sábado, 5 de agosto de 2023

Dora Kramer - Sete anos de perdão

Folha de S. Paulo

Anistia a dívidas de partidos põe representantes de novo de costas para representados

A emenda constitucional que anula R$ 40 milhões em dívidas de partidos começou a tramitar na Câmara dos Deputados numa comissão especial. Uma vez aprovada, de lá segue para o plenário para exame do colegiado de representantes que, tudo indica, votará contra a vontade majoritária dos representados.

O perdão alcança o período entre 2015 e 2022 e sucede a outros tantos atos de indulgência autoconcedidos a legendas devedoras ao longo dos últimos anos.

Pelo texto que saiu da Comissão de Constituição e Justiça, ficam zerados débitos decorrentes de gastos irregulares e de multas pelo descumprimento das cotas para mulheres e negros. A fim de minorar ainda mais os contratempos financeiros, o pagamento poderá ser feito com doações de empresas.

Alvaro Costa e Silva - A matança como espetáculo eleitoral

Folha de S. Paulo

São Paulo, Bahia e Rio lideram campeonato da brutalidade em favelas

Um timing perfeito, tão sincronizado que parece coisa ensaiada e pensada nos mínimos detalhes. Depois da operação na Baixada Santista, que deixou pelo menos 16 mortos, deputados da bancada da bala na Alesp cobraram a retirada das câmeras dos uniformes de policiais militares em São Paulo. Nem precisavam cobrar. Desde a campanha eleitoral Tarcísio de Freitas tem se mostrado a favor da medida linha-dura. O governador resiste ao aumento gradual do número de câmaras (são pouco mais de 10 mil para uma corporação com cerca de 80 mil policiais).

A estatística revela queda nas mortes de policiais e de suspeitos após a implementação do Programa Olho Vivo. Os dados derrubam a tese terraplanista de que o crime organizado se aproveita do equipamento para identificar e atacar PMs.

Demétrio Magnoli - A palavra blasfema

Folha de S. Paulo

Identitarismo racial almeja fazer do Brasil cópia de modelo social americano

Acendam as fogueiras inquisitoriais! O título abre-se com uma palavra classificada como blasfema pelos sacerdotes da religião do "racismo estrutural": "Mestiçagem, Identidade e Liberdade". O autor, caluniado sistematicamente nesta Folha, é o alvo principal da seita Jocevir (Jornalistas pela Censura Virtuosa): Antonio Risério.

Na síntese de Roberto Mangabeira Unger, autor da apresentação, o livro é "uma análise do papel da mestiçagem na formação do povo brasileiro" e uma crítica da "política identitária dessa pseudoesquerda" que "abriu espaço para as guerras culturais da direita". O ensaio contém material abundante para reflexão, debate e discordância. Mas seu compasso rigoroso ilumina diferenças cruciais entre as experiências históricas de Brasil e EUA –e, por essa via, desnuda a finalidade política do identitarismo racial.

O rigor está numa distinção conceitual. Risério: "reservo a miscigenação para designar processos de cruzamento genético", enquanto "a mestiçagem só se manifesta a partir do momento em que a miscigenação é reconhecida social e culturalmente". Há miscigenação em todas as sociedades, pois os genes humanos entrecruzaram-se ao longo de milênios. Nem todas, porém, admitem essa realidade.

Carlos Alberto Sardenberg - Tanto pró e muito contra

O Globo

Ambiente melhorou mais pelo que o governo não fez. Não reestatizou a Eletrobras, não desfez venda de ativos da Petrobras

A revista The Economist já decolou com o Cristo Redentor — um foguete na direção do desenvolvimento —, mas depois teve de afundá-lo na Baía de Guanabara. Na edição desta semana, a publicação não chegou a recuperar o foguete, mas passou um certo otimismo em relação aos primeiros movimentos do governo Lula.

Trata-se de bom jornalismo — nem precisaria dizer, mas é prudente nestes tempos de polarização. A revista reflete o ambiente encontrado por aqui neste início do segundo semestre, claramente bem melhor que no começo do ano. Basta ver as expectativas atuais do setor privado e do Banco Central, comparadas às de janeiro. Inflação menor e PIB maior, juros menores, dólar abaixo dos R$ 5, Bolsa em alta.

