sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A polarização discursiva e a falta de um projeto de crescimento econômico e de inclusão social para o Brasil. “Precisamos de uma alternativa diversa”.

Algumas análises: Roberto Dutra Torres Junior*,   Rudá Ricci **e Luiz Werneck Vianna***

Por: Patricia Fachin,14 Novembro 2019 | IHU On-Line

A decisão do Supremo Tribunal Federal – STF pelo fim da prisão após a condenação em segunda instância na última quinta-feira, 07-11-2019, tem um significado jurídico e outro político, diz Roberto Dutra Torres Junior à IHU On-Line. Juridicamente, afirma, “foi cumprida a Constituição, garantindo-se o direito de não prisão até o trânsito em julgado”. Politicamente, a “interpretação está num cenário de disputa política entre Lula, o PT e o governo, pela liderança que o Lula significa e pelas possibilidades que a volta dele à liberdade trazem”, pontua. O ex-presidente Lula estava preso desde o dia sete de abril de 2018, após ter sido condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Operação Lava Jato.

Para analisar como a liberdade do ex-presidente pode reconfigurar o cenário político, a IHU On-Line conversou com os sociólogos Luiz Werneck Vianna e Roberto Dutra por telefone, e com Rudá Ricci pelo WhatsApp.

Para Werneck Vianna, a presença do ex-presidente Lula na cena política representa uma “oposição eloquente” ao “projeto Bolsonaro de mudança radical do país” e “certamente vai elevar a temperatura política”. Na avaliação dele, o embate entre petistas e bolsonaristas abre uma “oportunidade nova” para o centro político.

“Não interessa ao país uma conflagração, especialmente uma conflagração que não tem maiores propósitos. A meu ver, nós temos que fugir da polarização, voltar às nossas tradições, defender a nossa Carta, defender os princípios fundantes do nosso país”, propõe.

Crítico aos projetos petista e bolsonarista, Werneck frisa que “precisamos de uma alternativa diversa”. “Estamos diante de um quadro em que se torna necessário a intervenção de um personagem capaz de dialogar com as forças novas que surgiram no país e com a história do Brasil, que seja capaz de criar um projeto de crescimento econômico e de inclusão social”, argumenta.

Na opinião de Rudá Ricci, há apenas “dois cenários possíveis para o Brasil: o de retomada de um projeto de desenvolvimento social e econômico ou o de radicalização”. Segundo ele, ainda é difícil prever o que o PT fará daqui para frente, dado que “as últimas duas direções perderam completamente a capacidade de elaborar estratégias que alinhem o curto com o longo prazo”. O fato de o partido ter ficado dependente da figura do ex-presidente Lula, menciona, na prática, levou “à idolatria e à incapacidade de gerar novos quadros formuladores e com capacidade de direção política”. Apesar de o ex-presidente dar uma guinada à esquerda em seus primeiros discursos após deixar a prisão, Ricci aposta que “Lula procurará, pelas movimentações desses dias, retomar um campo de centro-esquerda, cujo limite, até agora, é Luciano Huck, com quem se encontrou há dois ou três dias. Na outra ponta, o PCO e PSOL”. Já à direita, pontua, as articulações são mais complicadas “porque o bolsonarismo é dado ao extremismo retórico, ao conflito permanente até mesmo com seus apoios táticos e à histeria. Portanto, dificilmente agregará o campo político comandado pelo Centrão”. Se esse cenário se consolidar, ressalta, “teremos um país dividido em três partes: esquerda/centro-esquerda, centro-direita e extrema-direita”.

A polarização que observamos nas manifestações do último final de semana em atos contra e pró o ex-presidente Lula e à decisão do STF não é negativa, segundo Roberto Dutra. “Na minha visão, o maior problema da democracia brasileira é a ausência de uma polarização real e efetiva entre programas, partidos, lideranças e organizações partidárias capazes de representar no debate político essas posições programáticas”. Defensor da polarização como um ingrediente saudável para as democracias, Dutra avalia que a liberdade do ex-presidente Lula poderá favorecer tanto a esquerda quanto a direita, que irão se unir em torno dos polos mais potentes. Entretanto, adverte, a “polarização que está agora na figura do Lula e do Bolsonaro pode virar uma polarização puramente discursiva entre dois líderes carismáticos destituídos de programas reais sobre como mudar o país”. E acrescenta:

“Bolsonaro de fato não tem esse programa, não representa nada, e o Guedes é como um projeto paralelo, mas o Lula também não representa nada de concreto. Lula representa uma ideia vaga de inclusão social. Mas é uma ideia que nunca deixa de ser vaga, enquanto ela não tiver um programa real de como o Brasil vai ficar mais rico e inclusivo ao mesmo tempo”. Ele diz ainda que maior desafio dos líderes da esquerda e da direita é conquistar a classe média.
“Bolsonaro consegui ganhar a classe média nas eleições, ainda tem o apoio significativo de parte dela, mas a classe média não é coesa politicamente”, conclui.

