domingo, 30 de agosto de 2009

Ted Kennedy

Para quem acredita na eternidade do poder e na memória curta das gentes. No dia 12 de julho de 1973, sendo presidente da República o general Emílio Garrastazu Médici e ministro da Justiça o professor Alfredo Buzaid, a censura emitiu a seguinte nota para a imprensa: “É proibido divulgar as denúncias do senador Edward Kennedy sobre torturas no Brasil.”
(Deu na coluna de Elio Gaspari - O Globo)

Cenários para o futuro presidente

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Tomando por base a opinião generalizada entre os especialistas de que o cenário mais provável para o Brasil até o ano que vem é o de uma gradual aceleração do crescimento econômico, uma análise prospectiva dos economistas Claudio Porto e Rodrigo Ventura, da consultoria Macroplan, indica a possibilidade de dois caminhos para o país no período de 2011-2014, primeiro mandato presidencial do sucessor (ou sucessora) do presidente Lula. Um onde prevalecem ajustes estruturais, e outro de meras adaptações incrementais, que pressupõe a continuidade da estratégia atualmente em curso.

No primeiro cenário, o setor privado seria o principal “motor” do crescimento econômico, enquanto no segundo esse papel seria atribuído ao Estado, incluindo suas empresas.

No cenário de ajustes estruturais, a combinação das ameaças e oportunidades decorrentes da crise econômica mundial e dos resultados das eleições de 2010 impulsionaria um novo ciclo de mudanças econômicas que envolveriam a combinação de medidas anticíclicas orientadas à redução de riscos de cur to prazo e à sustentabilidade do crescimento a médio prazo.

Para atingir esses objetivos, o novo governo usaria investimentos públicos de grande porte e elevado poder multiplicador, com bom potencial de impacto na competitividade, como investimentos para superação de gargalos de infraestrutura e mobilidade urbana, por exemplo.

Seria dado forte incentivo aos investimentos privados por meio de financiamentos e garantias de crédito; desonerações fiscais horizontais, como redução de encargos nas folhas de pagamento e bônus fiscais, tipo abonos salariais temporários; e redução agressiva dos juros e forte contenção das despesas públicas de custeio.

O pano de fundo dessa gestão seria a retomada da agenda de reformas econômicas (tributária, previdenciária e trabalhista), de melhoria da gestão pública (desburocratização e fortalecimento dos marcos regulatórios e das agências reguladoras), e de renovação da agenda ambiental (maior proatividade e ênfase na exploração econômica das oportunidades associadas à sustentabilidade ambiental).

Os investimentos em infraestrutura seriam acelerados com a atração de empreendedores privados nacionais e estrangeiros para participação em grandes projetos, como os de expansão da infraestrutura logística (portos, aeroportos, ferrovias, rodovias e hidrovias), energética (hidrelétricas, petróleo, gás e renováveis) e urbana (transporte de massa, habitação, urbanização e despoluição).

Já o cenário de adaptações incrementais pressupõe a continuidade, com ajustes eventuais, da estratégia de travessia atualmente em curso, com a adoção de medidas anticíclicas capazes de produzir efeitos mais imediatos, mitigando riscos econômicos (e políticos) de curto prazo. Essas medidas viriam, predominantemente, por meio da expansão das despesas públicas correntes em caráter temporário ou permanente (especialmente transferências de renda, custeio, despesas de pessoal e aposentadorias), de mais fácil execução que os investimentos públicos, e têm impactos imediatos na renda e no consumo.

O estímulo à expansão do consumo doméstico seria baseado também em desonerações fiscais setoriais. Seriam feitos novos avanços incrementais na agenda de reformas econômicas (tributária, previdenciária e trabalhista), do Estado e da gestão ambiental, como aconteceu nos primeiros anos do governo Lula, com melhorias localizadas no desempenho da gestão pública, especialmente nas áreas de educação e saúde.

Mantida a baixa capacidade de execução dos investimentos públicos diretos, o governo atrairia empreendedores privados, nacionais e estrangeiros, para investimentos em grandes projetos, predominantemente em parceria com empresas estatais, ampliando a presença do Estado na economia.

Os economistas Claudio Porto e Rodrigo Ventura, da Macroplan, não deixam de apostar em qual seria o melhor cenário.

Para eles, a combinação do cenário doméstico de ajustes estruturais com uma superação eficaz da crise mundial representaria “o primeiro passo da construção de uma estratégia consistente de crescimento econômico sustentado”.

A manutenção desse ambiente interno numa perspectiva de longo prazo poderia levar o Brasil a uma mudança de patamar ou, no caso de o ambiente internacional evoluir favoravelmente, até mesmo ao ingresso do país no seleto grupo das economias avançadas, num horizonte de 20 anos.

Essa possibilidade, afirmam, ilustra o primeiro passo de uma trajetória semelhante à percorrida pela Coreia do Sul nos últimos 40 anos. Em 1969, o PIB per capita brasileiro era o dobro do coreano. Hoje, o PIB per capita coreano é quase o dobro do brasileiro, fruto de quatro décadas de fortes reformas e investimentos orientados a educação, desenvolvimento tecnológico e industrial.

Além da inocência

Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Antonio Palocci não emitiu nem uma só palavra em favor da verdade, no caso da quebra de sigilo do caseiro

A RECUSA de processo contra Antonio Palocci, decidida por um só voto de diferença no Supremo Tribunal Federal, fez mais do que livrar o ex-ministro de indícios óbvios de responsabilidade na quebra de sigilo e em acusação caluniosa e pública contra o caseiro Francenildo dos Santos Costa. Em plano mais amplo do que o pessoal, ficam relegadas apurações antes evitadas pelo inquérito policial, mas muito significativas para a moralidade administrativa.

Embora os esforços contrários, inclusive dos meios de comunicação encantados com o conservadorismo financeiro do então ministro da Fazenda, no escândalo centrado em Palocci ficou claro que a chamada "república de Ribeirão Preto" alugara uma casa discreta em Brasília para atividades além de encontros sensuais. Vários depoimentos deixaram registrada a frequência, ali, de reuniões sigilosas desse grupo envolvido em numerosos inquéritos de licitações fraudulentas, superfaturamento e desvios de verbas públicas, denunciados nas duas ocasiões em que Palocci foi prefeito de Ribeirão.

Um dos integrantes do grupo, quando viu exposta sua vida pessoal e a carga dirigida contra ele, chegou à franqueza indignada de apontar o desvio do escândalo jornalístico e das investigações, mais ou menos assim: "O importante para investigar não são os encontros com mulheres, são as reuniões feitas naquela casa". (A frase e seu alcance ficaram registrados na Folha, aqui mesmo). Nem assim houve questionamento algum às reuniões sigilosas do grupo liderado pelo ministro e integrado, além de componentes do seu gabinete, por vários lobistas e intermediários de negócios. A omissão teve o propósito de salvar o ministro da Fazenda simbólico da adesão do governo Lula à política neoliberal do governo Fernando Henrique.

Já que não foi possível apagar tudo, da decisão do Supremo resulta jogar toda a responsabilidade, nos atos contra Francenildo Costa, em Jorge Mattoso, presidente da Caixa Econômica Federal que fez lá a verificação da conta do caseiro.

Quanto a Palocci, no dizer do relator Gilmar Mendes seguido por quatro ministros, no pedido de processo "há apenas ilações que não estão suficientemente concatenadas para se constituir em elementos de prova", só há "meras suposições que não legitimam por si sós a abertura de ação penal".