Alvaro Gribel - Autonomia passou em mais um teste

O Globo

Nem Campos Neto tentava sabotar o governo, nem os diretores do Lula forçaram uma queda abrupta dos juros

A autonomia do Banco Central passou em mais um teste, e por muito tempo a reunião da última quarta-feira será lembrada. Ela é simbólica por vários motivos. Primeiro, porque o corte de juros reafirma a confiança da autoridade monetária de que a gestão da economia pelo PT não será leniente com a inflação. Segundo, porque a decisão dividida em 5 a 4 mostrou que o debate interno foi intenso, e esse é o objetivo da independência do Banco. Terceiro, o alinhamento entre os votos do presidente Roberto Campos Neto e dos diretores Gabriel Galípolo e Ailton Aquino mostra que nem o primeiro tentava sabotar o governo, como acusavam radicais petistas, nem os diretores indicados por Lula tentaram forçar uma queda abrupta da Selic, como temiam céticos da Faria Lima. A instituição saiu fortalecida desse encontro do Copom.

Pablo Ortellado - Polícia não pode agir como gangue

O Globo

Moradores do Guarujá relataram à imprensa que pelo menos algumas mortes pareciam execuções extrajudiciais

A semana que passou foi marcada pelos desdobramentos da operação da polícia que, em reação à morte de um policial no Guarujá, matou 16 pessoas em apenas seis dias — a mais violenta operação da polícia de São Paulo desde o Massacre do Carandiru. O número elevado de mortes, na mesma região, num curto espaço de tempo, levantou a suspeita de que pode ter sido vingança contra o crime organizado que tinha tirado a vida de um dos seus. A suspeita foi corroborada por depoimentos de moradores das regiões onde a operação aconteceu. Eles relataram à imprensa que pelo menos algumas mortes pareciam execuções extrajudiciais, fora do contexto de resistência armada à ação da polícia. Há também relatos de torturas.

Eduardo Affonso - A cadeira 41 da ABL

O Globo

Os Buarques de Holanda bem poderiam ter ocupado quatro posições na Academia, em vez de apenas uma

A Academia Brasileira de Letras é uma instituição que, segundo Millôr Fernandes, se compõe de 39 membros e um morto rotativo. Paradoxalmente, é esse defunto que a mantém viva, garantindo-lhe periódicas transfusões de sangue novo.

Reza a lenda que, para aspirar à imortalidade, é preciso mais que ter apreço à literatura, cultivar a língua e escrever um livro: tem de dar festa, beijar mão, cabalar voto — talentos de que nem todo postulante é dotado. Por isso muita gente boa acaba tomando não o chá das quintas-feiras, mas o de cadeira — ou de sumiço.

Para reparar injustiças culturais — ou, pelo menos, meditar sobre elas —, a ABL programa periodicamente o ciclo de palestras “Cadeira 41”, em referência à cátedra virtual reservada aos que nem tentaram ou morreram na praia.

A 41ª cadeira é como o quarto poder, exercido pela imprensa, ou o 12º jogador, também conhecido como torcida. Sem autoridade formal, mas uma espécie de soft power, entidade não fungível, patrimônio imaterial.

Miguel Reale Júnior* - Não é normal por ter sido sempre assim

O Estado de S. Paulo

A chantagem só será desfeita ao se colocar nos trilhos as relações entre Legislativo e Executivo, fundadas na cooperação na execução de plano de governo, e não na compra disfarçada de votos

O governo Lula conseguiu, na mesma semana, aprovar na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) modificativa de parte do sistema tributário e, também, que a determinação de empate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) fosse favorável à União, e não ao contribuinte, redundando em aumento considerável da arrecadação.

