado pelo mesmo autor) que por enfrentar tudo com o destemor de um legítimo sertanejo, tornou-se todo poderoso.

A este é dado o direito de desfrutar de todo o tipo de favores concedidos por áulicos oriundos das elites, claro – e beneficiamentos a título de compensação pelos serviços prestados ao País, ainda que ao arrepio da legalidade e da moralidade. A “coisa mais natural do mundo”, nas palavras do companheiro Gilberto Carvalho.

Àquele, o fraco, é concedida a prerrogativa do silêncio conveniente. Faz o papel do ofendido, enquanto os porta-vozes escalados para sua defesa rebatem as “calúnias” com muitos adjetivos e nenhum argumento substantivo.

Lula é alvo de quatro investigações: no Ministério Público do Distrito Federal, por suspeita de tráfico de influência em favor de empreiteiras que o contrataram para palestras; na Operação Lava Jato por suposta ocultação de patrimônio do sítio Santa Bárbara, em Atibaia; na Zelotes, em decorrência de medidas provisórias que beneficiaram o setor automobilístico; e no MP de São Paulo, por força de inquérito que apura a compra de um apartamento no Guarujá e a muito mal explicada reforma feita pela construtora (OAS) na unidade 164-A.Obra supervisionada por Marisa Letícia até o momento em que a existência da empreitada veio a público.

Diante disso, Lula silencia e o PT põe em marcha uma estratégia de defesa em duas frentes: uma para pedir “respeito” à história e à trajetória do comandante – isso sem o menor pudor em distribuir ofensas e acusações a torto e a direito em relação aos ditos perseguidores – vítima de “linchamento político e moral”, e outra para convidar o País a mudar de assunto. “Vamos deixar de lado o pessimismo e construir vitórias”, apela a mais recente propaganda do partido.

Esse esforço seria apenas inútil não fosse antes de tudo contraproducente. Além de não corresponder à verdade, a alusão ao linchamento não responde às questões objetivas em jogo, apenas tergiversa. A ideia de mudar de assunto equivale à confissão de que o PT não compartilha do interesse público pelo combate à corrupção.

A única maneira decente e eficaz de reduzir ou mesmo eliminar os danos tão temidos pelo partido ao seu último bastião, seria Lula se valer do monumental espaço permanentemente franqueado a ele nos meios de comunicação e rebater com lógica, moderação, franqueza, consistência e, se possível, farta documentação, cada uma das acusações desmontando, com fatos, as versões que lhe mancham a reputação.

O silêncio, ao contrário, confere ares de consentimento às suspeitas e serve como terreno fértil às alegadas difamações.

Rosângela Bittar: Lula tem novo candidato

• O ex-presidente não desistiu, mas está atento ao que vier

- Valor Econômico

O ex-presidente Lula começou a pensar objetivamente na impossibilidade de candidatar-se a presidente e passou também a tratar das alternativas que tem o PT. Em conversa há uma semana com um amigo não político, e por isso acredita-se que se despiu do jogo, introduziu um novo nome do seu partido no elenco da sucessão presidencial, o novo preferido: Fernando Pimentel. Comentou que continuam no jogo outros nomes, caso não venha mesmo a ser candidato, o que se tornou mais nítido após a intensificação das suspeitas contra ele e sua família de envolvimento em irregularidades nas operações Zelotes e Lava-Jato. E parece realmente estar guardando lugar para os petistas não se engalfinharem precocemente.

Nesse quadro de nomes ainda possíveis estão com lugar permanente o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, se vier a ser reeleito; o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, que tem ensaiado uma volta à cena, mesmo com uma administração burocrática, no automático, no Ministério da Educação; e o ministro chefe da Casa Civil, Jaques Wagner.

Wagner é quem está se preparando há mais tempo e quem tem melhor posição de lançamento.

O ex-presidente Lula, porém, surpreendeu seu interlocutor ao omitir os candidatos conhecidos e dizer, com convicção e voz baixa, que Fernando Pimentel é o melhor candidato neste momento.

À lembrança de que, tal como Mercadante e Wagner, Pimentel também tem em seu portfólio denúncia de comprometimento com irregularidades, os adeptos do novo candidato chamam à realidade o fato de que é a mulher dele, e não ele, quem mereceu inclusão em investigação da Operação Acrônimo. E, mais do que Wagner, que tem origem política em um colégio eleitoral também forte, Pimentel tem um apoio respeitável em Minas Gerais. Ressalta-se, ainda, uma vantagem do governador de Minas: "Não tem cara nem o discurso batido do PT." É um político petista considerado representante da elite. Pronto, está feito o novo candidato de Lula para concorrer com tucanos e pemedebistas em igualdade de imagem.

A presidente Dilma, porém, pode até apoiar Pimentel, a quem foi ligada no início do governo, mas sua preferência deve recair sobre Mercadante.

Nas avaliações que são feitas sobre o desempenho do governo, Mercadante continua sendo o preferido da presidente. Quem acompanha de perto a administração revela que, quando ela quer informações sobre o PT, chama Jaques Wagner; quando quer informações sobre aliados, especialmente o PMDB, chama Aldo Rebelo; e quando quer agir, governar, tomar decisões e providências, chama dois ministros de sua absoluta confiança: José Eduardo Cardozo e Aloizio Mercadante.

Ela teria outras escolhas, há ministros bem avaliados no governo tanto interna quanto externamente. Armando Monteiro, o ministro do PTB, por exemplo, a quem foi destinada a área de Desenvolvimento, calcanhar de aquiles do governo e cerne de sua política econômica, é considerado um dos melhores e mais fortes ministros. Foi cogitado para substituir Joaquim Levy por sugestão do mercado financeiro, que o tem em alta conta de eficiência. Do lado do governo, chegou a realmente ser sondado para ministro da Fazenda, ficou à espera de definição, mas Dilma resolveu dar o posto ao PT.

A eficiência da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, não é contestada, embora se considere que ela perde pontos pelo temperamento. Nelson Barbosa é um funcionário correto, representou bem o PT na economia com a saída de Guido Mantega, é respeitado mas não é crível, está verbalizando ideias que combateu desde sempre e a qualquer momento pode ser desmentido, ou se desmentir.

Nenhum desses, porém, entrou na lista de Lula. Cuja candidatura depende mais da criação de um antídoto para as sucessivas revelações de operações anti-corrupção que minam sua imagem do que de sua vontade. Por via das dúvidas, prepara-se para o pior.

Políticos ligados ao presidente Lula não têm feito segredo, ao contrário, até espalham, que ele está insatisfeito com o constrangimento da presidente Dilma em defendê-lo das denúncias nas operações de investigação de corrupção no seu governo.

Não foi só agora, porém, que a presidente faz que não é com ela. Não tem se manifestado a favor de ninguém, e quando se pede a proteção do presidente no cargo, não se sabe muito bem, publicamente, o que se quer. A hipótese é que seja clemência da Polícia Federal, sobre a qual tem ascendência o ministro da Justiça do governo em vigor. Lula evita verbalizar cobranças, mas seus filhos estão furiosos. E a irritação tem aumentado.

No dia 27 de outubro, Lula fez 70 anos e organizaram pra ele um churrasco na piscina do Instituto Lula. Na véspera, dia 26 de outubro, a Polícia Federal havia deflagrado uma nova etapa da Operação Zelotes, que teve como alvo a empresa de marketing esportivo de Luís Cláudio Lula da Silva, filho caçula de Lula. A ação acirrou os ânimos e o clima estava pesado entre Lula e Dilma. No Palácio do Planalto, ninguém confirmava se ela iria ou não para a festa. No início da tarde do dia 27, Dilma acabou com o suspense e confirmou presença. Foi, acompanhada apenas pelo ministro Jaques Wagner.

Um convidado comentou depois que os dois fingiram bem, mas a mulher do ex-presidente Marisa Letícia, e os filhos presentes, não disfarçaram os olhares com que fulminaram Dilma.

