domingo, 18 de agosto de 2013

OPINIÃO DO DIA - Fernando Gabeira: fanatismo

Ao ver na TV a história de coletivos com casas próprias e líderes que combinam picaretagem política com certo tom religioso, pressinto os descaminhos; que se impõem, com dinheiro, oficial, à cultura brasileira. Descaminhos que, no fundo, desprezam a cultura e a substituem pelo militante fanático. Quem não se lembra da Revolução Cultural chinesa? Foi um dos momentos mais indignos da História humana. É preciso ler um pouco, sobre isso para evitar algumas novidades que, no fundo, são; apenas o retomo da barbárie.

Fernando Gabeira, jornalista. In “Mídia Ninja e o futuro desfocado”, O Estado de S. Paulo, 16/8/2013

Mensalão: STF ainda decidirá se vai rever provas

De acordo com professores da FGV Direito Rio, apenas embargos infringentes têm o poder de anular condenações

Bruno Góes

Um julgamento para a história. O plenário do Supremo na sessão de quinta-feira passada, a segunda de análise dos recursos do mensalão: por enquanto, só foram apreciados os embargos de declaração de sete dos 25 réus condenados

O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou à fase de julgamento dos recursos apresentados pelos réus do mensalão. Em dois dias, a Corte analisou embargos de declaração e negou os pedidos de sete réus, entre eles o delator do esquema, Roberto Jefferson. Este tipo de embargo, entretanto, serve apenas para esclarecer possíveis pontos obscuros do acórdão (documento com o resumo das decisões dos ministros, publicado no início deste ano) e questões levantadas pelos réus sobre as sentenças. Todos os 25 condenados apresentaram embargos de declaração.

Para entender o que pode acontecer daqui para frente, inclusive sobre a possibilidade de novo julgamento, O GLOBO fez dez perguntas à equipe de professores da FGV Direito Rio.

Segundo eles, os embargos infringentes - recursos que possibilitam a revisão das condenações e nova análise de provas -, se forem considerados válidos, poderão ser aplicados de acordo com duas interpretações. Na primeira, é preciso haver quatro votos contrários à condenação de um réu por determinado crime, como está expresso no regimento interno do STF. Na segunda, seria necessário apenas um voto pela absolvição, se for considerada uma alteração na lei em 2001.

Durante as duas primeiras sessões de julgamento dos recursos, os ministros alegaram que réus usaram embargos de declaração para tentar reabrir discussões sobre fatos que já foram debatidos diversas vezes pela Corte. Se outros recursos no mesmo sentido forem enviados, os réus podem ser multados por ação protelatória.

1 Há risco de prescrição das penas caso o julgamento se estenda?

Com a publicação da decisão do STF, em abril deste ano, é improvável que haja prescrição neste momento. O prazo da prescrição é zerado com a publicação da decisão. Inicia-se assim uma nova contagem do prazo. Daqui há alguns anos, pode haver. O que pode se estender é o momento do início da execução das penas, pois isso vai depender do término do julgamento de todos os recursos.

2 Em que hipótese uma condenação pode ser revista nesta fase?

Caso os ministros aceitem os chamados embargos infringentes, condenações poderão ser revertidas. Esse recurso permite o reexame de todas as questões. Na prática, é um novo julgamento.

3 Além dos embargos declaratórios, que outros tipos de recursos podem ser usados pelos réus?

Os ministros terão que decidir se aceitam o recurso chamado embargos infringentes, que permite o reexame das questões. Após o encerramento do processo, os réus, já com as penas sendo cumpridas, também podem pedir uma revisão criminal, caso haja, por exemplo, novas provas de inocência deles em algum crime pelo qual foram condenados.

4 O que diferencia cada um desses recursos?

Os embargos infringentes são decididos antes do encerramento da ação e têm o poder de rediscutir o que se está pedindo. Faz-se um novo julgamento. A revisão criminal visa corrigir erros praticados no processo.

5 Qual a função do embargo infringente, com o qual alguns réus esperam reverter condenações?

Esse recurso permite o novo julgamento das questões. De acordo com o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o recurso seria cabível sempre que houvesse, no mínimo, quatro votos divergentes. Mas, após uma alteração na legislação em 2001, bastaria um voto divergente. Como a lei que define normas de procedimento no STF não previu esse recurso, os ministros terão que decidir se caberá ou não embargos infringentes e quantos votos vencidos serão necessários.

6 Se não houver vaga para os réus no regime semiaberto, onde eles irão cumprir a pena?

Existem estabelecimentos próprios para o cumprimento da pena em regime semiaberto. Mas tem que haver vagas disponíveis. Se não houver, o condenado deve cumprir a pena em regime aberto. Se também não houver vaga no regime aberto, o condenado cumprirá a pena em prisão domiciliar. Não terá que passar a noite na prisão.

7 Temas já discutidos foram motivo de embargos. Essa atitude dos condenados pode ser considerada protelatória?

Na doutrina, é considerado protelatório todo ato que tem como único objetivo adiar uma decisão. É usar o processo e o Direito contra a própria Justiça. Cabe ao STF estabelecer a diferença entre uma atitude protelatória, punida por lei, e uma atitude de irresignação, que é um direito do réu.

8 Quais são as implicações de uma atitude protelatória?

Caso o STF entenda que foram meramente protelatórios os embargos de declaração, pode multar o réu que apresentou o recurso.

9 O STF já decidiu o que é uma atitude protelatória?

O Supremo já declarou protelatórias algumas ações, mas faz sempre uma análise caso a caso. No julgamento do mensalão, ainda não o fez expressamente, mas já houve por parte de alguns ministros o reconhecimento de que alguns recursos propostos tinham caráter protelatório.

10 Quanto tempo pode durar o julgamento?

É difícil prever. O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, decidiu que cada embargo de declaração será julgado de forma individualizada. Os 25 réus entraram com esses recursos. Em duas sessões, sete já foram rejeitados pelo plenário: os de Emerson Palmieri, Jacinto Lamas, Valdemar Costa Neto, José Borba, Romeu Queiroz, Roberto Jefferson e Simone Vasconcelos. Se o ritmo for mantido, com mais três sessões encerram-se os embargos de declaração. Entram, então, os embargos infringentes. Antes de analisar cada um, o STF terá que decidir se cabe este este tipo de recurso.

Fonte: O Globo

Contradição ou rediscussão?

Eduardo Jordão e Diego Werneck

O ministro Lewandowski quer mudar de opinião quanto ao Bispo Rodrigues. O réu foi acusado de corrupção passiva por atos praticados ao longo de vários meses - só que o Código Penal foi alterado naquele mesmo período. Aumentou-se a pena para o crime de corrupção passiva. Qual pena aplicar? A da lei nova ou da lei antiga? O STF já havia enfrentado essa pergunta no ano passado. Lewandowski pode revisitar o debate nos embargos de declaração?

Este tipo de recurso serve para corrigir contradições, lacunas e obscuridades na decisão. No caso, Lewandowski afirmou haver contradição no acórdão: o tribunal admitiu a participação do Bispo Rodrigues em reunião anterior à alteração legislativa (na qual o crime já teria ocorrido), mas aplicou a lei posterior.

A rigor, não se trata aqui de contradição. A questão já foi discutida no ano passado. Todos os ministros concordaram que os atos criminosos se prolongaram no tempo até depois da nova lei, aplicando-se súmula do STF segundo a qual incidiria a lei posterior.

O acórdão não se contradisse: firmou uma tese jurídica, aplicando jurisprudência do STF. O tribunal foi provocado a rediscutir decisão já tomada. Se tratarmos como contradição o que é rediscussão, perdemos de vista algo importante: o fim. Seja mais ou menos rápido, o processo precisa acabar. A discussão processual do limite dos embargos esconde, portanto, um dilema institucional mais amplo. O STF mandará uma mensagem, com possíveis reflexos no sistema penal brasileiro, sobre a questão do ponto final em processos penais.

Não se quer condenar inocentes, não se quer condenar sem provas, não se quer condenar sem respeito ao devido processo legal. Mas, quando a decisão é tomada por um órgão colegiado, é natural que haja divergência em todas essas dimensões. Quase sempre haverá votos vencidos. Até quando podem revisitar debates já realizados? As decisões do STF só seriam então legítimas quando unânimes? No caso, a decisão foi unânime; ainda assim, teriam os ministros um direito permanente a mudar de ideia?

O STF pode errar, como os argumentos dos ministros vencidos sempre nos lembram. Mas precisa decidir. Em julgamentos criminais, pela importância da liberdade em jogo, o ponto final é sempre difícil de colocar. Mas nem por isso é menos necessário. Manter suas decisões sempre em aberto é torná-las precárias. Sem ponto final, o que se corre o risco de perder não é tempo: é autoridade.

Fonte: O Globo

PSB aumenta pressão sobre governador

A queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff após os protestos de junho empolgou parte do PSB, que quer convencer o governador Eduardo Campos (PE) a assumir a candidatura presidencial antes de 2014.

O PSB paulista prega a saída do governo federal até o final de setembro. Dirigentes do Rio Grande do Sul acham que o partido deve iniciar 2014 já com o “time” oficialmente em campo.

O PSB de Brasília já se considera em campanha. “Não temos uma data para que o Eduardo se declare candidato. Mas temos a certeza de que ele disputará a Presidência. Por isso, já estamos em campanha”, afirmou o presidente do partido no DF, senador Rodrigo Rollemberg.