O apoio da Câmara dos Deputados decorreu da liberação de mais de R$ 5 bilhões para pagamento das emendas parlamentares, que estavam represadas, enviando aos municípios numerário para obras e serviços definidos genericamente, indicando-se apenas destinarse ao atendimento da saúde, ou da educação, ou de obra viária. Os deputados, dessa maneira, demonstram prestígio e angariam créditos em seus redutos eleitorais, valendo a troca do voto pelo empreendimento conquistado na busca de reeleição.

Fabio Gallo* - Paciência. Quem tem?

O Estado de S. Paulo

Dar foco excessivo em notícias recentes, como boletins diários, sobre o mercado cria

A nossa economia está dando bons sinais. Não que tudo esteja resolvido, mas temos um panorama melhor. A inflação acumulada em 12 meses está em 3,16%, começou o ciclo de queda da Selic, o Congresso está em vias de aprovar a reforma tributária e o arcabouço fiscal. Mas, mal começamos um ciclo mais positivo, e o mercado já está agitado.

As pessoas começam a ser bombardeadas com “oportunidades de investimentos”. No entanto, tomar decisões na pressão não é uma boa. Jean-Jacques Barthélemy tem uma frase que deve nos orientar: “A paciência é amarga, mas seu fruto é doce”. Manter a calma e ter paciência são essenciais para investir com mais equilíbrio entre o retorno desejado e o risco aceitável. É comum em momentos de mudanças rápidas que as pessoas fiquem desconfortáveis e por ansiedade mudem o foco do longo prazo para o curto prazo.

João Gabriel de Lima* - O bônus de ter uma floresta

O Estado de S. Paulo

Após um período como vilão do clima, o Brasil volta a buscar protagonismo

Um dos assuntos mais comentados da COP do Egito, em novembro passado, foi a criação da “Opep das florestas”. Esse foi o apelido dado às conversas entre Brasil, Congo e Indonésia, que abrigam 52% das matas tropicais do planeta. Assim como os exportadores de petróleo, os três países começaram um intercâmbio – no caso, para preservar aquilo que o Estadão chamou, em editorial, de “tesouro verde”.

A Indonésia e o Congo são convidados especiais na Cúpula da Amazônia, que ocorre em Belém a partir da terça-feira, dia 8. O evento reunirá representantes dos países signatários do TCA, Tratado de Cooperação da Amazônia: Brasil, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, Suriname e Venezuela. Haverá espaço para propostas da sociedade civil, incluindo um documento multidisciplinar do movimento Uma Concertação pela Amazônia.

Cristovam Buarque - Primeiro, o alicerce

Revista Veja

O país melhoraria com atenção para a educação de base

A educação de base deve oferecer o conhecimento do mapa necessário para cada pessoa caminhar na busca da felicidade individual e participar da construção do país. Sem isso, asfixiamos a juventude no analfabetismo e sufocamos a universidade por falta de alunos bem preparados. Mas a política educacional nas últimas décadas se caracterizou por uma espécie de neoliberalismo social orientado para atender à demanda de alguns por diploma universitário, ignorando a necessidade de educação de base para todos. Entre 1995 e 2020, multiplicamos por 5 o número de alunos no ensino superior, e apenas por 2 o número de concluintes do ensino médio, sem melhorar a qualidade do que eles aprendiam.

Fernando Schüler - Anatomia de um instante

Revista Veja 

Ninguém está acima dos direitos inscritos na Constituiçã0

Sempre gostei das histórias malditas, dos personagens improváveis, que por alguma razão se perdem por aí. Um desses personagens é um comediante chamado Bismark Fugazza, e sua história nos dá um flash do transe brasileiro atual. Fugazza e um colega haviam denunciado o ministro Alexandre de Moraes à Corte Interamericana de Direitos Humanos, por violar os “direitos de liberdade de expressão” no país, com “várias prisões” e “multas desproporcionais” sem o devido processo legal. Foi preso no Paraguai, com direito a uma operação internacional e a fechar por alguns minutos a Ponte da Amizade, e passou três meses em cana. O motivo é o de sempre, as “ameaças à democracia” e coisas afins. Na cobertura do caso, quase nenhuma, o carimbo “influenciador bolsonarista” parece resumir a questão. O relatório da Polícia Federal sobre o seu caso foi taxativo: “Não foi possível evidenciar, de maneira minimamente razoável, que Fugazza tenha promovido atos atentatórios às instituições democráticas no 8 de Janeiro”.

