segunda-feira, 23 de julho de 2018

Marcus André Melo: E se?

- Folha de S. Paulo

Fatores estruturais e conjunturais abrem espaço para populismo

Para além dos determinantes estruturais, há fatores contingentes que exacerbam e prolongam a nossa longa agonia política. Duas questões contrafactuais iluminam a interrelação entre estrutura e conjuntura.

A crise foi deflagrada pela conjunção de um megaescândalo de corrupção e do colapso espetacular da economia. O resultado foi um choque no equilíbrio político, levando ao impeachment.

A exposição e a punição inéditas de ilícitos foram o desdobramento da delegação de vastos poderes às instituições de controle e ao fortalecimento institucional que se seguiu. Nada surpreende em termos do desenlace de uma crise de grandes proporções.

Qual seria o estado de coisas se o governo Dilma tivesse sobrevivido? Provavelmente as consequências seriam imprevisíveis pela exacerbação brutal do conflito político que resultaria. A agonia atual teria dado lugar a um padrão ainda mais conflituoso e tempestuoso.

A segunda questão contrafactual é o que teria ocorrido se o TSE(Tribunal Superior Eleitoral) tivesse anulado o pleito de 2014, como seria razoável esperar dado o “excesso de provas”.

Teriam sido realizadas eleições diretas —se o processo tivesse se encerrado antes de 30 de dezembro de 2016— ou indiretas após esta data. E o governo Temer teria sido radicalmente encurtado.

Esse evento discreto teve assim vastas consequências. Houve falha das instituições?

Do ponto de vista puramente procedimental, ocorreu uma contingência que não poderia ter sido antecipada durante a elaboração das regras: o presidente-réu pôde escolher dois dos seus juízes no TSE, cerca de dois meses antes do julgamento do caso, em junho.

Denis Lerrer Rosenfield*: Loucura com método

- O Estado de S.Paulo

Se o PT sempre foi uma máquina produtora de versões, a prisão de seu líder máximo apenas confirma este fato

Se o PT sempre foi uma máquina produtora de versões, a prisão de seu líder máximo apenas confirma este fato. Sempre atento à formação da opinião pública, é-lhe capital manter o seu protagonismo político. Sair de cena significaria uma batida em retirada de difícil retorno.

Ocorre que Lula e vários de seus dirigentes foram condenados e alguns estão cumprindo pena em prisões. O comprometimento do partido com o crime tornou-se uma outra marca sua, com o mensalão e o petrolão sendo suas expressões mais visíveis. O partido da ética na política tornou-se o da criminalização da política, numa equação em que salta aos olhos a contradição.

Imagens contraditórias atormentam o partido. Como conviver com elas veio a ser uma questão maior. Várias alternativas se fizeram presentes. Uma delas, a de uma verdadeira autocrítica e uma mudança de rumos propriamente social-democrata, foi das primeiras a ser descartada. Seu lugar foi ocupado por uma denegação de todos os crimes cometidos, acompanhada por um discurso de tipo revolucionário em que abundam as radicalizações, com seus dirigentes abertamente defendendo o Foro de São Paulo em Cuba e a sanguinária ditadura de Maduro na Venezuela.

O discurso do “golpe”, da “perseguição política” e contra a “direita e os conservadores” faz parte da estruturação dessa narrativa. Lula preso tornou-se um ativo de preservação do próprio partido, em sua busca desenfreada por manter uma imagem pública palatável aos seus crentes e simpatizantes.

Neste quadro, a prisão do ex-presidente é um fato propriamente político da maior importância. O aparente quebra-cabeças de seus advogados faz parte do jogo, visando a manter o apenado em cena. Não se trata de uma defesa jurídica, mas propriamente política. Os argumentos, digamos, “jurídicos” são apenas uma aparência que faz parte de uma lógica mais geral. Não se bate em juízes e promotores um dia sim e outro também se há verdadeira intenção de libertar o condenado. A estratégia seria outra.

Fernando Limongi: Da arte de jogar parado

- Valor Econômico

Ninguém vê ganhos em uma aliança com Bolsonaro

Valdemar da Costa Neto foi o personagem da semana. Depois de longo namoro com Jair Bolsonaro, deixou o capitão no altar e, sem grandes explicações, tomou para noivo Geraldo Alckmin. Na operação, manteve unido o 'centrão' que, nas semanas anteriores, flertara abertamente com Ciro Gomes, um pretendente mais talhado para quem depende de votos no Nordeste e, por isso mesmo, era o casamento preferido pelos líderes do DEM.

A imprensa tratou Valdemar como o 'dono' do PR. O partido lhe pertence, ou melhor, cabe a Valdemar, e a Valdemar apenas, decidir os destinos dos recursos públicos transferidos ao PR, a saber, a fração do horário gratuito (HGPE) e o dinheiro dos Fundos Partidários (FP) e do Desenvolvimento da Democracia (FDD). Por meio das coligações, partidos repassam os recursos a que têm direito para seus aliados. Mas, para fazê-lo, como é natural em negócios, precisam receber algo em troca.

Geraldo Alckmin continua tirando frutos da sua incomparável capacidade de jogar parado. Ao selar acordo com o centrão, o tucano ganhou tempo precioso de exposição no HGPE. No cômputo final, deve ficar com quatro minutos diários, algo como 40% do total a dividir. Tão ou mais importante do que o conquistado é o que negou aos demais. Seus adversários ficarão espremidos nos 60% que sobram e sem alternativas para expandir a fração que lhes cabe. Dentre os partidos médios, apenas o PSB ainda não definiu o destino que dará ao tempo no HGPE a que faz jus.

Para obter esse apoio crucial, Alckmin ofereceu em troca a retirada de candidaturas de seus principais aliados em alguns Estados. Os poucos candidatos a cargos majoritários do centrão (governo e Senado) serão, de seu lado, beneficiados com a desistência dos candidatos do PSDB e do PSD, sacrifícios mais do justificáveis para quem quer chegar à Presidência. Algumas das concessões, na verdade, vieram a calhar, como a desistência de Aécio Neves de concorrer ao Senado.

Celso Rocha de Barros: Lições do leilão do centrão

- Folha de S. Paulo

Os principais candidatos disputaram o apoio um teve um aprendizado

Na semana passada aconteceu o leilão do centrão, bloco parlamentar que, em sua encarnação atual, compreende o DEM, o PP, o PRB, o Solidariedade e, dependendo do dia da semana, o PR.

Para entender o centrão, pense no seguinte: nas últimas décadas, houve alternância de quem ia no Congresso subornar deputados: às vezes era o PT, às vezes era o PSDB. Mas quem recebia o suborno era sempre a mesma turma, o centrão. Só o MDB, que está em um nível de profissionalismo muito acima dessa turma toda, é que já esteve dos dois lados.

Com exceção de Marina Silva, todos os principais candidatos à Presidência disputaram o centrão, ou pedaços dele: Bolsonaro, Ciro, Lula, Alckmin, todo mundo fez seu lance no leilão.

Não, não é porque todos esses presidenciáveis gostem da companhia de corruptos. Como disse na coluna da semana passada, essa eleição acontecerá enquanto a Lava Jato está no meio: nenhum dos acusados está inelegível (fora o Lula). Enquanto não estiverem, ainda têm poder, estrutura de campanha, apoios empresariais, tempo de TV. Os presidenciáveis precisam disso tudo.

O leilão do centrão foi bastante instrutivo, e cada um dos participantes aprendeu uma coisa diferente.

Bolsonaro aprendeu a falta que faz ter um partido.

Jair perdeu o centrão quando se negou a fazer aliança com o PR no Rio de Janeiro. Se tivesse aceito, talvez o partido de Bolsonaro (o PSL) elegesse um ou dois deputados a menos, e o PR, um ou dois deputados a mais. O bolsonarismo não tem organização sequer para sacrificar esses dois sujeitos e prometer-lhes compensação em caso de vitória na eleição presidencial. Um partido teria.

Marco Aurélio Nogueira: Falando a sério sobre Alckmin

É sabido que o presidenciável Geraldo Alckmin, do PSDB, tem trunfos importantes para vencer a eleição: um partido, experiência política como gestor, estilo moderado, torcida do mercado e acesso à máquina pública paulista, que há 20 anos vem sendo por ele modelada.

