segunda-feira, 6 de abril de 2020

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

"Os governos, e não só o daqui, começam a perceber que é melhor gastar já e salvar vidas do que manter a higidez fiscal e produzir cadáveres e depressão econômica. A dívida pública vai aumentar. Depois se verá como pagá-la. Este se é dúbio: em geral a maior parte da conta vai para o conjunto da população, e não para os que mais podem. Terá de haver mobilização política para que desta vez seja diferente.

Que o Tesouro se abra (e se já estiver vazio, que se endivide ainda mais). Com um porém: que os governos usem bem o dinheiro e não transformem gastos extraordinários em gastos permanentes. Melhor haver um “orçamento de guerra” do que criar bazucas permanentes contra o Tesouro.”

*Sociólogo, foi presidente da República. Durante e depois da crise, O Estado de S. Paulo/O Globo, 5/4/2020

Fernando Gabeira - O risco de não entender

- O Globo

Imagino uma crise econômica braba e me lembro da experiência de viver com pouco

O trabalho corre silencioso na quarentena. No princípio da noite, ouço o bater de panelas, e uma vizinha roda uma gravação do Hino Nacional. É hora de um pequeno descanso, esquecer a contagem de mortos nos EUA, Inglaterra, Espanha, Itália, o horror dos corpos insepultos nas ruas de Guaiaquil.

No meio da tarde, costumo ouvir a voz do prefeito numa gravação voltada aos moradores do Pavão-Pavaozinho: “Olá pessoal, aqui é o prefeito Marcelo Crivella.” Ele pede que fiquem em casa e que Deus proteja a todos. Que cena, o Crivella pedindo que fique em casa; logo eu, que tinha tanto o que fazer nessa pandemia.

Mas sou do grupo de risco. Há um grande debate sobre o que fazer com os velhos. Uma escritora amiga me disse pelo telefone: antes os velhos tinham valor porque concentravam a experiência; agora, com o Google, podem se livrar da gente com facilidade.

Mas, para cada um nós, há uma experiência que não se acha no Google. No meu caso, por exemplo, a quarentena é suave. Em primeiro lugar, porque os mais pobres estão em espaços menores e mais escuros; os brasileiros no exterior, encurralados em pequenos quartos de hotel, hostilizados pelos nativos.

Demétrio Magnoli - ‘Não saia de casa!’

- O Globo

A vida ou a liberdade, o que vale mais?

‘Se eu pegar corona, peguei corona”, disse o jovem Brady Sluder, em 18 de março, Spring Break, quando festejava numa praia de Miami enquanto as autoridades recomendavam evitar aglomerações. Brady não é Jair mas, como ele, proclamava intuitivamente o princípio da filosofia libertária, alinhando-se com um variado espectro de pensadores que só reconhecem o deus das liberdades individuais. Brady perdeu — e pediu desculpas à sociedade. Jair perdeu até a companhia de Donald, não se desculpou e foi exilado para uma quarentena moral.

Nós vencemos. Mas quem somos “nós”?

“Não saia de casa!”. A ordem universal reflete a vitória da tradição filosófica do contrato social, que inscreve os direitos do indivíduo na moldura das normas de segurança coletiva. A tradição não é monolítica, fragmentando-se em tonalidades que se estendem do liberalismo progressista, numa ponta, ao totalitarismo, na ponta oposta. A Peste Negra em curso testa essas diferenças, colocando-nos diante de um espelho de cristal. Quem quer ser China?

A OMS exibe a China como modelo de eficiência, calando-se sobre a camuflagem inicial, a repressão aos médicos que davam o alerta, a brutalidade estatal do isolamento de Wuhan e, agora, sobre as suspeitas estatísticas chinesas, contaminadas pelo vírus do triunfalismo. Na Hungria, Viktor Orbán quer ser China: o primeiro-ministro obteve poderes de exceção por prazo indefinido de um parlamento controlado por seu partido, manipulando a crise sanitária para converter o país na primeira ditadura da União Europeia. “Não saia de casa!” — ou te coloco na cadeia por oito anos, ameaça o ídolo húngaro de Bolsonaro.