Neste mês, o diretório de Sao Paulo aprovou um manifesto no qual solicita que todos os filiados ocupantes de cargos no governo federal deixem seus postos até final de setembro. Para o presidente da sigla no Estado, deputado federal Márcio França, esse é o momento de assumir o que nos bastidores já existe. O manifesto ainda recomenda que outros diretórios promovam a mesma consulta junto aos seus militantes. Líderes do partido afirmam que Santa Catarina, Paraná, Minas, Mato Grosso e Rio Grande do Sul têm “o mesmo sentimento”.

No âmbito nacional, o partido pondera que é preciso viabilizar os palanques estaduais (definir os candidatos ao Legislativo e as alianças locais). “Não adianta nos apressar porque 2014 só vamos tratar em 2014”, avisou o vice-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral.

Fonte: O Estado de S. Paulo

'Hoje não existe partido satisfeito com o governo'

Segundo parlamentares, queda da popularidade de Dilma foi apenas a gota d"água para crise que se avizinha

Paulo Celso Pereira, Cristiane Jungblut

BRASÍLIA - A derrota do governo semana passada no Congresso e a iminência de ocorrerem outras nas próximas semanas não se deve exclusivamente à queda da popularidade da presidente Dilma Rousseff nas mais recentes pesquisas de opinião pública. Na avaliação de parlamentares dos mais diversos partidos, a crise que se avizinha foi construída dia após dia ao longo dos 30 primeiros meses do mandato da presidente. A recente queda de popularidade é vista por eles apenas como a faísca que faltava.

Entre os muitos motivos enumerados por parlamentares e líderes partidários estão uma postura de isolamento em relação ao Congresso - especialmente da Câmara -, a escolha de nomes sem trânsito no meio político como representantes do Palácio nas negociações e o esvaziamento dos líderes que até então mantinham o controle dos partidos da base aliada, que era a maior de um presidente desde a redemocratização.

- O que houve foi muita distância e falta de interlocução. Nos governos passados havia pessoas que conversavam com o Congresso. Hoje, temos uma ministra da Articulação Política (Ideli Salvatti) que não tem autoridade com o resto do governo e os líderes têm dificuldade de negociar acordos porque o Palácio não cumpre. Hoje não existe nenhum partido satisfeito com o governo, nem o PT. Não é apenas o orçamento impositivo que aprovamos. Hoje, o governo não ganha nenhuma votação no Congresso - diz o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI).

Aliados dizem que, apesar de a presidente ter tentado nas últimas semanas mudar o conflituoso relacionamento com o Congresso, em reuniões com a base aliada, o governo segue cometendo erros diários de avaliação política, como não negociar os textos que são votados em Plenário e apostar tudo nos vetos, que agora correm o risco de serem derrubados, e na judicialização. Um líder da base compara:

- O governo está como o alcoólatra que acorda de ressaca e jura que nunca mais vai beber. Mas chega no dia seguinte e bebe de novo.

Na última semana, alguns desses erros voltaram a se repetir, quando o governo não concordou em ceder em pontos do orçamento impositivo. Nas negociações, tentou emparedar líderes da Câmara, afirmando já ter acordo no Senado. Acabou derrotado. Por fim, avisou que entraria na Justiça contra a emenda.

- Se o governo for à Justiça contra o orçamento impositivo, vai sofrer derrota toda semana. Negociar não é só ouvir o outro lado, mas ceder e acatar as sugestões - alerta um peemedebista.

- Desaguou agora porque nunca houve relação. Um casal separado que só se junta por causa dos filhos não tem como ter uma relação boa. Os interlocutores do Palácio e o fato de a base ser heterogênea são os maiores problemas - aponta o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).

Fonte: O Globo

Planalto troca líderes e perde o controle do Congresso

Baixa liberação de emendas contribuiu para agravar descontentamento

BRASÍLIA - Em março do ano passado, quando surfava em uma avaliação positiva de 64%, a presidente Dilma Rousseff fez uma troca dupla de seus líderes na Câmara e no Senado. Responsáveis pela condução da pauta do governo desde o governo Lula, o deputado Cândido Vaccarezza (PT) e o senador Romero Jucá (PMDB) tinham amplo trânsito nas mais diversas legendas, inclusive na oposição, e conhecimento dos meandros de funcionamento da Câmara e do Senado.

No lugar deles foram colocados o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), que apesar de experiente tem menos trânsito fora do PT, e o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), que tinha recém-completado um ano no Senado e bradava aos quatro ventos sua insatisfação com a Casa.

Sem representação nem controle dos Plenários da Câmara e do Senado, os dois pioraram uma situação que já se desgastava. Tanto Jucá quanto Vaccarezza caíram após duas derrotas sentidas pessoalmente pela presidente: a aprovação do Código Florestal e a rejeição de Bernardo Figueiredo para a diretoria geral da ANTT. Dilma achou que o problema estava no mensageiro e não percebeu o grau de conflagração que se espalhava pela base.

Insatisfação alimentada pela dificuldade dos parlamentares em serem recebidos por ministros, de influenciarem nas nomeações em seus estados e, sobretudo, de liberarem suas emendas ao Orçamento. Além disso, a maioria dos atuais ministros políticos têm pouca representatividade nas bancadas e já não podem mais atuar como propulsores de votos a favor do governo, especialmente na Câmara.

Correlação de forças mudará

Para completar, a dificuldade do governo em apresentar resultados de suas realizações, especialmente nos projetos de infraestrutura, deram discurso inclusive aos parlamentares que integravam a base, mas de perfil mais independentes. Para o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), um desses, a correlação de forças entre o governo e Congresso será alterada de fato a partir das próximas semanas com a aprovação do chamado orçamento impositivo e a apreciação de vetos presidenciais.

- Isso vai mudar a correlação de forças. Precisamos de uma revolução, a revolução do cumpra-se (o que está escrito na Constituição, como no caso da apreciação dos vetos). Fazer política não é só receber pessoas, é mostrar realizações com um prazo razoável e custo justo. O que determina é a boa gestão, o bom projeto - disse Miro. (P.C.P. e C.J.)

Fonte: O Globo

A mulher de 20 milhões de votos

Incensada após as manifestações de junho, Marina mantém-se viável para 2014, desde que consiga regularizar a Rede Sustentabilidade

Paulo de Tarso Lyra

Grande surpresa na reta final das eleições presidenciais de 2010, quando deu um salto na semana decisiva e conseguiu quase 20 milhões de votos, Marina Silva volta a surpreender os analistas políticos ao ser a única que aumentou a intenção de voto nos levantamentos realizados após os protestos que sacudiram o país em junho. Antes de os jovens lançarem o grito “Vem para rua”, Marina era vista como uma candidata que tinha boa parte dos votos de 2010 herdados de um sentimento anti-PT e anti-PSDB e cujo partido, a Rede Sustentabilidade, seria sepultado com a aprovação de um mero projeto de lei no Congresso impedindo que as novas legendas conseguissem o tempo de televisão e o fundo partidário dos parlamentares recém-filiados.

Agosto de 2013 e tudo mudou. Até para o governo. “Marina é uma candidata consistente. Ela teve 20 milhões de votos, não tem partido, não tem cargo público e, ainda assim, tem 26% de intenções de voto. É perfeitamente possível que ela esteja no segundo turno nas eleições do ano que vem”, declarou um interlocutor governista.

Para isso, precisa, antes, viabilizar o próprio partido. Marina visitou dois gabinetes nesta semana. O primeiro foi o da presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia. E, na última sexta-feira, o da corregedora nacional eleitoral, Laurita Vaz. A ex-senadora pede agilidade na validação das assinaturas para que o pedido de criação da Rede seja protocolado no TSE. Até o momento, outras três legendas pleiteiam o mesmo objetivo: o Partido Liberal Brasileiro (que teve a tramitação sustada pelo TSE); o Partido Republicano da Ordem Social; e o Partido Solidariedade. Os dois últimos mantêm a esperança de êxito.

Mas o que Marina tem a oferecer aos seus eleitores? “A gente não sabe exatamente o que ela pode apresentar. Mas é inegável que ela carrega, ainda, um capital ético que tinha na época do PT e que os próprios petistas perderam nos últimos anos”, afirmou o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria. Marina, que na opinião de seus próprios aliados é tão centralizadora como Dilma Rousseff, mas que ainda mantém a capacidade de ouvir e arrematar raciocínios como Lula, quase desistiu da política para dedicar-se às aulas de história e às consultorias ambientais. “O cenário político a trouxe de volta para o debate”, confirmou o deputado Ricardo Trípoli (PSDB-SP).

Entrevista / MARINA SILVA

Sem pensar em outro partido

A ex-senadora e principal expoente da Rede Sustentabilidade, Marina Silva, recebeu o Correio no fim da tarde de sexta-feira. Na conversa de quase meia hora, afirmou que os protestos de junho não podem ser resolvidos em uma mera pauta de reivindicações e sim, na construção de uma agenda de mudanças a longo prazo para o país, mantendo os pilares da atual política econômica. Ela garante que não pensa em se filiar a outro partido caso a Rede não se viabilize. Acredita ainda que a nova legenda está em condições de chegar ao poder. “Ninguém consegue 20 milhões de votos saindo pela primeira vez candidata (a presidente, em 2010) se não tiver um lastro da sociedade calçando esse processo.” (PTL)

Se a Rede não se viabilizar até 5 de outubro, o caminho natural será filiar-se a outra legenda?