Apesar disso, não decola nas pesquisas e é alvo de todo tipo de críticas e restrições. Sua defesa tem argumentado que a disputa só começará mesmo quando a propaganda for para o rádio e a TV, quando então a candidatura arrancará, já num contexto em haverá uma inevitável depuração dos candidatos menos competitivos. O candidato mostra confiança e determinação, procura comer pelas bordas, quase em silêncio, como bom político interiorano que é. Pode ser que tenha razão. Mas sua campanha flerta ininterruptamente com a crise.

Alckmin é visto como insípido, conservador nos costumes, excessivamente fiscalista e neoliberal em economia, desatento para a questão social. Suas seguidas gestões em São Paulo dividem opiniões: há quem aprecie e quem critique, mas a rigor não há ninguém que se derrame em elogios e amores. O ex-governador é um democrata, mas não é um político que desperte paixões. Há muita injustiça no modo como é visto.

Como candidato, vem tentando dissolver a imagem negativa que fazem dele. Gosta de ser comparado a um maratonista, que avança lentamente, poupando fôlego e energia, para dar um arranque final vitorioso. Confia que parte da massa de eleitores indecisos, que é enorme, migrará para ele às vésperas do pleito. Procura exibir indicadores de sucesso na administração paulista, números quase sempre questionados pela oposição e nem sempre devidamente compreendidos pela população. Vale-se, também, de uma conduta discreta e educada, que o faz ser tratado como um governante prudente, conciliador, flexível, que não carrega rancores nem ressentimentos, trabalha de forma colegiada e com equipes multipartidárias, integradas por diferentes correntes políticas.

Alckmin se apoia nesses dois blocos imagéticos, cada um dos quais contém boa dose de verdade. Seu entorno e mesmo diversos políticos e analistas acreditam que ele é o homem certo para o momento atual, graças à capacidade que teria de agregar pessoas e manter sob controle o timão do barco e a chave do cofre.

Mas Alckmin permanece estacionado nas pesquisas e parece destituído de poder de convencimento. Não conseguiu até o momento gerar entusiasmo entre os eleitores, nem obteve o apoio explícito dos partidos que poderiam tê-lo como opção. Algo que surpreende e merece reflexão.

Ricardo Noblat: Esquerda a caminho do matadouro

- Blog do Noblat | Veja

A marcha da insensatez

A direita juntou-se a Geraldo Alckmin (PSDB). Desprezou Jair Bolsonaro (PSL) porque ele é um franco atirador que não inspira confiança, criminaliza a política e pouco tem o que oferecer.

Como a esquerda responde ao movimento da direita? Dividida, como sempre. É o seu destino. Ciro Gomes (PDT) está à caça do apoio do PC do B e do PSB. Lula, que não será candidato, também.


O PSB está partido. Uma fatia maior prefere ir com Ciro. Outra, menor, com Lula que não irá a lugar algum. Uma terceira defende a via “barata voa”. Que significa: cada um faça o que quiser.

O PC do B está pronto para fazer de sua candidata a presidente, Manuella d’Ávilla, candidata a vice de um nome ainda a ser escolhido para substituir Lula. O PSOL irá de Guilherme Boulos.

O sonho de Alckmin é enfrentar Bolsonaro no segundo turno, embora ache que ele não chegará lá. O do PT e o do Ciro, também. Marina Silva não pode dar-se ao luxo de escolher adversário.

Marina é o único candidato a presidente que não mendiga apoio de partidos. Bolsonaro mendigou, mendigou em vão. Nem vice tem.

Alckmin encontra Paulinho e dirigentes sindicais em SP

Pré-candidato e Centrão vão divulgar texto nesta semana com proposta de novo financiamento sindical do bloco

Paula Reverbel | O Estado de S.Paulo

O pré-candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, se reuniu na tarde deste domingo, 22, com o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (Solidariedade), e com dirigentes sindicais para discutir a proposta do Centrão para o financiamento de centrais trabalhistas.

No sábado, uma declaração no Twitter do presidenciável contra “a volta da contribuição sindical” causou atrito com o bloco, levando o ex-governador paulista a falar em “uma trapalhada de assessores” das redes sociais.

Na reunião com Alckmin, estiveram presentes dois secretários do governador de São Paulo, Márcio França (PSB): o do Trabalho, Cícero Firmino da Silva, conhecido como Cícero Martinha – presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá – e o da Justiça, Márcio Elias Rosa (PSB), titular da pasta desde que Alckmin era governador do Estado.

Também participaram Luiz Antonio Adriano da Silva, o Luizão – que antecedeu Martinha na administração estadual e é secretário-geral do Solidariedade – e Eunice Cabral, secretária nacional da Mulher no partido.

A proposta permite que negociações trabalhistas aprovadas em assembleia gerem uma contribuição sindical a ser descontada de todos os trabalhadores beneficiados pelo acordo. Para o Solidariedade, as assembleias teriam de ter a presença de ao menos 20% dos trabalhadores da categoria.

Elias Rosa, que assessorou Alckmin na reunião, levou um texto contendo as linhas gerais da proposta. A versão final deverá ser divulgada formalmente pelo Centrão no início dessa semana e precisará ser aprovada na forma de lei.

O bloco reúne, além do Solidariedade, os partidos DEM, PP, PR, PRB. De acordo com Paulinho da Força, o grupo espera contar com pelo menos 230 deputados eleitos. Ainda segundo o deputado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), chegou a propor, antes que o impasse com Alckmin fosse resolvido, aprovar a contribuição sindical já em novembro. Estudou-se a possibilidade de adaptar nesse sentido um projeto do próprio Paulinho, que está sob a relatoria do Bebeto Galvão (PSB-BA).

Apoio
No domingo pela manhã, Paulinho participou da convenção estadual do Solidariedade, que formalizou apoio à reeleição do governador Márcio França.

O mais forte candidato a vice na eleição

Empresário é conhecido pelo estilo de gestão controlador, concentrando as decisões do grupo

Por Cibelle Bouças | Valor Econômico

SÃO PAULO - Ter Josué Gomes da Silva como companheiro de chapa é o ponto que une políticos em campos opostos, como os presidenciáveis Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, ambos do PT.

Alckmin é o franco favorito para conseguir a façanha, após o acordo entre o tucano e o Centrão, que deve ser formalizado esta semana. Josué está filiado ao PR, que se juntou recentemente ao grupo. Seu nome como vice foi proposto a Alckmin, que o aceitou na hora.

Mas na nota que divulgou sexta-feira, Josué prolongou o mistério. Depois de avisar que estava no exterior, assinalou: "creio firmemente que uma coligação deva estar baseada em programas e ideias que projetem os rumos a serem seguidos pelo Brasil. Recebi com responsabilidade essa possível indicação. Agradeço a confiança que as lideranças depositam em meu nome. No meu retorno, procurarei inteirar-me dos encaminhamentos feitos pelos partidos, para que possa tomar uma decisão".

Josué está mantendo portas abertas para forças políticas muito além do Centrão. Estará hoje em Belo Horizonte, para falar com Pimentel. Mantém contatos com o MDB, do presidente Michel Temer. Também hoje estará com Alckmin. O desenlace da história se dará ainda esta semana.

O empresário tem a mesma fala mansa e pausada do pai, o vice-presidente José Alencar Gomes da Silva (1930-2011), cuja presença ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva significou a ampliação significativa do escopo da aliança de esquerda. Nos oito anos de vice-presidência de Alencar, Josué pouco apareceu no Palácio do Jaburu. Mas seguiu seu gosto pela política. Fez uma incursão na disputa eleitoral mineira em 2014, quando se candidatou a senador pelo MDB, então um sólido aliado do PT. Perdeu para Antonio Anastasia (PSDB), apesar de ter obtido pouco mais de 3,6 milhões dos votos válidos (40,18% do total).

No momento em que gestores de empresas ganham mais relevância no cenário político, o presidente e dono do Grupo Coteminas, 54 anos, retomou o protagonismo.

No meio empresarial, Josué é respeitado por ter conduzido reviravoltas importantes na Coteminas ao longo das últimas duas décadas. Assumiu o cargo de superintendente geral da Coteminas, até então ocupado por seu pai, em 1996. É, desde janeiro de 2006, presidente do grupo. Quatro anos antes, seu pai afastou-se do grupo e assumiu ao vice-presidência ao lado de Lula.