Cacá Diegues - O vírus da criação

- O Globo

A única providência que Deus tomou, para se proteger de nossos eventuais enganos, foi se unir com a Natureza

O amor é sempre um ato de compensação, a gente ama no outro aquilo que faz falta em nós. Quando você não consegue fazer essa operação, das duas uma. Ou está sofrendo de imensa megalomania, o sentimento de que não precisa amar ninguém, porque as virtudes do outro não lhe fazem falta; ou você perdeu completamente o sentido da existência do outro, o que ele significa para a organização do mundo e da humanidade, para você mesmo. Há uma terceira hipótese, quando não existem semelhantes e, portanto, não se pode saber o que nos falta, se é que nos falta alguma coisa. Mas, essa hipótese, só em Deus pode ser aplicada.

Foi o homem que ensinou Deus a amar, assim como aprendemos com ele a criar. Ele devia estar sofrendo de uma grande melancolia, provocada pela solidão, quando decidiu criar um animal à sua imagem e semelhança. Em geral, quando se comete um erro desse, dificilmente recuperamos a clareza das diferenças que havia antes. O amor amolece o juízo, a capacidade de conhecer e distinguir. Mas, para melhor entender o que fizera, Deus tinha que passar por essa experiência. E, como não havia outros semelhantes, com os quais pudesse se identificar, foi ao ser humano mesmo que ele amou.

Ricardo Noblat - Bolsonaro rompe o cordão sanitário montado para contê-lo

- Blog do Noblat | Veja

Tudo como dantes no quartel de Abrantes

Em versão light de fim de semana (do mais recente porque nem sempre é assim), o presidente Jair Bolsonaro repetiu sem levantar a voz tudo o que vinha dizendo até que os ministros militares que o vigiam de perto, mas que não conseguem domá-lo, riscaram uma linha que ele não deveria ultrapassar, mas que ultrapassou.

O presidente usou um encontro com devotos evangélicos nos fundos do Palácio do Planalto para voltar a atacar governadores, “mas não todos” como fez questão de sublinhar, a imprensa que não perde uma chance de malhá-lo e, indiretamente, o ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, sua mais nova obsessão.

Enquanto ouviu o que ele dizia, o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, passou a mão na cabeça mais de uma vez como se pensasse que aquele não era o script combinado. Se não foi por isso, pode ter sido pelo vento que soprava na direção de suas costas despenteando sua rala cabeleira.

A recaída de Bolsonaro desatou uma série de manifestações dos que rezam por sua cartilha ou fazem sua cabeça. Abraham Weintraub, ministro da (des)Educação, entrevistado ao vivo no Facebook pelo deputado Eduardo Bolsonaro, retomou os ataques da ala ideológica do governo à China. Disparou ao seu modo tosco:

Vinicius Mota - Não é tecnologia; é governo

- Folha de S. Paulo

Algumas democracias vão bem melhor que outras no combate à pandemia

Até que se descubram vacina ou terapia para o coronavírus, as grandes conquistas nesta pandemia não serão tecnológicas. Serão relacionadas a como conduzir as comunidades políticas diante de restrições inéditas e ubíquas.

Ditaduras, velhas como a chinesa ou novas como a húngara, recorrem à força. Democracias sujeitam-se às leis e à responsabilidade.

Fosse apenas ligar a máquina de fabricar moeda e dívida dos tesouros, não seria necessário esforço nenhum. O sequestro de recursos presentes e futuros é técnica antiga de lidar com calamidades, pacificada nas Constituições e na administração pública.

A questão começa por tentar entender por que algumas democracias, mobilizando uma fração da energia que outras vão empregar, têm obtido resultados excepcionais contra a epidemia. É o caso da Coreia do Sul, de Taiwan e aparentemente também do Japão.

Leandro Colon - Se Mandetta cair?

- Folha de S. Paulo

Queda de Mandetta pode piorar vida de Bolsonaro, mas ameaça a dos brasileiros

A demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde seria um bom caminho para quem torce por uma rápida derrocada de Jair Bolsonaro.

Ao ameaçar a atual política de combate ao coronavírus, a queda do ministro provocaria reação política de altas proporções dos outros Poderes.

Isolaria mais o presidente dentro sua equipe ministerial, que tem apoiado Mandetta frente à pandemia.

A pequeneza do presidente em relação ao ministro pode arriscar o futuro do governo no longo prazo e, no curto, ameaçar a vida dos governados por ele. Se você é dos que não suportam mais a gestão Bolsonaro e quer seu fim, só que está preocupado com a escalada imediata do vírus, então é melhor torcer para que ele e Mandetta se entendam.

Marcus André Melo* - Quem é o responsável?