Confira a entrevista.

Marco Aurélio Nogueira* - A República imperfeita

- O Estado de S. Paulo

Um novo Manifesto Republicano é uma tarefa democrática de primeira grandeza no Brasil atual, tão carente de respeito aos princípios da República

Nascida em meio às crises que abalaram os equilíbrios políticos, militares, religiosos, sociais e ideológicos do Segundo Império, a República sacudiu o torpor que tomava conta da sociedade brasileira em decorrência da morosidade e do caráter seletivo da Monarquia, travada que estava pelos compromissos com o mundo rural e o conservadorismo.

O Manifesto Republicano divulgado em 3 de dezembro de 1870 abriu a fenda inicial, com um conjunto de promessas e compromissos voltados para a crítica da Monarquia e o início de uma nova fase ético-política no Brasil, na qual prevalecessem os valores da liberdade, da democracia e da descentralização. Seu foco era a denúncia dos estragos causados ao País pela “irresponsabilidade” do Imperador, que atrofiava as províncias, impedia a democracia e produzia grave “prostração moral” da Nação.

O Manifesto passava ao largo da questão social: da escravidão. Concentrava-se na questão do regime político, deixando assim de se preocupar com seus fundamentos materiais. Seu texto era vibrante, mas tinha um único alvo: “a influência perniciosa do poder pessoal”, o “absolutismo prático sob as vestes do liberalismo aparente”.

Escreveram os signatários: “A centralização, tal qual existe, representa o despotismo, dá força ao poder pessoal que avassala, estraga e corrompe os caracteres, perverte e anarquiza os espíritos, comprime a liberdade, constrange o cidadão, subordina o direito de todos ao arbítrio de um só poder, nulifica de fato a soberania nacional, mata o estímulo do progresso local, suga a riqueza peculiar das províncias, constituindo-as satélites obrigados do grande astro da Corte — centro absorvente e compressor que tudo corrompe e tudo concentra em si — na ordem moral e política, como na ordem econômica e administrativa.”

República extinguiu privilégio apenas dos Braganças, diz Murilo de Carvalho*

Historiador lembra que regime proclamado em 1889 não incluiu o povo, e democracia ficou ausente até os anos 1940

Fernanda Canofre | Folha de S. Paulo

BELO HORIZONTE - O pecado original da República, na avaliação de José Murilo de Carvalho, foi não ter incluído o povo. "A República extinguiu o privilégio dos Braganças, mas não conseguiu eliminar os privilégios sociais", afirma o historiador sobre a proclamação que completa 130 anos nesta sexta-feira (15).

"Para os propagandistas, República e democracia eram indissociáveis. Mas a democracia, isto é, a participação popular no sistema representativo, ficou ausente até a década de 1940", diz Murilo de Carvalho, 80, que é cientista político e imortal da Academia Brasileira de Letras.

Em entrevista à Folha, o historiador reflete sobre o caráter autoritário e pouco inclusivo do início do período republicano no Brasil e afirma que, 130 anos depois, nossa república "continua sujeita à interferência 'moderadora' das Forças Armadas".

• A ausência de povo, eis o pecado original da República, segundo o senhor. Como e por que o povo não fez parte dela?

A afirmação refere-se à origem de nossa República. Para os propagandistas, República e democracia eram indissociáveis. Mas a democracia, isto é, a participação popular no sistema representativo, ficou ausente até a década de 1940. Até essa data, tínhamos uma participação eleitoral inferior à que existiu até 1881, quando foi introduzido o voto direto. Era uma república patrícia, uma república sem democracia.

• Qual o significado de uma República sem povo?

Na Grécia, Roma, Estados Unidos a República convivia com a escravidão e com a exclusão política das mulheres. Mas todo homem livre era cidadão ativo. A partir da Revolução Francesa, no entanto, a democracia passou a ser componente indispensável das repúblicas. No Brasil, a efetiva incorporação de povo, homens e mulheres, no sistema representativo só aconteceu após a queda do Estado Novo. A partir daí houve rápida e massiva inclusão eleitoral de povo. Nossa República não suportou a carga e desmoronou em 1964.

• O fato de ela ter vindo por um golpe militar e não por uma revolução mudou o curso dela?

Só Silva Jardim acreditava em revolução do tipo da Francesa e pregava o fuzilamento do conde d’Eu [marido da princesa Isabel, descendente da dinastia Orleans]. Não foi nem avisado do golpe. Ninguém mais, além dele, queria sangue. A busca do apoio dos militares do Exército foi oportunismo dos civis, sobretudo de Quintino Bocaiuva.