Entre pessoas do setor industrial, Josué é conhecido por um estilo de gestão controlador. Todas as decisões do grupo Coteminas passam pelas mãos do empresário. Tem bom trânsito no meio empresarial, tendo já atuado como presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), presidente da Associação Brasileira da Industria Têxtil e de Confecções (Abit) e vice-presidente da Federação da Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entre outros cargos. Além de comandar a Coteminas, o empresário também é membro efetivo do conselho de administração da Embraer desde 2011.

Centrão quer nacionalizar figura de Alckmin

Bloco quer mudar a imagem do pré-candidato, considerado tucano demais, com aliados jovens à frente da campanha

Thais Bilenky | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com a aliança fechada na última quinta (19), o centrão quer nacionalizar a imagem de Geraldo Alckmin (PSDB), considerado paulista e tucana demais.

A intenção dos líderes do blocão, formado por DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade, é pressionar o pré-candidato a presidente a pôr rostos jovens na linha de frente da campanha como articuladores e formuladores do programa de governo.

Dizem querer também afrouxar a raiz de Alckmin, 65, em São Paul o e arrefecer o protagonismo do PSDB e de seus quadros tradicionais, que já compuseram campanhas tucanas anteriores.

Os agora aliados afirmam que, desde o início das negociações, colocam como urgente uma mudança nos discursos do presidenciável, considerados pouco cativantes.

A primeira fileira do centrão hoje é formada pela geração do baiano ACM Neto, 39, presidente do DEM, o fluminense Rodrigo Maia (DEM), 48, presidente da Câmara, e o piauiense Ciro Nogueira, 49, presidente do PP.

As pretensões de renovação esbarram no envolvimento em escândalos da velha política como o mensalão, que levou à cadeia Valdemar Costa Neto, 68, chefe do PR, e fraudes no Ministério do Trabalho, que motivam investigações de Paulinho da Força, 62, presidente do Solidariedade.

No total, os líderes partidários do centrão são investigados em 13 inquéritos por suspeitas de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes.

Alckmin, com 40 anos na política, já se comprometeu com o pleito. Prometeu dar ares de movimento suprapartidário à sua campanha depois da convenção, em 4 de agosto.

Choques de geração, contudo, foram inevitáveis ao longo das últimas semanas de negociações políticas.

Em um dos encontros com o centrão em Brasília, o presidenciável tucano deu, segundo relatos, uma bronca em Maia, que chegara atrasado e insistia em desacreditar suas chances de vitória.

Depois, seguindo conselhos de interlocutores no grupo, viajou ao Rio para encontrá-lo a sós com o pai, o ex-prefeito Cesar Maia, para conversar.

Reservadamente, líderes do bloco afirmam que a demora inédita na formação de alianças que impuseram a Alckmin era uma rebeldia contra a adesão automática da geração anterior ao PSDB.

Os novos nomes do Democratas se recusaram a repetir o papel que consideram ter sido de coadjuvante que os caciques do PFL tiveram nas campanhas presidenciais anteriores. Queriam ver Alckmin descer do salto.

Centrão espera superar arestas para fechar com tucano

Por Raymundo Costa e Rafael Bitencourt | Valor Econômico

BRASÍLIA - O apoio do Centrão à candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) a presidente ainda enfrenta alguns problemas, mas deve ser formalizado esta semana. A aliança deixa isolados os candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Ciro Gomes (PDT), ambos à frente de Alckmin nas pesquisas, e pode levar à reedição da disputa entre PSDB e PT, que muitos políticos e acadêmicos já julgavam esgotada.

Com a adesão do que restava do Centrão, Alckmin, se vencer as eleições presidenciais, deve formar uma maioria confortável no Congresso: 275 deputados e 36 senadores. A maioria, contudo, não é suficiente para aprovar emendas constitucionais, o que o ex-governador paulista espera conseguir no primeiro mês de governo, fortalecido por uma votação de quase 60 milhões de votos.

No total, a aliança de Alckmin deve contar com sete partidos do Centrão. Na semana passada aderiram o DEM, PP, PR, PRB e SD. Antes já haviam se acertado com o ex-governador de São Paulo o PSD, PTB, PPS e PV. DEM e PP, na realidade, desde o ano passado estavam compromissados com o PSDB, mas utilizaram o período até as convenções para fazer propaganda das próprias legendas, caso de Rodrigo Maia (DEM), que se lançou candidato a presidente, ganhou espaço na mídia e por fim desistiu.

A demora também foi ampliada devido ao pífio desempenho de Geraldo Alckmin nas pesquisas de opinião, e sua substituição por João Doria, ex-prefeito de São Paulo, chegou a ser considerada. "A rigor, ninguém acha que Alckmin chegará ao segundo turno, mas o apoio do Centrão lhe dará 40% do tempo de televisão, o que fará grande diferença na campanha", diz o cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice.

O fato é que Alckmin, lenta e gradualmente, está vencendo os obstáculos colocados à frente de sua candidatura, desde o ano passado. O primeiro foi sua eleição para a presidência do PSDB. Tucanos graúdos como o senador José Serra (SP) e Artur Virgílio (AM), prefeito de Manaus, se opuseram a que ele acumulasse a presidência do partido e a candidatura. Depois enfrentou a oposição de Tasso Jereissati (CE), outro tucano de primeira grandeza. Venceu a convenção sem maior dificuldade.

O pior, nesse período, talvez tenha sido o esgarçamento político e pessoal com João Doria, indicado por ele para prefeito de São Paulo. A situação política está apaziguada. Puro pragmatismo. A relação pessoal entre os dois nunca mais será a mesma. Mas existe um golpe ainda maior, que Alckmin jura que poderá reverter quando o horário da propaganda gratuita começar: a rejeição dos paulistas, Estado que governou quatro vezes, e agora está se bandeando para a candidatura de Jair Bolsonaro.

Para fechar a maior aliança presidencial da eleição de 2018 - em 2014 Dilma Rousseff juntou dez partidos em sua chapa -, Alckmin ainda precisa resolver algumas pendências. "Principalmente pendências regionais", alerta Cristiano Noronha. A mais grave delas é a exigência do Centrão pela retirada do ex-governador de Goiás Marconi Perillo da coordenação política da campanha tucana.

Perillo foi indicado para a função justamente para Alckmin acomodar as diversas alas tucanas insatisfeitas com sua candidatura e que exigiam mais participação na campanha do candidato. A exigências dos aliados do Centrão também não deixa de fazer sentido: os sete partidos querem evidentemente ter voz na coordenação de campanha do tucano.

De acordo com o levantamento feito pela Arko Advice, no Rio de Janeiro, o PSDB não tem candidato a governador. A sigla pode vir a apoiar o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) ou o deputado Indio da Costa (PSD). As duas legendas também tentam um acordo no Mato Grosso, onde Pedro Taques (PSDB) é adversário de Mauro Mendes (DEM). Os tucanos buscam montar um palanque único em Mato Grosso do Sul. Em Minas Gerais, o candidato do PSDB é o senador Antonio Anastasia, que tem mais chances que o deputado Rodrigo Pacheco (DEM).

Em Goiás, Perillo é inimigo político do senador Ronaldo Caiado (DEM), o candidato a governador mais competitivo no Estado. No Rio Grande do Sul, o principal dirigente do DEM, Onyx Lorenzoni, é aliado de Bolsonaro, pré-candidato a presidência pelo PSL.

O secretário-geral do PSDB, deputado Marcus Pestana (MG), tem buscado minimizar o risco de atrito na formação de alianças para os governos dos Estados após o acordo da sigla com o Centrão. Ele afirmou que as representações regionais do partido contam com "relativa autonomia" para decidir sobre as coligações locais.

"Cada Estado tem sua história política e não haverá uma imposição da parte da executiva nacional, de cima para baixo, simplesmente anulando essa trajetória por conta da aliança com o Centrão", afirmou Pestana. "Vamos agir politicamente para sempre compatibilizá-las com o projeto nacional", disse.

Para o secretário geral do PDSB, a força do ex-presidente Lula pode inviabilizar a composição de alianças, aderentes à coligação formada com o Centrão, para disputar os governos estaduais no Nordeste. "Na verdade, esses candidatos estão mais preocupados com a sua própria sobrevivência política. Tancredo [Neves] dizia: 'peça qualquer coisa ao um político menos o seu suicídio'. Então, nós vamos respeitar a dinâmica política de cada Estado", afirmou.