- Folha de S. Paulo

Na luta contra a Covid-19, começar mal importará pouco, mas é nas crises que os políticos revelam quem são

"Os príncipes devem transferir as decisões importunas para outrem, deixando as agradáveis para si." Maquiavel acerta no conselho aos governantes, mas os mecanismos de reivindicação de crédito por acertos e transferência de culpa por decisões impopulares que impõem custos à população são complexos.

Em princípio, esperamos que o eleitorado premie o bom desempenho e puna o mau. Mas em situações de pandemias e desastres naturais, pesquisas mostram que os eleitores respondem emocionalmente punindo os incumbentes mesmo quando não existe nenhuma razão para lhes atribuir responsabilidade por tais eventos. A lógica é "descontar no cachorro a raiva por um mau dia", como afirmam os cientistas políticos Larry Bartels e Christopher Achen.

Substituir a emoção pela avaliação do desempenho equivale à falência da "accountability" democrática: os políticos não teriam incentivos para o bom desempenho e deveriam contar apenas com a sorte.

Celso Rocha de Barros* - Começou a quarentena de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Independência de Mandetta mostra que clima não é favorável ao presidente

Passei a última semana com febre, em geral baixa. Nada de assustador, não sei se é Covid-19, talvez não seja, não tem teste para fazer.

Já estou melhor, estou contando isso só para explicar uma história engraçada: no pior dia, fiquei tão doidão de febre que achei que tinha visto Bolsonaro fazendo um pronunciamento moderado e pragmático. Ali eu vi que era hora de tomar um antitérmico e ir dormir.

E, de fato, dois dias depois, o presidente da República dobrou a aposta no crime de responsabilidade. Em um programa de rádio, enquanto Augusto Nunes o massageava, Bolsonaro atacou abertamente seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Disse que falta humildade ao ministro e que ele pode ser demitido a qualquer momento.

Segundo o Datafolha, Mandetta tem o dobro da aprovação popular de Bolsonaro.

A boa notícia é que a nova ofensiva de Bolsonaro é uma reação desesperada. A estratégia de colocar em quarentena a família Bolsonaro e os olavistas começou a funcionar.

Mandetta reassumiu a postura de independência. Voltou a recomendar enfaticamente que todos fiquem em casa e pediu que a população siga as orientações de seus governadores (isto é, não as da Presidência).

Já é público que o Ministério da Saúde atuará na crise ignorando o que diz o presidente da República, para sorte do Brasil. E se Mandetta sentiu que podia ser independente, é porque o clima em Brasília não é favorável a Bolsonaro.

Ruy Castro* - Dilema do escritório

- Folha de S. Paulo

Os escritórios forjaram as relações humanas; como será o mundo sem eles?

Em 2016, li na Folha uma entrevista da governadora de Tóquio, Yuriko Koike, em que ela dizia que estava combatendo a ideia de que "é bonito ficar até tarde no escritório", como os japoneses foram ensinados a acreditar a partir da Segunda Guerra. E contou que começara uma campanha para que as pessoas dessem menos horas de expediente no escritório e as substituíssem pelo trabalho em casa.

Bem, isso foi em 2016. Hoje, todos os funcionários que Yuriko queria mandar mais cedo para casa já estão em casa —em quase toda parte e em tempo integral. Por causa do coronavírus, as empresas fecharam seus escritórios presenciais. E, quando a pandemia passar, talvez concluam que será besteira voltar para o escritório se se pode fazer o serviço em casa.

Os escritórios não existiam antes de 1800. Ideias, análise de problemas e tomadas de decisões, tudo se resolvia monocraticamente, com bons ou maus resultados. Mas, então, no século 19, os escritórios se institucionalizaram. As soluções ganharam em análise, as ideias pulularam e as decisões se tornaram mais práticas e objetivas, o que levou ao progresso, à eficiência, à riqueza. O mundo melhorou com os escritórios. É verdade que eles geraram também a burocracia, a luta pelos cargos e a rivalidade entre os colegas.

Carlos Pereira* - De quem será a conta da pandemia?

- O Estado de S.Paulo

O presidente pode se beneficiar ao empurrar para governadores o custo econômico da pandemia

É certo que, em situações de normalidade, o chefe do Executivo não é capaz de transferir responsabilidade pelo desempenho de políticas macro ou universais para outros. Por exemplo, se a inflação e/ou desemprego aumentam, o presidente será inexoravelmente responsabilizado. Por outro lado, se os indicadores da atividade econômica melhoram, é também o chefe do Executivo federal quem será capaz de extrair os maiores benefícios políticos decorrentes dessa boa performance.