O problema dos políticos na primeira década da República foi livrarem-se dos militares. Floriano Peixoto garantiu o novo regime, mas era incômodo por despertar um movimento popular jacobino. A posição dominante entre os republicanos, sobretudo os paulistas, era esperar a morte do imperador e então impedir que Isabel tomasse posse. A transição viria de preferência via Constituinte, solução aceita até mesmo por monarquistas como Saraiva [José Antônio Saraiva, que chegou a ser nomeado pelo imperador para formar um gabinete na madrugada de 16 de novembro mas nunca assumiu].

• A partida da família imperial foi antecipada para evitar conflitos. Mas o Brasil é um país violento, sustentou séculos de escravidão e tem sequelas. Qual o papel da violência na nossa questão republicana?

A violência está embutida em nosso DNA, independentemente de regimes políticos. Os dez primeiros anos da República foram violentos: revoltas militares, guerra federalista no Sul, Revolta da Armada e, sobretudo, o terrível massacre de Canudos.

• Qual tem sido o papel dos militares na nossa República, visto que vez ou outra eles assumem papel na política?

O papel variou ao longo do tempo. Após a consolidação do regime com Campos Sales até 1930, a participação foi em boa parte antioligárquica, liderada por oficiais subalternos do Exército. Depois do Estado Novo, o papel passou a ser de tutela, quando não de intervenção direta, comandada pela cúpula militar.

• Antes da Proclamação da República, tivemos várias repúblicas que não vingaram pelo Brasil. O que lhes faltou?

Eram manifestações locais e provinciais, todas derrotadas pelas armas. A de maior êxito foi a Farroupilha que separou o Rio Grande do Sul por dez anos e terminou por um acordo do Império com os gaúchos. A repressão mais violenta verificou-se em revoltas que envolviam segmentos populares, como a Confederação do Equador, a Cabanagem e, já na República, Canudos e Contestado.

Eleição de 1989: 30 anos do pleito mais esperado pelos brasileiros

- Ascânio Seleme | O Globo

Foi a mais importante eleição brasileira desde o fim da ditadura. A primeira pelo voto direto depois de 29 anos — e cujo primeiro turno completa 30 anos hoje. O brasileiro estava farto de que outros, poucos, decidissem por ele. Já havia se manifestado contra isso de maneira clara e inequívoca seis anos antes, durante os debates e a votação da emenda Dante de Oliveira, que propunha restaurar a eleição direta já na sucessão do general João Figueiredo, último presidente da ditadura iniciada em 1964. Mais do que a nova “Constituição Cidadã”, promulgada no ano anterior, no coração do brasileiro somente a eleição direta para presidente encerraria de vez a transição para a democracia.

A eleição de Tancredo Neves e José Sarney pelo Colégio Eleitoral foi um espetáculo de cidadania. Apesar de o voto ter sido facultado apenas a 686 pessoas (deputados federais, senadores e representantes dos legislativos estaduais), os brasileiros foram às ruas gritar por Tancredo e festejar sua eleição. Uma catarse nacional. Mas a liga nação-cidadão ainda não estava firmada. Talvez a morte prematura de Tancredo tenha colaborado para a construção de uma má vontade coletiva contra Sarney e o seu governo. O Brasil não havia satisfeito sua fome de democracia.

O país seria finalmente saciado, em dois turnos, nos dias 15 de novembro e 17 de dezembro de 1989. Fernando Collor de Mello foi eleito com 53,03% dos votos contra 46,97% de Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar da grande votação de Lula, o país não estava dividido. A maior parte dos seus votos veio de partidos e eleitores que não queriam Collor e sobretudo do PDT de Leonel Brizola, que chegou em terceiro lugar, colado em Lula. O governo Collor foi um fracasso e acabou em impeachment. Mas este desfecho, de total e exclusiva responsabilidade do primeiro presidente eleito pelo voto direto depois da ditadura, não diminui a importância da reconquista completa da democracia coroada com aquela eleição.

Quem mandava na política
A política brasileira já tinha donos em 1989. Sarney era carta fora do jogo em razão do fracasso econômico de seu governo. O presidente foi um dos homens públicos mais tolerantes da sua geração e, mesmo sendo objeto de repulsa popular e política, deu força à Constituinte, que reduziu o seu mandato em um ano, e ajudou na reconstrução da democracia brasileira. Mas era um presidente fraco. No final do seu mandato, não encontrou candidato para apoiar em sua sucessão. Ninguém queria se associar a ele. O dono da bola era o superdeputado Ulysses Guimarães.

Nos anos que antecederam aquela eleição, Ulysses presidira o seu partido, o PMDB, a Constituinte e a Câmara dos Deputados. Nesta condição, era o substituto eventual de Sarney na Presidência. O homem que já fora batizado de “Senhor Diretas”, por liderar o movimento Diretas Já, também passou a ser conhecido como tri-presidente, diante do poder que exercia na política nacional. Ao seu lado, grandes nomes do PMDB e do recém fundado PSDB, de Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso, dominavam o cenário nacional.

