Estado da Arte – Revista de cultura, artes e ideais (19.8.22.)
Há quase dez anos, a Escola de Direito da
Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, publicou um importante estudo sobre a
trajetória da Constituição brasileira nos seus primeiros 25 de vigência.
Intitulado Resiliência Constitucional: compromisso maximizador, consensualismo
político e desenvolvimento gradual[1],
o trabalho foi preparado para ser apresentado num evento da Iniciativa Latino-americana
em Direito e Democracia (ILADD) apoiado pela Ford Foundation.
O texto é uma análise dos mais variados
aspectos da ambiciosa Constituição brasileira e seu denominador comum foi a
ideia que ela demonstrou resiliência ao longo dessas duas décadas e
meia. Na física, resiliência é a propriedade que possuem determinados materiais
de acumular energia, quando submetidos a situações-limite, sem que ocorram
rupturas ou mudanças permanentes. Por isso, à medida que acomodam estímulos e
pressões, esses materiais preservam sua função e identidade em diferentes
ambientes. Ao trazer esse conceito da física para o direito, o trabalho lembra
que, apesar das duras críticas que sofreu na época de sua promulgação, em 1988,
a Constituição teria não só conseguido manter estável o sistema político, mas,
também, adaptar-se às necessidades políticas e econômicas do país, ao longo de
distintos momentos de tensão institucional e de governos com ideologias
conflitantes.
A ambição da Constituição decorre do fato
de que ela abrigou diversos interesses, direitos e metas para o desenvolvimento
da economia e o bem-estar da sociedade, o que foi chamado pelo coordenador do
estudo de “compromisso maximizador”. Além de ambicioso, o que por si só já era
um problema dadas desigualdades de uma sociedade complexa e heterogênea como a
brasileira, o processo político de elaboração do texto foi fragmentário.
Segundo o trabalho, ao estabelecer direitos, proteger interesses e distribuir
poderes, a Constituição foi produto de um processo de conciliação entre as
forças políticas que moldaram uma transição do autoritarismo militar para a
democracia representativa. Todavia, ela não foi fruto de um pacto simétrico de
mútuos interesses – pelo contrário, foi uma estratégia de estabilização de uma
ordem assimétrica.
Detalhista bem como programática, simultaneamente, e com problemas de antinomia, por ser resultante desse pacto assimétrico, a Constituição não se limitou a definir as regras do jogo político e da institucionalidade jurídica. Ela também ampliou os direitos fundamentais e as prerrogativas do Ministério público. Transferiu para o sistema político e para o Judiciário a responsabilidade da concretização, ao longo do tempo, de suas metas e dos direitos em que elas se fundamentam. Um dos avanços do texto constitucional foi a criação do Sistema Único de Saúde, por meio de uma estrutura democrático-participativa e da autonomia dos entes federativos. Outro avanço está no âmbito das questões urbanas, que pela primeira vez foram abordadas por um texto constitucional. A Carta foi, ainda, inovadora na área da seguridade social, compreendendo o conjunto de ações estatais e da sociedade voltadas à implementação da previdência e da assistência social. Há vários outros exemplos nesse sentido.