Houve a quebra de sigilo e, em seguida, a divulgação de que Francenildo Costa tinha em sua conta dois depósitos incompatíveis com o salário, tidos como evidência de que fora subornado para acusar a presença de Palocci na tal casa? Houve, reconhecidamente. Há certeza sobre a autoria da violação do sigilo e da divulgação? Não, há indícios e suspeitos. O que é próprio do Judiciário, até por constituir a razão de sua existência, em tais casos? Instaurar processo para apurar, até onde for possível, a autoria e as demais responsabilidades.

No 16 de março de 2006, em que Francenildo depõe na CPI dos Bingos e compromete Palocci, o então ministro chama Jorge Mattoso ao seu gabinete. De volta à Caixa, Mattoso pede um extrato da conta de Francenildo. Informado do encontro de dois depósitos anormais, cujos extratos recebe pouco depois, Palocci troca 42 ligações telefônicas com seu assessor de imprensa, Marcelo Netto, o qual, por sua vez, tem seis telefonemas com o filho que trabalha na revista "Época". Logo o site da revista e depois a própria divulgam a acusação de suborno do caseiro para acusar o inocente Antonio Palocci.

São esses fatos, como diz Gilmar Mendes, "apenas ilações não suficientemente concatenadas" para justificar um processo judicial que procure apurá-los plenamente e estabelecer as responsabilidades, para possíveis efeitos penais? Votaram contra a inocentação a priori de Palocci, e pela ação judicial, os vencidos ministros Cármen Lúcia Rocha, Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

Há uma particularidade especialmente abjeta na difamação difundida contra Francenildo Costa. É que Antonio Palocci tinha plena consciência de ser verdadeira a afirmação do caseiro de que o vira na caverna brasiliense da "república de Ribeirão Preto". E depressa saberia, ainda, que os dois depósitos na conta de Francenildo Costa provinham de remessas feitas por seu pai. No primeiro caso, mentiu deslavadamente. No segundo, não emitiu nem uma só palavra em favor da verdade.

A "república" e seu chefe ainda têm processos no Judiciário paulista, mas os remanescentes do grupo já podem juntar-se a Lula e ao PT para dar a Antonio Palocci outro cargo no governo ou tentar elegê-lo para o governo de São Paulo, onde há muitas casas discretas.

Três anos de incoerência

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Lula poderia bem ter aproveitado seu discurso aos integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), na quinta-feira, para fazer um balanço das promessas que fez a esse mesmo plenário há três anos, no simbólico dia 24 de agosto de 2006 (aniversário de 52 anos da morte do ex-presidente Getúlio Vargas). Naquele dia Lula incentivou os conselheiros do CDES a "sistematicamente cobrarem coerência" dos governantes. Mas, nessa quinta-feira, esqueceu o que disse, não prestou contas das promessas de três anos antes e centrou seu discurso no monocórdio preferido dos últimos tempos: a fortuna do petróleo do pré-sal.

Coerência foi o que menos Lula apresentou nos últimos três anos. Seu governo deu uma guinada e mudou radicalmente, não por convicções ideológicas, mas pela ideia obsessiva de vencer a eleição a qualquer custo em 2010 - tema que demoliu o que de bom Lula trazia do passado, tem dominado seu tempo, sua cabeça e suas ações e que o distancia da função de governar o País.

Recuperado do escândalo do mensalão, de um ano antes, naquele 24 de agosto de 2006 Lula leu um discurso previamente preparado, uma espécie de novo programa para um governo que reiniciava, depois de paralisado por uma enxurrada de denúncias de corrupção. Veja, leitor, o que dizia Lula e o que ele não fez depois:

"A democracia pressupõe a gente ouvir o Congresso Nacional, ouvir a sociedade, medir a correlação de força (...) para consolidar esse processo democrático." (...) "É fundamental que não percamos a perspectiva de respeito e ordenamento constitucional do País e o respeito aos diferentes Poderes da República."

Em vez de ouvir, Lula impôs ao Congresso e ao Poder Legislativo suas próprias leis, abusando de medidas provisórias; humilhou e subjugou o PT, obrigando-o a defender e proteger os infratores oligarcas do PMDB que tanto combateu no passado; desrespeitou o ordenamento constitucional ao debilitar as instituições, esvaziando o Conselho de Ética do governo, incentivando e até premiando ações políticas corruptas, intervindo nas agências reguladoras, nos bancos públicos, nas empresas estatais e até na Receita Federal. Tudo para atrair apoio de partidos aliados para sua candidata em 2010.

"Para o Brasil crescer mais, precisamos de mais investimento público e privado em infraestrutura. (...) Para ter mais investimento público vamos melhorar a qualidade do gasto e reduzir o déficit da Previdência. (...) Eu quero e vou fazer mudanças na área tributária."

Lula fez o contrário. A qualidade do gasto piorou muito, a despesa com custeio disparou - só com pessoal aumentou 19,13% este ano -, enquanto o investimento público continua rastejando em 1% do PIB. Sua eficiência na intervenção para socorrer o senador Sarney no Conselho de Ética do Senado Lula não usou para o Congresso aprovar a abandonada reforma tributária. Em vez de desonerar, ele quer agora ressuscitar a CPMF com outro nome. Em relação ao déficit da Previdência, não fez absolutamente nada para reduzi-lo e este ano o rombo vai passar de R$ 45 bilhões.

"É fundamental uma reforma política bem desenhada, que supere o atraso e as condutas inadequadas nesse campo. Não podemos investir indefinidamente no conflito político. As instituições brasileiras são maduras para tratar com serenidade as questões mais sensíveis da organização da sociedade e do Estado brasileiro. (...) Temos de ter uma dedicação toda especial com o aperfeiçoamento das instituições e, por isso, a reforma política é inadiável."

Foi no campo político que a era Lula mais errou e andou para trás. Ele não fez a reforma política, loteou o governo com apadrinhados de partidos aliados, foi tolerante com a corrupção, mediocrizou a gestão pública e vai deixar para o sucessor um país com as instituições abaladas. Será que ele resume a democracia à realização de eleições? Talvez não, mas parece ignorar que construir a democracia implica ter instituições fortes e imunes à má influência política, voltadas para proteger o cidadão justamente de políticos que o eleitor errou ao eleger.

Três anos se passaram desde o discurso de 24 de agosto de 2006 ao CDES. Ali, Lula precisava mostrar que tinha um rumo para se reconciliar com os brasileiros, depois do furacão do mensalão, dos vampiros e aloprados. Hoje é diferente. A obsessão pela vitória eleitoral comanda tudo, paralisa o Congresso, enfraquece as ações do governo. E ainda falta um ano e um mês...

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio

Lição esquecida

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Longe de ser um princípio obsoleto, a não ingerência é a base da Carta da ONU, da OEA e da convivência civilizada

COMO REAGIRÍAMOS se o coronel Chávez tivesse visitado o nosso presidente na campanha de 2006 para anunciar-lhe centenas de milhões de dólares de empréstimo e favorecimento nas importações a fim de ajudá-lo na reeleição? Esse ato explícito de intervenção praticado pelo presidente Lula na política interna boliviana soma-se a outros de seus auxiliares em violação do princípio básico da diplomacia: a não ingerência.

O desprezo a uma regra de ouro que não admite exceções já está produzindo antagonismo e confronto entre os sul-americanos. A Unasul, criatura brasileira, nem completou nove meses e luta para sobreviver a um conflito entre seus membros cuja origem se localiza justamente no desrespeito a essa norma.