Assessor da presidente admite que os filhos de Lula estão mesmo cobrando solidariedade, mas no Palácio do Planalto o que alimenta a despreocupação com apelos é a certeza absoluta que, se Lula estivesse no lugar de Dilma, e ela fosse a acusada, ele estaria agindo exatamente da mesma forma. Como agiu com José Dirceu (mensalão e Lava-Jato), João Vaccari (Lava-Jato), Edinho Silva (Lava-Jato), Delúbio Soares (mensalão), Aloizio Mercadante (aloprados), e tantos outros petistas que já desfilaram nas sucessivas operações da PF.

José Nêumanne: O recruta Lula contra todo o resto do pelotão

- O Estado de S. Paulo

A família Silva, antes de o apelido do chefe, Lula, ter sido adicionado à própria denominação, morou numa modesta casa de vila operária no Jardim Assunção, em São Bernardo do Campo, há 40 anos. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, hoje intitulado do ABC, não tinha mais de dar expediente no torno mecânico, para o qual fora habilitado pelo Serviço Nacional da Indústria (Senai), e liderava greves operárias que desafiaram a legislação trabalhista da ditadura, abalando com isso as estruturas do regime tecnocrático-militar de exceção. Ele simbolizava então a nova classe operária brasileira e, assim, deu-se ao luxo de adquirir um sítio, que denominou Los Fubangos, às margens da Represa Billings, perto de casa, e atualmente está abandonado.

Agora, 40 anos depois, Luiz Inácio e Marisa Lula da Silva, que moram num apartamento dúplex em bairro nobre da mesma cidade do ABC, protagonizam um dos casos mais estapafúrdios, ridículos e bisonhos da história do sempre conflagrado direito fundiário no Brasil. A Polícia Federal (PF), o Ministério Público de São Paulo (MPSP) e o Ministério Público Federal (MPF) investigam a hipótese de o casal ter usado um tríplex no edifício Solaris, da construtora OAS, na praia das Astúrias de um balneário que já teve seus dias de glória, o Guarujá, e um luxuoso sítio na Serra da Mantiqueira, em Atibaia, no interior de São Paulo, para ocultar patrimônio, uma forma de lavar dinheiro ilícito.

A história do imóvel à beira-mar é absurda, de tão suspeita. A cooperativa dos bancários (Bancoop) fundada por Ricardo Berzoini, da casta dirigente do sindicato da categoria em São Paulo, sob a égide do amado companheiro Luís Gushiken, construiu-o e denominou-o Residencial Mar Cantábrico. Sob a presidência de outro famigerado sindicalista, João Vaccari Neto, a cooperativa é acusada há dez anos de haver ludibriado cerca de 3 mil famílias, cobrando delas penosas prestações mensais e não lhes entregando, como devia, moradias prontas para usar.

Os compradores das unidades do edifício no Guarujá não têm de que se queixar. A empreiteira OAS encarregou-se de acabar as unidades não concluídas, mudou o nome para Solaris e beneficiou graduados militantes do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual Lula é o principal líder. Mesmo com a Bancoop sob suspeita do MPSP há dez anos, esses beneficiários da generosidade possibilitada pela má gestão de Vaccari nunca arredaram pé de seus domínios com vista para o Atlântico. Figuram entre eles Simone, mulher de Freud Godoy, que foi segurança de Lula e “aloprado” acusado de ter falsificado dossiê contra José Serra, Vaccari, sua cunhada Marice Corrêa de Lima e, suspeita-se, o casal Marisa e Lula.

Não consta da saga do torneiro mecânico que ocupou o cargo mais poderoso da República que tenha dado expediente em agência bancária na vida. Nem que Marisa tenha tido uma banca de jornal ou qualquer bem que se possa aproximar semanticamente da palavra bancário, que orna a denominação da Bancoop. O líder dos oprimidos jamais emitiu um protesto ou uma palavra de agradecimento pelo sacrifício de milhares de bancários que acusam, até hoje em vão, na Justiça, o PT, que ele lidera, de ter malbaratado a poupança deles. Sempre atento ao rabo de palha alheio, ele também nunca protestou contra o uso do dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para financiar a pilhagem de que Vaccari é acusado.

A enxurrada de explicações que tem sido dada pelo casal também passa ao largo das suspeições dos agentes da lei em torno do empreendimento. A Operação Triplo X – assim batizada em referência ao tríplex pelo qual o casal pagou originalmente R$ 47.695,38, conforme o próprio ex informou ao Imposto de Renda na declaração feita para a campanha de 2006 – investiga a hipótese de a OAS ter usado os apartamentos para lavar propinas do petrolão.

Segundo o delegado Igor de Paula, “há indícios de que alguns desses imóveis foram utilizados para repasse de recursos de propina, a partir de contratos com a Petrobrás”. A PF e o MPF buscam, então, a razão lógica, no meio dessa barafunda de versões, para a OAS ter assumido o empreendimento a ponto de seu então presidente, Léo Pinheiro, ter acompanhado o casal Lula na visita ao único tríplex do prédio, em cuja reforma a empresa investiu R$ 1 milhão e que eles não tinham comprado. Hoje os dois estão juntos e misturados com a empresa panamenha Mossack Fonseca, acusada de possuir unidades no edifício e de estar ligada a firmas abertas no exterior por réus da Lava Jato.

Já era confusão de bom tamanho para o ex, mas ele ainda terá de explicar, na condição de investigado, por que um consórcio formado por empreiteiras acusadas de roubo do erário, a OAS e a Odebrecht, e o pecuarista falido José Carlos Bumlai, que usava no Palácio do Planalto um passe livre assinado por ele, comprou para um sítio em Atibaia pertencente a dois sócios de seu filho Fábio Luiz uma cozinha chique igualzinha à que a OAS encomendou para o tal apartamento.

Mas mesmo protagonizando essa história implausível e no momento em que PF e MPF o investigam em Lava Jato, Zelotes e Solaris, Lula não perdeu a pose e disse a fiéis blogueiros que é “a alma viva mais honesta que há”. O jornalista Jorge Moreno deu no Globo ordem mais sensata à frase: “A alma honesta mais viva que há”. Faz sentido. Afinal, para continuar bancando o São Lula Romão Batista, o ex terá de convencer a Nação de que PF, MPSP, MPF, vítimas da Bancoop e o juiz Sérgio Moro advogam para o diabo contra a sua santidade.

Assim, Lula age como o recruta que se diz injustiçado pelo sargento que teima em fazê-lo marchar no passo do restante do pelotão, pois acha que só ele está no passo certo. O diabo é que ainda há na plateia da parada quem acredite que certo está ele, não juiz, federais e procuradores. Até quando terá o benefício da dúvida?
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*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor

- Folha de S. Paulo Depois de flertar com a irresponsabilidade fiscal em 2015, o PSDB promete não acender mais o pavio das pautas-bomba na Câmara. É o que diz o novo líder do partido, o baiano Antonio Imbassahy. Em setembro passado, o deputado foi um dos 51 tucanos que votaram pela derrubada do fator previdenciário, regra criada no governo FHC para evitar as aposentadorias precoces. O ex-presidente reclamou, e a sigla foi acusada, com razão, de apostar no "quanto pior, melhor" para desgastar o governo. Cinco meses depois, Imbassahy afirma que a bancada errou nessa e em outras votações com impacto nas contas públicas. "Cometemos algumas extravagâncias no ano passado. Foi uma coisa fora da nossa história, nós reconhecemos isso", penitencia-se o deputado, que substituiu o paulista Carlos Sampaio na liderança do partido. O tucano estende a autocrítica a outras propostas que atrapalharam o ajuste fiscal, como os aumentos indiscriminados para o funcionalismo. "Não cabe à oposição fazer coisas malucas. Essas pautas eram corporativas e fisiológicas. Apoiá-las foi um erro danoso ao partido", afirma. Em 2016 a atitude do PSDB será diferente, diz Imbassahy. "Não faremos nada para sabotar o ajuste. Vamos facilitar o que for necessário para revigorar a economia, com a condição de não apoiar a criação de novos impostos, como a CPMF." Apesar da promessa de colaboração com o Planalto, o tucano não desistiu de pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ele reconhece que a tese perdeu força, mas conta com sua retomada em março. Imbassahy também promete defender a queda de Eduardo Cunha, com quem o PSDB manteve uma aliança branca em 2015. "Nosso entendimento é que ele não tem mais condições de permanecer na presidência da Câmara", afirma. Perguntei se ele frequentará a residência oficial do peemedebista, como fazia o seu antecessor. "De forma alguma", prometeu o novo líder tucano.