Alckmin avança, à sombra da maldição de Ulysses Guimarães

Por Maria Cristina Fernandes | Valor Econômico

SÃO PAULO - O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), aderiu à lógica que guia o Centrão. Ainda são incertos os dividendos do que pode vir a ser um apoio do bloco à sua candidatura presidencial, mas parecem claras as perdas que a aproximação impõe a adversários como o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o deputado Jair Bolsonaro (PSL). Sem opções claras para conquistar o eleitor, o pré-candidato tucano resolveu bloquear o caminho alheio.

Tem muito jogo até 15 de agosto, prazo final para o registro das coligações. Mas se o apoio vier a se concretizar, Alckmin, de fato, terá a maior fatia do horário eleitoral gratuito porque é detentor da mais robusta aliança partidária. Em 1989, Ulysses Guimarães tinha um e outro. Ficou em sétimo lugar.

Ulysses foi vitimado pela rejeição popular à ordem vigente. A aura de "senhor Diretas" alcançada quatro anos antes na maior mobilização popular da abertura, não foi suficiente para livrá-lo do estigma de aliado do então presidente José Sarney. Sim, era uma eleição solteira aquela. Mas a noiva com a qual Alckmin agora resolveu se casar é mal falada. Bolsonaro já lhe tascou o refrão: "Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão".

O acordo que vem sendo costurado entre Alckmin e o Centrão ainda não inclui o MDB, mas não há como se livrar do governista de uma coligação que abrange quase toda a Esplanada. A estampa carrega consigo a rejeição de 94% dos brasileiros. Com a aliança, Alckmin, que já arrasta seu partido, onerado pelas trapaças do senador Aécio Neves e as de sua própria família, recebe carga extra. Troca um bote, cheio de furos a reparar, por um transatlântico, igualmente avariado, para fazer a travessia. Não lhe faltarão palanques e cabos eleitorais, mas terá que conquistar um eleitor que entrega tudo ao clientelismo mas não seu voto para presidente.

Janaína critica aliados de Bolsonaro e causa mal-estar em convenção do PSL

Por Bruno Villas Bôas e Alessandra Saraiva | Valor Econômico

RIO - Oficializado ontem candidato à Presidência da República pelo Partido Social Liberal (PSL), o deputado federal Jair Bolsonaro usou seu primeiro discurso para acenar em direção ao eleitorado de gays, mulheres, negros e nordestinos, pregando união entre ideologias. Líder nas intenções de voto, mas isolado politicamente, Bolsonaro disse que não é o salvador da pátria e se classificou como o "patinho feio" da corrida eleitoral. Mas o momento de brilho do deputado, na oficialização de sua candidatura, foi ofuscado com declarações de sua possível vice, a advogada Janaína Paschoal, que criticou em discurso no evento a mentalidade do eleitorado do político.

Com quase três mil pessoas presentes à convenção, realizada pela manhã num centro de convenções no Rio, Bolsonaro foi recebido com gritos de "mito" e "eu vim de graça". Bolsonaro mostrou emoção com a recepção e chorou quando foi executado o hino nacional. O auditório ficou lotado de correligionários, parte usando roupas verde e amarelo e com bandeira nacional.

O candidato do PSL discursou por quase um hora. Resumiu sua trajetória política desde que se candidatou a vereador pela capital fluminense em 1989, até sua chegada ao Congresso como deputado federal. Pontuou o discurso com citações bíblicas e distribuiu críticas ao PT e ao governo Michel Temer, além de acenar diversas vezes para militares, chamados por ele de "irmãos".

Bolsonaro voltou a criticar o acordo feito pelo presidenciável tucano, Geraldo Alckmin, com o chamado Centrão - bloco formado por DEM, PP, PR, SD e PRB. "Vou até agradecer Alckmin por ter juntado a nata do que há de pior no Brasil no seu lado", disse Bolsonaro, que foi descartado por partidos como o PR, do senador Magno Malta (ES).

Bolsonaro se diz ‘escolhido’ e tem saia-justa com Janaína

Eleições. Sem fechar alianças, deputado é oficializado candidato à Presidência pelo PSL no Rio; cotada vice na chapa, advogada diz que é preciso diálogo para governar

Leonencio Nossa, Constança Rezende, Daniela Amorim | O Estado de S. Paulo.

RIO - Oficializado candidato do PSL ao Planalto em convenção esvaziada de políticos, o deputado Jair Bolsonaro tentou minimizar a falta de alianças criticando acordos de adversários. Chamou o Centrão, que apoia Geraldo Alckmin (PSDB), de “escória” e se classificou como “patinho feio” da política. Cotada para vice, a advogada Janaína Paschoal causou saia-justa ao dizer que, sem diálogo e aliados, haveria dificuldade para governar. Bolsonaro afirmou não ser “salvador da pátria”, mas um “escolhido”.

Em seu primeiro discurso como candidato a presidente, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) tentou minimizar o isolamento pelo fato de não ter conseguido fechar uma coligação e criticou acordos feitos por adversários. Durante a convenção do PSL, ontem, no Rio, que confirmou seu nome, o parlamentar passou por uma saia-justa ao ouvir da advogada e professora Janaína Paschoal, cotada para ser sua vice, que sem diálogo e aliados haveria dificuldades para governar. O parlamentar negou ser um “salvador da pátria”, mas se apresentou como um “escolhido”.

A convenção, realizada no Centro do Rio, foi marcada pela forte presença popular e o esvaziamento de representantes do meio políticos. Dos 110 deputados federais que Bolsonaro diz ter ao seu lado, apenas 15 – incluindo ele e seu filho Eduardo, do PSL de São Paulo, estavam na lista de presença, segundo os organizadores do evento. O senador Magno Malta (PR-ES), que recusou ser vice, também compareceu.

Sem alianças, Bolsonaro chamou o Centrão – bloco formado por DEM, PP, PR, Solidariedade e PRB, que apoia Geraldo Alckmin (PSDB) – de “escória” e se classificou como o “patinho feio” da política. “Deus não chama os capacitados, capacita os escolhidos”, afirmou, ao se referir a comentários de que não entende de economia.

Carlos Melo: ‘Os economistas viraram as costas para a política’

Cássia Almeida | O Globo

Cientista político do Insper afirma que o cenário já estava deteriorado, mas as expectativas econômicas não refletiam a falta de governabilidade

• A instabilidade política tem afetado a economia?

Os economistas demoraram muito a perceber como a situação política estava se deteriorando e os efeitos disso na economia. Os economistas viraram as costas para a política. Com Dilma (Rousseff ), achavam que o (ex-ministro da Fazenda Joaquim) Levy ia fazer o ajuste fiscal. Depois, que o impeachment resolveria a situação, que o (ex-ministro da Fazenda Henrique) Meirelles resolveria a crise a ponto de deixar (Michel) Temer numa condição de candidato este ano. Depois começaram a dizer que o (ex-prefeito de São Paulo João) Dória ia bem nas pesquisas e que o (ex-governador de São Paulo Geraldo) Alckmin vai fazer as reformas. Chegam a dizer que o (deputado Jair) Bolsonaro, com o economista liberal Paulo Guedes, vai fazer as reformas. Percebe a loucura disso? O mercado quer sempre encontrar um lado positivo, sempre obscurece a situação crítica que estamos vivendo.

• A política tem ditado o comportamento da economia?

Não só agora, mas sempre. A economia não tem autonomia. Funcionam juntas. Essa história de que a economia tem autonomia e não depende da política, como se dizia no começo deste ano, não existe. Em poucos momentos, a economia conseguiu influenciar a política: no milagre econômico nos anos 1970, no Plano Cruzado (1986), no Plano Real (1994) e no choque de crédito do governo Lula.

• Quais são as incertezas da política?

A primeira incógnita é se quem vai ganhar a eleição vai conseguir governar, aprovar reformas, vai ter maioria ou vai sofrer um impeachment.

• Mas o presidente Michel Temer conseguiu algum apoio do Congresso.