A reunião do órgão em Bariloche se concentrou no acordo militar Colômbia-Estados Unidos, mas esse tema é inseparável de dois outros: a guerrilha e o narcotráfico, por sua vez cada vez mais entrelaçados. Será razoável ver os colombianos condenados ao baterem às portas de Wa- -shington quando os vizinhos não escondem a simpatia ideológica pela guerrilha? E não conseguem (talvez nem tentem) evitar que seus territórios sejam usados pelos insurretos como santuário ou para obter armas? A questão fundamental é saber qual deve ser o comportamento de um governo diante da guerrilha e do crime organizado num país vizinho.

Cem anos atrás, em fevereiro de 1909, o barão do Rio Branco propunha à Argentina e ao Chile o pacto do ABC com três longos artigos sobre a questão. Cada país se comprometeria a impedir a organização em seu território de expedições armadas de exilados para promover guerra civil nos outros dois. Em caso de insurreição, proibia-se qualquer comércio com os insurgentes, que seriam desarmados ao passarem a fronteira, coordenando-se os governos a fim de evitar atritos nessa área.

Puro bom senso, que teria impedido as desventuras presentes caso tivesse sido obedecido pelos membros da Unasul. A começar pelo Brasil, que exigiu da Colômbia garantias escritas descabidas em relação a um ato de soberania como é a busca da cooperação militar norte-americana. Aliás, a abordagem militar só se intensificou depois que Bogotá tentou e não conseguiu negociar acordo de paz com a guerrilha.

Por que exigir garantia apenas da Colômbia, sem cobrança análoga da Venezuela em relação às ameaças multiplicadas por Caracas e ao desvio para a guerrilha de armas pesadas importadas da Suécia? Nem do Equador no que se refere ao uso de seu território por líderes das Farc como os mortos em incursão colombiana. Sobretudo quando o Exército brasileiro não viu no acordo sobre bases nenhum perigo ao Brasil.

Também é frouxo o argumento de que o combate ao narcotráfico deve ser obra exclusiva dos sul-americanos, cuja competência na matéria pode ser aquilatada pelo "êxito" obtido nos morros cariocas e pela extorsão policial a traficantes colombianos presos em São Paulo. Pior é dizer que o mercado das drogas se concentra nos Estados Unidos no momento em que o Brasil se tornou o segundo maior consumidor de cocaína do mundo.

Longe de ser um princípio descartável e obsoleto, a não ingerência é a base da Carta da ONU (Organização das Nações Unidas), da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da convivência civilizada. Se não quiser que a Unasul se desmoralize ainda mais, é bom que a diplomacia brasileira volte ao princípio que abandonou nesse triste episódio.

Rubens Ricupero, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

O QUE PENSA A MÍDIA

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PMDB liga apoio a Dilma a caminho livre nos Estados

João Domingos
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em reunião com Lula, peemedebistas concluíram que situação é desconfortável, mas não incontornável

A aliança entre PT e PMDB que vem sendo costurada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva visa a dividir o butim federal e regional nas eleições do ano que vem. Pelos planos já traçados até agora, Lula e o PT receberiam o apoio do PMDB para a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência. Em troca, nos Estados os petistas pregariam o voto nos candidatos peemedebistas para a eleição de governador onde a situação for favorável ao parceiro.

"O PT tem um projeto: eleger a ministra Dilma; o PMDB topa participar desse projeto. Mas, se a prioridade é eleger a ministra, queremos respeito à nossa prioridade absoluta, que são as nossas lideranças regionais", diz o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).

Na segunda-feira, com o presidente licenciado do PMDB e presidente da Câmara, Michel Temer (SP), Henrique Alves esteve com Lula, em São Paulo, para dar continuidade às negociações a respeito da coligação. Os dois mostraram ao presidente o mapa da convivência entre os dois partidos em todos os Estados. A situação é desconfortável, mas não incontornável, concluíram os três. Para tanto, Lula terá de enquadrar o PT em vários Estados, como no Rio, em que o prefeito de Nova Iguaçu, o petista Lindberg Farias, insiste em disputar com o governador Sérgio Cabral, do PMDB; ou no Ceará, em que o ministro da Previdência, José Pimentel, do PT, quer disputar o Senado.

O pré-acordo no Ceará é para que os petistas apoiem o deputado Eunício Oliveira, do PMDB, na disputa para o Senado, em pagamento pelo apoio dos peemedebistas a Inácio Arruda, do PC do B, em 2006. A outra vaga, por força das questões que envolvem a política cearense, é do tucano Tasso Jereissati, que tem o apoio do governador Cid Gomes (PSB), candidato de Lula e do PMDB à reeleição.

No Rio, Lula terá de afastar Lindberg; no Ceará, Pimentel. Isso não é problema. De acordo com auxiliares, o presidente topa não só essas missões, mas todas as outras em que tiver de mover o PT para fechar aliança.

ENCONTROS

PT e PMDB estão animados com a possibilidade de fechar mesmo a coligação. Tanto é que ficou combinado com Lula que de 15 em 15 dias Temer e Henrique Alves vão se reunir com o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), e com o líder do partido na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP). Nos encontros, vão avaliar sempre o andamento das negociações Estado por Estado, desistências e resistências, onde dá para resolver por eles mesmo e onde será preciso chamar Lula para dar um jeito na situação.

No encontro de segunda-feira passada com Lula, Temer e Henrique Alves foram muito claros. Se o PT quer eleger a ministra Dilma, terá todo apoio do PMDB onde for possível, mas o partido exige a contrapartida petista a seus candidatos. Lula comentou que já tinha demonstrado o quanto luta pela coligação, ao trabalhar intensamente para livrar o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), dos 11 pedidos de processo por quebra de decoro parlamentar abertos contra ele.

Os dois lados concordaram que não será possível fechar 100% do PMDB a favor de Dilma, o que não é novidade, já que os peemedebistas sempre ficaram rachados em todas as eleições diretas à Presidência na fase pós-redemocratização, desde a de 1989, vencida por Fernando Collor. Naquele ano, o partido disputou a eleição com Ulysses Guimarães, mas a maioria apoiou Collor. Em 1994, o candidato foi Orestes Quércia, que ficou em quarto lugar. A partir daí, o PMDB desistiu de lançar candidato próprio.

Um dos grandes problemas identificados pelos idealizadores da aliança está justamente em Quércia. Ele vai apoiar o tucano José Serra, enquanto Temer estará ao lado de Dilma, talvez até na condição de vice na chapa PT-PMDB. Também não há possibilidade de aliança no Acre, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Na Bahia, a situação é muito difícil, visto que o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, e o governador do Estado, Jaques Wagner (PT), romperam politicamente e o PMDB saiu do governo.

Lindberg briga contra aliança PT-PMDB no Rio

Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO

E pode dificultar palanque para Dilma no estado em 2010 Maiá Menezes

As trincheiras estão definidas no PT do Rio. De um lado, os aliancistas do campo majoritário; de outro, o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, que a cada declaração afasta mais a possibilidade de composição com o governador Sérgio Cabral (PMDB) — de quem o PT é aliado no estado. Com afirmações duras contra o PMDB, Lindberg diz ter 60% do partido. O primeiro teste desse poder de fogo será deflagrado em novembro, com a troca do comando do PT no estado. O atual presidente, Alberto Cantalice, aposta que fará o sucessor, o deputado federal Luiz Sérgio. Bismarck Alcântara e Lourival Casula são os candidatos em que Lindberg aposta para mudar a onda aliancista.

— O PMDB quer não só uma aliança, mas uma aliança que mate o PT. Querem a Dilma (Rousseff) refém deles no Congresso — acusa Lindberg.

— Essa posição do Lindberg é desastrosa para o partido. A principal eleição do ano que vem é a da Dilma. O que atrapalha a candidatura da Dilma é, para nós, apenas projeto pessoal — rebate Cantalice.