De outro lado, os partidos de esquerda eram capitaneados pelo PT de Lula e pelo PDT de Brizola. Também voltaram ao cenário os banidos pela ditadura PCB, PCdoB e PSB. Mais fracos, permaneceram na órbita de “trabalhadores” e trabalhistas. Ao se recusar a assinar a nova Constituição, o PT se transformou no partido dos que queriam mais do que a redemocratização, embora não soubessem expressar bem o que era aquilo. Poderia ter perdido seu espaço político já em 1989, se não superasse o PDT de Brizola por 494 mil votos num universo de 22,8 milhões dados pelos brasileiros aos dois partidos.

Esses homens, os que escreveram a Constituição que restaurou a eleição direta e os que participaram mesmo contrariados desse momento histórico, eram os senhores da hora. Estabeleceram o calendário eleitoral e o formato da primeira eleição presidencial pelo voto direto. Seria uma eleição solteira, sem outros pleitos combinados. O que significaria isso em 1989? Que o presidente eleito governaria com um Congresso que não se elegeria com ele, sem a sua influência (novas bancadas de senadores, deputados federais e estaduais e governadores seriam eleitos em 1990). A eleição solteira também resultaria numa multiplicidade de candidaturas nunca antes e nunca mais vista.

Um elenco estelar
Vinte e três candidatos se inscreveram para a eleição. Um deles, o ex-presidente Jânio Quadros, o último eleito pelo voto direto antes de 1964, desistiu por razões de saúde. Restaram 22.
Todos os grandes nomes da política nacional estavam lá. Ulysses Guimarães, o “Senhor Diretas”, a cara da Constituinte, mas também do PMDB. Aureliano Chaves, o vice do último general presidente, que rompera com ele para eleger Tancredo. Mário Covas, o líder da dissidência do PMDB que fundara o novo PSDB. Paulo Maluf, o candidato polêmico, cujo nome era sinônimo de corrupção, derrotado no Colégio Eleitoral por Tancredo. Roberto Freire, o primeiro candidato comunista depois da redemocratização. Fernando Gabeira, o primeiro candidato verde do Brasil. Ronaldo Caiado, o mais à direita, que representava os ruralistas da temida UDR. Collor, Lula e Brizola, os protagonistas, e uma multidão de nanicos que apareciam como figurantes sem nada a perder.

Míriam Leitão - Sonhos precoces com a República

- O Globo

Muito antes da independência o Brasil já sonhava com a República. Cento e trinta anos depois de proclamada, ainda é preciso lutar pelo que ela representa

O poeta Silva Alvarenga alugou uma casa de dois andares na Rua do Cano, no centro do Rio, em 1790. Atualmente, é a Rua Sete de Setembro. Na parte de cima ele morava, na parte de baixo ele instalou a sede da Sociedade Literária onde conspirava contra a ordem colonial e pelas ideias republicanas. Jornais franceses eram lidos, traduzidos e distribuídos, apesar de a imprensa ser proibida pela Corte Portuguesa. Dois anos depois, Tiradentes foi para o cadafalso ali mesmo no centro do Rio pelas mesmas ideias. Isso não intimidou o poeta e seus amigos, e as confabulações continuaram até que foram presos em 1794. Essa foi a Conjuração do Rio.

Menos conhecida do que a mineira, a conspiração que levou o poeta e vários dos seus amigos para a prisão por dois anos e meio — sem sequer serem julgados — foi apenas um dos inúmeros movimentos ao longo da história brasileira nos quais se lutou, através de ideias ou de atos, pela república no Brasil. Muito antes da independência já se sonhava com um governo do povo.

O historiador Gustavo Henrique Tuna é doutor pela USP com uma tese sobre Silva Alvarenga e é autor do capítulo sobre a Conjuração do Rio no livro “Dicionário da República, 51 textos críticos”, organizado por Lília Schwarcz e Heloisa Starling. Entrevistei Heloisa e Gustavo Tuna no meu programa na Globonews.

Merval Pereira - Contra a polarização

- O Globo

Miro Teixeira propôs que o segundo turno das eleições seja disputado pelos três candidatos mais votados, e não apenas dois

A busca de uma solução para que a máxima da democracia representativa, “um homem, um voto”, leve ao Congresso um espelho cada vez mais fiel do pensamento médio do cidadão eleitor, e não seja distorcida por polarização política que leve à radicalização, tem dominado o debate partidário em vários países.

Aqui, diante da possibilidade de reeditarmos em 2022 a polarização entre petistas e antipetistas, o ex-deputado federal Miro Teixeira, um dos mais experientes políticos brasileiros, propôs, em entrevista a Roberto D’Avila na GloboNews, que o segundo turno das eleições seja disputado pelos três candidatos mais votados, e não apenas dois.