- Folha de S. Paulo

Depois de flertar com a irresponsabilidade fiscal em 2015, o PSDB promete não acender mais o pavio das pautas-bomba na Câmara. É o que diz o novo líder do partido, o baiano Antonio Imbassahy.

Em setembro passado, o deputado foi um dos 51 tucanos que votaram pela derrubada do fator previdenciário, regra criada no governo FHC para evitar as aposentadorias precoces.

O ex-presidente reclamou, e a sigla foi acusada, com razão, de apostar no "quanto pior, melhor" para desgastar o governo. Cinco meses depois, Imbassahy afirma que a bancada errou nessa e em outras votações com impacto nas contas públicas.

"Cometemos algumas extravagâncias no ano passado. Foi uma coisa fora da nossa história, nós reconhecemos isso", penitencia-se o deputado, que substituiu o paulista Carlos Sampaio na liderança do partido.

O tucano estende a autocrítica a outras propostas que atrapalharam o ajuste fiscal, como os aumentos indiscriminados para o funcionalismo. "Não cabe à oposição fazer coisas malucas. Essas pautas eram corporativas e fisiológicas. Apoiá-las foi um erro danoso ao partido", afirma.

Em 2016 a atitude do PSDB será diferente, diz Imbassahy. "Não faremos nada para sabotar o ajuste. Vamos facilitar o que for necessário para revigorar a economia, com a condição de não apoiar a criação de novos impostos, como a CPMF."

Apesar da promessa de colaboração com o Planalto, o tucano não desistiu de pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ele reconhece que a tese perdeu força, mas conta com sua retomada em março.

Imbassahy também promete defender a queda de Eduardo Cunha, com quem o PSDB manteve uma aliança branca em 2015. "Nosso entendimento é que ele não tem mais condições de permanecer na presidência da Câmara", afirma. Perguntei se ele frequentará a residência oficial do peemedebista, como fazia o seu antecessor. "De forma alguma", prometeu o novo líder tucano.

Míriam Leitão: Mercados tremem

- O Globo

Enquanto o Brasil pulava o carnaval, o mundo se afundou no medo de uma crise bancária europeia que, por contágio, pode atingir outros países e ativos. O Deutsche Bank é só a ponta do iceberg. Ele perdeu 38% do seu valor desde o começo do ano e divulgou um balanço com € 7 bilhões de perda. Mas outros bancos, alemães, franceses, suíços e, claro, gregos despencaram na bolsa em dois dias de mercado fechado por aqui.

Esse temor deve se refletir na Bovespa logo na abertura. A interligação dos mercados é total nestes tempos globalizados. Tanto é assim que a Petrobras em dois dias perdeu 10% na Bolsa de Nova York. O Japão, que na segunda-feira havia subido um pouco, contrariando a tendência geral, ontem despencou 5%. Como é típico desses momentos, há fatos e declarações que revertem o movimento para em seguida os ativos voltarem a se comportar como todos os outros. Algumas bolsas que ficaram fechadas pelo Ano Novo Lunar devem hoje refletir o movimento de ontem.

Essa onda de medo em relação aos bancos é derivada direta da queda dos preços do petróleo. As instituições financeiras estão muito expostas a ativos ligados à commodity, sejam papéis, sejam empresas, e a queda dos preços foi mais intensa do que o previsto pela maioria dos analistas. E como sempre acontece nestes momentos, quem está mais frágil sente mais. Os bancos gregos tiveram quedas de 24% esta semana. Várias instituições divulgaram balanços com prejuízos. Até sexta devem sair outros demonstrativos.

O dominó é assim: a China cresce menos e por isso os preços das commodities caem, entre eles, o petróleo e isso afeta os papéis lastreados em petróleo e as empresas de energia. A sequência de eventos fragiliza os bancos que têm esses ativos em carteira. Há analistas achando que tudo isso é exagero, mas a economia mundial está com os nervos à flor da pele. O Brasil fechado para balanço para curtir o carnaval e cercado por riscos, como o Aedes aegypti e suas pragas, não viu o quanto a tensão aumentou nas últimas 48 horas.

O mercado financeiro nos últimos anos sempre puniu os países mais atingidos por crises e dúvidas elevando o CDS, o Credit Default Swap, ou seja, o custo do seguro contra o país em questão. Isso nem sempre tem a ver com a realidade. Quem tem o título de país cujo CDS sobe tem, na prática, que pagar mais caro para se proteger do risco desse país. O CDS do Brasil nos últimos tempos ficou acima do da Argentina. Em outras palavras, quem quiser comprar seguro para se proteger do risco Brasil paga mais caro do que para se proteger do risco argentino. O que é uma insensatez já que o Brasil tem US$ 370 bilhões de reserva e déficit externo em declínio, e a Argentina não tem reservas e tenta negociar uma dívida à qual deu calote. Ontem o que disparava era o custo de se proteger do risco dos bancos, principalmente os europeus. O CDS dessas instituições subiu fortemente.

Com a segunda queda consecutiva no valor das ações do Deutsche Bank, o ministro alemão Wolfgang Schäuble teve que vir a público, na terça-feira, para dizer que não estava preocupado com o banco. Curioso é que Schäuble sempre foi o carrasco dos países encrencados da Europa e ontem era ele que tinha que tentar infundir confiança no maior banco de seu país. As ações caíram 4% depois da queda de 9,5% da segundafeira. Outros bancos europeus tiveram desvalorizações maiores na terça-feira. O Credit Suisse caiu 8%. No caso do Deutsche, o principal executivo da instituição, John Cryan, declarou ontem pelo segundo dia consecutivo que o banco está sólido.

Pelo sim, pelo não, no final do dia o Deutsche anunciou que fará um plano emergencial de recompra de bonds que lançou e que têm perdido valor no mercado. O programa de recompra pode chegar a € 50 bilhões, mas não vai atingir os papéis que mais caíram nos últimos dias, os “Contingent Convertible bonds”, também conhecidos como “CoCo bonds”.

Esse clima de crise está reduzindo ainda mais os juros das economias desenvolvidas e ontem o Japão passou a pagar taxas negativas em seus papéis de 10 anos. O movimento é para estimular a atividade. Neste ambiente global negativo, o Brasil abrirá os bancos e a bolsa nesta quarta-feira de cinzas.

Vinicius Torres Freire: O mundo do avesso

- Folha de S. Paulo

Imagine emprestar dinheiro ao governo sabendo que vai receber menos do que emprestou. Não se trata de calote, mas de taxas de juros negativas: de pagar para emprestar ao governo.

É o que ocorre em parte do mundo rico desde 2014. Desde o fim de 2015, cresce rápido o total de dinheiro emprestado a taxa negativa.

Esse parece ser um motivo maior do atual tumulto nos mercados. A perspectiva de juros ainda mais baixos rebaixa as estimativas de lucros dos bancos, já degradadas pelo risco aumentado de calote de setores como petróleo, mineração, indústria, entre outros problemas.