O presidente do PT sustenta que o cronograma de convenções do partido já deixa claro que a política nacional será preponderante em relação às regionais. Na reunião do diretório nacional, prevista para fevereiro, os delegados deliberarão também sobre as alianças regionais — a não ser nos casos em que o rompimento entre PT e PMDB já é “cultural”, segundo Cantalice, que cita os casos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ele sustenta que, a favor da manutenção da aliança, terá 90% dos prefeitos do estado, mesmo aqueles eventualmente insatisfeitos com o PMDB: — Lula está em alta. E os prefeitos subirão no palanque em que Lula estiver.

Lindberg não acredita em nova intervenção

Lindberg afirma que não vê condições políticas para uma intervenção no PT do Rio, nos moldes da que ocorreu em 1998, quando a candidatura de Vladimir Palmeira foi ceifada em nome do apoio ao então candidato do PDT, Anthony Garotinho, ao governo do estado.

Lindberg vê outro entrave à decisão homogênea do PT já em fevereiro: — Acho difícil o PMDB se decidir até fevereiro. Eles vão esperar até o último momento.

Vão pular no galho que acharem mais forte.

Segundo aliados de Lula, uma das opções para tirar Lindberg do páreo seria oferecer a ele a chance de se candidatar ao Senado.

Traria um outro problema: a secretária estadual de Assistência Social, Benedita da Silva, também quer a vaga.

— Nem gosto de falar nisso.

Só sairei candidato ao Senado se não conseguir ser candidato ao governo — diz ele.

No PSDB, atenção à disputa entre Serra e Aécio

Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

Mineiro decide mostrar que está disposto a brigar pela vaga, mas cúpula avalia que paulista é hoje o preferido

RUMO A 2010: Os dois pré-candidatos tucanos fazem o discurso da união, mas prévias poderão ser inevitáveis

BRASÍLIA. Os tucanos acompanham com atenção o aumento da disputa entre os dois pré-candidatos do PSDB: os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG). Essa concorrência poderá se acirrar até o fim do ano, diante da pressão para que o partido defina o nome de seu candidato. Dirigentes da legenda já admitem que o PSDB terá dificuldades para evitar a realização de prévias, o que poderia aprofundar o racha do partido.

Apesar do discurso em defesa da unidade do PSDB, o governador mineiro, Aécio Neves, decidiu mostrar disposição de lutar pela vaga de candidato à sucessão presidencial. No último mês, intensificou a agenda de viagens pelo país. Em agosto, fez um giro pelo Nordeste e passou ainda por Rio, Santa Catarina e Brasília. No próximo dia 3 deve ir a Salvador. Até o fim de setembro, planeja percorrer a região Norte, apresentando seu programa de desenvolvimento para a Amazônia.

O governador mineiro se diz animado com a a receptividade que tem tido. O principal problema continuam sendo as pesquisas eleitorais, que indicam que Serra mantém a liderança folgada da disputa. Nos bastidores, Aécio trabalha para mostrar que sua candidatura teria mais chances do que a Serra, com a promessa de alianças com PTB e PP — o que representaria um acréscimo de sete minutos no horário eleitoral de TV e rádio.

— A sucessão no PSDB está aberta. Da parte do governador Aécio estamos sentindo disposição de disputar e recepção crescente da base partidária — confirma o secretário-geral do PSDB e aliado de Aécio, o deputado Rodrigo de Castro (MG).

Reticente em assumir sua précandidatura, Serra passou a percorrer o país, em ritmo menos acelerado do que Aécio, para evitar a disseminação dos rumores de que ele estaria pensando em desistir da disputa. Aliados do governador paulista admitem que ele andou preocupado com a candidatura de Dilma.

Se ela tivesse chegado ao patamar de 30% — com uma projeção de 40% até o fim do ano —, Serra poderia reavaliar a candidatura, por considerar arriscado trocar uma reeleição certa por algo duvidoso. Mas a parada de Dilma nas pesquisas deu-lhe novo ânimo. Ele começou também a percorrer o país e, em agosto, visitou Salvador e Maceió.

À frente em todas as simulações feitas por institutos de pesquisas sobre a sucessão presidencial, Serra e seus aliados apostam numa solução negociada dentro do PSDB: — O clima nunca esteve tão bom. Em cada evento em que os dois aparecem juntos, Serra e Aécio pregam a unidade — diz o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA), um dos principais aliados de Serra.

— A unidade é o instrumento mais vigoroso que temos para vencermos a próxima eleição — concorda Aécio.

Na cúpula tucana, a avaliação é de que Serra continua sendo o nome preferido do partido para a disputa.

Marina tira militância católica dos braços do PT

Roldão Arruda
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Líderes de comunidades mostram entusiasmo com a candidatura

A possível candidatura de Marina Silva à Presidência, pelo PV, deve enfraquecer o PT em um dos seus redutos mais antigos e dedicados - o das comunidades eclesiais de base, as CEBs. Desde que a senadora se desfiliou do PT, a polêmica sobre apoiá-la ou continuar na banda orquestrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a favor da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, se espalha no meio dessas comunidades. Mas não só aí. Há uma inquietude semelhante nos movimentos de sem-terra, indígenas e, sobretudo, entre organizações que atuam na área de defesa do meio ambiente.

O caso das CEBs é dos mais significativos. Essas comunidades, organizadas em áreas pobres, com o apoio da chamada ala progressista da Igreja Católica, tiveram sua história misturada com a do PT desde que o partido se formou, há três décadas. Em todas as campanhas eleitorais de Lula as CEBs o apoiaram. Na capital paulista, os mapas eleitorais das eleições presidenciais e para o governo do Estado mostram que o PT só consegue bater o PSDB em alguns poucos bairros da zona leste da cidade - não por coincidência, os mesmos onde as CEBs são mais estruturadas.

No Belém, um desses bairros nos quais o PT ainda mostra força, Liz Mari Silva Marques, liderança das CEBs locais, disse ao Estado que o governo Lula produziu avanços significativos no terreno das causas populares, mas acabou estacionando. "Não consegue avançar em questões como reforma agrária, demarcação das terras indígenas, apoio a pequenos agricultores e, principalmente, a preservação ambiental", disse ela. "A Marina, que tem uma vida inteira dedicada aos pobres, pode fazer uma grande diferença agora. Sempre votei no PT. Mas o meu voto na próxima eleição será para ela."

Liz Mari não fala em nome da comunidade. Mas seu depoimento é indicador da mudança. Assim como o do teólogo Leonardo Boff, um dos artífices brasileiros da Teologia da Libertação, inspiradora das CEBs: ele já declarou seu apoio à candidatura da senadora.

O nome de Marina, que hoje faz parte da denominação religiosa Assembleia de Deus, mas já foi católica e militou numa comunidade de base, é respeitadíssimo no meio do clero progressista. Ela é chamada para participar de encontros de teólogos. E foi ovacionada durante o 12º Intereclesial, o mais importante evento nacional das comunidades de base, realizado em julho, em Porto Velho. O tema da reunião era justamente a questão amazônica.

Ela ainda foi aclamada em recente encontro, em Brasília, do Movimento dos Sem-Terra (MST), organização que também tem suas raízes nas CEBs.

"A Marina é uma pessoa de fé, daquelas que, como diz a Bíblia, fazem mover montanhas. Tem uma força grande quando fala, tem um testemunho de vida, o testemunho de uma sobrevivente da tragédia contra os pobres deste País", disse o padre Benedito Ferraro, encarregado de assessorar as CEBs em todo o Brasil.