Não trabalho com essa possibilidade. Estamos focados na viabilização da Rede Sustentabilidade. Entregamos tudo em tempo hábil. Não é justo que tenhamos feito um esforço deste e ele ser prejudicado em função das dificuldades que a Justiça Eleitoral está enfrentando.

Como estão as conversas com os aliados e os parlamentares que desejam vir para o partido?

Temos um processo de conversa aberta com as pessoas que têm identidade programática conosco. Mas não há de nossa parte uma ansiedade tóxica de inchar o partido a qualquer custo e a qualquer preço.

Surpreendeu o resultado das últimas pesquisas de intenção de voto?

As pesquisas são um momento em que os institutos são capazes de registrar. E devem ser vistas assim, não como algo definitivo. Os eleitores vão modulando suas posições de acordo com o debate, a dinâmica do processo político, que, infelizmente, foi antecipado.

Mas junho zerou esse processo eleitoral. O que muda daqui para a frente?

É preciso ter a humildade de compreender que existe algo muito grande e profundo acontecendo na realidade política do Brasil. E não a ansiedade de querer capitalizar, de querer se apropriar. O tamanho de tudo o que aconteceu, a magnitude, a quantidade de bandeiras, não se resolve como pauta de reivindicação. Tem o potencial de mudar a nação.

Esse movimento de junho era esperado? É algo que veio para ficar? Ou foi um fato isolado?

Não é um movimento que acontece só no Brasil. É no mundo inteiro. Há uma grande quantidade de pessoas que não estão satisfeitas com a qualidade da representação política. É um movimento que veio para ficar.

Mas as manifestações refluíram.

O fato de não estarem mais nas ruas não significa que as pessoas não estejam com as mesmas expectativas, não continuem com as mesmas decepções com a representação política, com a qualidade dos serviços. Pelo contrário. É o surgimento de um novo sujeito político, que exige uma nova visão, novos processos e novas estruturas. Não é algo que a gente possa ter respostas rápidas, apressadas. Quando a história está acontecendo, os que vivem a história jamais terão as certezas porque algo ainda não se completou.

Quais os demais pontos da agenda que a Rede propõe para contrapor-se ao que está aí, além da ampliação do debate ambiental?

Em 2010, lançamos a nossa plataforma “pelo Brasil que queremos”. Nós continuamos aprofundando o debate porque achamos que política não se faz só no momento das eleições. As pessoas se enganam quando pensam que uma trajetória ligada a meio ambiente e sustentabilidade não está ligada a como vamos tratar a questão da infraestrutura, da educação, saúde, saneamento, mobilidade.

Como tratar essas outras questões?

Do ponto de vista econômico, manter os pilares como a questão do superavit primário, da autonomia do Banco Central, do câmbio flutuante, todos os esforços para o controle da inflação. Isso é um debate que é feito no âmbito da sustentabilidade. Energia limpa é uma agenda para as próximas décadas. Fazer com que nossa agricultura continue próspera, responsável pelo bom resultado de nossa balança comercial, por aumento de produtividade e não pela expansão predatória, é agenda estratégica. Investir em educação, tecnologia, inovação, para que o Brasil transforme as vantagens comparativas em vantagens competitivas.

Os próprios petistas admitem que o PT se tornou pragmático ao chegar ao poder. Como chegar ao poder, montar base de apoio, escolher um vice e ficar imune ao que está aí?

As pessoas confundem a necessidade da eficiência, da ação, de resposta necessária dos governos com o pragmatismo fisiológico. E esse pragmatismo fisiológico não está resolvendo. O que devemos ter é uma agenda pactuada com a sociedade. E precisamos acabar com a reeleição no Brasil.

Mandato de quatro anos? Ou mais tempo?

O ideal é que leve para cinco anos, sem a reeleição. Com certeza criaria uma disposição maior para viabilizar uma agenda de país, não apenas uma agenda de governo, do partido que está de plantão.

Além das ruas, quais são os atores que a Rede imagina como mais propícios para essa mudança na sociedade? A senhora dialoga com muitos personagens: o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, é um deles.

Com o Eduardo Campos eu tive uma conversa durante a tramitação do projeto (que tentava impedir a criação da Rede). Quando estive no estado do governador, fiz uma visita de cortesia para, inclusive, agradecer o esforço do PSB. Como temos eleições em dois turnos, cada um tem direito de colocar suas candidaturas. No primeiro turno, é melhor que tenhamos uma maior quantidade de opções. É o momento de se lançar as sementes.

Em 2010, durante o segundo turno, a senhora ficou neutra, não declarou voto em Dilma Rousseff (PT) ou José Serra (PSDB).

Nós apresentamos uma agenda. Ela foi avaliada pela presidente Dilma Rousseff e pelo governador José Serra. A presidente inclusive assinou os compromissos. Um deles é que vetaria qualquer projeto que significasse anistia para o desmatador, coisa que infelizmente não cumpriu. O Serra não assinou, mandou o presidente do PSDB (deputado Sérgio Guerra) assinar por ele. Como os eleitores são livres, eles fizeram suas escolhas.

Voto se transfere?

Se você disser que transfere o voto, você está dizendo que é o dono do eleitor. Os eleitores são convencidos. É possível uma liderança política contribuir com o convencimento em um debate? É claro que sim. É isso que acontece.

Uma das críticas à campanha de 2010 é que foi pouco propositiva. Hoje, há espaço para mudar isso?

Nós fizemos o debate. Não fizemos satanizações udenistas em relação a qualquer denúncia de corrupção. Não fico feliz com o que aconteceu no mensalão, não fico feliz com o que está acontecendo em São Paulo (denúncia de formação de cartel nas licitações do metrô). O Fernando Henrique dizia que o PT e o PSDB ficam se engalfinhando para saber quem vai liderar o atraso. Será que não é a hora de a gente assumir posição e começar a liderar os avanços?

A Rede está madura para ser governo?

A Rede não é um processo que começa agora. Ninguém consegue 20 milhões de votos saindo pela primeira vez candidata se não tiver um lastro da sociedade calçando esse processo. A Rede faz parte da luta de quase 30 anos de um grupo da sociedade que apostou na ideia do desenvolvimento sustentável em sua dimensão ambiental, política, econômica, cultural e social. E esse amadurecimento é altamente compatível com o anseio de mudança que está colocado na sociedade.

"O fato de não estarem mais nas ruas não significa que as pessoas não estejam com as mesmas expectativas, não continuem com as mesmas decepções com a representação política"

"Estamos focados na viabilização da Rede Sustentabilidade. Entregamos tudo em tempo hábil"

Fonte: Correio Braziliense

Inflação chegaria a 8% sem preços controlados

Sem preços controlados, IPCA estaria em 8,0%

Nos 12 meses anteriores a julho, os chamados preços administrados, que são controlados pelo governo, subiram ínfimo 1,3%. Trata-se da taxa mais baixa desde a criação do sistema de metas da inflação, em 1999, Para os economistas, a forte retração indica que há algo estranho acontecendo porque nos preços livres, que seguem as leis da oferta e da procura, a alta foi muito maior no período: de 7,9%. "Não pode ser mera coincidência", diz André Loes, economista-chefe do banco HSBC. "Ao que tudo indica, temos uma inflação represada nos preços administrados pelo governo."

O refresco gerado por esse represamento é pequeno no orçamento doméstico, mas faz uma grande diferença no resultado numérico da inflação. O economista Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, explica que é uma questão de matemática.

O índice de Preços ao Consumidor amplo (IPCA) - que mede a inflação oficial e nos 12 meses até julho está em 6,27% - acompanha o sobe e desce de preço de cerca de 430 produtos e serviços bem diversificados, de alimentos básicos como tomate, a serviços mais sofisticados como planos de saúde. "Os preços de produtos e serviços administrados, como luz, telefone, e pedágio, representam cerca de 25% do IPCA", diz Castelar. "Mexer em um quarto do índice tem um grande impacto no resultado final da inflação."

Cerca de 19% do IPCA, por exemplo, é composto pelo item transportes. Quase metade, 9 pontos porcentuais, desse total está sob a influência do governo. Apenas a gasolina representa, sozinha, quase 4 pontos. O governo segura o reajuste do combustível há 10 anos. A defasagem de preço entre a gasolina vendida no Brasil e a vendida no exterior passa de 25%.

Nessa lista também estão as tarifas de ônibus e de metrô. "Não é por nada que quando as passeatas de junho eclodiram, o governo suspendeu 0 reajuste das passagens", diz a economista Mônica de Bolle, da Galanto Consultoria. Além de atrair a simpatia popular também foi possível levar o aumento anual dos ônibus e do metrô a pífios 0,77%, aliviando a inflação. Por causa de medidas como essas, nos i2mèses até julho, a categoria transporte (lembrando, que responde por 19% do IPCA) subiu apenas 2,18%. O governo segurou quase 10% do IPCA interferindo em apenas três itens. "Mas é um jogo de ilusionismo, porque um dia os aumentos terão de ser feitos", diz Mônica.