Nos Estados Unidos, a cidade de Nova York, a mais populosa do país, acaba de aprovar por vasta maioria o voto ranqueado (Ranking Choice Voting), que dá mais peso ao desejo de cada eleitor, que pode escolher cinco candidatos, dando uma classificação para cada uma de suas escolhas.

O balanço final determina quais os escolhidos para o Congresso, para prefeito como ocorreu no Maine, ou, quem sabe, para a Presidência da República. Os dois sistemas substituem com vantagens o voto útil como o conhecemos, pois permitem que o eleitor vote em vários candidatos dando um peso específico a cada um deles, e o melhor ranqueado leva, em vez de o vencedor levar tudo, como fazemos no voto majoritário.

No voto ranqueado, candidatos que conseguem ter uma maior pontuação de primeiras escolhas, mas também aparecem como a segunda escolha dos eleitores, ou terceira, têm maior chance de se eleger. Se um candidato receber a maioria de votos de primeira escolha, está eleito. Caso contrário, o candidato com o menor número de primeiras escolhas é descartado, e seus votos redistribuídos.

Bernardo Mello Franco - Lula não larga o osso

- O Globo

De volta ao palanque, Lula deixou claro que o PT não está disposto a dividir espaço na esquerda. Quem desafiar a hegemonia do partido continuará a ser tratado como inimigo

Lula não larga o osso. Seis dias depois de deixar a cadeia, o ex-presidente deixou claro que não está disposto a ceder espaço na esquerda. “O PT não nasceu para ser um partido de apoio”, justificou.

Em Salvador, Lula comparou o PT à locomotiva de um trem. “Sabe quem polariza? Quem disputa o título”, disse. Ele lembrou que a sigla polarizou todas as corridas presidenciais desde o fim da ditadura. “E vai polarizar em 2022”, acrescentou.

Empolgado, o ex-presidente antecipou os planos para a próxima eleição. Indicou que prefere lançar um novo poste a apoiar alguém de outro partido. “Posso subir a rampa em 2022 levando o Haddad, levando o Rui, levando outros companheiros”, disse.

Rogério L. Furquim Werneck - Tempo, persistência e convicção

- O Estado de S.Paulo | O Globo

É com o imediatismo de Bolsonaro que o ministro Paulo Guedes deveria se preocupar por ora

Aprovada a reforma da Previdência, o governo anunciou, afinal, as tão aguardadas medidas complementares de ajuste fiscal. Nada menos que três Propostas de Emenda à Constituição (PECs). Mesmo em circunstâncias políticas mais tranquilas, seria pouco provável que, a cinco semanas do recesso, o Congresso pudesse assegurar, ainda em 2019, avanços relevantes na tramitação de tais medidas.

Menos prováveis ainda prometem ser tais avanços nas circunstâncias atuais, em que, sob o impacto da controvertida decisão do Supremo, parte importante do Congresso mostra-se menos mobilizada com a tramitação das PECs do que com a aprovação de mudanças na legislação que assegurem a restauração da prisão de condenados em segunda instância.

No Senado, de onde o governo preferiu deslanchar a tramitação das três PECs, a discussão sobre como assegurar tal restauração já deu lugar até à estapafúrdia ideia de convocação de uma Assembleia Constituinte, aventada por ninguém menos que o presidente da Casa.

Para efeitos práticos, tudo indica que as PECs só passarão a receber a devida atenção em fevereiro, quando, findo o recesso, os parlamentares tiverem retornado a Brasília, já com olhos parcialmente voltados para as eleições municipais de outubro.

Dora Kramer - Na retaguarda do atraso

- Revista Veja

O embate entre radicais faz o país refém de uma política obsoleta

Espirituoso e observador dos bons, ministro da Justiça escolhido por Tancredo Neves e incorporado ao governo do vice e sucessor, Fernando Lyra sapecou nos idos dos 1980 uma frase que ficaria na história: “Sarney é a vanguarda do atraso”. Fez o chiste a propósito de definir o presidente como o melhor que se poderia ter naquele momento de pesar, apesar de todos os pesares.

Lá se vão mais de trinta anos, e aquele que foi também um traçado crítico da política brasileira recém-liberta da ditadura só não pode ser aplicado à atualidade porque não existem (ainda?) no cenário lideranças capazes de representar algo parecido com esperança de mudança para melhor. Salvo alguns breves ensaios logo interditados pelo êxito eleitoral do populismo, nessas três décadas retrocedemos a um quadro mais apropriado ao que poderíamos chamar de retaguarda do atraso.

A despeito da modernização em diversos setores, na política seguimos vivendo sob a égide da obsolescência. Seja nas regras que norteiam o sistema eleitoral, seja no funcionamento dos partidos, na vocação da maioria para pautar escolhas de governantes por esperanças tão apaixonadas quanto equivocadas, na dinâmica da dicotomia desprovida de nuances atualmente chamada de polarização, que vem de longe e continua a privilegiar a exclusão como norma na tomada de decisões.