Houve uma renovação, com cerca de 15 mil cargos do PT que foram redistribuídos. Serviu para aprovar o teto de gastos, mas não serviu no segundo ano. E ainda teve o caso Joesley. A credibilidade foi se desgastando, foi perdendo o controle do processo. Não tinha autoridade política para apelar para a sociedade e controlar a voracidade do monstro. Parece que, enfim, acabou a ilusão em relação ao Temer ser um exímio articulador, que iria aprovar o que quisesse. Isso era cascata, balela. É um sistema baseado na fisiologia, mas os recursos fiscais acabaram e não permitem mais esse fisiologismo. Ele nunca passou perto de ser um estadista que tenha conseguido romper a lógica fisiológica e estabelecer a lógica de reformas.

• O próximo presidente pode esperar algum apoio no Congresso?

Há ciclos no presidencialismo de coalização. O primeiro governo é uma maravilha, há todos os cargos à disposição. Faz a redistribuição, e o presidente consegue maioria fácil. O fisiologismo é voraz. Negocia no começo do governo, três meses depois, quer mais. Vem a reeleição, você dá mais. Deu cargos, emendas, diretoria de estatal. O problema é que houve um ciclo de quatro mandatos, não houve renovação. No primeiro ano do segundo mandato de Dilma, houve o colapso do sistema, e ela não conseguiu aprovar nada. Faltaram habilidade e recursos. O centrão virou o dono da Câmara, baseado no fisiologismo, com crise fiscal terrível, o governo não teve o que dar e o resultado foi impeachment.

• Qual o perfil do candidato para esse momento do país?

A alternância de poder ajuda, mas o ideal é um candidato que tenha liderança política pessoal, que compreenda a importância de se comunicar. Não dá para ser um burocrata, tem que ser crível, persuasivo, carismático, para fazer a sociedade entender a necessidade das reformas. Um candidato que saiba construir as bases da governabilidade em outros termos. Uma base que se fixe na ideia da reconstrução do Brasil.

• Vê alguém com esse perfil entre as opções atuais?

Infelizmente, não.

‘Eleger presidente autoritário é risco à democracia’, afirma professor de Harvard

Entrevista com Steven Levitsky, cientista político e professor de Harvard

Autor do livro ‘Como as democracias morrem’ vê sinais preocupantes na democracia brasileira nas eleições de 2018

Beatriz Bulla | O Estado de S.Paulo

As democracias morrem hoje pelas mãos de presidentes autoritários eleitos pela população, avalia o cientista político de Harvard Steven Levitsky, que vê no Brasil sinais de vulnerabilidade. “Os Estados Unidos falharam em 2016 e espero que o Brasil consiga evitar isso”, afirmou ele em entrevista ao Estado por telefone. Crítico do pré-candidato à Presidência pelo PSL nas eleições 2018, Jair Bolsonaro, ele diz que alterar a composição da uma Suprema Corte está na “página um” de manuais autoritários.

Levistky é autor do livro Como as democracias morrem, que figura nas listas de mais vendidos nos Estados Unidos e terá sua versão traduzida para o português vendida no Brasil a partir de setembro, pela editora Zahar. Em 9 de agosto, ele vem ao País para debater a situação da democracia brasileira em evento no Insper.

• Qual o sinal de que uma democracia está morrendo? Vê esses sinais no Brasil?

Há muitas formas de uma democracia morrer e não só um sinal único. A democracia no Brasil é considerada por muitos cientistas políticos como uma das mais sólidas da América Latina, então não acredito que há uma morte iminente. Dito isto, o Brasil tem passado por uma crise extraordinária durante os últimos três, quatro anos, a “tripla crise”. O País vive o que talvez seja o maior escândalo de corrupção da história de qualquer democracia: a Lava Jato, que se espalha no Brasil por todos os partidos políticos. A democracia está ameaçada sempre que todo o establishment político perde a confiança dos cidadãos. Quando os cidadãos estão convencidos de que todos os políticos de todos os partidos são corruptos, eles se tornam mais propensos a votar em um outsider que prometa tirá-los de lá. Pode ser um populista como Donald Trump (Estados Unidos) ou (Jair) Bolsonaro, ou como Hugo Chávez (Venezuela) ou (Rafael) Correa (Equador).

• E como chegamos a isso?

O descrédito da elite política, somado à terrível performance econômica e à intensa polarização vista desde 2014 são três sinais preocupantes no Brasil. E o quarto é a emergência no cenário eleitoral de candidatos que não estão comprometidos com uma democracia liberal. Jair Bolsonaro diz abertamente que não está comprometido com regras de democracias liberais. Democracias estão sempre vulneráveis à eleição livre de autoritários. A forma como as democracias morrem hoje não é a mesma pela qual a democracia do Brasil morreu em 1964. Não é mais por meio de um golpe militar. São presidentes e primeiros-ministros eleitos que destroem as democracias usando as instituições democráticas. E a forma de prevenir isso de acontecer é prevenindo a eleição de figuras autoritárias. Os Estados Unidos falharam em 2016 e espero que o Brasil consiga evitar o mesmo erro.

• É possível dissociar a imagem dos políticos da imagem das instituições que representam?

Esse é um grande desafio que o Brasil enfrenta. Quando toda a elite política de um País entra em descrédito fica difícil separar o descrédito dos políticos do das instituições. E das instituições do da democracia. Como você remove os políticos sem enfraquecer as instituições ou a democracia? O que precisa acontecer é emergir uma nova elite política. Talvez um partido, talvez mais de um partido, talvez um grupo de políticos, com proposta de mudar as práticas e governar sem corrupção.

• Há o risco de lideranças autoritárias se apropriarem do discurso anticorrupção?

No contexto em que a percepção dos níveis de corrupção é alto, todos os políticos irão defender o combate à corrupção. É muito difícil para os eleitores acreditar. A chave é identificar os políticos que realmente vão tornar esse discurso uma política ao assumir o gabinete. A reforma democrática no Brasil irá acontecer se esses dois passos vierem. O primeiro passo é fácil. Chávez, Alberto Fujimori (Peru), Trump... Todos se disseram contra a corrupção. Então, de fato, o discurso demagogo anticorrupção é muito comum entre políticos autoritários.

• Há caminho democrático fora da política tradicional?

Não. Ao menos, até agora, não há forma de fazer uma democracia funcionar sem políticos e sem partidos.

'A questão no Brasil não é esquerda ou direita', diz Manuel Castells

Sociólogo espanhol vê embate entre partidos democráticos e uma coalizão neoautoritária

Caio Sartori | O Estado de S.Paulo / Aliás

Cinco anos depois de um junho cujos sentidos permanecem em disputa, a ideia do “não me representa” domina o debate político global. Cada uma com suas particularidades, as democracias vêm testando a capacidade de resistência em meio a uma crise que parece distanciar o cidadão da política institucional. É daí que surgem políticos e movimentos, à esquerda ou à direita, na Venezuela ou na Hungria, que colocam em xeque o modelo democrático como o conhecemos.

Foram décadas de conquistas institucionais antes de chegarmos ao atual estágio de recessão democrática – para usar o termo do cientista político americano Larry Diamond. A literatura sobre o tema, que vem se avolumando, ganha mais uma voz com o lançamento de Ruptura: A Crise da Democracia Liberal (Zahar), do sociólogo espanhol Manuel Castells. Na Espanha do autor, onde desde a redemocratização nos anos 1970 a via institucional vinha se consolidando, o turbilhão político tomou conta nos últimos anos – e culminou com a destituição do primeiro-ministro Mariano Rajoy no início de junho último.

Mas de que falamos quando citamos a democracia liberal? O autor elenca algumas características: respeito aos direitos básicos e políticos dos cidadãos; separação de poderes; eleições livres e periódicas; submissão do Estado aos escolhidos pelo povo; não-influência de “poderes econômicos ou ideológicos” na condução dos assuntos públicos por meio da cooptação do sistema político.

Quando, segundo Castells, esses princípios começam a erodir num cenário de crise econômica, institucional, social e moral, a resignação se transforma em indignação. Tudo o que até então era aceito – afinal, o voto foi dado e a representação, em tese, estava em curso – começa a desmoronar. Pode esse modelo de democracia liberal, em que o voto serve como guardião da representação, se sustentar? Colocá-lo em xeque e se decepcionar com suas limitações significa questionar a democracia em si?

São vários os exemplos mundo afora de países que disseram não ao modelo: a Hungria de Viktor Orban, que, entre outras medidas questionáveis, criminalizou a ajuda aos imigrantes; a Polônia do Partido da Lei e da Justiça, onde 27 juízes da Suprema Corte foram afastados compulsoriamente pelo Executivo no início deste mês. Mas o melhor exemplo, porque simbólico, talvez seja o dos Estados Unidos, considerado o líder do “mundo livre”.