Essa responsabilização do presidente decorre da distribuição geográfica da sua representação política. Como recebe votos em todo o território nacional, é dele a responsabilidade de políticas nacionais. Os legisladores e governadores, por sua vez, por serem eleitos por uma base geográfica delimitada, respondem às preferências das redes locais e estaduais de interesse, respectivamente.

Será que esse perfil de responsabilização seria também observado quando o País é acometido de choques exógenos de grande magnitude, como a atual pandemia do Covid-19?

Michel Temer* - Saúde e economia são antagônicas?

- O Estado de S.Paulo

Estamos em ‘guerra’ contra um inimigo insidioso para preservar vidas. Fique em casa!

Respondo desde já: absolutamente não. E explico: a saúde é direito de todos é dever do Estado, registra inicialmente o artigo 196 da Constituição federal. Como se a garante? É no mesmo artigo 196 que está escrito: “mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco da doença e de outros agravos...”. São as políticas sociais e a atividade econômica que garantem a preservação da saúde.

O que temos no momento atual? Uma pandemia pelo novo coronavírus. Pandemia porque universal, não apenas localizada. Cresce o número de infectados e de mortes. E tudo indica que se trata de doença de fácil transmissão. Mas basta verificar os cuidados mais comezinhos que se devem tomar para evitar a sua proliferação. Portanto, saúde acima de tudo.

Aliás, não são poucos os dispositivos constitucionais que dela tratam. Afora a Seção II do Título VII, que trata da ordem social, nela incluída a seção mencionada, dos artigos 186 a 200, o certo é que outros cuidam do tema. Assim é com os artigo 23, II, e 24, XII, da Constituição federal. O primeiro entrega à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios uma competência executiva, ou seja, “cuidar da saúde” como competência comum. No artigo 24, XII, as mesmas entidades, à exceção dos municípios, têm competência concorrente para legislar sobre o tema. Obedece-se, com essa fórmula, ao princípio federativo no destaque ao tema saúde.

Fareed Zakaria - Esta é a primeira de uma série de crises em cascata

- O Estado de S. Paulo / The Washington Post

Estamos apenas começando a enfrentar a magnitude do choque causado pelo coronavírus com a covid-19, e precisamos preparar a nossa mente para uma verdade dolorosa. Estamos nos estágios iniciais do que se tornará uma série de crises em cascata, que deverá reverberar no mundo inteiro. E não poderemos voltar ao que quer que nos pareça uma vida normal se as maiores potências não encontrarem alguma forma de cooperação para que seja possível administrar esses problemas juntos.

A primeira fase foi a crise sanitária nas principais economias do mundo. A próxima será a da paralisia econômica, cuja magnitude só começamos a compreender.

Nas duas últimas semanas, os Estados Unidos perderam cerca de 10 milhões de empregos, superando o total de 8,8 milhões de empregos perdidos em 106 semanas durante a recessão de 2008-2010. Mas esse é apenas o começo.

Em seguida, teremos certamente o perigo dos países que não puderem pagar suas obrigações. A Itália entrou na crise com o patamar mais elevado da dívida pública dos países da zona do euro e o terceiro maior do mundo. A dívida do país subirá astronomicamente com os gastos para combater as consequências econômicas da covid-19.

A Itália tem a terceira maior economia da Europa, mas é apenas um dos muitos países europeus que se defrontarão com o colapso fiscal. E isto acontecerá em um momento em que as economias mais dinâmicas da Europa, que frequentemente fornecem os recursos e as garantias para a salvação e os mecanismos de suporte, também vão estar debaixo d’água. A Alemanha, que não sofre uma recessão total em 40 trimestres, agora prevê que, este ano, sua economia registrará uma contração de 5%.

Gustavo Loyola* - Falsos dilemas e perda de tempo

- Valor Econômico

Os riscos de o Brasil sofrer uma tragédia em termos humanos, sociais e econômicos são grandes demais

No meio da grave pandemia da covid-19, o país se viu envolvido nas últimas semanas num debate estéril e absurdo a respeito de um falso dilema, por obra principalmente do presidente da República. A ideia de que as medidas drásticas de distanciamento social (DS) trazem maiores prejuízos para a economia do que políticas menos severas de restrição (“isolamento vertical”) é completamente falaciosa. Resulta de uma visão míope e egoísta que toma em consideração apenas os efeitos de curto prazo sobre a atividade econômica.