Luiz Carlos Azedo - A gente somos inúteis

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Na revolução em curso no mundo do trabalho, a maioria das profissões que existirão daqui a 25 anos, provavelmente, ainda não foi nem criada; mesmo entre as novas, algumas terão vida efêmera”

Ao examinar a medida provisória sobre a geração de empregos para jovens, devido aos jabutis incluídos pela equipe econômica no projeto do governo para criar quatro milhões de novos postos de trabalho, é inevitável lembrar do refrão da música Inútil, da banda de rock Ultraje a Rigor. Não só por causa do grande número de jovens nem-nem, fora do trabalho e da escola, sem condições de ingressar no mercado de trabalho devido à escolaridade precária (eram 23% dos 33 milhões de jovens entre 15 e 24 anos), mas também por causa de algumas ideias sem nenhuma chance de serem aprovadas pelo Congresso, como a taxação do seguro-desemprego e a extinção de várias profissões regulamentadas.

A medida provisória acaba com registros profissionais de jornalista, agenciador de propaganda, arquivista, artista, atuário, publicitário, radialista, secretário, sociólogo, técnico em arquivo, técnico em espetáculo de diversões, técnico em segurança do trabalho e técnico em secretariado, entre outros. Se levarmos em conta certas atitudes e declarações do presidente Jair Bolsonaro e a política adotada em relação à educação, à cultura e à imprensa, faz até certo sentido, pois existe realmente uma ojeriza governamental aos profissionais que atuam nessas áreas.

Jornalistas revelam o que certos poderosos não gostariam que fosse de conhecimento público; sociólogos estudam problemas para os quais as autoridades muitas vezes fecham os olhos; arquivistas classificam, preservam e organizam documentos que muitos gostariam que fossem incinerados; técnicos em segurança do trabalho denunciam condições insalubres e desumanas nas empresas; artistas fazem a crítica dos costumes e dos poderes. Por ironia, sobrou até para o empregado do lava-jato. Tudo bem que é preciso modernizar a legislação trabalhista, mas não precisa o governo meter uma mão peluda no mercado de trabalho para precarizar ainda mais profissões que estão passando por grandes transformações devido à revolução tecnológica. O governo deveria se preocupar mais com a sua reforma administrativa e as carreiras do serviço público, pois, essas sim, o mercado não resolve.

Reinaldo Azevedo - A Aliança do Atraso para o Futuro

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não precisa do PSL para governar, vivemos sob um parlamentarismo informal

A decisão de Jair Bolsonaro de deixar o PSL para fundar a “Aliança pelo Brasil” pode ser tudo, menos irrefletida. Se o troço vai dar certo, aí é outra coisa. Há, sim, um pensamento e uma leitura da política em sua escolha. Está longe, pois, de ser maluquice. Sua “Aliança do Atraso para o Futuro”. O Brasil está a clamar pela vanguarda do retrocesso.

Observem que o Congresso aprovou uma reforma da Previdência bastante robusta sem que o presidente precisasse investir uma única vez na pacificação política.

Ao contrário: nos quase 11 meses de governo, ele e a filharada apostaram no confronto: com o Parlamento; com os respectivos presidentes das duas Casas Legislativas; com parte dos generais da reserva que chamou para compor o governo; com a imprensa; com a sua própria base de apoio; com o bom senso...

A reforma demorou mais do que o necessário, mas saiu. No dia da homologação, Bolsonaro não deu as caras. Estava reunido com a parte do PSL que pretende segui-lo na nova legenda, cujo primeiro manifesto veio à luz. A Aliança “é o sonho e a inspiração de pessoas leais ao presidente Jair Bolsonaro”. Nem Getúlio se atreveu a ser dono do PTB. Demos à luz o caudilhismo do Twitter, dos “bots” e das fake news.

Paulo Guedes já encaminhou a reforma do Estado ao Congresso e logo chegará a administrativa. Mais uma vez, mesmo sem ter uma base de apoio organizada, é razoável a chance de que passe muita coisa.

Bruno Boghossian – Matança e propaganda

- Folha de S. Paulo

Governador faz propaganda turística em semana com mais uma morte de criança no Rio

Wilson Witzel foi a Lisboa e não gostou do que viu na TV. De volta ao Rio, o governador reclamou de uma emissora portuguesa que mostrou um tiroteio numa favela. "Não é a realidade do Rio. É a realidade, infelizmente, de algumas comunidades, mas isso não afeta a vinda do turista", disse, na terça (12).

