- Folha de S. Paulo / Ilustríssima
Coronavírus evidencia que cartilha de Bolsonaro é delírio de loucos Neoliberalismo primitivo do presidente e de Guedes vê na redução do Estado o remédio para todos os males do país
[RESUMO] Diante da urgência do cenário que se desenha com a eclosão do coronavírus, cientista político considera que a cartilha neoliberal primitiva de Bolsonaro e Guedes, que vê na redução do Estado o remédio para todos os males do país, deve ser ignorada como delírio de loucos e dos que acreditam em mitos.
“Victor Hugo era um louco que se julgava Victor Hugo”, disse Jean Cocteau. Com pequenas adaptações, o chiste se presta para definir o atual ocupante do Palácio do Alvorada: Jair Bolsonaro é o mito inventado por um bando de malucos.
Analistas, por dever de ofício, devem decifrar o comportamento dos políticos, conferindo racionalidade a seus atos. A tentação de atribuir cálculo ao presidente tresloucado é enorme. Diz-se que há método na loucura, que tudo não passa de encenação meticulosamente arquitetada.
Dizer que está mirando 2022 não é senão reafirmar o óbvio. Que político não tem olho voltado para os eleitores e para as próximas eleições? E Bolsonaro nunca escondeu que só pensa em sua reeleição, que esta é sua única preocupação e que, para tanto, precisa abater toda e qualquer liderança, no seu governo ou fora dele, que possa lhe fazer sombra.
Comprou briga com João Doria e Wilson Witzel porque os dois podem enfrentá-lo no futuro. Disto não se duvida. A questão é se fez as escolhas certas e se o seu comportamento destemperado lhe renderá votos.
Para dizer o mesmo de outro modo: para ser reeleito, o presidente tem que cumprir o que prometeu. Mesmos os mais fiéis, mesmo os que acreditam em mitos, precisam ser satisfeitos. E é aí que entra o coronavírus.
O destempero e a insensatez não são novidades. Bolsonaro sempre foi e será assim. O cavalão, como era conhecido no Exército, é indomável. A novidade é o desespero.
A reeleição que dava por assegurada está indo para o ralo com a desorganização da economia. As perspectivas já não eram as melhores antes da epidemia; as promessas da retomada do crescimento não passavam disso, de promessas.
Mas Paulo Guedes (ministro da Economia), tanto quanto Bolsonaro, acredita no mito que criou para si mesmo, o de que seria simples resolver os problemas econômicos do país. Rebento do neoliberalismo original, aluno de Milton Friedman, o ministro acredita que basta diminuir o Estado para que o Brasil experimente um novo surto de crescimento.
O nó da questão estaria na regulação excessiva a tolher a iniciativa empresarial virtuosa. Para a Escola de Chicago, tudo quanto o Estado faz é atender interesses especiais de grupos organizados.
Pode parecer estranho, mas o fato é que o neoliberalismo primitivo tem grande afinidade com o discurso populista. Não por acaso, ao tomar posse, Paulo Guedes encheu os pulmões para dizer que o Brasil era o “paraíso dos rentistas”, que o reino destes verdadeiros parasitas chegaria ao fim.
De forma mais elaborada, em seu discurso de posse, declarou: “Os bancos públicos se perderam em grandes problemas com piratas privados e burocratas políticos. Burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”.