Ferraro não acredita que a senadora consiga atrair a maioria dos participantes das CEBs, especialmente a gente mais simples, no meio das quais a popularidade de Lula continua em alta. Mas prevê fissuras nas lideranças.

"Tenho conversado com pessoas que, mesmo não acreditando na vitória da Marina, vão apoiá-la com o objetivo de aumentar o poder de barganha do setor popular no segundo turno da eleição", disse o padre. "É uma tentativa de trazer para o primeiro plano do debate eleitoral a questão ecológica, que ficou muito fragilizada no PT e no governo Lula, especialmente após a nomeação de Mangabeira Unger para o ministério."

Curiosamente, enquanto o presidente Lula busca associar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) à ministra Dilma, certo de que isso atrai votos para ela, no meio das comunidades tal associação exerce um efeito oposto, de rejeição. O programa é visto como causador de problemas ambientais e ameaça para comunidades ribeirinhas e indígenas.

O antropólogo Ricardo Verdun, assessor do Instituto dos Estudos Socioeconômicos (Inesc) para questões indígenas e ambientais, observou que a candidatura de Marina já entusiasma várias organizações ambientalistas. A esperança é que ela mude o foco do debate.

"Enquanto, nas propostas que apareceram até agora, o primeiro plano está sempre ocupado com propostas de geração de renda, inclusão social, obras de infraestrutura e de exploração imediata dos recursos naturais, com a promessa de mais tarde pensar na questão ambiental, ela muda o foco. Traz novas propostas de desenvolvimento, que incluem a questão indígena, o manejo sustentável das florestas e outros temas."

PV prepara festa para filiação

Moacir Assunção
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PV preparou uma festa para receber, hoje, a filiação da senadora Marina Silva, provável candidata do partido à Presidência. Cerca de mil pessoas, entre simpatizantes e militantes, são aguardadas no bufê Rosa Rosarum, em Pinheiros, na zona oeste da capital. Ao mesmo tempo, o partido fará o seu encontro nacional, que deve reunir os principais líderes do PV no País, como o presidente nacional, José Luiz Penna, o vereador e presidente do partido no Rio, Alfredo Sirkis, o deputado federal Fernando Gabeira (RJ) e a presidente do PV de São Paulo, Regina Gonçalves.

Katherine Greeza, representante dos partidos verdes no Parlamento Europeu, também é aguardada, com uma carta de apoio à candidatura de Marina à Presidência. Depois da filiação e do discurso, a senadora vai conceder uma entrevista coletiva.

De acordo com a secretária de Comunicação do PV, Mara Prado, as inscrições para o encontro, feitas no site do partido na internet, se encerraram na quinta-feira. A filiação da senadora, que militou no PT durante 30 anos, será transmitida na rede pelos sites tvdopv.com.br e pv.org.br.

Serra evita atacar Lula, mas já formata discurso para 2010

Luciana Nunes Leal
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governador trata de temas que vão de política industrial a aparelhamento do Estado

O tom é professoral. Às vezes tem uma dose de bom humor e, quase sempre, referências pessoais e profissionais. Se está inspirado, conta casos da juventude, da família, dirige-se à plateia. Em outros momentos, sem sorrisos, se restringe ao assunto que o levou a determinada solenidade. É no conteúdo dos pronunciamentos mais recentes, porém, que o governador José Serra (PSDB) começa a construir o discurso para as eleições de 2010.

Embora insista que não há definição sobre candidatura à reeleição ou à Presidência da República, o tucano escolhe os temas que levará ao palanque.

Mudança radical na política industrial, ataque ao aparelhamento do Estado no governo do PT, preocupação com meio ambiente e sustentabilidade e o já famoso "ativismo governamental" estão entre os assuntos que o governador e futuro candidato quer pôr em discussão. Críticas diretas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva - que mantém a popularidade em alta, apesar do desgaste dos aliados - praticamente não existem. E cobranças dirigidas ao governo federal são acompanhadas de comparações com a administração tucana de Fernando Henrique Cardoso e seus ministros, entre eles o próprio Serra.

O site do governo paulista reproduz 52 discursos entre 1º de junho e 27 de agosto. Na sexta-feira, dia 28, foram mais três, dois em Praia Grande e um em Hortolândia. No portal são incluídas apenas as falas do governador em compromissos oficiais . Não estão lá as participações em compromissos partidários, como o discurso feito no Congresso Nacional do PPS, no dia 7 de agosto, no Rio, onde estavam também o governador tucano Aécio Neves, de Minas Gerais, e lideranças do DEM e do PV. Na ocasião, Serra traçou um roteiro de temas cruciais para o discurso da oposição na disputa presidencial de 2010.

Um dos pontos mais importantes foi a necessidade de uma política industrial que vá além do cenário atual, onde predomina a exportação de produtos primários. Mesmo sem detalhar propostas objetivas, o governador deixou clara a insistência no estímulo aos setores secundário e terciário, com valorização da indústria e também estímulo à qualificação profissional para ocupação de empregos em serviço e tecnologia.

Em 2010, o eleitor vai ouvir a pregação no palanque tucano. "O Brasil está caminhando a passos largos para voltar a ser uma economia primária exportadora. Anterior a 1930.

Commodities, minério de ferro, aço, petróleo. Não é isso que vai desenvolver o País."

Também haverá comparação com outras economias. "Os dois países que estão se saindo melhor nessa crise - Índia e China - têm políticas nacionais de desenvolvimento. Não ficam só no oba-oba, não ficam só no jogo de otimismo. O Brasil não pode renunciar a ser um país industrial", ensaiou Serra no encontro do PPS.

CARGOS

A distribuição de cargos por critérios mais políticos do que técnicos é outro tema que o governador aborda com frequência. Serra fala em "estatizar o Estado". "O Estado brasileiro está sendo privatizado. É uma privatização espúria e nefasta", atacou, no Rio. Duas semanas antes, na Associação Comercial de São Paulo, a crítica foi a mesma, com exemplo concreto.

O governador falou em medidas de profissionalização dos cargos de confiança e citou sua passagem pelo Ministério da Saúde (1998 a 2002). "O exemplo que me ocorre é o da Funasa, onde, para indicação dos coordenadores estaduais, a partir de uma determinada época, era necessário que eles preenchessem determinados requisitos de qualificação, coisa que foi revogada no segundo, no quarto mês do governo Lula, para que de novo a Funasa virasse um mercado persa que virou."

O aparelhamento do Estado, assim como o alinhamento de sindicatos e da União Nacional dos Estudantes (UNE) - presidida por Serra de 1963 a 1964, até o golpe militar - ao governo petista, são críticas prontas. "O movimento estudantil era diferente, não era oficialista como é agora", discursou Serra em Salvador, no dia 10 de agosto. Na semana anterior, o governador fez provocação semelhante. "Sou do tempo que a UNE era independente." Na sexta-feira passada, elogiou a "independência" da União Geral dos Trabalhadores, UGT, durante encontro da central sindical em Praia Grande. "Não é que eu não goste de sindicalistas. Me considero um aliado dos bons sindicalistas", disse a uma plateia de cerca de 500 trabalhadores.

Há, porém, um discurso ainda em construção, o do meio ambiente. Com a saída da senadora Marina Silva (AC) do PT e a possibilidade de disputar a Presidência pelo PV, o tema tornou-se inevitável. Até agora, Serra tem citado experiências de sua gestão. É recorrente o exemplo do protocolo firmado com produtores de cana que antecipou de 2031 para 2014 a meta do fim das queimadas geradas na colheita. Ele citou a medida em pelo menos três discursos, entre os dias 1º de junho e 23 de julho. Também fala com frequência a lei estadual antifumo, a mais rigorosa do País, não só pela preocupação com a saúde, mas com a qualidade ambiental.