A não ser que esteja pensando em transformar o Palácio Guanabara numa agência de viagens, Witzel deveria evitar o tom de propaganda na hora de falar sobre a violência no Rio. Na semana em que mais uma criança foi morta por bala perdida no estado, o governador bateu um novo recorde de insensibilidade.

O contraste entre áreas turísticas e bairros pobres não deveria ser motivo de celebração. No Brasil, a taxa de homicídios de pretos e pardos é quase três vezes maior do que o índice para a população branca. Segundo o IBGE, a distância entre os dois grupos cresceu nos últimos anos.

Ruy Castro* - Ambiente irrespirável

- Folha de S. Paulo

Jane Fonda continua uma fera. O problema é subir no camburão aos quase 82 anos

Se tudo correr como nas últimas quatro sextas-feiras, Jane Fonda será presa de novo hoje por protestar nas escadarias do Capitólio, sede do Congresso americano, em Washington, contra a destruição do ambiente. Há várias semanas, Jane --famosa por filmes como "A Noite dos Desesperados" (1969), "Julia" (1977) e "Amargo Regresso" (1978)-- se junta a um grupo de ativistas e vai se manifestar. A polícia a abotoa, passa-lhe as algemas, atira-a num camburão e a leva para se explicar. Na primeira vez, Jane foi liberada algumas horas depois, mas, na segunda, teve de dormir na grade. E, a partir daí, tem sido assim. Ela está achando ótimo, porque isso chama mais a atenção para o seu gesto.

Jane sempre foi partidária das causas liberais. Suas campanhas, desde os anos 60 e todas meritórias, envolveram os índios, a Guerra do Vietnã, Richard Nixon, as usinas nucleares e, agora, a ecologia. Só que Jane está às vésperas dos 82 anos. Há dias, ela admitiu que, para a ação, a idade já começa a pesar. Não é fácil, por exemplo, subir no camburão algemada. Quando a polícia chega, não dá mais para correr --o jeito é se entregar. E ela precisa lembrar-se de levar na bolsa, para a noite na prisão, um jogo de fraldas descartáveis. Palavras dela.

Hélio Schwartsman - Pétreo enquanto dure

- Folha de S. Paulo

É preciso cautela para que o constituinte do passado não amarre demais a vontade dos cidadãos do futuro

Uma tese popular em circulação é a de que, agora que o STF definiu que a execução da pena só é possível após o trânsito em julgado, tal entendimento não pode ser alterado pelo Congresso, já que a presunção de inocência é uma cláusula pétrea da Carta que não pode ser modificada nem por emenda constitucional.

A presunção de inocência é sem dúvida uma garantia individual, o que faz dela cláusula pétrea, mas isso não significa que esteja totalmente imune aos parlamentares. É fácil ver isso lendo o artigo 60 da Carta, que regula as emendas constitucionais. Quem chegar até o § 4º do dispositivo verá que a proteção às cláusulas pétreas não é contra qualquer tipo de emenda, mas só contra as que tendam a aboli-las.

“Abolir” é um verbo forte, mas o termo “tendente” o relativiza, o que significa que os ministros do STF poderão decidir da forma que preferirem, como sempre. Mas, se quiserem se ater ao texto constitucional, terão de discutir se a prisão após a segunda instância “tende a abolir” a presunção de inocência ou só a coloca em outras balizas.

José Luiz Penna* - A República presidencialista se exauriu

- Folha de S. Paulo

Parlamentarismo talvez evitasse trajetória errática

A definição mais cáustica e certeira sobre a República, proclamada pelo marechal Deodoro da Fonseca há exatos 130 anos, foi feita por um ardoroso republicano, o jornalista Aristides Lobo (1838-1896): “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”.

Essa ausência de raízes populares denunciada pelo jornalista foi responsável pelos vícios de origem da nossa República: nascida de um golpe militar, ela logo se transformaria em um condomínio de oligarquias regionais.

Em busca da estabilidade política, os fundadores da República brasileira se inspiraram na “grande nação do norte“ e implantaram aqui um regime semelhante ao de lá, o sistema presidencialista. Só que em “terra brasilis” esse regime se revelaria um corpo estranho, pois as condições socioeconômicas, políticas, históricas e culturais do Brasil eram —e são— completamente diversas das dos norte-americanos.

Eliane Cantanhêde - O novo B do Brics

- O Estado de S.Paulo

Criado contra o ‘mundo unipolar’, o Brics passa a contar com um forte aliado dos EUA

A reaproximação do Brasil com a China e o entusiasmo do ministro Paulo Guedes com acordos bilaterais de livre-comércio são bons passos para corrigir dois erros da política externa, um bem recente, do início do governo Bolsonaro, e outro lá atrás, do início da era PT. Esses passos vêm em boa hora.

A política externa e comercial do governo Lula, fortemente pautada pela ideologia, impediu a discussão séria e pragmática da Área de Livre Comércio das Américas, a natimorta Alca. Poderia ter sido bom ou ruim aos interesses brasileiros, mas nunca saberemos. O próprio debate foi bloqueado.