Praticamente todos os preços sob responsabilidade do governo têm reajustes inferiores aos necessários. Na telefonia, os preços aumentaram 30% menos nos últimos 13 anos. Os medicamentos, apesar de caros, subiram 58% entre 2003 e 2012 -10 pontos porcentuais abaixo do IPCA no período.

Na avaliação do economista Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo, a manobra do governo é perigosa. "Represar artificialmente a inflação é como colocar uma panela de pressão no fogo com uma válvula estragada", diz Silber. "Em algum momento, explode." Na opinião dele, a data nesse caso é 2015, após as eleições.

O mais preocupante na visão do professor é que ao negar a verdadeira inflação, o governo também não toma as medidas necessárias para combatê-la. Enquanto o discurso oficial diz que está tudo bem, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, responsável pela formulação do IPCA, mede o que se chama de índice de difusão da inflação: o número de itens contaminados pela pressão dos preços. Esse índice está em 55% -metade dos itens um nível elevado. "A inflação hoje é de pelo menos 8,0%, que é a inflação dos preços livres", diz Silber. "Se o governo admitisse a realidade, o Banco Central hoje deveria está com a Selic a 12%."

Fonte: O Estado de S. Paulo

Inflação aparece nas ‘pequenas coisas’

A inflação mostra a sua cara para o cidadão comum nas pequenas coisas. Um levantamento feito pelo "Estado" com base em uma amostra aleatória de 15 produtos e serviços que, juntos, respondem só por 3,5% da inflação oficial do País mostra que em 12 meses até julho todos esses itens registraram variações de preços bem superiores à alta do índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 0,27%.

Na liderança e na vice-liderança do ranking da inflação das "pequenas coisas" estão os serviços de depilação e de manicure que ficaram mais caros 14,78% e 12,07%, respectivamente. Isto é, subiram o dobro da inflação do período. O peso do serviço de depilação é de 0,01% no IPCA e o de manicure, de 0,43%.

Na sequência vem o estacionamento, cujo preço subiu 11,98% em 12 meses até julho, e o cafezinho, que aumentou 11,6%. O estacionamento responde por 0,11% do IPCA e o cafezinho por 0,07%.

"Essa inflação das pequenas coisas é que passa para o consumidor a ideia de descontrole", afirma o economista Heron do Carmo, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e um dos maiores especialistas em inflação.

Segundo ele, as pessoas comuns não têm condição de traduzir para o seu dia a dia o que é uma alta de 0,03% na inflação. Heron faz referência ao resultado do IPCA de julho, o menor em três anos e que foi comemorado pelo governo por trazer a inflação acumulada em 12 meses de volta ao intervalo previsto pela meta do governo.

Mas, de acordo com o economista, quando o consumidor começa a notar que os preços de alguns produtos e serviços que ele compra com regularidade, independente do peso que eles tenham no orçamento, estão subindo com maior frequência, isso dá a percepção de uma inflação sem controle.

Estacionamento. É exatamente essa sensação de descontrole de preços que o cineasta Pedro Amorim, de 35 anos, pai de dois filhos, tem. Na última sexta-feira, ele ficou indignado com o que gastou para estacionar o carro no restaurante Pira Grill, da Vila Madalena, em São Paulo. Ele pagou R$ 18 para estacionar o veículo e R$ 35 pelo prato à la carte. Se tivesse optado pela refeição comercial, de R$ 23, a diferença entre o gasto com a refeição, que envolve os ingredientes e o preparo do prato, e o estacionamento, que é basicamente serviço, poderia ter sido ainda menor. "É um absurdo, Há um descontrole entre os preços."

Ele disse que nota como anda a inflação não pelos índices dos institutos de pesquisas, mas de olho nos gastos que tem com pequenas coisas no dia a dia e a frequência com que esses preços são reajustados, No caso da escola dos filhos, Amorim lembrou que existe uma regra e o reajuste da mensalidade ocorre uma vez por ano.

Cristian Dimitrius, de 38 anos, cinegrafista, é outro consumidor que acompanha o custo de vida atento para frequência com que os preços das pequenas coisas aumentam. "E não existe uma regra clara para aumentar os preços dessas pequenas despesas", ressaltou, também indignado com a desproporção entre o preço da refeição pago no restaurante e do estacionamento.

Impostos. Essa desproporção entre os preços de pequenos gastos provocados pelo avanço da inflação, com o preço do prato e do estacionamento, já foi observado pela proprietária do Pira Grill, Vera Marta Canesin. "Isso espanta o cliente, que acaba vindo a pé", conta ela.

A empresária explica que o serviço de estacionamento do restaurante é prestado por uma empresa especializada.

Ela diz que também não concorda com a desproporção entre os preços da refeição e do estacionamento, mas ressalta que, diante dos custos elevados, especialmente dos impostos e do preço do terreno na região, torna-se improvável ter um preço menor.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Uma vida exemplar - Flávio Tavares

O exemplo guia o mundo. Nas excentricidades atuais, em que o falso se sobrepõe ao autêntico, talvez nem se saiba o que seja uma vida exemplar. Mas, quando a morte leva, agora, o brigadeiro Ruy Moreira Lima para longe de nós, é impossível calar sobre a integridade de quem foi espelho e paradigma ético nestes tempos de grosserias e mentiras.

Alfabetizei-me decifrando as notícias da II Guerra Mundial e aí conheci meus primeiros heróis. Um deles, o tenente-aviador Ruy Moreira Lima, em 1941-42 buscou pelo Atlântico os submarinos alemães e italianos que torpedearam 33 navios brasileiros e mataram mais de mil pessoas. Afundou um deles e interceptou o abastecimento de outros. Em 1944-45, combateu na Itália, integrando o "Senta a Pua", o Grupo de Aviação de Caça da FAB.

Os Tunderbolt norte-americanos que os brasileiros pilotavam (inferiores aos Stuka nazistas) tinham de atacar a baixa altura, expondo-se ao inimigo. Mesmo assim, o piloto de 25 anos realizou 92 missões de bombardeio.

Não é só o destemor ou coragem que define os heróis, porém. Também os nazistas tiveram combatentes destemidos, mas arrasar cidades e matar civis indefesos não é exemplo de vida. A atividade militar existe para garantir a paz, guerrear é apenas um instrumento. O fuzil é como o bisturi – deve cortar só o tumor. O amor à humanidade é que define o herói.

De volta ao Brasil, Ruy participou da campanha "o petróleo é nosso", defendendo os mesmos princípios de independência e soberania política dos tempos da guerra. Galgou todos os escalões e, em 1964, já coronel, comandava a Base Aérea de Santa Cruz, a maior do país, no Rio de Janeiro. Na rebelião golpista do general Mourão, fez um voo rasante, num jatinho desarmado, em plena tempestade, sobre as tropas que iam de Minas ao Rio.

– Caminhões e tanques pararam na estrada. A tropa inteira debandou e entrou no mato, em fuga! – contou num depoimento gravado para o filme-documentário O Dia que Durou 21 Anos.

Logo, sugeriu bombardear a estrada, "só a estrada", adiante das tropas da vanguarda e atrás da retaguarda, sem atingir os soldados. Fizera isto na guerra, várias vezes, cortando sempre o avanço nazista, a tal ponto, que o então capitão Humberto Castelo Branco o apelidou de "olho de lince" pela precisão das suas bombas.

Mas, em 1964, o presidente da República não permitiu que o ministro da Aeronáutica o autorizasse bombardear a estrada, só a estrada. E os golpistas saíram do mato, retomaram o caminho e empalmaram o poder.

De imediato, Ruy foi substituído no comando da maior base aérea do país, preso e excluído das Forças Armadas. A excrescência do Ato Institucional punia o grande herói da aviação militar sob o aplauso do marechal Castelo Branco, que (na guerra) o apelidara de "olho de lince".

Foi várias vezes preso na ditadura e seu registro de piloto, cassado. As condecorações por "atos de bravura" dos governos da Inglaterra, EUA, França, Polônia e do Brasil, não lhe valiam para sobreviver e o "ás" de 92 combates, culto e estudioso, virou vendedor de alimentos, porta em porta. Ruy e eu nascemos no mesmo dia de junho, ele 15 anos antes de mim, mas o que admirei nele não foram os relatos da guerra e, sim, a retidão e o humanismo. Nunca se lastimou. Sem atacar os que o perseguiram, lutou por seus direitos e a Justiça mandou promovê-lo a major-brigadeiro, maior posto da hierarquia militar.

A própria Aeronáutica o homenageou várias vezes nos últimos anos e também agora, na morte, num exemplo do espírito novo que sepulta o rancor e ódio da ditadura.

Fonte: Zero Hora

Idade da informação - Ferreira Gullar

Os jovens desinteressaram-se pela política, o que contribuiu para tornar mais fácil a ação dos corruptos

O que move as pessoas a atuar politicamente é a opinião, que, por sua vez, nasce da informação, do conhecimento. É óbvio que, se não sei o que se passa em meu país, não posso ter opinião formada sobre o que deve ser feito para melhorar a sociedade.

Não estou dizendo nada de novo. No passado, em diferentes momentos da história, quem governava era apenas quem tinha poder econômico e, por isso mesmo, mais conhecimento da situação em que viviam.

E, na medida em que a educação se ampliou e maior número de pessoas passou a ter conhecimento da realidade social, ampliou-se também a influência da população sobre a vida política. Dessa evolução nasceria a democracia.