Castells se debruça sobre a eleição de Donald Trump em 2016 para compreender as origens da ira que nos fez chegar a este ponto. A globalização, diz, “incita a buscar refúgio na nação”. Nação esta apresentada por novos atores políticos que se dizem diferentes, criticam a corrupção e apelam para um nacionalismo muitas vezes xenófobo, embalados pelo medo do terrorismo. Contra tudo o que está aí, prometem a ruptura.

É nessa questão, aponta o sociólogo espanhol, que as diferentes respostas à crise da democracia liberal convergem. A vitória de Trump, o Brexit no Reino Unido, a decomposição do sistema político francês. Mas há diferenças – e algumas respostas podem vir a melhorar o modelo democrático.

Espanha. Mais associado à esquerda, Castells destaca positivamente o que ocorreu na Espanha com o surgimento do movimento 15-M, que ocupou as ruas de Madrid de 2011 em diante e demandou uma ‘democracia real’. Foi dali que surgiu a base do Podemos, partido que impulsionou uma nova configuração do campo progressista desde então – atualmente, compõe a base do novo primeiro-ministro, Pedro Sánchez, do tradicional PSOE.

O sociólogo acusa a esquerda clássica espanhola (PSOE) de, ao longo da década passada, perder a capacidade de articulação dos interesses populares para além da institucionalidade – crítica parecida com a de quem acusa o governo Lula de cooptar os movimentos sociais. “A tão ansiada democracia se reduziu à partidocracia”, escreve.

Num cenário em que as diferenças entre o PSOE e a direita ficaram cada vez menos perceptíveis, a crise econômica teve como subterfúgio a ajuda do Banco Central Europeu, cujas contrapartidas costumam exigir o corte de gastos públicos. Foi ali, diz Castells, que a já existente crise de legitimidade política se transformou em crise social, com o aumento do desemprego. Do vazio de credibilidade surgiu o clamor pela democracia real.

Num ano em que o mundo ainda busca os sentidos de um maio vivenciado há 50 primaveras, é possível entender o significado de eventos que tomaram as ruas há menos de dez anos? Castells faz uma leitura parecida com a mais recorrente em torno do maio de 1968: aquele 2011 recheado de utopias teria germinado os debates em torno da dignidade, da igualdade de gênero e, entre outras bandeiras, da “possibilidade de uma vida diferente, para além da burocracia e do mercado.” Causas que transcendem a institucionalidade e preenchem com vida a nostalgia que costuma suceder grandes movimentos.

Castells respondeu a algumas perguntas feitas pelo Aliás sobre Brasil, Espanha e União Europeia:

• O senhor crê na possibilidade de candidatos de partidos sem muita capilaridade venceram a eleição presidencial brasileira mesmo com o peso das máquinas partidárias? Muitos apostam em uma queda gradual de Jair Bolsonaro e Marina Silva no decorrer da campanha.

As máquinas regionais são decisivas por sua capilaridade e porque são a base do clientelismo e, portanto, da corrupção. Creio que tem razão quando diz que Bolsonaro irá cair – o poder econômico brasileiro não é aventureiro. No entanto, a política tem sua lógica própria e uma campanha demagógica em plena confusão e com crise econômica pode causar uma hecatombe institucional. O manifesto dos partidos de centro liderado por (Fernando Henrique) Cardoso é uma chamada de atenção ao perigo que representa Bolsonaro, e creio que pode ser um fator decisivo para deter a crise da institucionalidade. Hoje, no Brasil, a grande questão não é esquerda ou direita, e sim partidos democráticos (ainda que corruptos) contra uma coalizão neoautoritária apoiada por grupos de interesses ideológico extremistas internacionais.

• Apesar de toda a inovação do Podemos, quem volta ao poder enquanto esquerda na Espanha é o tradicional PSOE. Quão influente é a existência do Podemos para o novo governo de Pedro Sánchez?

Há uma nova política na Espanha que surge do movimento 15-M. Não só o Podemos surge do 15-M, como Pedro Sánchez afirma se inspirar em muitos dos valores desse movimento. A aliança parlamentar entre PSOE e Podemos já é um feito e só mediante essa colaboração pode se desenrolar o novo projeto reformista e democrático espanhol. Tudo depende de que nos anos até as eleições essa aliança possa aprovar políticas sociais progressistas a fim de se consolidar no poder por meio das eleições. Há uma convergência explícita entre Sánchez e Iglesias (líder do Podemos), algo semelhante ao que ocorre em Portugal, o país europeu que melhor funciona política e economicamente no momento. O grande problema segue sendo a Catalunha, difícil de resolver por causa do radicalismo do presidente catalão e a utilização desse radicalismo por parte do nacionalismo espanhol representado pelo partido Ciudadanos, cuja base de apoio se alimenta da oposição a Catalunha. Sánchez está tentando dialogar e conciliar, mas os nacionalismos dificultam.

• O sr. crê na possibilidade de Portugal e Espanha, que historicamente não têm muito peso na União Europeia, influenciarem a política de Bruxelas por meio da negação da austeridade? Quão simbólica é a posse de Mário Centeno, o ministro das finanças portuguesas, como presidente do Eurogrupo?

Portugal está demonstrando que uma política sem austeridade, mas com rigor fiscal, é mais adequada para o sul da Europa, e Centeno tem cada vez mais respeito entre seus colegas. Sánchez quer avançar nessa direção, mas agora precisa reformar as instituições, corroídas pela corrupção sistêmica do PP. Até agora, Sánchez conseguiu formar uma aliança estratégica com Merkel e Macron para dar uma resposta humanitária conjunta à gravíssima crise dos refugiados, agravada pelo fascismo italiano. Em menos de um mês de governo, Sánchez mudou o clima político na Espanha, que é a quarta economia da União Europeia, e na Europa. Prepara-se uma confrontação com os regimes neofascistas da Polônia, Hungria, República Checa, Áustria e Itália, os ‘bolsonaros’ europeus. Estamos em uma situação de emergência e Sánchez e António Costa (primeiro-ministro português), junto com Merkel e Macron, são a esperança da sobrevivência dos valores democráticos na Europa.

Entrevista com Geraldo Alckmin -

Luiz Carlos Mendonça de Barros: 'Principal demanda da eleição será crescimento'

Por Sergio Lamucci | Valor Econômico

SÃO PAULO - O Brasil se aproxima das eleições presidenciais num cenário em que a principal demanda da população deverá ser a volta do crescimento, diz o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, que vê com preocupação o risco de recaída em soluções populistas. O desempenho ruim da economia, num quadro marcado pelo alto desemprego, desgastou muito a agenda de disciplina fiscal e de reformas, avalia ele.

"Como é que o sujeito ganha uma eleição complicada como essa e vai prometer sangue, suor e lágrimas? Não tem espaço para isso", afirma Mendonça de Barros. Para ele, discussões sobre ajuste fiscal e privatizações terão pouquíssimo apelo numa eleição em que a grande demanda será por crescimento.

Uma novidade que deverá afetar o cenário político, porém, é o acordo entre o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) com o Centrão, acredita ele. O acerto é importante por esvaziar a candidatura de Ciro Gomes (PDT), diz Mendonça de Barros, que considera a vitória do ex-governador do Ceará como a grande ameaça de volta das políticas populistas de esquerda que, segundo ele, levaram o país à atual crise. "O meu grande medo era o Ciro Gomes eleito, por ser um sujeito com uma visão sobre economia absolutamente inaceitável."

O maior risco do ambiente atual é a possibilidade de vitória de candidatos populistas, que prometam medidas para acelerar a atividade econômica a qualquer custo, diz Mendonça de Barros. O acordo de Alckmin com o Centrão, porém, tende a diminuir bastante a chance do Ciro, podendo até colocar num segundo turno novamente os candidatos do PT e do PSDB, avalia o ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso.