Vendem-se então ações de bancos, que perdem valor; compram-se mais seguros contra calotes de bancos. O resto é contágio ou salve-se quem puder, medo, pois está difícil entender tanta encrenca na economia mundial.

Há juros negativos em países da Europa desde 2014. O Banco Central Europeu pode rebaixar suas taxas, em março. No final de janeiro, o banco central do Japão passou a cobrar para receber certos depósitos dos bancos, o que acabou por derrubar também os juros de longo prazo, nesta semana.

Nos termos mais simples, o retorno de um título (de um empréstimo ao governo, no caso) é a diferença entre o que se pagou por ele (investimento inicial) e o que se vai receber, no vencimento. Essa diferença é a "taxa de juros". No caso de retorno negativo, paga-se mais pelo título do que se vai receber, no vencimento.

Por que alguém faria tal negócio? Porque as opções parecem piores. Bancos, seguradoras ou fundos de pensão não podem guardar bilhões no cofre. Bancos podem considerar que não vale a pena emprestar a clientes ou fazer outra aplicação mais rentável, mas perigosa, dado o alto risco de calote numa economia deprimida. Ou consumidores e empresas podem estar meio falidos ou avessos a dívidas. Ou pode ser que se acredite em taxas ainda mais negativas (vende-se o título antes do vencimento e ganha-se com a sua valorização, pois).

Desde a crise de 2008, BCs do mundo rico tentam baixar juros a fim de estimular empréstimos e, assim, a economia. Ou a fim de fazer com que grandes investidores mandem dinheiro para fora de seus países, à procura de retorno maior. Se o dinheiro sai, a moeda do país se desvaloriza, os produtos da indústria nacional ficam mais baratos, pode se vender mais no exterior, estimular a economia.

Como os BCs forçam a baixa de juros? Compram títulos. Quando compram, o preço dos títulos sobe, fica mais próximo do seu valor no vencimento: quanto menor a diferença, menor o retorno. Mais recentemente, os BCs passaram ainda a cobrar para receber depósitos dos bancos.

Muito banco tirou dinheiro dos BCs. Mas não emprestou nem mandou o dinheiro para fora (há medo da crise mundial, China, emergentes etc.). Comprou títulos de prazo mais longo. Quando se compram títulos, seu preço sobe, o retorno cai, repita-se. Foi o que aconteceu agora no Japão.

Apesar dos juros negativos, se faz pouco negócio na Europa e no Japão. Há deflação ou risco disso: queda de preços, em suma queda de salários, medo de mais crise. Os salários caem no Japão desde 2012. Trata-se de uma forma amena de doenças graves vistas na Grande Depressão dos anos 1930.

Sergio Lamucci: Demonização do Estado?

• Após anos de alta forte, gasto público precisa ser contido

- Valor Econômico

Em entrevistas recentes, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jessé Souza, tem insistido que, no Brasil, o "Estado tem sido demonizado como corrupto e ineficiente e o mercado visto como o reino de todas as virtudes". As declarações de Souza causam estranheza, num país marcado pelo crescimento quase ininterrupto dos gastos públicos nas últimas duas décadas e onde defender a privatização é tabu em eleições presidenciais.

Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcus André Melo fez uma crítica interessante às ideias de Souza, em artigo publicado na "Folha de S. Paulo" em 31 de janeiro. "As raízes do Brasil político e econômico não estão fincadas na demonização do Estado: pelo contrário, estão profundamente imbricadas na sua santificação", escreveu ele, observando que "a transição já começou", num texto que analisa a formação das instituições políticas brasileiras ao longo dos séculos XIX e XX.

O objetivo, aqui, é obviamente muito mais modesto. Embora as críticas ao Estado e à sua atuação tenham ganhado força em alguns setores da sociedade recentemente, a presença do setor público e a intervenção na economia cresceram muito nos últimos anos. Enfrentar essa questão, hoje, é decisivo para que o país possa voltar a crescer, e também para que o governo possa bancar as despesas mais importantes.

O projeto de demonização do Estado apontado por Souza em entrevistas sobre o seu livro "A Tolice da Inteligência Brasileira", se existe, parece ter fracassado. De 1997 a 2015, os gastos não financeiros do governo federal cresceram de 13,8% do PIB para 20,2% do PIB. A carga tributária aumentou muito no período, para financiar a alta das despesas. Neste ano, as isenções ou reduções tributárias devem atingir R$ 264 bilhões, o equivalente a quase 5% do PIB, segundo estudo do Credit Suisse.

A alta das despesas não financeiras do governo nos últimos anos se deve em grande parte ao crescimento de três rubricas, como têm mostrado Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, e Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV): gastos com aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), custeio da saúde e educação e programas sociais, como Bolsa Família, seguro-desemprego e abono salarial.

Vários desses gastos tiveram e têm efeitos sociais positivos, como o Bolsa Família, um programa barato e que chega efetivamente aos mais pobres. Já o aumento das despesas com o INSS está numa trajetória insustentável, comprometendo o equilíbrio estrutural das contas públicas. Especialistas no tema destacam a necessidade de uma reforma da Previdência, com a definição de uma idade mínima para a aposentadoria.

A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, passaram a falar sobre o tema, defendendo a importância da reforma. O ministro do Trabalho e da Previdência, Miguel Rossetto, porém, parece não ver urgência no assunto, um sinal não exatamente animador para uma pauta que já enfrentará resistência na sociedade.

O aumento do custeio com saúde e educação soa uma boa notícia, mas seria fundamental haver uma análise detalhada dessas e de outras despesas. Uma avaliação criteriosa dos gastos públicos é indispensável para que se conheça a qualidade e eficácia de cada despesa do governo, verificando se o dinheiro é de fato bem empregado.

Num momento em que o governo tem sérios problemas para levantar receitas, seja pelo mau momento da atividade econômica, seja pela resistência de boa parte da sociedade a elevações de impostos, conter a expansão do gasto público é crucial. Reduzir subsídios e cortar isenções e desonerações tributárias para setores escolhidos são outros caminhos para ajudar a equilibrar as contas públicas, medidas que também enfrentam obstáculos.

Em entrevista ao Valor publicada em outubro do ano passado, Souza disse considerar "fundamental" o "fortalecimento do Estado como instância principal no processo de eliminação de desigualdade". O presente descontrole fiscal - evidenciado no enorme déficit público e na disparada da dívida bruta - coloca em risco a capacidade do governo de manter programas sociais. Além disso, esse quadro fiscal contribui para que os juros fiquem em níveis mais elevados, pressionando as contas públicas. É um quadro que fragiliza o Estado - na visão de Souza, o responsável pelas melhoras que ocorreram nas "condições das classes populares" no Brasil, segundo declarou ao Valor.

Pelo marco regulatório do setor de petróleo de 2010, a Petrobras precisa ter no mínimo 30% de participação nos consórcios vencedores das licitações do pré-sal, o que não é condizente com um país que demoniza o Estado. Num quadro de alto endividamento e preços do petróleo em baixa, essa obrigação se torna um peso para a companhia, atualmente num processo de redução expressiva de investimentos. Hoje, há discussões sobre a necessidade de capitalização da Petrobras, num momento em que o Tesouro já está numa situação fiscal muito desconfortável.

O tabu sobre privatizações em eleições presidenciais é outro sinal de que o Estado não é satanizado no Brasil. Nos últimos pleitos, candidatos de oposição se comprometeram a não vender estatais, com medo de perder votos. Pesquisa do Datafolha de março do ano passado, aliás, mostra que 61% dos entrevistados eram contra a venda da Petrobras, num levantamento realizado quando já eram bastante conhecidas as denúncias de corrupção envolvendo a companhia.

Demonizar ou santificar o Estado não ajudará a resolver os problemas da economia brasileira. Mas, num cenário fiscal extremamente complicado, será necessário redimensionar o tamanho do setor público, freando a expansão dos gastos públicos, diminuindo renúncias fiscais e reduzindo a intervenção do governo na economia. Sem isso, o próprio financiamento de programas sociais que efetivamente auxiliam os mais pobres correrá riscos, e o país terá enormes dificuldades para sair da crise atual.