Óbvio, no entanto, que esse aumento do nível de informação não significa que a informação é sempre verdadeira e, consequentemente, as escolhas, que faz o eleitor, nem sempre são corretas.

Há erros e acertos, claro, mesmo porque cada partido político procura levar o eleitor a ter uma opinião que lhe seja favorável. Isso implica em conquistar-lhe a confiança nem que seja às custas de mentiras e espertezas.

Há, sem dúvida, o político competente e honesto, que não precisa enganar o eleitor mas, pelo menos do Brasil de hoje, esse tipo de político é exceção.

Deve-se assinalar também que o grau de informação --e consequentemente a consciência política-- tanto pode ampliar-se como reduzir-se em determinadas condições.

Aqui no Brasil, a impressão que se tem é de que, nas últimas décadas, esse grau de consciência diminuiu, e isso se deve, creio eu, à derrota do socialismo em escala mundial.

O socialismo, bem ou mal, em que pese aos equívocos que continha, estimulava os jovens a participar politicamente e ter uma visão crítica da sociedade. O fim do socialismo levou à desilusão e ao desânimo, o que determinou a dissolução dos partidos de esquerda em quase todos os países.

No Brasil, não foi diferente. Não tenho dúvida de que esse fato contribuiu para a decadência dos valores políticos, da ética partidária e o inevitável predomínio do oportunismo político e da corrupção.

Por outro lado, os jovens, de modo geral, desinteressaram-se pela política, o que contribuiu para tornar mais fácil a ação dos corruptos e oportunistas.

Outro fenômeno decorrente disso foi --como ocorreu aqui-- a formação de uma casta que tomou conta da máquina do Estado, facilitada pela decrescente participação das pessoas no processo político. O Estado foi sendo dominado por famílias e grupos que passaram a dividir entre si os organismos políticos e administrativos.

Pode-se dizer que, de certo modo, a sociedade passou a ignorar o que fazem os políticos, tornando-se assim presa fácil das mentiras e das medidas demagógicas.

Como explicar, no entanto, dentro desse quadro, as manifestações que ocuparam as ruas nos últimos meses e que, em menor grau, prosseguem por todo o país?

Acredito que esse fenômeno, que a todos surpreendeu, decorre basicamente da quantidade de informações a quem têm acesso hoje milhões de pessoas no país, graças à internet.

Não é por acaso que manifestações semelhantes têm ocorrido em muitos países, possibilitando a mobilização de verdadeiras multidões.

Veja bem, as causas do descontentamento variam de país a país, os objetivos visados pelos manifestantes também, mas não resta dúvida de que em nenhum outro momento da história tanta gente teve acesso a tanta informação.

Pode ser que estejamos vivendo o início de uma nova etapa da história humana, já que nunca tantas pessoas souberam tanto acerca da sociedade em que vivem.

Há que considerar, no entanto, que nem sempre essas informações são verdadeiras e, mesmo quando verdadeiras, podem levar a conclusões nem sempre corretas.

Em suma, esse fenômeno novo, que mobiliza a opinião pública, ainda que signifique um avanço, pode arrastar as pessoas a uma atuação de consequências imprevisíveis. E por quê?

Por várias razões, mas uma delas será, certamente, o risco do inconformismo pelo inconformismo, sem objetivos definidos e sem lideranças responsáveis.

Fonte: Ilustrada / Folha de S. Paulo

Macbeth perderia o sono - Gustavo H. B. Franco

A diferença entre vilões shakespearianos e mentores do mensalão é que a ideologia remove o remorso e com ele a complexidade psicológica do malfeitor, deixando o enredo menor

Diversos julgamentos, em variados formatos, ocorrem nas 38 peças de Shakespeare, com destaque para os que definem o apogeu de duas das chamadas "comédias sombrias", Mercador de Veneza e Medida por Medida. Mas o assunto central do mensalão não é propriamente o julgamento (e seus embargos, aliás, inexistentes em Shakespeare): o mensalão tem a ver com a corrupção e seus usos no jogo do poder.

Em todo o cânone, a palavra "corrupção" aparece, com todas as suas variações, 76 vezes, a grande maioria das quais com o sentido de "estragar" ou "desgastar", e raras vezes como hoje a conhecemos, vale dizer, como evento de natureza mercantil, a retribuição pecuniária pela concessão de vantagens indevidas. "Subornar" – e suas variações – atinge apenas 13 aparições: é pouco, comparativamente a "matar" (343 ocorrências) e "assassinar" (254), "enforcar" (257) e "envenenar" (136), entre tantas variações em torno da morte violenta.

É curioso que os casos mais explícitos de corrupção estejam nas peças situadas na antiguidade, como o inequívoco suborno de algumas anônimas sentinelas gregas em Troilo e Créssida, sugerindo tratar-se de crime baixo, típico da soldadesca. Na verdade, é nesse contexto a mais célebre aparição do tema: às vésperas da decisiva batalha em Filipos, Brutus acusa Cássio de ter uma "mão coçando" e arremata que não foi para isso que mataram Julio César. Cássio se ofende, os homens discutem, mas Brutus relativiza seu julgamento ao reclamar que Cássio negou dinheiro para seus exércitos, e os amigos se ajustam face à urgência da batalha que se aproxima e à causa que os une. Homens honrados, como os descreveu Marco Antônio.

Ângelo, o delegado corrupto em Medida por Medida, muito lembrado recentemente, merece um comentário específico, eis que enseja uma pergunta retórica muito importante para quem busca a dimensão moral dos mensaleiros: será verdade, em Shakespeare ou de forma mais geral, que não se pode governar sem violar a lei?

Um pouco de contexto. Medida por Medida foi encenada pela primeira vez em 26 de dezembro de 1604 diante do recém-empossado rei Jaime I, e deve ser vista como uma sátira aos puritanos ingleses ao problematizar temas como o casamento, a repressão à sexualidade e ao que ocorria fora das muralhas da cidade de Londres, nas chamadas liberties. Era apenas ali que podiam se estabelecer bordéis, assim como teatros e hospícios; era o espaço off shore onde se deixava ocorrer o que não se podia nem devia proibir, e que era essencial para a pulsão vital da sociedade. Não obstante, o teatro, o casamento e a prostituição eram atividades, para usar a linguagem de hoje, altamente reguladas. Os "detestáveis pecados do incesto, adultério e fornicação" apenas se tornaram matéria de legislação expressa, e nesses termos, em 1650, com os puritanos no poder, e junto com o fechamento de todos os teatros. Incesto e adultério passaram a ser puníveis com a forca, e a fornicação com 3 meses de prisão, enquanto os administradores de bordéis e cafetões seriam chicoteados e encarcerados por 3 anos e condenados à morte na reincidência. Essas providências vieram meio século após Shakespeare, mas as tensões sobre os limites da lei já estavam lá em toda sua complexidade.

A trama de Medida por Medida começa quando um bom governante, uma discreta homenagem ao novo rei, se afasta do poder, simulando uma viagem, para melhor observar se o país está bem servido em matéria de justiça comum, sobretudo em conexão com os acontecimentos que se passavam nas liberties. Curiosamente, o Duque escolhe para substituí-lo um indivíduo conhecido pelo moralismo exacerbado, o rigoroso Ângelo, uma extraordinária alegoria para os puritanos, que logo se revela uma fraude.

É claro que o Duque quer nos pregar uma lição ao alocar um vigarista para executar leis excessivas e deslocadas que ele mesmo designou como "regras de barbearia". Os elogios feitos à retidão de Ângelo soam exatamente como os de Antônio a Brutus, em sua oração fúnebre a César. Ângelo enreda-se numa teia de corrupção e, ao final, no julgamento que encerra a peça, escapa de ser enforcado unicamente porque as comédias terminavam com casamentos, não com execuções.

A lição de Medida por Medida certamente não é sobre a inevitabilidade do desrespeito à lei, mas sobre os limites dessa, sobretudo nos assuntos pertinentes às atividades tendo lugar nas liberties, o teatro entre elas. A peça ensina sobre as matérias que a lei, o cálculo, o mercado e o dinheiro não podem alcançar, jamais sobre a funcionalidade do crime.

Em síntese, nem a corrupção mercantilizada e dolarizada de nosso tempo era o assunto dominante na esfera da política em Shakespeare, nem tampouco o julgamento do mensalão se restringe meramente a uma coleção, ainda que orquestrada, de episódios de suborno; pois como bem definiu o ministro Celso Mello, tratava-se de "um projeto criminoso de poder".

Eis a verdadeira questão! A corrupção dos mensaleiros, sobretudo a dos que estavam no polo ativo, não visava ao enriquecimento pessoal, mas servia como instrumento ilegítimo para alcançar e manter-se no poder. Na linguagem do tempo, isso quer dizer usurpação, a matéria chave de boa parte da dramaturgia shakespeariana. Era isso que havia de "podre" no reino da Dinamarca. Na verdade, se a usurpação é a face política da corrupção, segue-se que não há outro tema mais importante nas tragédias de Shakespeare.