Mendonça de Barros vê o apoio do Centrão como uma "vitória extraordinária" do ponto de vista eleitoral de curto prazo, mas pondera que alguns pontos têm que ser analisados com cautela. "O acordo consolida uma aliança com o que há de pior na política brasileira e cuja agenda não inclui os pontos principais do que representa a candidatura de Alckmin", diz ele, numa referência ao compromisso com a disciplina fiscal e as reformas. É preciso ver como a população vai reagir ao acerto, lembra Mendonça de Barros, acrescentando que a aliança não resolve a questão da governabilidade - será necessário ver como compatibilizar a agenda de reformas do tucano com a agenda dos partidos do Centrão. "A leitura [do apoio do bloco] precisa ser feita com cuidado", diz ele. "O acordo precisa passar pelo crivo da opinião pública. É uma aliança realmente estranha."

Ao falar do cenário político brasileiro, Mendonça de Barros mostra pessimismo. "Eu acho que está tudo muito desorganizado. Não há referência nenhuma", afirma ele, para quem o Congresso que sairá das eleições de outubro será ainda pior que os anteriores. A polarização entre PT e PSDB ficou para trás e hoje há algo cinco partidos do mesmo tamanho, com "cinquenta e poucos deputados", diz o ex-ministro.

Cida Damasco: Balcão de propostas

- O Estado de S.Paulo

Alckmin se ajeita no Blocão e já enfrenta embate sobre o imposto sindical

Paulinho da Força já deu a senha. A convivência do tucano Geraldo Alckmin com seus novos parceiros do Centrão pode ser menos tranquila do que se imaginava. Nem bem foi selada a união entre o PSDB e cinco partidos desse bloco – DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade – e Paulinho já pôs na mesa a “reivindicação” de um sistema de financiamento dos sindicatos, para substituir o imposto obrigatório extinto pela reforma trabalhista.

Alckmin reagiu à primeira investida, mas logo em seguida recuou, prometeu a criação de uma contribuição alternativa e culpou um assessor pelo mal-entendido. Trata-se apenas do primeiro teste para o tucano, no terreno das definições do que realmente importa para a população – ou seja, o que o candidato e seu time pretendem fazer caso cheguem ao poder.

A união com o Centrão garantiu ao tucano tudo aquilo que os partidos buscam nesse momento, ou seja, valiosos minutos a mais no horário eleitoral, milhões a mais na campanha, apoios regionais e perspectiva de formação de uma base parlamentar para dar partida ao governo.
Conquista expressiva, ainda mais considerando-se que, até pouquíssimo tempo atrás, muita gente dentro do PSDB continuava atrás de um nome mais atraente para substituir Alckmin.

Pensamento mágico: Editorial | O Estado de S. Paulo

Uma parte considerável das vicissitudes econômicas nacionais resulta da mentalidade segundo a qual basta a simples vontade para que qualquer um dos tantos direitos econômicos e sociais previstos na Constituição deixe o papel em que está inscrito e se converta em realidade.

Tome-se o exemplo da saúde: a julgar pelo que vai na Carta Magna, o Brasil deveria dispor de um sistema público impecável, capaz de fornecer tratamento a todos os cidadãos (“universal”, conforme o artigo 196) e para qualquer caso (“integral”, conforme o artigo 198). Em duas passagens do texto constitucional, a saúde é tratada como “direito” (artigos 6.º e 196). Apesar de tudo isso, como sabe qualquer um que já tenha precisado de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), esse “direito” não se realiza nem remotamente na plenitude imaginada pelos constituintes, entre outras razões porque faltam recursos para tamanho empreendimento. É a realidade impondo-se aos desejos.

Então, para ter um atendimento de saúde um pouco melhor, resta ao cidadão, se tiver condições financeiras para tal, procurar algum dos planos que franqueiam acesso ao sistema privado. Aqui, não há mágica: o serviço existe porque se paga por ele – uma relação comercial como qualquer outra. Se assim não fosse, não haveria serviço, pois tudo tem um custo, especialmente algo tão necessário como a saúde. Nesse sentido, saúde é, sim, “mercadoria”, que, como qualquer outra, só é produzida e ofertada se seu preço compensar o investimento nela realizado.

Não é o que pensa, contudo, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal. Por meio de liminar, a magistrada suspendeu resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que regulamenta a cobrança de franquia e coparticipação em planos de saúde sob o argumento de que a medida ameaça “direitos conquistados”, por permitir que as operadoras cobrem de usuários até 40% do valor de atendimentos, como consultas e exames. Pode-se discutir se os parâmetros estabelecidos pela ANS são corretos, mas não nos termos utilizados pela presidente do Supremo. Em seu despacho, a ministra Cármen Lúcia escreveu que “saúde não é mercadoria”, que “vida não é negócio” e que “dignidade não é lucro”. Num texto que deveria ser técnico, a magistrada caiu na tentação populista e tratou as operadoras de planos de saúde como se fossem (ou devessem ser) entidades sem fins lucrativos.

Atrás do tempo perdido: Editorial | O Globo

Não se pode imaginar ingerência da OIT numa questão em que o Brasil apenas atualiza a sua legislação

É compreensível que a reforma trabalhista aprovada em novembro do ano passado enfrente percalços — reclamações judiciais, resistência de procuradores etc. Afinal, as mudanças sancionadas pelo Congresso trazem para a realidade do século XXI a regulação das relações trabalhistas que ficara engessada na CLT, criada por decreto-lei em 1943, na ditadura varguista do Estado Novo. Muitos interesses se cristalizaram em torno da legislação. Políticos e também financeiros.

Fundar um sindicato passou a ser rentável negócio, devido ao dinheiro recolhido pelo imposto sindical. Arrecadava-se, por ano, mais de R$ 3 bilhões, dinheiro distribuído entre as agremiações. Trabalhassem seus diretores pelas respectivas categorias ou não, a receita era garantida.

A conversão do imposto em contribuição espontânea, defendida por Lula quando sindicalista, é de fato um incentivo à legitimação dos sindicatos, a um aumento de sua representatividade. Terão de se aproximar das bases e prestar serviços eficientes, para conseguir apoio financeiro das categorias.

Outro avanço permitido pela reforma é a flexibilização nos entendimentos entre patrões e empregados, à margem da esclerosada CLT. É indiscutível que uma legislação lançada na década de 40 do século passado não poderia ser aplicada nos tempos da revolução digital, da descentralização das linhas de produção, da terceirização e assim por diante.

O nó da terceirização foi desatado por uma legislação específica, enquanto os obstáculos criados pela perpetuação da CLT terminaram contornados pela adoção, também por meio de projeto de lei aprovado pelo Congresso, do princípio razoável da aceitação pela Justiça Trabalhista da primazia do “negociado” sobre o “legislado”.

Ou seja, aquilo em torno do qual haja entendimento entre sindicatos patronais e de trabalhadores valerá, mesmo que haja algum dispositivo legal contra. A não ser em questões consideradas pétreas: o salário mínimo, por exemplo. Trata-se de um desincentivo ao litígio judicial, e há centenas de milhares na Justiça Trabalhista, um fator de aumento de custos administrativos dos empregadores, as empresas. 

Outro indutor a menos conflitos nos tribunais é a definição de que o impetrante de ações sem qualquer fundamento paga os honorários do advogado da parte contrária. Tudo somado, o volume de novos processos caiu 45% no primeiro trimestre (355.178 ações contra 643.404 no mesmo período do ano passado). 

O movimento de oposição à modernização da legislação trabalhista chegou à Organização Internacional do Trabalho (OIT), como seria natural. Faz parte do jogo político. Mas não se pode imaginar qualquer ingerência do órgão numa questão em que o Brasil apenas atualiza sua legislação. Se fossem seguidas à risca as recomendações da OIT, não teriam existido o imposto sindical nem o princípio da unicidade (um sindicato por categoria e por base territorial), porque contrariam o princípio da liberdade sindical da própria organização.

Desafio ao gigante: Editorial | Folha de S. Paulo

Agressividade das autoridades europeias contra o Google expõe práticas monopolistas

Com a multa bilionária aplicada ao Google na semana passada, as autoridades europeias demonstraram mais uma vez sua disposição para impor limites à expansão dos gigantes de tecnologia americanos.

Na quarta (19), a Comissão Europeia anunciou multa recorde de € 4,3 bilhões (equivalente a R$ 19 bilhões) para o Google, acusado de abusar da posição dominante detida por seu sistema operacional no mercado de telefones celulares.

O valor é quase o dobro da penalidade aplicada à companhia há um ano, quando ela teve que pagar € 2,4 bilhões (R$ 11 bilhões) por causa de práticas anticompetitivas do seu site de comparação de preços.