Zuenir Ventura: E está só começando

• Não me lembro de outro período da história contemporânea reunindo tantas crises: política, econômica, moral, ambiental e, a mais grave de todas, a da saúde pública

- O Globo

É impossível olhar para 2016 sem pessimismo. Se o ano no Brasil costuma começar depois do carnaval, como se diz, ele chega nesta Quarta- Feira de Cinzas carregado de maus presságios. Sei que não se recomenda fazer previsões sombrias, porque parece que se está torcendo para que elas se confirmem e a gente tenha razão para poder se vangloriar depois:

“Eu não disse?” Por outro lado, aprendi na infância que pensar no pior é uma forma supersticiosa de esconjurá-lo, de evitar que ele aconteça. De qualquer maneira, é impossível olhar para 2016 sem pessimismo ou pelo menos sem apreensão. Não me lembro de outro período da história contemporânea reunindo tantas crises ao mesmo tempo: política, econômica, moral, ambiental e, a mais grave de todas, a da saúde pública, agravada pela guerra até agora perdida contra esse inimigo quase invisível, o Aedes aegypti. Esse mosquito está espalhando em escala de calamidade o vírus da dengue, chicungunha e desse terrível zika, suspeito de causar a microcefalia, uma má- formação que impede na gravidez o crescimento do cérebro do bebê e que já fez cerca de cinco mil casos no ano passado. Só na semana que precedeu o carnaval, a epidemia cresceu quase 50% no país.

A gravidade desse quadro, no entanto, não pode servir de álibi para o governo se descuidar das demais crises, minimizando a importância delas. E nem pode permitir que uma visão cínica use a tragédia para desviar o foco das outras preocupações nacionais e anestesiar a indignação popular, sob a alegação: o que são a recessão econômica e os escândalos políticos quando milhares de crianças estão correndo o risco de adquirir o mal?

Há perguntas que ainda estão aguardando respostas. Dilma resistirá até o fim? A CPMF vai voltar mesmo? Quantas contas lá fora, além da nona, faltam ser descobertas para que Eduardo Cunha deixe de ser o presidente da Câmara, pelo menos isso? E o triplex, é ou não é de Lula? E o sítio em Atibaia? Quem pagou a reforma, a OAS ou a Odebrecht? Se o resultado final for comprovadamente sim, trata-se do escândalo que faltava. Se for não, é a desmoralização das investigações e o surgimento de um candidato imbatível em 2018. Outra questão é saber quem vai ajudar José Dirceu, coitado, que se queixou ao juiz Sérgio Moro de “dificuldades financeiras”, apesar dos R$ 40 milhões que recebeu em consultorias, e declarou serem “irrisórios” os R$ 120 mil mensais que recebia para emprestar seu nome a empresas investigadas pela Lava- Jato? E tudo isso sem falar no Rio de Janeiro, falido, tendo que pedir emprestado para pagar salários e com previsão de déficit de R$ 20 bilhões.

Quer dizer, o ano promete.

Comte Bittencourt: Educação reprovada

• Baixo investimento e crise não permitem adaptação aos parâmetros da LDB

- O Globo

O ano de 2016 deveria ser lembrado, além da realização das Olimpíadas, como a data em que saltamos de nove para 14 anos a duração da escolaridade obrigatória no Brasil. Porém, os baixos investimentos no ensino público, agravados pela atual crise nacional, não permitirão que todos os sistemas de ensino se adaptem aos parâmetros estipulados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para oferecer “Educação Básica obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos, assegurada sua oferta a todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”.

A Lei Federal 12.796/ 13 torna obrigatória a matrícula de todas as crianças a partir de 4 anos na educação básica até este ano letivo. Desde a aprovação da legislação, que ajusta a LDB, se mostrou urgente e necessário que as redes municipais e estaduais ampliassem a oferta do ensino gradativamente, passando a acolher em suas redes esses alunos, além de fornecer transporte, alimentação e material didático nas três etapas da educação.

Apesar do cenário desfavorável, não há como negar o avanço que tivemos nas últimas décadas. Para isso, é só recordarmos que até 1971 o ensino obrigatório e gratuito era de apenas quatro anos e, em 2010, passou a ser de nove, com a decisão de iniciar o ensino fundamental aos 6 anos de idade. A atual legislação é tão avançada que ultrapassa a de muitos países da Europa, onde o Estado assegura cerca de 11 anos de ensino público. Em contrapartida, em nosso país, a divisão da riqueza não contribui para que os municípios consigam se adequar à nova lei.

O desafio se agrava em função da parceria precária entre o estado e os municípios, que se deve à dinâmica equivocada definida pelo Pacto Federativo. Atualmente, temos uma federação que comporta a União, os estados e os municípios, e que, na distribuição da riqueza pública, os municípios detêm apenas 5%; 25% ficam com os estados; 70%, com a União. Para evitar tais distorções, é imprescindível compreender que as pessoas não moram nem no estado e nem na União. Os indivíduos residem nas cidades e o serviço público tem que se dar neste âmbito. É necessário rever a distribuição dos recursos.

A efetividade de um programa de educação tem que estar sob a responsabilidade de todos. Os estados são os entes que detêm mais recursos, mais capacidade técnica e mais experiência e precisam fazer, portanto, o equilíbrio da própria riqueza, para que municípios mais pobres tenham as mesmas condições de ofertar uma política pública de educação que as cidades mais ricas possuem. Para este ano, restou apenas a constatação de que o país não fez o seu dever de casa. Lamentavelmente, as crianças de 4 e 5 anos não estarão todas na escola. Faltou planejamento e investimento adequados para o avanço da oferta do ensino em todo o país. A “Pátria Educadora” falha mais uma vez.


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Comte Bittencourt é deputado estadual ( PPS- RJ) e presidente da Comissão de Educação da Alerj

Delator diz que ex-ministro fez lobby para destravar obra

Rubens Valente, Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Um e-mail do empreiteiro Ricardo Pessoa, um dos delatores da Lava Jato, envolve o ex-ministro do Trabalho Manoel Dias (PDT) em lobby para contornar problemas trabalhistas em obras da Petrobras. O e-mail de Pessoa, dono da construtora UTC, foi entregue por ele à PGR (Procuradoria-Geral da República).

As questões trabalhistas se referem à construção de plataformas de petróleo e cascos de navios, encomendados pela Petrobras à Engevix e a um consórcio formado por Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Iesa Óleo e Gás e UTC.

Em maio de 2013, as obras estavam paralisadas em decorrência da ação de uma força-tarefa do MPT (Ministério Público do Trabalho) no Rio Grande do Sul.

O MPT identificou diversas irregularidades, segundo relato do e-mail de Pessoa: jornada de trabalho "estendida, inclusive com trabalhos aos domingos e sem respeitar o descanso semanal obrigatório", problemas com a segurança no trabalho e "condições de trabalho, o que inclui alojamentos próprios e de subcontratadas".

Para assegurar a retomada das obras, o então ministro foi procurado. De acordo com o e-mail escrito pelo empreiteiro com o timbre de "confidencial", Brasília "foi acionada" pela Queiroz Galvão "e provavelmente pela Petrobras também".

A partir daí, segundo Ricardo Pessoa, o então ministro do governo Dilma Rousseff "acionou" o ex-deputado estadual, também do PDT, Heron Oliveira, nomeado superintendente regional do Trabalho de Porto Alegre pela segunda vez em maio de 2013.

Segundo o e-mail, Dias chegou a "antecipar" informalmente a designação de Oliveira para o cargo, apenas para resolver o empecilho das empreiteiras, todas investigadas na Lava Jato.