Essa era uma época em que o poder era não apenas pessoal como associado a uma linhagem familiar, de modo que os incidentes ligados a casamentos, descendentes e parentescos, em vez de eleições, forneciam o impulso primário para a mudança política. Nesse contexto, a obtenção e manutenção do poder "por meios ilegítimos" ocorria em circunstâncias excepcionais, dificilmente deixando de envolver o assassinato, às vezes, diversos deles. O cânone está repleto de esfaqueamentos, esquartejamentos e estrangulamentos, muitas vezes com os piores esmeros de crueldade. Em nossos dias, apenas a forma é diversa: as malas de dólares e as figuras cítricas substituem os punhais sorrateiros e os venenos derramados nos ouvidos de monarcas adormecidos.

A política de nossos dias pode ter adquirido certa dignidade, mas há algo que nos torna muito piores, conforme explica o escritor Alexander Soljenitsyn: "Se a imaginação e a força interior dos celerados de Shakespeare se limitavam a uma dezena de cadáveres, era porque eles não tinham ideologia. A ideologia! Ela fornece a desejada justificação para a maldade, para a firmeza necessária e constante do malfeitor. Ela constitui a teoria social que o ajuda, perante si mesmo e perante os outros, a desculpar seus atos e a não escutar censuras nem maldições, mas sim elogios e testemunhos de respeito".

Sim, a ideologia é o que nos leva ao genocídio, à limpeza étnica, ao Holocausto e ao terrorismo de Estado de regimes totalitários de esquerda ou de direita. Essas depravações contemporâneas implicam derramamento de sangue em escala infinitamente superior às presentes no cânone, a despeito de serem tomadas, às vezes, com mais naturalidade que as atrocidades de um Ricardo

"Graças à ideologia, o século 20 teve que suportar as malfeitorias de milhões", diz Soljenitsyn, que, ao relatar que milhares de inimigos do regime soviético foram mortos exclusivamente para servir de alimento aos animais do zoológico, explica o aparente paradoxo envolvido na banalização dos massacres de nosso tempo: "Eis a raia que não se atreve a transpor o malfeitor shakespeariano, mas o malfeitor com ideologia ultrapassa-a e seus olhos continuam claros".

A perversidade cometida em nome do partido não agasta o meliante, dá-lhe uma espécie de anestesia espiritual decorrente do pertencimento a um projeto moralmente superior ou a uma burocracia, exército ou milícia que o executa. Conforme observa Hanna Arendt, "Eichmann não era nenhum Iago, nenhum Macbeth, e nada estaria mais distante de sua mente do que a determinação de Ricardo de ‘se provar um vilão’. A não ser por sua extraordinária aplicação em obter progressos pessoais, ele não tinha nenhuma motivação". Ademais, prossegue, "a essência do governo totalitário, e talvez a natureza de toda burocracia, seja transformar homens em funcionários e meras engrenagens, assim os desumanizando". A tese da defesa era a de que não havia culpados, a vilania era coletiva e relativizada, seus perpetradores senão pequenas engrenagens de desígnios maiores, impessoais e sempre fora do alcance da corte. Tese derrotada em Nuremberg, em Jerusalém e também em nosso Supremo Tribunal.

A banalidade com que os mensaleiros agrediram a democracia possui diversas instâncias. Foram eles a inventar a "espetacularização da suspeita", os ridículos dossiês transformados em reportagens, ou mesmo em livros-denúncia (um novo filão), as ações populares como arma política, o aparelhamento do Ministério Público, do Judiciário, as CPIs de tintura macarthista, com o intuito de "passar o país a limpo", de que se queixam amargamente agora que foram desmascarados e ocupam com todo merecimento a posição de réus.

A diferença entre vilões shakespearianos e os mentores do mensalão é a que apontou Soljenitsyn acima: a ideologia remove o remorso, com ele a complexidade psicológica do malfeitor, e o enredo fica menor. Não é o que se passa com Macbeth, que "matou o sono", pois não dorme mais e afirma que "tudo quanto vale nesta vida na velhice, honra, amigos, eu já não posso ter". Sua culpa o faz humano, e por conta disso, muito melhor que todos os mensaleiros juntos que, já condenados, não demonstram um centímetro de mal-estar com os crimes que perpetraram.

A direção partidária fala no "erro em praticar os mesmos atos dos outros partidos". A tese aqui repete o equívoco quanto à lição oferecida por Ângelo: a impossibilidade da integridade na democracia burguesa, ou a impossibilidade do ser honesto e governar. Seguramente, essa tese não pertence a Shakespeare.

Gustavo Franco , ex-presidente do Banco Central e professor da PUC-Rio

Fonte / Aliás / O Estado de S. Paulo

Eles nada apreenderam - Carlos Melo

Líderes aflitos movem-se com medo das sombras, dando as mesmas respostas velhas a perguntas novas

Tempos voláteis e inseguros são estes. Num momento a calma dos cemitérios, e até parece que a história acabou de verdade na mesmice entediante da polaridade PT/PSDB. Noutro, a fúria e a perplexidade. Depois, o clima ameno e enganosamente tranquilo, para mais tarde tudo ferver novamente. A calma, quando há, é das que precedem os tsunamis. Governantes passam a viver aflitos. Ironicamente, sentem na pele a vulnerabilidade dos desprotegidos que não conseguem abrigar. São tempos novos, estes voláteis, e talvez tenham vindo para alterar definitivamente a lógica e a ordem no reino da política.

O fato é que a água não ferve de repente. Esse ovo de serpente para uns e redenção para outros levou anos sendo gerado. Foi fecundado pelo colapso da política que se faz, a política velha, a política antiga, a política pequena, de modelos passados e retórica gasta. Anacronismo presente nos mais importantes governos do País: o federal, o do Estado de São Paulo e o do Estado do Rio de Janeiro.

Trata-se de um processo que recebeu impulso do sem-número de escândalos que se sucederam até que banalizassem a incúria e a corrupção, que se abrigaram nas metrópoles, definitivamente paradas em congestionamentos de trânsito e mentais, amofinadas pela verticalização e pelo adensamento de corpos e prédios. A água só ferve no ponto de ebulição. Nem antes, nem depois.

E isso ocorreu em junho, com a questão das tarifas de ônibus, a última partícula de calor que fez com que tudo borbulhasse. Um marco: já se fala em "jornadas de junho" como um tempo glorioso que ficará na história. De algum modo representada pelos sem-representação, toda a sociedade foi para as ruas. Curioso... Menos de um mês depois, há certa melancolia motivada pela abstinência da falta de agitação - o banzo dos tsunamis, como se disse. Alguns se inquietam: "Onde foi parar aquela moçada?" E se perguntam: "Parou por quê?" Junho apresentou ao Brasil suas novas "narrativas", termo que também invadiu o cotidiano.

Toda revolução constrói sua linguagem. Esta - que não se sabe se será revolução - está repleta de maneirismos e neologismos. Constrói seus signos e significados e até mesmo já ensaia erguer ídolos. E eles parecem pertencer a outra esfera, uma estética da qual não se tinha notícia. Não são charmosos, tampouco bonitos. Não seduzem como os pop stars do passado. Até espantam. Mas traduzem o sentimento difuso, o desconforto obscurecido pelo triunfalismo petista. São como uma comunidade que se desenvolvesse ao lado do edifício que ruía. Não apáticos, mas com códigos próprios. Não à parte, mas fora do eixo, com seus apocalípticos mais ou menos integrados, mais ou menos cooptados, mais ou menos rebeldes - mas não muito.

Difícil para um sistema político viciado compreender isso tudo e não se surpreender, se antecipar, reagir no tempo e na medida corretos. A presidente Dilma, por exemplo, na primeira vez em que foi à TV se posicionar sobre as manifestações que sacudiam o país, o fez como uma tia contrariada: "Que coisa feia, em plena Copa das Confederações! O que o mundo não dirá de nós?". Mais ou menos foi o que disse, com enorme esforço de sua irritação contida. Depois entrou no embalo, carona mais radical que os manifestantes... Propor uma reforma política - inegavelmente necessária -, genérica e sem articulação alguma é de fato uma "barbeiragem" monumental, como disse Lula.

Jogar os eleitores contra o Congresso Nacional - sim, repleto de erros e culpas - assim, desarticulada, com a cara e a coragem, é mesmo tangenciar a memória de Fernando Collor. Por fim, um plebiscito voluntarioso, de supetão - que só mesmo o PT, para não deixar Dilma no sereno, encampou - é amadorismo ou demagogia. Provavelmente, uma demagogia amadora.

Mas de impiedosa desinteligência foi mesmo o caso de Geraldo Alckmin: de Paris, sem paciência e assessoria, o governador vociferou. Sua primeira reação foi tachar todos de "baderneiros", "movimento político!". Ordem, ordem, ordem! O que teria o governador contra a política? A intempestividade não combina com seu caráter de anestesista. Seria tentativa de cortejar a reação, órfã de Paulo Maluf? A ação foi tão óbvia quanto desastrosa: chamar a polícia, soltar os cachorros. Jogar gasolina na fogueira. Depois se esconder com sorriso amarelo.

Não parou por aí: anunciar o congelamento dos pedágios (sem que ninguém pedisse), cobrar por eixo dos caminhões, desorganizar o sistema, inibir investimentos, isso tudo ficará como símbolo de sua aguda ausência de espírito, retumbante vazio. Ainda que não houvesse clima para aumentos, precisaria anunciar? Mas teve mais: no auge da crise urbana, extinguir a Secretaria dos Negócios Metropolitanos foi de lascar! Muito além do jardim, o personagem de Peter Sellers não faria melhor.