Sem contar com as implicações éticas derivadas da defesa de políticas que desvalorizam a vida humana, os defensores do “isolamento vertical” cometem grave erro, como amplamente mencionado em vários artigos de especialistas publicados recentemente mundo afora. Para poupar espaço, menciono aqui, de modo sucinto, apenas três dos graves equívocos da posição a favor da política de afrouxamento das medidas de DS como possível forma de abrandar os efeitos da crise sobre a economia.

O primeiro e mais grave erro é o de desconsiderar os riscos do colapso do sistema de saúde com consequências econômicas, sociais e políticas provavelmente muito mais danosas e permanentes do que a perda temporária de consumo e produção derivadas das políticas mais duras de DS. As imagens do que ocorre no norte da Itália já falam por si mesmas, porém num país com as desigualdades sociais maiores e com um gigantesco déficit habitacional, como é o caso do Brasil, é necessário ter em conta o risco de a catástrofe ser ainda maior do que se observa na velha Europa.

Outro problema é ignorar os efeitos negativos sobre as expectativas dos agentes econômicos que resultariam de meias medidas adotadas no enfrentamento da pandemia. Como uma espada de Dâmocles pendendo sobre a economia, os riscos de um agravamento do surto da covid-19 mais adiante seguirão impactando as expectativas e assim restringindo as decisões de consumo e investimento e adiando a retomada da economia.

Bruno Carazza* - O futuro é sombrio

- Valor Econômico

Se nada for feito, no futuro a peste, a guerra, a fome e a morte continuarão a cavalgar nas costas da imensa desigualdade social brasileira

Com a recomendação de jejum nacional sendo alçada a política pública de combate à covid-19, é bom lembrar que, de acordo com João, o fim dos tempos chegará sob a liderança da Peste. Na sequência, virão a Guerra, a Fome e, finalmente, a Morte.

Walther Scheidel, professor de história antiga na Universidade de Stanford, também tem seus quatro cavaleiros do Apocalipse. Dois são os mesmos elencados pelo “discípulo que Jesus amava”: as epidemias e a guerra. Completam o quarteto o colapso do Estado e as revoluções socialistas.

Em “The Great Leveller: Violence and the History of Inequality from the Stone Age to the Twenty-First Century” (que nas próximas semanas será lançado no Brasil pela editora Zahar sob o título “Violência e a História da Desigualdade”), Scheidel analisa os principais fatores que levaram não ao Armagedon, mas sim à redução esporádica da desigualdade ao longo da história da humanidade.

Com abundância de exemplos e dados, o autor argumenta que, nas sociedades eminentemente agrárias que predominavam até o início do século XX, as epidemias exterminavam grandes contingentes de pessoas. Em resposta à escassez de mão de obra, o mercado de trabalho se reequilibrava com o aumento dos rendimentos dos sobreviventes - e, assim, a distância entre ricos e pobres diminuía.

Sergio Lamucci - O tamanho da crise e o peso do governo

- Valor Econômico

Para evitar perdas ainda maiores e tentar assegurar uma recuperação mais rápida, uma resposta eficiente e firme do governo é necessária

A crise provocada pela pandemia do coronavírus vai levar a uma contração sem precedentes da economia global e da economia brasileira. Por aqui, as projeções para a variação do PIB em 2020 seguem em queda livre, e números na casa de uma retração de 4% a 5% começam a ganhar força entre os analistas. O tombo deve se concentrar no segundo trimestre, a exemplo do que tende a ocorrer na Europa e nos EUA, mas dados preliminares já indicam que março foi um mês muito ruim para a atividade no Brasil, em especial no varejo e nos serviços.

O cenário é delicado e complexo. Para evitar perdas ainda maiores e tentar assegurar uma recuperação mais rápida, uma resposta eficiente e firme do governo é necessária. Uma quarentena rigorosa no período em que a doença se dissemina aceleradamente é a melhor providência em termos de saúde pública - e também do ponto de vista econômico, segundo a maior parte dos analistas. Além disso, é preciso que uma ajuda financeira chegue rapidamente para trabalhadores informais e para pequenas empresas, por meio de transferências de renda e da concessão ágil do crédito.

O governo federal tem ido especialmente mal no primeiro aspecto, deixando a desejar no segundo. Enquanto muitos governadores adotaram medidas rigorosas de confinamento, o presidente Jair Bolsonaro seguidamente prega a reabertura dos negócios. Quanto ao segundo ponto, o auxílio a trabalhadores e empresas demora a se concretizar, embora iniciativas nessa direção tenham sido anunciadas nas últimas semanas.