O governador fala em sustentabilidade, mas ainda não apresenta diagnósticos e planos para o meio ambiente em nível nacional, como faz com outros setores. "O meio ambiente é uma coisa que chegou para ficar. Sempre foi fundamental, mas não se dava bola para isso", disse Serra na sexta-feira, ao lado do prefeito petista de Hortolândia, Ângelo Augusto Perugini, durante inauguração de uma estação de tratamento de esgoto. "O tema em que estamos trabalhando e que interessa mais ao Serra é como se constrói a nova economia, é a transição para uma economia com desenvolvimento e sustentabilidade. Todo mundo é a favor do desenvolvimento sustentável, mas ninguém sabe como fazer. Dois temas inevitáveis são o pacto para a Amazônia e a agricultura", diz o secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, Xico Graziano.

Para o cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), especializado em Comunicação Política, Serra "está nitidamente construindo um discurso e testando temas, para saber qual tem mais ou menos apelo e fala sobre o futuro". O professor considera a crítica ao aparelhamento estatal "meramente política" e vê no industrialismo "um discurso paulista, que toca no ponto nevrálgico do Estado".

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), carro-chefe do segundo governo Lula coordenado pela pré-candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff, já foi citado por Serra como "uma listagem de obras, poderia ser feito por qualquer governo". A definição, no entanto, não tem sido repetida nos últimos discursos.

INTERAÇÃO

A um ano da eleição, futuros candidatos estão no momento "de interagir com diversas plateias, de informar o que estão pensando", descreve o cientista político Bolívar Lamounier.

O governador Serra, diz ele, "faz uma exploração de ideias que estão na cabeça dele, não como um balão de ensaio, mas falando de coisas em que acredita". Uma segunda etapa será a sistematização das propostas, até a formação de uma equipe de especialistas para montar o programa de governo. "Agora é uma fase mais individual", afirma o professor.

Pelo menos na elaboração dos discursos, Serra age sozinho. Nos papeis, leva números e dados técnicos informados pelos secretários e assessores. Lê os relatórios nos deslocamentos de helicóptero. Texto escrito, só em casos excepcionais e extremamente solenes.

Lula pretende fazer do pré-sal uma festa para Dilma

Vera Rosa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Inspirada na campanha “O petróleo é nosso”, dos anos 50, a cerimônia reunirá aliados e adversários

Lançamento de regras de exploração do pré-sal vira palanque para Dilma

Cerimônia, marcada para amanhã, será inspirada na campanha nacionalista 'O petróleo é nosso', da criação da Petrobrás

O governo quer transformar o anúncio do marco regulatório do pré-sal, previsto para amanhã, em grande trunfo político para impulsionar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010.

Inspirada na campanha nacionalista "O petróleo é nosso", que embalou a criação da Petrobrás, nos anos 50, a cerimônia para divulgar o modelo de exploração do pré-sal foi preparada sob medida para reunir aliados e adversários.

Pressionado pelos governadores do Rio, Sérgio Cabral, e do Espírito Santo, Paulo Hartung - ambos do PMDB -, Lula deve manter a regra atual de cobrança de royalties, enquanto o Congresso não aprovar uma proposta definitiva. O presidente não quer mexer no vespeiro de mudar a fatia destinada a Estados como Rio e Espírito Santo - de governos aliados ao Planalto e à candidatura de Dilma - num ano pré-eleitoral.

Lula foi convencido de que alterar o pagamento de royalties, agora, dificultaria a tramitação dos projetos de lei e aposta nas negociações no Congresso e em novas rodadas de conversa com governadores.

A decisão, porém, dividiu o governo.

Dos 27 governadores convidados para a cerimônia, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, apensa 17 haviam confirmado presença até sexta-feira. O Planalto espera o comparecimento de 3 mil pessoas, entre políticos, empresários, artistas, representantes de sindicatos e de movimentos sociais.

Antes da solenidade, Lula fará uma reunião ministerial e do Conselho Político - formado por presidentes e líderes dos partidos que compõem a coalizão governista - para anunciar as medidas.

TRADUÇÃO

Dilma será a estrela da festa. Coordenadora da comissão interministerial que preparou a nova regulamentação, ela fará uma exposição sobre o tema. Mas foi avisada pelos responsáveis por sua estratégia de comunicação que é preciso "traduzir" o pré-sal para a população.

Conhecida por cuidar de assuntos árduos, a chefe da Casa Civil tem sido treinada para ser mais simpática e política. A ordem é não se alongar demais em temas técnicos. Para explicar a camada do pré-sal, por exemplo, o governo vai recorrer a expressões como "patrimônio do País", "futuro do Brasil" e "riqueza do povo" nas campanhas publicitárias.

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB), também apresentará o novo trunfo político do governo na cerimônia, que será encerrada com um discurso ufanista de Lula. Na tentativa de tirar dividendos políticos do pré-sal, de agora em diante, o Planalto vai bater na tecla de que o governo do PSDB queria privatizar a Petrobrás.

O mote será repisado à exaustão para abafar a CPI da Petrobrás no Congresso.

Dilma, Lobão e o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, tiveram várias divergências nos últimos meses. A ministra, por exemplo, achava que a participação da Petrobrás nos consórcios deveria ser definida caso a caso.

A Petrobrás virou o jogo: não apenas conseguiu participação mínima de 30%, expressa em lei, como será contratada diretamente nos campos mais estratégicos e será a operadora única de todos os blocos.

Reunião entre os dois ministros para discutir ajustes na proposta do marco regulatório, marcada para a tarde deste sábado, foi adiada para hoje.

Os projetos de lei serão enviados amanhã ao Congresso, em regime de urgência. Um deles prevê a criação de uma estatal para administrar as reservas do pré-sal, o outro estabelece um fundo de desenvolvimento social para aplicar os recursos em educação, saúde e inovação tecnológica e um terceiro propõe o sistema de partilha da produção.

Na prática, o governo quer reforçar a Petrobrás e aumentar o controle estatal na empresa às vésperas da eleição de 2010, embora saiba que a exploração comercial não ocorrerá antes de 2015.

Um verbo na berlinda

Wilson Figueiredo
DEU EM OPINIÃO E NOTICIA


Muita coisa já mudou, outras esperam na eterna fila das reformas. A impressão é de que o Brasil está mudando mais depressa do que se percebe. Também se diz, mas não se escreve, que Lula é outro. Enquanto isto, com a impaciência histórica que o move, o brasileiro paga adiantado, com o voto, a candidatos que prometem apressar o futuro sem sair do passado. Mas quem acaba mal é a democracia.

Alguns hábitos mais cabeludos do cotidiano parlamentar estão na mira da opinião pública, embora a atual representação política, sem favor a de mais baixo teor entre todas, anda se lixando por entender que o problema, antes de recair sobre eles, diz respeito à democracia. O mandato parlamentar, utilizado para enriquecimento pessoal, em proveito de cada um e de todos, está mais valorizado do que nunca e, em respeito ao eleitor, já merecia ter cotação diária na Bolsa de Valores.