As ruas - não se pode falar em "movimento" - reagem aos solavancos. Seu humor rapidamente faz suco de governantes. O primeiro a virar garapa foi Sérgio Cabral, ironicamente o mais efetivo governante do Rio em muitas décadas - ainda que seja por W.O. Em que pese suas realizações, Cabral vinha numa dinâmica de abusar da sorte, exagerar do escárnio. Tantas fez... Hoje é alma atormentada em permanente penitência, rogando perdão na esteira do papa. Neofranciscano, faz agora voto de humildade. Parece tarde.

Castelos começaram a desmoronar. A presidente Dilma e seu governo de técnicos - até recentemente tão seguros de si, crentes na reeleição e na permanência de sua racionalidade presunçosa - vivem revés inesperado, mas não surpreendente. Dilma, que imaginou pairar sobre o mundo, vê seu prestígio despencar. Hoje, presidente, governo, partido, bases políticas e sociais formam um todo fragmentado e desconexo, sem amálgama. Atordoados, petistas tateiam sofismas. Mas o óbvio é que o Estado não funciona, impostos escorrem pelo ralo. Maior e mais visível, a ineficiência do governo federal é mais colossal e evidente. Dilma é a primeira a ser julgada.

Alckmin e sua administração, de moralidade e eficiência autoproclamadas em campanhas passadas tão repletas de adjetivos para os outros, vê agora no seu olho a trave que apontou nos adversários. Para quem acostumou a ser pedra, tornar-se vidraça dói mais. O constrangimento do governador é tão notório quanto é escabroso o escândalo do cartel organizado nas fuças do governo. Ser logrado em quase meio bilhão de reais é tão extraordinário quanto desviar essa quantia. Quantos mensalões não caberiam nessa sacola? Em qual cueca transportar toda essa grana? A se comprovar o noticiário, restará ao governador escolher se foi enganado ou omisso. De nenhum sairá bem na foto. O que dizer agora de Lula?

Mais uma vez, o governador vocifera: cobrará na Justiça centavo por centavo, etc. e tal. A boca espuma de ódio. Cobrará de quem? Para a biografia, indignação não basta. Inimigos comemoram: "É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar". Fina ironia do destino, frio mingau da vingança. Quem com moralismo fere com moralismo é ferido.

No turbilhão de informação e conexões em rede em que vivemos, essas "narrativas" vão ganhando luzes de epopeia: grandes marchas, rebeldia, som, fúria, violência... Paris 68 rediviva aqui, sem o charme de Sartre, a agudeza de Marcuse, o contraponto de Aron. Sem Paris. O fato é que, agora, tudo que se conecta no ar torna-se sólido e vulnerável aos Black Blocs. O marciano diria: "Leve-me ao seu líder". Mas a liderança é uma mão invisível que destrói vidraças. Todos são servos das tais "narrativas". Se, por definição, a pluralidade é a natureza da rede, como edificar o consenso?

Tucanos e petistas mordem a língua. O roto remendando o rasgado é a síntese dialética. No admirável mundo novo, a velha política se vê paralisada pela miopia que ela mesma produz. O novo emerge de onde menos se espera. A mensagem política mais avançada não vem das vanguardas, mas do papa argentino, simpático e humilde. Tudo é mesmo uma grande contradição. O poder está na comunicação, burocratas não sabem se comunicar. Ratzinger não soube, Francisco se conecta. Fernando Henrique e Lula souberam, Alckmin, Cabral e Dilma se trumbicam, diria Chacrinha. Burocratas, carismáticos às avessas, repelem e espantam, desmancham-se no ar.

Na última quarta-feira, alguns manifestantes voltaram às ruas sob o olhar apreensivo de autoridades paralisadas. Não foram muitos os que resolveram enfrentar o frio daquela tarde-noite gélida de inverno, mas suficientes para retomar o processo de quentura do ambiente político. O maior frio é o que vem da espinha. Ao que tudo indica, até pelo menos a eleição o ritmo será assim: tensão e relaxamento, governos na expectativa. Uma rede de descontentamentos vários, a qual os políticos tradicionais não conseguem alcançar.

A força da manifestação não reside na mobilização física, estritamente. Mas numa comichão, na vontade justificada de reclamar. Até mesmo quem não saiu de casa engrossa o coro, o milagre da internet em banda larga, Mesmo quem não vai às ruas sente a ânsia e é capaz de agir. Há, então, a mobilização em potencial, o manifestante em potência, mesmo em repouso. Na tensão do que pode vir a ser de repente, a qualquer momento, no possível permanente, a opinião difusa e simultaneamente discordante, consenso no dissenso. Como Alckmin, Cabral e Dilma podem conviver com isso? O mundo caiu, e eles não aprenderam a levitar.

Alckmin, Cabral e Dilma - sujeitos tão diferentes - encontram-se igualmente nesse perrengue. Governos aflitos, movem-se com medo das sombras, assolados por fantasmas virtuais e denúncias ocasionais, batalhas no front informacional. Oferecem respostas velhas para perguntas novas, não conseguem contornar o turbilhão que os assalta, não drenam o barco que aderna. Independentemente de circunstanciais vitórias eleitorais, em 2014, o certo é que na política já foram derrotados. Ficaram para trás, perdidos no presente, sem conexão com narrativas do futuro, envolvidos pela bruma de um ontem recente e ao mesmo tempo distante.
 
Carlos Melo é cientista político e professor do Insper

Fonte: Aliás / O Estado de S. Paulo

O que se evita constatar na crise de junho - Oliveiros S. Ferreira

Nas manifestações ocorridas a partir de junho, observa-se que "partidos" não reclamaram a paternidade dos protestos - insiste-se no papel das redes sociais. Serviu-se desse instrumento não apenas o "Movimento Passe Livre", tanto assim que o "menos 20 centavos" foi uma entre as bandeiras que se levantaram, indicando que outros grupos reuniram quem quis manifestar sua santa ira contra o status quo. Essa multiplicidade de "convocadores" explica a ausência de um símbolo comum a todos os grupos.

A primeíra reação dos analistas e das reportagens aos atos de violência foi tachá-los de vandalismo. Imagens da televisão contribuíram para dar essa visão das coisas, com marginais saqueando e desaparecendo no tumulto geral. À medida, porém, que tais atos se repetiam, ficou claro que o fogo nas mas, a destruição de vitrines e caixas eletrônicos de bancos, o incêndio de veículos e as pedras arrancadas do calçamento atiradas contra a polícia eram obra de mascarados que deixavam estampado em seu rastro o seu símbolo político, o da Anarquia (?). O fato de esse símbolo ter sentido mais amplo pouca atenção mereceu. A Bandeira Nacional presente nas manifestações pôde ser conspurcada pelo único grupo que traduzia com seu símbolo uma posição política; o dos anarquistas - contra o Estado que ela representa.

Quando discutimos essas manifestações, falamos de "ordem pública". Diz o artigo 5º da Constituição que "todos são iguais perante a lei (...) garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País o direito à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...". No inciso XVI do mesmo artigo 5º se pode ler: "Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização (...) sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente Mais adiante: "Art. 5º, XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático".

O constituinte preocupou-se em frisar o "sem armas", colocando-o entre vírgulas. O coquetel molotov é uma arma; assim, quem o usa não está amparado pela Constituição, mesmo quando se confunde com manifestantes pacíficos. Os que se dizem anarquistas agem como "grupo armado" e seu objetivo claramente declarado é "contra a ordem constitucional e o Estado de Direito", uma vez que se declaram dispostos a destruir a propriedade e o sistema financeiro.

Os crimes "contra a ordem constitucional" não estão capitulados como tal no Código Penal. Não são crimes contra as pessoas; um bom advogado de defesa arguirá que são atentados contra o patrimônio público e privado, o que coincide com a opinião de alguns delegados. Sendo a tese vitoriosa, a "ordem constitucional" estará sem defesa, porque qualquer cidadão, mascarando-se e portando o símbolo anarquista ou a Bandeira Nacional, poderá atentar contra "a segurança e a propriedade" amparado no Código Penal, que apenas prescreve penas para os crimes contra a propriedade cometidos por criminosos comuns. Crimes esses afiançáveis e passíveis de prescrição.

Esse registro permite abrir debate jurídico de grande relevância: os que praticam os crimes cometidos durante as manifestações e atentam contra a ordem constitucional têm ou não têm por objetivo "a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos,..", buscando "impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados"? Se constituem "ameaça ao Estado de Direito" - e as ocupações de Câmaras Municipais são atos que "tentam impedir, com o emprego de violência", o livre exercício de qualquer dos Poderes da União e dos Estados (acrescente-se municípios) esses crimes, não incursos nos artigos do Código Penal, estão nos artigos 16 e 18 da Lei 7.170/83, praticamente desconhecida por se chamar "Lei de Segurança Nacional".

Essas são, porém, questões para uma discussão entre especialistas, como os ministros do Supremo Tribunal Federal.

Há outro aspecto da questão "ordem pública": a ameaça permanente que sobre ela paira a partir das manifestações de junho. Para o cidadão comum, a "rua" demonstrou ser capaz de fazer prefeitos cancelarem o aumento nas tarifas de transporte. A "rua" também terá levado a presidente da República a convocar o plebiscito, arrancado verba para a mobilidade urbana, obrigado a criação do programa Mais Médicos. E não foi ela que fez o Congresso Nacional sair de sua sesta permanente e votar, a toda pressa, uma série de leis?