"O Herom [Heron] será nomeado superintendente provavelmente essa semana, mas foi 'nomeado' de imediato para atuar nessa questão", escreveu Pessoa, em e-mail direcionado ao advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Aroldo Cedraz.

Pessoa explicou a Cedraz como andava o processo: "O Ministro do Trabalho acionou o sr. Herom [...] e o incumbiu de resolver essa questão que envolvia as plataformas em Rio Grande".

Apesar do "empenho" de Heron "em resolver essa questão", Ricardo Pessoa ponderou que as obras só seriam liberadas pelos fiscais caso as irregularidades "sejam sanadas".

Os documentos entregues por Pessoa não esclarecem se o lobby deu certo.

A Folha apurou que a fiscalização do Ministério Público do Trabalho prosseguiu ao longo de semanas.

Irregularidades foram sanadas e as empreiteiras assinaram termos de ajustamento de conduta.

Viagem
Heron Oliveira, citado no e-mail como a pessoa do ministério empenhada na solução da interdição, acabou deixando a superintendência do Trabalho em Porto Alegre meses depois, em decorrência de outra operação policial, que o indiciou sob acusações de corrupção passiva e formação de quadrilha em suposto esquema de favorecimento a empresários nas inspeções trabalhistas.

Segundo o Ministério Público Federal divulgou à época, a investigação começou depois que o então superintendente e um auditor viajaram para a Europa em 2011 "com passagens aéreas pagas" pelo dono de uma empreiteira.

Oliveira ocupou o cargo duas vezes, de 2007 a 2012 e depois de maio a novembro de 2013. Em novembro de 2013, o "Diário Oficial" publicou que Oliveira foi exonerado do cargo a pedido.

Outro lado
O ex-ministro do Trabalho Manoel Dias disse não se recordar se foi procurado por empreiteiras ou se "acionou" o superintendente do Trabalho no RS para tratar da paralisação das obras contratadas pela Petrobras.

"Não tenho a menor lembrança disso", afirmou. Mas se ocorreu, disse o ex-ministro, "seria uma coisa de rotina, não teve nada demais".

"Normalmente nós recebíamos uma solicitação e nós pedíamos, no caso ao superintendente, que se fizesse um levantamento e nos dissesse qual era a situação. Porque talvez fosse o resultado de alguma ação fiscal".

O ex-ministro negou conhecer o empreiteiro Ricardo Pessoa.

O ex-superintendente do Trabalho no Rio Grande do Sul, Heron Oliveira, não foi localizado.

As assessorias da Petrobras e da empreiteira Queiroz Galvão foram procuradas no início da noite desta terça-feira (9) e informaram que não irão comentar o caso.

Por meio de sua assessoria, o advogado Tiago Cedraz afirmou que, ao responder ao e-mail de Pessoa, apenas deu orientações jurídicas.

De acordo com Cedraz, a mensagem mostra que os dois mantinham uma relação normal de advogado e cliente.

Juiz autoriza PF a abrir inquérito sobre sítio frequentado por Lula

Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O juiz federal Sergio Moro autorizou a Polícia Federal a abrir um inquérito específico para tratar da suposta relação do sítio de Atibaia (SP) frequentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a empreiteira OAS e outras empresas e pessoas investigadas na Operação Lava Jato.

O sítio já é investigado em inquérito sobre a empreiteira e a PF quer abrir investigação própria sobre a suposta ligação de empresas com a propriedade rural. A informação consta de ofício enviado pela PF a Moro, responsável pela condução da Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR).

Em despacho de quinta-feira (4), Moro afirmou que não tem "óbice [objeção] à efetivação do desmembramento requerido pela PF", desde que o Ministério Público Federal seja consultado e não se oponha.

O juiz explicou, no despacho, que o desdobramento das investigações "está sujeito a critérios discricionários da autoridade policial [PF], sob o controle do MPF", ou seja, a PF pode abrir eventual inquérito sem uma autorização prévia do magistrado.

Segundo a PF informou ao juiz, o novo inquérito "demanda necessário sigilo, já que o fato ainda está em investigação". A PF pediu que os documentos da OAS relativos ao assunto sejam enviados para o futuro inquérito, que tramitará em dependência a outro inquérito já aberto.

A Folha havia divulgado, em novembro, que a PF investigava a propriedade rural que está registrada em nome de dois sócios de um dos filhos do ex-presidente.

No último dia 29, a Folha revelou que a Odebrecht havia arcado com uma reforma no local, segundo uma fornecedora de materiais de construção.

A propriedade está registrada em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna, sócios de Fábio Luis Lula da Silva na firma Gamecorp, contratada da empresa de telefonia Oi.

O pedido da PF para um novo inquérito foi feito no decorrer de um inquérito aberto pela Lava Jato em 2 de julho de 2014 para investigar supostos crimes de peculato e lavagem de dinheiro prestados por dirigentes da OAS.

A investigação não corre em segredo de Justiça. Por isso, o juiz Moro chamou a atenção da PF ao observar no despacho que "não é aconselhável a anexação de documentos com sigilo elevado em procedimento que tramita sem segredo de Justiça", fazendo referência à petição em que a PF indica que vai abrir um novo inquérito sobre Atibaia. "Pedidos da espécie devem ser preferencialmente veiculados de forma apartada", escreveu o magistrado.

Outro lado
Procurada na noite de terça (9), a assessoria do Instituto Lula não respondeu. Jonas Suassuna tem afirmado, por meio de seu advogado, que é dono apenas de uma parte do sítio que não tem benfeitorias, onde nenhuma obra foi realizada. Bittar tem sido procurado ao longo dos últimos dias, mas não se manifestou.

Congresso volta ao trabalho só na terça-feira

• No dia 18, abre-se também a temporada de troca-troca de deputados entre partidos

- Valor Econômico

BRASÍLIA - O Congresso Nacional vai emendar o Carnaval e só volta ao trabalho na terça-feira, dia 16. Como a maioria dos 594 deputados federais e senadores já tinha saído de Brasília na quinta-feira, dia 4, o feriadão dos congressistas vai durar 12 dias.

Na semana passada Câmara e Senado voltaram das férias de fim de ano e tiveram duas votações em plenário - uma medida provisória que aumenta a tributação sobre ganhos de capital, na Câmara, e o projeto de lei que cria o Marco Legal da Primeira Infância, no Senado.

Apesar de haver a promessa dos comandos das duas Casas de votações de projetos como o que muda as regras de exploração do pré-sal e o que trata da independência do Banco Central, no Senado, temas não relacionados à aprovação de leis devem disputar os holofotes nessa largada legislativa de 2016.

Principalmente na Câmara, que está em relativo suspense à espera da definição sobre como se dará a tramitação do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, cujo rito foi suspenso no final do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal.

Além disso, também é esperada para as próximas semanas uma definição pelo STF sobre o destino do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que pode virar réu no processo sobre o esquema de corrupção na Petrobras. Pesa contra ele na corte um pedido de afastamento do cargo e do mandato, feito pela Procuradoria-Geral da República.

Outros temas que movimentarão os bastidores da Câmara será a disputa pela liderança do PMDB na Casa, no dia 17, entre o atual ocupante do posto, Leonardo Picciani (RJ), e o candidato de Cunha, Hugo Motta. O resultado será um importante termômetro sobre a força interna que Cunha mantém dentro de seu partido após todas as suspeitas de seu envolvimento nos desvios apurados na Operação Lava-Jato.

No dia 18, abre-se também a temporada de troca-troca de deputados entre partidos. Nesse dia será promulgada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, emenda à Constituição que permite a todo detentor de mandato trocar de sigla nos 30 dias subsequentes sem o risco de ser punido pelas regras da fidelidade partidária.

No campo legislativo, o governo Dilma tentará aprovar o restante das medidas do ajuste fiscal, apesar de todo um histórico de derrotas em 2015 e já em 2016 - na sessão do dia 3, oposição e dissidentes da base aliada aprovaram alterações na MP sobre ganhos de capital, reduzindo consideravelmente o aumento tributário proposto originalmente pelo Palácio do Planalto.