Ao cidadão se oferece agora a maneira mais direta para agilizar – é este o verbo do momento – a triagem nas urnas, num arrastão capaz de proporcionar uma tempestade na internet, pegar de jeito a campanha eleitoral e renovar no atacado a representação política. Agora (ou não se sabe quando) porque nada se aproveitará sem uma limpeza em regra. Até aqui, os deputados que o presidente Lula calculou por baixo em trezentos picaretas, devem ter extrapolado.Chegou a hora de remover o lixo histórico acumulado, melhorar a qualidade dos pretendentes e baixar o custo do mandato parlamentar. Sem esquecer de detonar a categoria privilegiada dos representantes sem votos. Imune à lei eleitoral e fora do alcance dos saudosistas da censura, a internet vai proporcionar, na tela, 24 horas de espetáculos por dia. Vamos ver se o Brasil realmente mudou, como evasivamente de diz em prosa fiada.

Há quem aposte que, no próximo ano, as urnas vão moer uma boa parcela de mandatos bichados e facilitar a vazão das crises acumuladas desde o mensalão. É tempo de botar para correr os políticos satisfeitos com esta agilização excessiva e estender a mão aos cidadãos que se sentem no fundo do poço. Quem mudou mesmo foi o presidente Lula, desde que o pré-sal trouxe grandes reservas de expectativa à vida brasileira. Tinha mudado quando ainda candidato e, para não ser reprovado pela quarta vez nas urnas, remeteu aos brasileiros aquela carta em que prometia deixar para as calendas gregas as tentações do esquerdismo em baixa universal. A vitória refez a cabeça de Lula e alguns até acham que ele mudou para melhor. Outros discordam.

O verbo agilizar está na berlinda e, se dona Dilma vier a ser eleita, vai continuar se explicando, até o encerramento da campanha, para dizer que declarou uma coisa e entenderam outra. Entenda-se o problema.Vai ver que a prioridade era mesmo para a primeira versão. Ao contrário do pré-sal, que já deveria estar jorrando discursos, o verbo agilizar vai reinar na campanha eleitoral e, se a candidata do PT for eleita, terá lugar de destaque no governo.

Se ocorrer a vitória, o verbo da temporada chegará ao poder por mérito próprio, independente de quem seja eleito. Quem sabe o marco de uma nova era, com aplicações imprevisíveis. Será o Brasil agilizado.

Agilizar é o que dona Dilma Rousseff deveria fazer desde já. A começar por dentro do governo, independente de outros verbos. Todo verbo é o que é, e quem quiser o entenda com a liberdade que a democracia garante. Dilma pode dizer que pretendeu apenas garantir o direito adicional de encerrar conversa atravessada de pré-supostos ocultos.O pior é que o objetivo de compactar o público e o privado, que dona Dilma teria pedido a dona Lina Vieira como favor especial, apenas fulanizou a questão e permitiu à oposição jogar areia na engrenagem oficial de uma eleição que tende a ser o escoadouro de tudo que está pendente, no bom e no mau sentido. A questão do patrimonialisno parlamentar cedeu a prioridade à crise do Senado e só beneficia o PMDB na sucessão presidencial. E, se não for resolvida, voltará na primeira oportunidade. Tudo indica que o verbo agilizar ganhará autonomia de vôo, continuará sua rota e entrará num período de total versatilidade. Faz parte do enxoval da candidata oficial, que dificilmente dará conta de governar e, ao mesmo tempo, preservar o ex-presidente Lula dos desgastes de pequenas comparações entre governos. Diferenças rendem mais, eleitoralmente falando, do que semelhanças.
Estatísticas têm duas faces, e só mostram a mais apresentável.

Lula escolheu uma candidata que preencherá apenas o intervalo entre o segundo e o terceiro mandato legal dele em 2014. Ao presidente caberá (olha ele aí) agilizar, como primeiro ministro, a administração da sucessora e, ao mesmo tempo, pavimentar o caminho para a volta. Sem o que, não teria sentido sacrificar o PT e premiar regiamente o PMDB. Lula não é de fazer pacto de morte com partido ou candidato. Mas não custa lembrar que, mais que um direito, a ruptura do elo entre o grande eleitor e o eleito tem sido e será sempre uma fatalidade decorrente da imperfeição humana, mais velha que a política. Ao verbo agilizar reserva-se longa sobrevivência no Brasil.

Quem já não é o mesmo, e só vai se dar conta depois que tiver sido, é o presidente Lula da Silva.
Possivelmente só perceberá que deixou de ser aquele Lula da selva política no dia em que pedir um cafezinho e notar a perda de agilidade do serviço doméstico enferrujado pela má vontade que antecipa a condição de ex-presidente.Dizem que, depois de deixar o governo, as primeiras 48 horas parecem o fim do mundo. Mas não passam de fim de governo.

Novos caminhos

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O prazo de retorno do investimento em rodovia na Amazônia é de 14 anos; em ferrovia, de nove anos; e em hidrovia, de três anos. A emissão de carbono em rodovia é oito vezes maior do que em hidrovia. É preciso 200 carretas para transportar a carga de seis barcaças. Por um estudo do Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain), do ponto de vista econômico e ambiental, o rodoviarismo do PAC não faz sentido.

É preciso pensar em outros modais, e incluir a conta ambiental antes das decisões, explica o professor Paulo Fernando Fleury, da equipe que preparou o estudo para um seminário do instituto, em setembro. Na Amazônia, em vez de pensar sempre em rodovias, o governo deveria comparar outros meios de transporte.

O estudo compara as possibilidades de se chegar ao Porto de Santarém, que de acordo com a projeção sobre o escoamento futuro da soja é bastante competitivo.

Uma possibilidade seria uma ferrovia de 1.650 quilômetros, ligando Sinop, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. Outra possibilidade seria viabilizar a movimentação da soja pela hidrovia Teles Pires-Tapajós. A hipótese rodoviária seria a BR163, cuja pavimentação é prevista no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

O Porto de Santarém tem um terminal com capacidade de armazenamento de 60 mil toneladas e sua ampliação está temporariamente suspensa por razões ambientais.

O mais interessante do estudo é que quando ele simula os outros modais é possível ter uma noção do que o governo deveria fazer, e não faz, nas obras que impõe ao país: não compara alternativas numa avaliação mais ampla de custo e retorno.

Normalmente, se vê apenas o investimento inicial.

Ele, de fato, é menor na hipótese rodoviária. Seria de R$ 1,55 bilhão o investimento necessário para acabar de pavimentar a BR-163; na ferrovia projetada, o custo seria de R$ 4,15 bilhões; na hidrovia, R$ 2,9 bilhões.

Num primeiro olhar, parece que o custo da rodovia é mais baixo, mas o estudo do Ilos foi adiante. Viu a manutenção, por exemplo. Numa rodovia, ela teria que ser feita a cada nove anos; numa ferrovia, após 20 anos; e numa hidrovia, a cada 30 anos.

O prazo para retorno do investimento seria de 14 anos na rodovia, nove anos na ferrovia e três anos na hidrovia.

O custo do transporte seria de R$ 94,7 por tonelada a cada 1.000 quilômetros na rodovia; R$ 56,9, na ferrovia; R$ 42, na hidrovia.

O que, na rodovia, exigiria 200 carretas para transportar pode ser levado em um trem de 77 vagões ou um comboio de seis barcaças.

O estudo mostra que, apesar de uma rodovia na Amazônia exigir um investimento menor inicial, ela tem um custo maior de manutenção, um frete mais caro, transporta menos e polui muito mais. Isso, sem considerar outros custos ambientais, como o incentivo ao desmatamento que uma rodovia na Amazônia produz. O estudo calcula que só no combustível queimado no transporte, a emissão de carbono numa rodovia é oito vezes maior do que numa hidrovia, e numa ferrovia é 1,7 vezes maior do que na hidrovia.

— O consumo de diesel da ferrovia seria quase duas vezes o da hidrovia, o consumo de diesel da rodovia seria cerca de 17 vezes o da hidrovia — diz Fleury.