Além de estar na contramão do que pensa a grande maioria dos especialistas em saúde e próprio o ministro da área, Luiz Henrique Mandetta, a estratégia defendida por Bolsonaro vai na direção oposta do que diz a maior parcela dos economistas. É o que mostra, por exemplo, uma enquete da escola de negócios da Universidade de Chicago com mais de 40 economistas renomados, entre eles vencedores do Nobel como Eric Maskin, William Nordhaus e Richard Thaler.

André Nassif - O que fazer em uma economia de guerra

- Valor Econômico

O governo deve sinalizar imediatamente ao mercado que atuará como comprador de última instância

Para enfrentar os impactos sanitários, econômicos e sociais da crise do coronavírus (covid-19), as autoridades governamentais brasileiras terão de lidar com um cenário de guerra sanitária e economia de guerra. Com o país já praticamente em lockdown, a paralisação da demanda de bens e serviços provocará uma contração brutal da renda agregada, o aumento massivo do desemprego dos trabalhadores formais e informais e uma situação de penúria destes últimos e da população pobre.

Com tamanha contração ou mesmo interrupção dos fluxos de caixa da maioria das empresas, necessita-se de contínua coordenação entre as políticas monetária e fiscal, mas é a política fiscal que deve comandar a política econômica. Será preciso atuar em várias frentes conjuntamente, e todas implicarão aumento de gastos públicos, dos déficits fiscais e da relação dívida/PIB.

Nesse cenário extremo, não faz sentido pensar que aumentos de gastos governamentais acarretarão incerteza quanto à solvência da dívida pública. Maior incerteza haverá se o governo brasileiro não sinalizar, de imediato, que evitará a quebradeira generalizada de empresas e a destruição de produto potencial no Brasil. Será preciso atuar em diversas frentes, o que exigirá forte coordenação entre as diversas esferas governamentais, já que o maior problema será colocar em prática as medidas para mitigar os efeitos do terremoto em curso. O desafio será fazer o dinheiro chegar rapidamente às famílias e empresas afetadas.

A primeira frente é direcionar os recursos públicos necessários para os serviços de saúde funcionarem eficientemente, evitando que entrem em colapso. As prioridades são salvar vidas humanas, minimizar a taxa de mortalidade do grupo mais vulnerável e assegurar o fornecimento de equipamentos médicos à rede do SUS e hospitais privados.

A segunda é assegurar transferência de renda mínima para os grupos mais vulneráveis da população, como os já cadastrados no Bolsa Família e a maioria dos trabalhadores informais que ficarão desempregados durante o tempo de confinamento. Esses recursos deverão ser bancados temporariamente pelo Tesouro.

A terceira é evitar o total estrangulamento dos fluxos de caixa das empresas, visando descartar um efeito cascata que levaria à interrupção dos pagamentos de todos os tipos de dívida, colocando em risco a solvência do sistema bancário. Nessa crise da covid-19, em princípio não faria muito sentido o governo ampliar gastos para recompor demanda perdida, porque empresas e trabalhadores ficarão temporariamente sob lockdown.

Pandemia do coronavírus deve mudar a face do capitalismo

Empresas serão cobradas para terem atividades mais voltadas à sociedade, após ajuda oficial de trilhões de dólares recebidas dos governos. Presença do Estado será maior do que nos últimos anos

Vivian Oswald | O Globo

LONDRES - O confinamento inédito de metade da população mundial e o consequente pandemônio que se abateu sobre as economias globais devem mudar a face do capitalismo. A relação entre empresas, sociedade e governos mudou. Dificilmente voltará a ser o que era, na avaliação de especialistas. Fala-se até em um novo contrato social.

Grandes corporações e bancos sobretudo, socorridos com trilhões de dólares na crise financeira global de 2008, serão cobrados. Os mercados terão nova missão. Diante dos esforços para reconstruir as economias — só o Reino Unido já liberou 418 bilhões de libras (mais de R$ 2,5 trilhões) em pacotes de estímulos para minimizar os efeitos da pandemia do novo coronavírus —, a fatura começa a ser apresentada. O que se espera é um capitalismo mais benevolente.

— Assim como os contribuintes ajudaram a salvar os bancos em 2008, o governo agora quer trabalhar com os bancos para retribuir o favor e apoiar empresas e pessoas, as que mais precisam no Reino Unido — disse o ministro de Negócios, Energia e Estratégia Industrial, Alok Sharma.

Impostos mais altos
A declaração foi feita nos boletins diários do governo conservador britânico à televisão semana passada. O mesmo partido que, há mais de dez anos no poder, empunhava a bandeira da austeridade fiscal até pouco tempo atrás.