O sistema operacional da gigante americana, o Android, roda em 85% dos celulares vendidos no mundo hoje em dia. O Google não cobra pelo seu uso, mas impõe a fabricantes dos aparelhos e operadores de telefonia várias condições.

Para ter o sistema, eles são obrigados a instalar nos celulares outros aplicativos desenvolvidos pelo Google, dando aos programas oferecidos pela companhia uma vantagem que seus concorrentes não têm.

O Android é um dos pilares do bem-sucedido modelo de negócios do Google, porque permitiu manter o interesse pelos lucrativos serviços oferecidos na internet depois que os consumidores deixaram de lado seus computadores para passar mais tempo de olho na tela dos seus aparelhos celulares.

A fraqueza do debate sobre privatizações na campanha: Editorial | Valor Econômico

Se o investimento público atingiu o patamar mais baixo das últimas cinco décadas, se é certo que teremos déficit primário pelo menos até 2021 e existe um teto constitucional a limitar os gastos da União, se o Brasil ocupa apenas a 80ª posição entre 137 países no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial e tem na carência de infraestrutura um de seus gargalos mais evidentes, era razoável a expectativa de que os candidatos à Presidência da República explicassem como imaginam destravar investimentos em áreas como energia elétrica, petróleo e gás, portos, aeroportos, rodovias e ferrovias com dinheiro privado.

Infelizmente, o que se vê ainda é uma mistura de equívocos e ideias confusas quando se trata de privatizações e concessões de infraestrutura. A começar pela promessa de Ciro Gomes (PDT) de reverter o marco regulatório do pré-sal e retomar campos leiloados recentemente. A participação obrigatória da Petrobras na nova fronteira petrolífera - exigência removida em 2016 - mostrou-se um erro que desacelerou as atividades de exploração no momento em que o petróleo vive provavelmente seu último ciclo de protagonismo energético e a matriz muda progressivamente para fontes renováveis.

Estima-se que o leilão de excedentes do contrato de cessão onerosa celebrado em 2010 poderia movimentar até R$ 150 bilhões em novos sistemas de produção - sondas, plataformas marítimas, outros equipamentos pesados - e na contratação de milhares de trabalhadores especializados. Frear esses planos ou insistir no monopólio da Petrobras, ainda uma das petroleiras mais endividadas do mundo, para a extração dos recursos fará bem à economia.

Se existe uma boa discussão a ser feita, certamente é a possibilidade de mudança do regime de partilha para o modelo de concessão. A dificuldade recente da PPSA em vender os barris de petróleo a que tem direito no pré-sal demonstra como a escolha feita no passado gera uma burocracia desnecessária.

Michel Temer*: Dois destinos, um só objetivo

- O Estado de S.Paulo

Em nosso País ou no exterior, nosso objetivo é um só: construir um Brasil mais forte e mais justo

Participo, esta semana, de dois compromissos que dizem muito sobre a política externa de nosso governo. Nos dias 23 e 24, estarei em Puerto Vallarta, no México, para a primeira reunião entre os presidentes do Mercosul e da Aliança do Pacífico. Entre os dias 25 e 28, estarei em Johannesburgo, na África do Sul, para a 10.ª Cúpula do Brics. Nos dois casos, transmitiremos ao mundo mensagem de diálogo e cooperação. Nos dois casos, trabalharemos com pragmatismo em busca de benefícios concretos para a sociedade brasileira.

A aproximação entre o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru) é causa na qual estou pessoalmente engajado desde a primeira hora de nosso governo. Juntos, formamos mercado de 470 milhões de pessoas e representamos mais de 90% do PIB e dos fluxos de investimentos na região. Podemos e devemos caminhar unidos em direção a um continente de mais harmonia e prosperidade.

A construção de uma comunidade latino-americana de nações não é uma opção. É um imperativo histórico e, no caso do Brasil, um mandamento constitucional. Mas não queremos qualquer integração. Queremos uma integração voltada para o que importa ao cidadão: emprego, renda, bem-estar. Temos trabalhado em intensa agenda para desburocratizar o comércio entre nossos países e gerar novas oportunidades.

Essa cúpula constituirá um marco. Vamos assinar declaração conjunta que reforça os pilares da democracia e da integração em nosso continente. Vamos aprovar plano de ação com diretrizes claras sobre o caminho a seguir no processo de convergência entre nossos blocos. Vamos ampliar nossa colaboração para áreas de interesse de nossos cidadãos, como mobilidade acadêmica, turismo e facilitação de investimentos.

Em encontros paralelos, estamos prontos para assinar protocolo que traz mais segurança jurídica para o comércio de serviços com a Colômbia. Com o México, celebraremos acordo para agilizar trâmites aduaneiros e tornar mais fluído nosso intercâmbio comercial. E seguiremos avançando: reafirmarei, junto a meus homólogos do Chile e do México, nossa determinação em concluir, o quanto antes, as negociações comerciais em curso com esses dois países.

30/7/2018: Encontro com Luiz Werneck Vianna


Pedra, 90

Poema modernista de Carlos Drummond de Andrade que por anos dividiu o país, ‘No meio do caminho’ completa nove décadas reconhecido como um dos mais importantes da literatura nacional

Marco Aurélio Canônico | O Globo

Há exatos 90 anos, Carlos Drummond de Andrade colocava uma pedra intransponível no meio do caminho da cultura nacional.

Com um poema que considerava “insignificante”, publicado pela primeira vez em julho de 1928 na “Revista de Antropofagia”, o mineiro marcaria seu lugar no movimento modernista e, por décadas, dividiria o país entre os que o achavam um gênio ou um idiota.

A obra era “No meio do caminho”, que rapidamente se tornaria conhecida, em tom de deboche, como “o poema da pedra”. Com sua estrutura modernista, valendo-se de repetições deliberadas, assim como do uso coloquial do português (com o verbo “ter” no lugar de “haver”), o poema vanguardista chocou acrítica literária.

—É oca somais escandaloso da literatura brasileira. Lembro-me da minha época de escola, nos anos 1970, em que as pessoas ainda riam do poema, como se fosse um exemplo de que o modernismo era algo sem pé nem cabeça — diz o poeta Eucanaã Ferraz, consultor de literatura do Instituto Moreira Salles.

Dois anos após sair no periódico modernista, de circulação restrita, o texto foi incluído no livro de estreia de Drummond, “Alguma poesia ”(1930). A partir daí começaram ase avolumaras críticas negativas, não raro em tom violento.

“Homem! E não houve uma alma caridosa que pegasse nessa pedra e lhe esborrachasse o crânio com ela?”, atacou Gondin da Fonseca, no “Correio da Manhã”, no aniversário de uma década da publicação do poema.

“Antigamente as pedras serviam para serem atiradas nos maus poetas; hoje os versejadores modernistas as encontram pelo meio dos caminhos (...). Ou eu estou doido ou vocês estão errados”, escreveu Flávio Brant no “Diário de Notícias”, em outubro de 1944.

ATAQUES TAMBÉM POLÍTICOS
Segundo Antonio Carlos Secchin, membro da Academia Brasileira de Letras, “No meio do caminho” é um poema de choque, usado como artilharia contra a sensibilidade parnasiana da época:

— Faz parte do Drummond mais ferrenhamente modernista, vestindo a camisa das ideias da Semana de Arte Moderna, muito combativo. E essa combatividade pressupunha utilizar recursos, temas e formas absolutamente contrários à tradição — diz o imortal.

Secchin afirma que a mera escolha da “pedra” como símbolo já era iconoclasta, numa época em que elementos como a lua e as flores eram privilegiados.

— Temos essa conjugação de um elemento não poético, que é a pedra, dentro de uma estrutura sintática que também era considerada não poética. Drummond, portanto, ataca tanto na escolha do símbolo quanto na maneira de falar dele — conclui.

Se a antipatia dos tradicionalistas contra o modernismo explica boa parte das reações iradas ao poema, há um outro fator que deu força aos ataques: a política.

Nara Leão - O Divã (1978)

Ferreira Gullar: A vida bate

Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida,
o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão
a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais
que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham. Alguns
te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome
de vida!
O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista
de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm
que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano
movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes
e ruínas . És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos
carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.

Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar
que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.