O maior desafio de Dilma nessa área será convencer os congressistas a ressuscitar a CPMF, medida considerada crucial pela área econômica para o reequilíbrio das contas públicas.

Estados registraram no ano passado a maior queda de receitas em uma década

• Reflexo da retração da economia, rendimento corrente líquido de 25 unidades da Federação caiu 4,2% em 2015, interrompendo um ciclo de bonança nos governos estaduais; em São Paulo, a perda real foi de 6,5%, a sétima mais significativa no ranking

Daniel Bramatti - O Estado de S. Paulo

Dados publicados no fim de janeiro pelos governos estaduais mostram que a queda de receita registrada em 2015, em termos reais, foi a maior dos 10 anos anteriores – superior até à ocorrida em 2009, quando o País sofreu os efeitos da crise internacional provocada pelo estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos.

A receita corrente líquida dos 25 governos que já publicaram seus dados – somente os da Paraíba e do Rio Grande do Norte ainda não o fizeram – caiu 4,2%, no acumulado de 2015, em relação ao ano anterior. Em 2009, a retração foi de 2,2%. Os valores se referem à variação real, ou seja, foram corrigidos pela inflação para permitir comparações.

A queda no ano passado interrompeu um ciclo de bonança para os governadores: entre 2009 e 2014, a receita média dos 25 governos cresceu 23% acima da inflação. Isso propiciou uma expansão de investimentos e gastos – alguns dos quais se tornaram permanentes, como a contratação de novos servidores estáveis.

Com a retração da economia, e a consequente queda nas receitas de impostos e repasses federais, os governadores passaram a segurar gastos e buscar fontes alternativas de recursos para fechar as contas.

Em 2015, por exemplo, as despesas com pessoal do conjunto dos Estados – excluídos Paraíba e Rio Grande do Norte – cresceram um pouco abaixo do ritmo da inflação, o que resultou numa queda real de 0,5%. Nos anos anteriores, os gastos com servidores vinham crescendo em termos reais.

O freio nas despesas com a folha de pagamento foi verificado em 16 dos 25 Estados analisados pelo Estadão Dados. Em vários casos, esse ajuste foi adotado para evitar a ultrapassagem de limites de gastos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Limites. No fim do ano passado, 19 dos 25 governos estaduais com dados publicados gastavam com pessoal mais de 44,1% de sua receita corrente líquida, ou seja, estavam enquadrados em pelo menos um dos limites estabelecidos pela LRF – de alerta, prudencial e máximo.

Três governos – do Rio Grande do Sul, de Mato Grosso e do Tocantins – superaram o teto legal de gastos do Executivo, de 49% da receita corrente líquida, e Minas Gerais só não ultrapassou o limite graças a uma manobra fiscal (mais informações no texto abaixo). Outros 11 chegaram ao limite prudencial, o que indica que estão muito próximos do teto. No fim de 2014, havia três Estados acima do teto (Tocantins, Alagoas e Paraíba) e apenas cinco no limite prudencial.

A receita corrente líquida é tudo o que os Estados arrecadam ou recebem em repasses federais, menos receitas atípicas, gastos com fundos de previdência e os recursos que repassam para os municípios.

Acre, Amapá e Amazonas, todos da Região Norte, foram os Estados que mais perderam receita no ano passado – respectivamente, 16,4%, 12,9% e 10%.
São Paulo, o maior Estado do País em termos econômicos e populacionais, enfrentou uma queda real de receita de 6,5%, a sétima mais significativa no ranking das perdas.

No outro extremo, o Paraná conseguiu ampliar seu bolo de recursos em 2,5% em termos reais, ou seja, acima da variação da inflação.

Fontes. Na busca por novas receitas, a alternativa preferida dos governadores foi a apropriação de parte dos depósitos judiciais, administrados pelos Tribunais de Justiça dos Estados. Esse bolo de recursos é formados por depósitos em juízo de governos, empresas ou pessoas físicas envolvidos em litígios que incluem pagamentos, multas ou indenizações.

O dinheiro fica sob administração da Justiça até que haja uma sentença definitiva, o que pode demorar até décadas.

Em 2015, pelo menos R$ 17 bilhões foram sacados dos depósitos judiciais por 11 governadores, segundo levantamento feito pelo Estado e publicado em janeiro. Esses recursos, porém, representam uma solução temporária e emergencial, já que precisarão ser devolvidos no futuro, com a devida correção e, em muitos casos, pagamento de juros.

Rio corta R$ 18 bilhões do orçamento para 2016

Constança Rezende - O Estado de S. Paulo

RIO - O governo do Rio publicou na semana passada, no Diário Oficial, um corte de R$ 18,4 bilhões do orçamento estadual deste ano. A medida foi tomada por causa da queda da estimativa de receita. O governo esperava gastar R$ 79,9 bilhões, mas diminuiu a previsão para R$ 61,5 bilhões, um ajuste de 23%.

O corte vai afetar pastas essenciais para a população, como Saúde, que perdeu 7,6% de seu caixa e atualmente passa por crise financeira, com hospitais sem verbas para insumos. A Educação ficou com menos 9,3%, Assistência Social, 30,91%, Segurança, 32,1%, e Administração Penitenciária, 22%.

Segundo a secretária estadual de Planejamento e Gestão, Cláudia Uchôa, o orçamento será aberto com o ajuste estabelecido e, como ocorreu em 2015, as liberações de recursos vão acontecer ao longo do ano na medida em que houver aumento na arrecadação do Estado.

De acordo com Cláudia, o cálculo do ajuste foi baseado na reestimativa da receita para este ano, feita pela Secretaria de Fazenda. “No caso dos recursos do Tesouro, a arrecadação prevista caiu 22,59%, passando de R$ 73,8 bilhões para R$ 57,1 bilhões. Nas outras fontes, a queda é de 13,99%, de R$ 25,9 bilhões para R$ 22,3 bilhões.”

Empréstimo. Semana passada, o governo conseguiu pagar salários de 8.315 funcionários de 13 empresas públicas – um total de R$ 26,8 milhões. Na quinta-feira, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) obteve empréstimo de até R$ 1 bilhão para compensar perdas de arrecadação dos royalties de petróleo e garantir o pagamento de aposentados e pensionistas do Rioprevidência. A transação foi autorizada pela Assembleia Legislativa.

A medida permitiu ao governo contratar o empréstimo no Banco do Brasil, com juros de 19,45% ao ano, com prazo de 15 anos para o pagamento.

Atraso na educação – Editorial / Folha de S. Paulo

Tornou-se quase um lugar-comum afirmar que a educação pública brasileira está vencendo o desafio da inclusão, mas não o da qualidade do ensino. Dá-se pouca atenção, contudo, a um terceiro desafio que o país mal começa a enfrentar: a desigualdade.

Alunos pobres encontram dificuldade muito maior para aprender e escapar do círculo vicioso que leva do mau desempenho ao atraso e ao abandono da escola. Não há de fato igualdade de oportunidades, porque eles já largam em desvantagem no longo percurso que deveria culminar numa formação e num nível de renda dignos.

Crescem em bairros mais violentos e ambientes insalubres, sem local próprio para estudar e com parentes de vocabulário limitado. Despendem mais tempo no trajeto até colégios de infraestrutura precária. Têm de se contentar com professores menos preparados, pois os melhores docentes se transferem para estabelecimentos menos periféricos e problemáticos.

Não admira, assim, que o nível socioeconômico apareça como o fator que mais explica o desempenho dos alunos em avaliações como o Enem, segundo disse ao jornal "Valor Econômico" Priscila Cruz, diretora do movimento Todos pela Educação.

O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) é bem diverso entre escolas mais e menos vulneráveis.