— Será totalmente inaceitável se os bancos rejeitarem empréstimos para as boas empresas — completou Sharma.

A presença do Estado deve ser maior daqui por diante como catalisador da recuperação. Sobretudo depois dos pacotes multibilionários de estímulos. A ajuda é para manter a economia em “hibernação”, diz Abhimay Muthoo, professor de economia e reitor da Universidade de Warwick:

Guedes defende congelamento de salário de servidores por dois anos

Em reunião com deputados, ministro da Economia descarta corte nos vencimentos

Manoel Ventura | O Globo

BRASÍLIA — O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu o congelamento de salários de servidores públicos por dois anos por conta da crise do novo coronavírus. Ele descartou o corte na remuneração dos funcionários federais durante a crise, já que o presidente Jair Bolsonaro não “aceita falar disso”.

As declarações foram feitas em uma reunião por videoconferência com deputados do DEM, neste domingo. O encontro foi fechado para o público, mas O GLOBO obteve os relatos de parlamentares que participaram do encontro.

Guedes citou um risco deflacionário de um eventual corte de salários. Mas afirmou que o setor público precisa dar exemplo e, para isso, seria necessário “congelar os salários durante dois anos”. Segundo os relatos, Guedes afirmou que a economia com essa medida seria a mesma de promover cortes salariais, mas sem risco de isso gerar uma deflação.

A equipe do ministro chegou a escrever uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para cortar em 25% os vencimentos dos servidores, com proporcional redução de jornada de trabalho. Bolsonaro, porém, não aceita tratar desse assunto, disse o ministro, segundo fontes.

Na reunião, o ministro também estimou que a crise econômica decorrente da Covid-19 vai demorar “três ou quatro” meses. Mas defendeu a continuidade da agenda de reformas estruturantes.

Angela Alonso* - A volta do Estado

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Adversários do Estado passam a defende-lo com a pandemia; hoje nenhum governo pode se dar ao luxo de ser liberal

Quando definir fica difícil, filiar nova safra a cepa velha é um conforto. O prefixo “neo” salva a pátria. A Covid-19 trouxe novo membro à família, que já tem neofascismo, neoliberalismo e que tais: o neokeynesianismo.

Subitamente, adversários do Estado entraram a defendê-lo. Espera-se que coordene iniciativas, financie os gastos com a crise, dê o rumo. Toada na contramão do que se dizia em versos e colunas de jornal até outro dia.

Na última década, a sociedade se mobilizou e muito para reclamar do Estado —e não ficou na conversa. Ações diretas proliferaram, desde coletivos culturais, sociais e políticos até o empreendedorismo cívico, no gênero empresário social ou ambientalmente responsável, e o religioso, que movimenta cultura e economia de autoajuda entre fiéis. Todos martelando a autogestão da vida coletiva pelos cidadãos como superior à estatal.

Duas retóricas difundiram a ideia. Uma é a da autossuficiência da ”sociedade civil”, que, se bem organizada, proveria tudo —bens, serviços etc.— mais e melhor que o Estado. Outra é a do autointeresse. Se o Estado parasse de meter o bedelho, empreendedores de “espírito animal” —opostos dos funcionários parasitas— venceriam a luta pela vida, gerando uma sociedade repleta de prósperos empresários.

Ambas deslegitimaram o Estado como gestor da vida coletiva, demandando protagonismo para a ágil, eficaz e moralmente superior sociedade civil. O Estado era o inimigo. Corrupto e ineficiente, desmereceria a confiança, o poder e os impostos dos cidadãos. Melhor reduzi-lo ao mínimo guedesiano.

Ante o vírus, a linha do autointeresse insistiu no individualismo: isolar-se, munindo-se de grandes estoques, e deixar à livre iniciativa quem mal mora, ou nem mora —e que não tem para comer hoje, que dirá para estocar papel higiênico. Esses “loosers” deveriam é voltar logo ao trabalho de servir o andar de cima.

Fernando Limongi* - Um zero à esquerda

- Folha de S. Paulo / Ilustríssima

Coronavírus evidencia que cartilha de Bolsonaro é delírio de loucos Neoliberalismo primitivo do presidente e de Guedes vê na redução do Estado o remédio para todos os males do país

[RESUMO] Diante da urgência do cenário que se desenha com a eclosão do coronavírus, cientista político considera que a cartilha neoliberal primitiva de Bolsonaro e Guedes, que vê na redução do Estado o remédio para todos os males do país, deve ser ignorada como delírio de loucos e dos que acreditam em mitos.