Se os movimentos que levam à ocupação de Câmaras Legislativas não impedem totalmente o trânsito e neles não se verifica a violência de nível em outros registrado, é porque não há espaço físico suficiente para ações sem risco de detenção. A questão é que anarquistas decidem quando e onde agir. A ordem pública está à mercê da decisão de uns poucos, que não são "cidadãos comuns": estão contra o Estado, acuam-no pela violência, impedindo-o de reagir, e levam o governo a temer que seja condenado pela opinião pública, seja isso o que for.

A não percepção do que está de fato em jogo e a preocupação voltada apenas para os deslizes do Executivo e os malfeitos do Legislativo indicam uma fuga da discussão do problema maior: o Estado, enquanto associação coativa, tornou-se escravo da vontade dos que perturbam a ordem pública e querem alterar, pela violência, a ordem constitucional. A população devota diria: "Senhor, tende piedade de nós!" - embora esteja sabendo que muitos dos que criaram esta situação de intranquilidade usam as palavras do papa para legitimar suas atitudes...

Professor da USP e da PUC-SP

Fonte: O Estado de S. Paulo

Justiça e cidadania - Merval Pereira

Quando o calendário físico se choca com o calendário político, o perigo de haver um curto-circuito institucional é muito grande. Mas se, ao contrário , os dois se encontram em harmonia, aumenta a chance de avanços democráticos

É o que está para acontecer nos primeiros dias de setembro, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) pode estar decidindo sobre a aceitação dos embargos infringentes no processo do mensalão, recursos que, embora não previstos na legislação desde a Constituição de 1988, continuam registrados no regimento interno do Supremo. São esses embargos, e não os de declaração que estão no momento em julgamento , que podem reabrir o processo nos casos em que os condenados receberam quatro votos a favor .

Pelo andar da carruagem, se não houver nenhum outro desentendimento que adie os trabalhos, a análise dos embargos de declaração deve terminar na última semana deste mês. As duas primeiras sessões de setembro serão realizadas nos dias 4 e 5, justamente quando o Tribunal pode estar decidindo sobre os embargos infringentes . Às vésperas, portanto , das grandes manifestações que estão sendo convocadas em todo o país para come-morar o Dia da Independência na visão da cidadania.

A percepção da opinião pública de que há juízes no plenário do Supremo tentando encontrar um jeito de livrar os condenados da prisão em regime fechado, especialmente o ex-ministro José Dirceu, pode se confirmar, caso o STF aprove a reabertura de julgamento nos casos de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Esses são crimes pelos quais foram condenados membros dos núcleos político e publicitário do esquema do mensalão.

Mesmo que um colegiado como o do STF não deva se vergar diante de pressões de qualquer natureza, apesar de, numa democracia, a voz das ruas ser a ex-pressão da vontade do cidadão, não é razoável imaginar que aqueles 11 juízes que representam o equilíbrio institucional do país não levem em conta a gravidade da decisão que tomarão, especialmente nos dias de hoje, quando a cidadania clama por Justiça e pela eficiência dos serviços públicos. Como disse o ministro Joaquim Barbosa ao tomar posse na presidência do STF , “os magistrados devem levar em conta as expectativas da sociedade em relação à Justiça” .

Para ele, o magistrado precisa considerar os valores e anseios da sociedade . “O juiz deve, sim, sopesar e ter em conta os valores da sociedade . O juiz é um produto do seu meio e do seu tempo . Nada mais ultrapassado e indesejado do que aquele juiz isolado , como se estivesse fechado em uma torre de marfim ”. Quando o ministro Lewandowski perguntou ao presidente Joaquim Barbosa “temos pressa de quê?” , no bate-boca da semana passada, o fez quase como num ato falho, pois sua atuação desde o início do julgamento denota a intenção de retardá-lo ao máximo.

E Justiça que tarda, falha, ainda segundo o ministro Joaquim Barbosa no seu discurso de posse: “O que buscamos é um Judiciário célere, efetivo e justo. De nada vale o sofisticado sistema de informação, se a Justiça falha. Necessitamos tornar efetivo o princípio constitucional da razoável duração do processo”.

Nesta retomada do julgamento, o ministro Lewandowski continua com suas longas análises, mesmo para concordar com o relator , fugindo à rapidez com que a maioria de seus pares está votando, numa clara demonstração de que não querem repetir os erros cometidos no julgamento do deputado Natan Dona-don, que levou três anos para ser condenado em definitivo.

Parece haver um entendimento entre os juízes do STF de que é preciso atuar para não permitir manobras protelatórias que retardem uma decisão final, que deveria sair idealmente ainda este ano. A reabertura do julgamento, com a redistribuição do processo, poderia sinalizar para a opinião pública que a recomposição do Tribunal foi aproveitada para mudar sua decisão, favorecendo réus poderosos.

Pelo menos um dos novos ministros, Luiz Roberto Barroso, tem marcado sua posição contrária ao rigor , que considera excessivo, das penas já aplicadas, mas não se mostra disposto a ser “juiz de videotape”, mudando o resultado de um jogo que já foi jogado. O STF retoma o julgamento do mensalão na próxima quarta-feira, mais do que nunca sob os olhos da opinião pública, que já definiu que, no bate-boca da última semana, os dois têm razão, o que prejudica o papel fundamental que a nossa Suprema Corte tem na manutenção do equilíbrio institucional do país.

Fonte: O Globo

O reverso da moeda - Dora Kramer

Recolhidas de volta às redes sociais, as manifestações que reivindicam com clareza melhoria nos serviços e decência na conduta de governantes deram lugar nas ruas a grupos cuja expressão de violência só não pode ser chamada de gratuita porque custa caro.

Seja pela conta alta a ser paga pelo contribuinte para recuperação de depredações a prédios públicos ou pelos prejuízos impostos por ataques a estabelecimentos privados destruídos e até saqueados quando delinquentes se juntam aos ditos anarquistas.

Custam caro também os transtornos impostos aos cidadãos que precisam todos os dias dar conta de seus afazeres, Manchete da edição de sexta-feira de O Globo retratava bem o drama: "Duzentos param o Rio por sete horas".

Tratava-se de um ato na Câmara dos Vereadores onde nove jovens estão acampados há dias do lado de dentro enquanto de fora um grupo agride quem acha que deve agredir - políticos, funcionários e jornalistas que lhes desagradam, embora deem repercussão ao movimento.

Fechada a principal avenida do centro da cidade de manhã até de tarde, os engarrafamentos se espalharam por bairros nas zonas sul e norte. Repetição do transtorno geral visto também em outras cidades e ocasiões para a população que apoia reivindicações por melhorias.

E aí se estabelece uma nítida diferença entre o óbvio direito ao protesto e o tipo de ação a que o ex-prefeito do Rio e hoje vereador Cesar Maia dá o nome de guerrilhas urbanas. Não assaltam, como na luta armada, mas atacam agências bancárias a título de atingir um dos símbolos do capitalismo.

Radicalizam, pegam o poder público de calças curtas, são vistas com benevolência, pois supostamente têm o mesmo caráter das manifestações que levaram milhões às mas em junho e podem voltar a qualquer momento quando algum fato, evento ou data acender a fagulha que faz a massa sair de casa. Estas não têm a motivação daquelas.

Apenas aproveitam-se delas. Da seguinte maneira: como os governantes se assustaram, saíram cedendo tudo sem negociação - até por ausência de instância de mediação - fragilizaram-se, passaram a mensagem de que é batendo que se recebe e não sabem como reagir.

As polícias ou exorbitam ou se intimidam e, assim, tem-se um poder público completamente acuado ante a balbúrdia. Aí incluídos partidos e políticos que evitam criticar para não parecer que estão contra o direito ao protesto. Ademais, não sabem o que dizer. Parados e calados esperam a poeira baixar.

E aqui voltamos a Cesar Maia, que desde 1997 se movimenta na esfera da internet. Ele considera que a explosão de junho era tão previsível como inevitável, faz interlocução política por meio das redes e está convicto: a poeira não baixa.

"A sociedade civil organizada foi substituída pela sociedade civil mobilizada e os governantes, partidos e po líticos não sabem como dialogar com ela." De onde não separam manifestações de atos meramente desordeiros. Ficam reféns destes e os excessos prosperam.

Na visão dele, a radicalização da desordem pode levar ao reforço de um discurso conservador sustentado pelo clamor popular pelo estabelecimento da ordem e a defesa do conceito de autoridade.

Isso na melhor das hipóteses, porque a depender do desenrolar dos acontecimentos, se a democracia representativa não se atualizar, acabará dando margem a demandas autoritárias. Nisso é que Cesar Maia enxerga riscos, não no pensamento dito de direita. Ele mesmo um representante desse segmento e já eleito prefeito com a bandeira dá ordem numa época em que o Rio era assolado por arrastões.

Para a solução autoritária, diz, falta o personagem. Mas o caldo de cultura estará pronto se o poder público não sair da paralisia, buscar entender o processo, diferenciar confronto de manifestação e saber dar a cada qual o tratamento adequado.

Fonte: O Estado de S. Paulo