O objetivo do estudo é imaginar o futuro do escoamento da soja, levando-se em conta que haverá maior adensamento da produção da soja no interior do país, que precisará chegar aos portos. Em 2007, foram produzidas 29 milhões de toneladas de soja para exportação; em 2020, a projeção indica que o país estará produzindo 59 milhões de toneladas: duas vezes mais. Em todos os cenários, os portos de Santarém e Paranaguá “apresentam elevado potencial de crescimento na movimentação da soja”. Pelo estudo, “com infraestrutura adequada e otimização logística de exportação de soja é possível reduzir em até 9,5% os custos atuais”.

Fleury diz que como o aumento da produção será grande — 30 milhões de toneladas — todos os portos podem ter aumento de volume, mas alguns são bem mais competitivos do que outros. As obras têm que ser previstas dentro dessa visão integrada que busca o mais eficiente do ponto de vista logístico. Do contrário, o governo acaba dispersando recursos.

A falta de avaliação mais ampla do que seja custo faz o governo optar preferencialmente por rodovias na Amazônia, que são mais caras quando se avalia outros itens de custo; incentivam o desmatamento; e aumentam as emissões de gases de efeito estufa que serão cada vez mais uma restrição para as empresas e para os países.

Dias atrás, grandes empresas e entidades do país assinaram uma carta se comprometendo a medir anualmente tudo o que emitem de gases de efeito estufa, na sua atividade produtiva; o inventário de emissões. E se comprometem a reduzir essas emissões. Isso seria mais fácil se, num programa como o PAC, fosse considerada a variável ambiental. Com ela, aumentaria a competitividade de obras que viabilizassem modais menos poluentes.

As empresas não assumem esse compromisso apenas para ficar bem na foto do ambientalmente correto, mas porque no futuro o carbono será taxado, e as exportadoras serão cobradas pelos seus clientes no mundo desenvolvido sobre o grau de emissão das suas atividades produtivas.

O governo reage às cobranças dos órgãos ambientais às obras do PAC na Amazônia como se fossem barreiras ao crescimento. Se tivesse uma visão mais abrangente poderia concluir que o meio ambiente é o indispensável aliado do novo desenvolvimento, e a variável que falta nas suas equações.

Saio de férias por 20 dias.
Fica neste espaço Regina Alvarez, grande jornalista de economia que vocês conhecem bem das análises e reportagens de Brasília
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O grande gradualista

David Brooks /The New York Times
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Desde a morte de Ted Kennedy, os noticiários mostraram diversas vezes o fim inesquecível de seu discurso na convenção democrata de 1980 – o trecho de Tennyson e as belas frases finais: "O trabalho continua, a causa perdurou, a esperança ainda vive, e o sonho não pode morrer nunca." Ao analisar, contudo, o centro do discurso, percebe-se como era ousada a agenda de Kennedy. Seu argumento central era a favor de uma política de pleno emprego. O governo devia garantir emprego para todos os americanos economicamente ativos. Seu próximo grande objetivo era o que chamou de "reindustrialização”.

A revolução tecnológica estava em curso, mas Kennedy pediu ao governo para restaurar o poder industrial das cidades americanas.

O terceiro grande objetivo era o seguro saúde nacional.

– Deixe-nos insistir no real controle sobre o que os médicos e hospitais podem cobrar – disse Kennedy.

Existiam outras propostas. Ele prometeu usar "todo o poder do governo para controlar os preços".

Kennedy estava propondo transformar fundamentalmente a economia política dos EUA. Ele sabia que tinha perdido a candidatura, e seu liberalismo era frouxo.

O discurso era radical, e ele podia ter voltado para o Senado, devido à própria ousadia. Ele poderia ter criticado a vilania dos opositores e feito discursos sobre sonhos que nunca se tornariam realidade.

Kennedy, contudo, se tornou algo mais. Ele virou um árbitro. Ele se transformou em um gradualista.

Essas palavras têm conotações negativas; mas não deviam. Kennedy nunca abandonou ideais ambiciosos, mas sua habilidade de gerar acordos e promover mudanças amplas graduais criou o legado que todos celebram hoje: centros de saúde municipais, Instituto Nacional do Câncer, lei de americanos com deficiência, programa Meals on Wheels (Refeições sobre rodas, em tradução literal; iniciativa que fornece alimentos às pessoas necessitadas), a renovação da lei de direitos ao voto e a lei que protege crianças desamparadas. A última lei, a propósito, reduziu o abismo entre brancos e negros mais do que qualquer outra legislação.

A vida de Kennedy transmite várias lições importantes. Uma é sobre a natureza da liderança política.

Aprendemos desde os dias de Camelot a admirar um tipo particular de político: o épico e carismático candidato do Monte Rushmore que está à frente de mudanças.

Os fundadores desse país, no entanto, criaram a Constituição para frustrar esse tipo de líder. A Constituição dilui o poder, exige comprometimento e estimula o gradualismo. Os fundadores criaram um governo cauteloso para que a sociedade pudesse ser dinâmica.

Ted Kennedy foi criado para louvar um tipo de habilidade de governo e amadureceu descobrindo que ele tinha outro. Ele tinha as habilidades de legislador, e se perguntarmos a 99 senadores quem foi o melhor especialista entre eles, todos vão dizer Kennedy. Ele sabia como fazer acordos.

Certa vez, encontrei John McCain depois de uma sessão de negociação com Kennedy envolvendo um projeto de lei de imigração que tinham apoiado. McCain estava exausto pela forma árdua e paciente com que o amigo negociou.

Na minha última entrevista com Kennedy, perguntei sobre grandes ideias, e as respostas deles não foram nada especiais. Depois perguntei sobre uma provisão menor num trecho antigo de legislação, e o domínio que ele tinha da provisão era impressionante.

Existe uma arte de governar, que depende menos de inteligência acadêmica e mais de uma noção do contexto de como unir as pessoas.

Kennedy tinha essa noção. Uma segunda lição envolve a natureza da mudança nos EUA.

Nesse país, nós temos um tipo distinto de sociedade. Nós americanos trabalhamos mais horas do que qualquer outra pessoa no planeta.

Nós mudamos de emprego com muito mais frequência do que os europeus ocidentais ou japoneses.

Temos altas taxas de casamento e de divórcio. Nós nos mudamos mais vezes, fazemos mais trabalhos voluntários e matamos mais uns aos outros.

Dessa cultura dinâmica, mas às vezes impiedosa, um estilo distinto de capitalismo americano emergiu.

A economia americana é flexível e produtiva. O PIB per capita dos EUA está quase 50% mais alto do que o da França. Mas o sistema americano também é implacável.

Ele produz sua parcela de insegurança e miséria.

Essa cultura, esse espírito, esse sistema não são perfeitos, mas são nossos. Os eleitores americanos gostam de políticos que propõem reformas que amenizem os aspectos do sistema. Eles não gostam de políticos e propostas que pretendem contradizêlo. Eles não gostam de propostas que centralizam o poder e reduzem as escolhas individuais. Eles resistem às propostas que põem a segurança acima da mobilidade e da responsabilidade individual.

Em 1980, Kennedy propôs uma agenda que abalou as tradições da forma de governar americana. Desde então, um Kennedy coagido e um grupo de republicanos produziram reformas para se manterem atualizados. Os benefícios estão lá para que todos vejam.

Tradução: Victor Barros
A vida de Kennedy transmite várias lições. Uma delas diz respeito à liderança política
Sábado, 29 de Agosto de 2009

A Sua - Marisa Monte

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