- Valor Econômico
Avança gestão por um acordo na Previdência
Há quem diga, como o governador de São Paulo, João Doria, que o presidente Jair Bolsonaro tem uma surpreendente capacidade de ouvir. Por mais que opere na lógica do radicalismo, presta atenção quando aliados lhe aconselham a não dobrar a aposta.
O gesto que Bolsonaro tomou ontem, ao receber para audiência os ícones da velha política no Brasil, foi o mais eloquente sinal de que Bolsonaro teria percebido que um fracasso na questão da reforma da Previdência é letal para seu governo e que, para conseguir a aprovação no Congresso, há que violentar a si mesmo.
Bolsonaro não surgiu na cena pública, em 1986, para defender a ditadura militar ou fazer guerra cultural, duas causas que o tornaram notório posteriormente. Ele foi notado pela primeira vez ao escrever um artigo para a revista "Veja", com o título "o salário está baixo", em que fazia a defesa de interesses corporativos.
No que aquele artigo de 33 anos atrás tem de atual está a argumentação dentro dos quartéis contra ajustes na previdência militar, o que aliás ficou claro na proposta enviada pelo governo ao Congresso há quinze dias. "Um homem que dedica os melhores anos da sua vida à carreira militar, enfrentando, nos corpos da tropa, um ritmo de trabalho não inferior a 48 horas semanais, com serviços aos sábados, domingos e feriados, instruções noturnas, marchas, acampamentos e outras atividades típicas dos quartéis, não pode simplesmente pensar em patriotismo - como querem muitos - quando não pode sequer sonhar em constituir condignamente uma família", escreveu na ocasião.
Na sequência de seus sucessivos mandatos, Bolsonaro combateu todas as propostas de reforma previdenciária que apareceram à sua frente. É brutal o contraste o Bolsonaro dos tempos idos com o que se senta hoje com Romero Jucá, Ciro Nogueira, Gilberto Kassab, Marcos Pereira, ACM Neto e Geraldo Alckmin para defender o ajuste. Uma nova rodada de encontros virá, com a nata da política tradicional brasileira.
Aparentemente avançou, e bastante, a definição do que pode ser um acordo para votar a reforma da Previdência. E convém manter a aposta de que alguma coisa terminará por ser aprovada. Certamente sairão do texto final as mudanças da aposentadoria rural e do BPC. Guedes e Marinho continuam falando do assunto, mas sabem que estas já são pautas vencidas. O ministro da Economia já começou a preparar o discurso para recuar também em relação à capitalização individual. Na audiência que terminou em tumulto, anteontem, foi bem explícito em dizer que a transição entre os sistemas de repartição e de capitalização pode ficar impagável com as concessões imprescindíveis para se aprovar os pontos essenciais da reforma - idade mínima, convergência dos regimes e transição curta - e, neste caso, a ideia de aproximar o Brasil do Chile seria abandonada. A resistência política à capitalização se alastra. O movimento se iniciou entre os petistas, mas hoje demonstram preocupação com o tema figuras como Rodrigo Maia e Jucá.