Marcus Pestana* - Voto, maioria e governabilidade

O velho estadista inglês nos advertiu: “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”.  A democracia é invenção humana. Imperfeita como tudo o que é humano. Repleta das virtudes e dos pecados que marcam a vida de nós, pobres mortais. A própria ideia de representação é, por definição, imperfeita. Introduzidos filtros para a escolha dos representantes da sociedade, distorções são inevitáveis. Os representantes não são um espelho absolutamente fiel dos representados.

No Brasil, optamos pelo presidencialismo. A maioria absoluta dos países desenvolvidos optou pelo parlamentarismo, que se mostra muito mais fluído e flexível para lidar com as inevitáveis crises e impasses. O presidencialismo americano só funciona bem por ser um sistema bipartidário, ancorado no voto distrital puro, onde a ligação entre representantes e representados é estreita.

Luiz Gonzaga Belluzzo* -Vanguardeiros do avanço

Carta Capital

Apesar do notório fracasso, eles querem manter o roteiro da dupla Temer-Bolsonaro 

Inspirou-me, ainda uma vez, o editorial da Folha de S.Paulo intitulado “A Vanguarda do Atraso”. A peça opinativa condena a mobilização do BNDES em direção ao financiamento das empresas brasileiras, porventura empenhadas em empreendimentos no exterior.

Com argumentos do mesmo jaez, esses Vanguardeiros do Avanço contribuíram para a montagem do sólido arranjo conservador que avassalou o País na Era Temer-Bolsonaro. Em sua caminhada produziram o “encolhimento” da economia brasileira. Destruíram empresas, amofinaram a indústria, tudo em nome da modernidade e da globalização. Os resultados todos sabem: o desemprego, a deterioração das grandes cidades, a violência, que não para de aumentar.

As mudanças na composição da riqueza explicam a combinação entre as políticas econômicas de austeridade e a sanha das privatizações de bens públicos, sobretudo empresas estratégicas para o crescimento, tais como a Eletrobras. O privatismo à brasileira é irmão gêmeo do rentismo que exercita seus propósitos ao extrair valor de um ativo já existente e gerador de renda monopolista, criado com dinheiro público. A onda de privatizações obedece à lógica patrimonialista e rentista do capital financeiro, em seu furor de aquisições de ativos já existentes. Nada tem a ver com a qualidade dos serviços prestados, mesmo porque os exemplos são péssimos. Em geral, no mundo, a qualidade dos serviços prestados pelas empresas privatizadas declinou, acompanhando o aumento de tarifas e a deterioração dos trabalhos de manutenção.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Devastação do Cerrado requer ação do governo

O Globo

Enquanto desmatamento vem sendo contido na Amazônia, bate recorde no segundo maior bioma do país

Os últimos números de desmatamento do sistema Deter, do Inpe, divulgados na quinta-feira, trazem motivos para comemoração e, ao mesmo tempo, preocupação. A comemorar, a redução significativa na devastação da Amazônia, um alento depois de sucessivos recordes de destruição durante a gestão de Jair Bolsonaro. A preocupar, o aumento da perda de vegetação no Cerrado, que atingiu o maior patamar desde o início da série histórica, em 2019.

Na Amazônia, os alertas de desmatamento registrado pelo Deter somaram 7.952 quilômetros quadrados entre agosto de 2022 e julho de 2023, a menor marca anual em quatro anos. De acordo com o Inpe, a área desmatada é 7,4% menor que no período anterior (2021-2022). Considerando apenas o mês de julho (tradicionalmente o mais crítico), a redução foi de 66%. A boa notícia não se restringe aos números. De acordo com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o recuo aconteceu em vários estados e municípios, atestando uma queda consistente.

Poesia | Fernando Pessoa - O meu olhar é nítido como um girassol

 

Música | Zeca Pagodinho e Marisa Monte - Preciso me encontrar (Candeia)