Naquelas com maior proporção de estudantes beneficiários do Bolsa Família, por exemplo, o Ideb fica em 3,5, numa escala de 0 a 10; nas mais afluentes, sobe para 4,1 -bem mais perto da meta de 5,5 fixada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para 2024.

Não é o caso de deixar de reconhecer que já se avançou muito no atendimento às crianças mais desfavorecidas. Em 2011, na quinta parte mais pobre da população, apenas 21,6% concluíam o ensino fundamental até os 16 anos; em 2014, esse contingente mais que duplicara, para 58,4%.

A desigualdade fica patente, porém, quando se volta a atenção para o quinto mais rico: os diplomados já eram 80,2% há 15 anos e chegaram a 92% em 2014. A enorme disparidade remanescente ficaria oculta se considerada apenas a média da população, em que 73% dos jovens termina o ensino fundamental aos 16 anos (ainda distante da meta PNE para 2024, de 95%).

A escola pública é a instituição que encarna o ideal republicano da igualdade de oportunidades.

Por ora, ela parece empacada no degrau inicial -garantir a presença de crianças pobres nos seus bancos. Precisa fazer muito mais: dedicar-lhes atenção especial, na sala de aula, para compensar as desvantagens que enfrentam só por nascer onde nasceram.

Contra impunidade – Editorial / O Globo

• MP 703 chamou a atenção para o risco de empreiteiros serem protegidos na Lava- Jato

Em torno da Operação Lava- Jato transcorrem situações inéditas no Brasil. Uma delas, de grande repercussão, a forma incisiva e embasada com que Ministério Público, Polícia Federal e Justiça atuam num meio povoado de gente poderosa: grandes empreiteiros e políticos em altos cargos, ou fora deles, mas influentes. Por exemplo, o ex-presidente Lula, investigado como qualquer cidadão, dentro do que deve ser. O encarceramento de empresários e políticos é outro fato nunca visto. E sem que a esmagadora maioria dos pedidos de habeas corpus seja acolhida nas devidas instâncias, inclusive no STJ e mesmo no STF. Prova da solidez da argumentação da força-tarefa da Lava- Jato, em que se destaca o juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal de Curitiba.

Outro ineditismo ocorre na aplicação da nova Lei Anticorrupção, no uso intensivo do recurso da delação premiada — este um instrumento já antigo — e na aplicação do mesmo instrumento, mas junto às pessoas jurídicas, mediante “acordos de leniência”, um dispositivo instituído em 2000, mas pouco conhecido.

Os acordos de leniência permitem que as empresas culpadas de crimes tenham penas atenuadas, assim como as pessoas físicas no caso dos acordos de colaboração premiada. Contribuem nas investigações e têm as punições reduzidas.

O fato de o governo ter editado a medida provisória 703, alterando dispositivos da Lei Anticorrupção, no lusco-fusco das festas de fim de ano, levantou justificadas suspeitas. A medida provisória aborda os acordos com empresas e foi logo vista como uma ação do Planalto para ajudar empreiteiros apanhados pela Lava- Jato, todos eles importantes financiadores de campanhas políticas.

Promotores da própria Lava- Jato logo passaram a criticar a medida 703, acusando- a de prejudicar as investigações, ao acenar com algum tipo de perdão às pessoas jurídicas. O que retiraria muito do poder de pressão do Ministério Público.

À primeira vista, tratava- se de uma operação urdida no Planalto, com apoio da Advocacia Geral da União (AGU), para proteger as empresas, mesmo que reduzisse o poder de fogo do MP no desbaratamento do bilionário esquema do petrolão. Estabeleceu- se uma discussão entre juristas, alguns afastando os temores do Ministério Público.

Seja como for, a preocupação da presidente Dilma de que a punição de CPFs não leve à falência CNPJs é justificada, mas não pode servir de biombo para a impunidade de pessoas físicas, acionistas e executivos. E nem dinheiro público tem de ser mobilizado para salvar CNPJs.

O melhor princípio é o do Proer ( programa de saneamento de bancos, criado depois do Plano Real): a instituição financeira é preservada, saneada e troca de mãos, sem prejuízo, é claro, de sanções contra os sócios controladores e executivos com responsabilidade na gestão temerária.

Ameaça real à democracia – Editorial / O Estado de S. Paulo

Em meio a sucessivos escândalos de corrupção e ao contubérnio entre políticos e seus “amigos” empresários, já ficaram claros para os brasileiros os danos causados pelas relações obscuras entre os representantes eleitos pelo povo e seus principais financiadores de campanha. O problema, como alerta um recente estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), vai muito além da subtração de patrimônio público graças à ladroagem e às vantagens indevidas. É a própria democracia que se degenera, o que demanda urgentes reformas que impeçam a captura definitiva do sistema político pelo poder econômico.

O estudo toca num aspecto fundamental: não basta promover o crescimento; é preciso fazer com que esses benefícios estejam ao alcance de toda a sociedade, reduzindo a desigualdade. No Brasil, enquanto os mais pobres recebem assistência limitada e dependem de serviços públicos indignos, as empresas que se associam ao Estado usufruem de todo tipo de subsídio, garantindo-lhes prosperidade, faça chuva ou faça sol. Não surpreende que, num cenário assim, a credibilidade do governo e dos políticos seja cronicamente baixa, pois está claro que os eleitos não governam para todos, e sim apenas para aqueles que alimentam a máquina eleitoral, enquanto o resto da sociedade disputa as sobras do festim.

A única solução para esse problema é reforçar a democracia, estabelecendo “um processo político de alta qualidade no qual os cidadãos possam confiar”, diz o estudo. Para isso, o desafio é, por meio da transparência e de uma regulamentação implacável, acabar com o sistema em que o dinheiro de grandes doadores determina a atuação dos eleitos – e a doação é recuperada na forma de contratos, benesses fiscais, subsídios e empréstimos em condições privilegiadas. Uma pesquisa relativa ao Brasil citada pela OCDE diz que as empreiteiras que doaram a algum candidato a deputado pelo PT receberam em troca contratos de valor até 14 vezes superior ao de suas contribuições se o político foi eleito.

Essas conclusões bastam para atestar o acerto da decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no ano passado, que baniu as doações de empresas para as campanhas eleitorais. Mas seria ingenuidade imaginar que o problema da promiscuidade entre empresas e políticos esteja resolvido, pois a criatividade e a ousadia dessa turma são grandes. Em novembro, o Supremo teve de agir novamente, suspendendo os efeitos de um projeto aprovado no Congresso que oficializava as doações eleitorais ocultas – em que o dinheiro doado aos partidos é repassado aos candidatos sem que o doador seja identificado. Sabe-se lá quantas vezes mais a democracia será desafiada pelo engenho dos que pretendem transformar mandatos em oportunidade de negócios.

O Brasil foi um dos “estudos de caso” apresentados pela OCDE. Nele se observa que, entre as eleições de 2006 e 2014, o porcentual de participação das doações de empresas para as campanhas saltou de 66,49% para 76,48%. Na eleição de 2014, cerca de 20 mil empresas fizeram doações, mas apenas as 20 maiores foram responsáveis por 30% do total – e, não por coincidência, atuam em setores cujo chamado core business são as obras e os negócios públicos. Tudo isso indica claramente que o sequestro do sistema de representação política por parte das grandes corporações estava em ritmo acelerado no País, até ter sido felizmente interrompido pelo Supremo.

O estudo mostra ainda que é preciso urgentemente pôr um freio nos gastos de campanha. Em dólar, a despesa total declarada pelos partidos em campanhas presidenciais no Brasil saltou de US$ 33,9 milhões em 2002 para US$ 367,2 milhões em 2014.

Tal evolução traduz a transformação das campanhas eleitorais em um dispendioso e vazio circo marqueteiro, em detrimento do verdadeiro debate político. A manutenção dessa situação só interessa a partidos com vocação autoritária e às empresas que consideram a política um bom investimento.