Além de inviabilizar a Alca, o Brasil foi decisivo para vetar acordos bilaterais dos parceiros do Mercosul, ficando subentendido que não fazia e não permitia que Uruguai, Paraguai e Argentina fizessem acordos de livre-comércio diretamente com os Estados Unidos. Sem Alca e sem bilaterais, a grande aposta foi na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), que nunca saiu. Ou seja, não sobrou nada.

Agora, depois do anúncio (por enquanto, um mero anúncio) do acordo Mercosul-União Europeia, o governo Bolsonaro atira para todos os lados. Já acenou com livre-comércio com os EUA, com a China e, depois das duas maiores economias do planeta, sabe-se lá com quantos mais. A palavra de ordem de Guedes é abertura.

Fernando Gabeira - Vendavais ao sul da América

- O Estado de S.Paulo

Bolívia e Chile nos passam uma complexa lição de casa, é preciso decifrá-la...

Os ventos que sopram na Bolívia e no Chile são surpreendentes para quem se detém apenas em números de crescimento econômico. Tento entendê-los com minhas lembranças antigas e os dois últimos trabalhos que fiz nesses países. E algumas leituras.

Na Bolívia cobri para o Estadão uma crise singular no governo Evo Morales. Um choque com sua própria base de sustentação. O tema era a estrada Atlântico-Pacífico, financiada pelo Brasil. Ela iria atravessar um território indígena e houve grande reação. Cruzaria não apenas o território indígena, mas também o Parque Nacional Isiboro-Secure.

Mas ao longo desse tempo a política econômica de Evo Morales conseguiu grandes índices de crescimento e reduziu a pobreza, incluída a extrema pobreza. A política ambiental nunca foi muito bem. Lagos secando e um tratamento leviano com as queimadas, que acabaram se tornando um drama nacional neste ano.

Quando vejo o desenrolar da experiência do Movimento ao Socialismo, acabo suspeitando de que as variáveis econômicas e ambientais foram secundárias como estopim. O nó estava na política, na vontade de Evo Morales se perpetuar no poder. A Constituição não permitia. Ele fez um referendo em 21 de fevereiro de 2016. Perdeu e, em seguida, ganhou no tapetão da Justiça Eleitoral e da Suprema Corte. Isso ficou engasgado na garganta dos eleitores.

Baseio-me no relato de repórteres que cobriram a campanha de Evo. Registraram gritos de “o povo disse não” quando ele passava.

Vieram as eleições, a súbita suspensão das apurações, laudo da OEA denunciando irregularidades. Quando Evo aceitou uma nova eleição, era tarde. A polícia já havia cruzado os braços, o Exército pediu sua renúncia, como o fez com Sánchez de Lozada no passado.

O que a mídia pensa – Editoriais

Os desafios da República – Editorial | O Estado de S. Paulo

Os 130 anos da proclamação da República são uma ocasião especial para refletir sobre o futuro do Brasil. A mudança de regime ocorrida em 1889 foi o resultado de um amplo movimento cívico, que teve a ousadia de pensar os problemas nacionais, apresentar propostas concretas e lutar por elas. Momento especial dessa trajetória foi o Manifesto Republicano de 1870, que conclamava, juntamente com o fim da monarquia, a ampliação dos direitos políticos, a melhora da educação e a instalação do federalismo.

Com sua história intimamente ligada à proclamação da República – foi fundado em 1875 com o objetivo de propugnar pela abolição da escravidão e pelo fim da monarquia –, o Estado está publicando nesta semana uma série de reportagens sobre os novos desafios da República. Para tanto, o jornal entrevistou 53 lideranças, de diversas áreas, fazendo a todos duas perguntas. Quais promessas da República foram cumpridas? Quais valores deveriam ser reafirmados em um novo manifesto republicano? A resposta mais frequente à segunda pergunta foi o combate à desigualdade.

Nas respostas, também foram muito mencionados os seguintes valores: promoção da democracia, educação, combate aos privilégios, reforma do Estado contra o nepotismo, o clientelismo e o patrimonialismo, igualdade perante a lei, promoção da liberdade, melhora da representatividade, igualdade de oportunidades e liberdade de expressão.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Hino Nacional

Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás as florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.

O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas...

Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.

Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.

Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...

Precisamos adorar o Brasil!
Se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão
de seus sofrimentos.

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

Eduardo Alves da Costa
Quanto a mim, sonharei com Portugal
Às vezes, quando
estou triste e há silêncio
nos corredores e nas veias,
vem-me um desejo de voltar
a Portugal. Nunca lá estive,
é certo, como também
é certo meu coração, em dias tais,
ser um deserto.

Música | Maestro Forro e Claudionor Germano - Carnava de Recife