“Victor Hugo era um louco que se julgava Victor Hugo”, disse Jean Cocteau. Com pequenas adaptações, o chiste se presta para definir o atual ocupante do Palácio do Alvorada: Jair Bolsonaro é o mito inventado por um bando de malucos.

Analistas, por dever de ofício, devem decifrar o comportamento dos políticos, conferindo racionalidade a seus atos. A tentação de atribuir cálculo ao presidente tresloucado é enorme. Diz-se que há método na loucura, que tudo não passa de encenação meticulosamente arquitetada.

Dizer que está mirando 2022 não é senão reafirmar o óbvio. Que político não tem olho voltado para os eleitores e para as próximas eleições? E Bolsonaro nunca escondeu que só pensa em sua reeleição, que esta é sua única preocupação e que, para tanto, precisa abater toda e qualquer liderança, no seu governo ou fora dele, que possa lhe fazer sombra.

Comprou briga com João Doria e Wilson Witzel porque os dois podem enfrentá-lo no futuro. Disto não se duvida. A questão é se fez as escolhas certas e se o seu comportamento destemperado lhe renderá votos.

Para dizer o mesmo de outro modo: para ser reeleito, o presidente tem que cumprir o que prometeu. Mesmos os mais fiéis, mesmo os que acreditam em mitos, precisam ser satisfeitos. E é aí que entra o coronavírus.

O destempero e a insensatez não são novidades. Bolsonaro sempre foi e será assim. O cavalão, como era conhecido no Exército, é indomável. A novidade é o desespero.

A reeleição que dava por assegurada está indo para o ralo com a desorganização da economia. As perspectivas já não eram as melhores antes da epidemia; as promessas da retomada do crescimento não passavam disso, de promessas.

Mas Paulo Guedes (ministro da Economia), tanto quanto Bolsonaro, acredita no mito que criou para si mesmo, o de que seria simples resolver os problemas econômicos do país. Rebento do neoliberalismo original, aluno de Milton Friedman, o ministro acredita que basta diminuir o Estado para que o Brasil experimente um novo surto de crescimento.

O nó da questão estaria na regulação excessiva a tolher a iniciativa empresarial virtuosa. Para a Escola de Chicago, tudo quanto o Estado faz é atender interesses especiais de grupos organizados.

Pode parecer estranho, mas o fato é que o neoliberalismo primitivo tem grande afinidade com o discurso populista. Não por acaso, ao tomar posse, Paulo Guedes encheu os pulmões para dizer que o Brasil era o “paraíso dos rentistas”, que o reino destes verdadeiros parasitas chegaria ao fim.

De forma mais elaborada, em seu discurso de posse, declarou: “Os bancos públicos se perderam em grandes problemas com piratas privados e burocratas políticos. Burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”.

O que a mídia pensa - Editoriais

Congresso mostra eficiência em decisões na crise – Editorial | O Globo

Nos últimos dias, Legislativo atuou com celeridade e bom senso, apartando as próprias divergências

O Congresso está fazendo uma coerente releitura da História em sintonia com as necessidades impostas pela crise provocada pela pandemia.

Na semana passada realizou a primeira sessão remota bicameral dos seus 195 anos. Com 89% dos votos de senadores e deputados, aprovou mudanças significativas no Orçamento da União para permitir ao governo federal uma ampla margem de aumento nos gastos com o socorro a pessoas, empresas, estados e municípios durante esta etapa da calamidade pública.

Nos últimos 15 meses têm sido frequentes as análises sobre o protagonismo do Legislativo no vácuo de um governo recolhido aos próprios impasses político-ideológicos. Nessa crise, a novidade está na demonstração de inusual agilidade operacional e de amplo consenso entre parlamentares em decisões sobre questões complexas e abrangentes para a emergência sanitária nacional.

A velocidade legislativa tem acompanhado o ritmo de avanço da Covid-19 em direção à periferia das grandes cidades e das capitais para o interior.

Música | Paulinho da Viola - Dança da solidão

Poesia |João Cabral de Melo Neto - A mulher sentada

Mulher. Mulher e pombos.
Mulher entre sonhos.
Nuvens nos seus olhos?
Nuvens sob seus cabelos.
(A visita espera na sala;
a notícia, no telefone;
a morte cresce na hora;
a primavera, além da janela).
Mulher sentada. Tranquila
na sala, como se voasse.