quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Paulo Fábio Dantas Neto: Democratas não alinhados diante da urna

A imprensa anuncia que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso encabeça, a quatro dias do primeiro turno das eleições, um manifesto reiterando apoio à candidatura de Geraldo Alckmin. Um olhar apressado sobre esse gesto poderá julgá-lo tardio, inócuo, ou algo assim, porque a parada travada, nesse primeiro turno, no campo do antipetismo, já parece ter sido vencida por Jair Bolsonaro. O ex-governador de São Paulo não mostra mais chance de chegar ao segundo turno. Uma parte do que estamos assistindo nos últimos dias (e que alguns já chamam de “onda Bolsonaro”) é resultado da percepção de eleitores e eleitoras antipetistas ainda indecisos de que “precisam” correr o risco de seguir o capitão para tentar evitar o que consideram ser o risco maior: o retorno do PT ao governo.

Tudo isso é real mas não quer dizer que o manifesto de FHC é inócuo. Muito pelo contrário, esse manifesto e as ações eleitorais que podem se associar a ele (inclusive no amplo horário eleitoral do candidato tucano) podem evitar que ocorra com Alckmin, nesses últimos dias da campanha, o que ocorreu com Marina a partir do momento em que o PT oficializou a candidatura de Haddad. Se metade ou um pouco mais dos 8, 9 ou 10% de eleitores que, segundo as pesquisas de intenção de voto, ainda pretendem votar no tucano, rumarem em direção a Bolsonaro, esse último pode conseguir o que lhe falta para alcançar o que há alguns dias parecia (inclusive a mim) um delírio: vencer as eleições no primeiro turno. Ajudar a evitar isso talvez seja a essa altura a contribuição positiva possível do PSDB nesse processo depois dos equívocos em série que o partido cometeu. FHC e os que o acompanham nessa declaração política parecem estar lendo com lucidez a gravidade do momento. Tomara que seus liderados o ouçam.

William Waack: O sonho mirabolante

- O Estado de S.Paulo

O ‘nacional-desenvolvimentismo’ do PT é parte de ideário nacional quase, infelizmente, ‘atávico’

São espetaculares os termos da delação do ex-ministro Antonio Palocci cujo sigilo foi levantado pelo juiz Sérgio Moro. Não chegam a ser exatamente “revelações”, mas comprovam de maneira assombrosamente clara como foi produzido o desastre no qual se enfiou o Brasil. Catástrofe na qual o PT e seu chefão, Lula, tiveram papel de liderança e conduta, mas que envolveu amplos círculos do mundo da política, dos negócios, da economia e setores importantes da sociedade civil.

Não, não é a parte que fala de propina, ilicitudes, grana correndo por dentro e por fora e os mais variados crimes de corrupção. É a parte, no anexo 1 da delação, na qual Palocci relata como a descoberta do pré-sal levou Lula, em 2007, a ter “sonhos mirabolantes”. E como o governo vislumbrava um país riquíssimo, e, para isso, se determinava a construção de 40 navios sondas – e a consequente “fundação” de uma indústria naval completa – para a nacionalização e desenvolvimento do projeto do pré-sal, pelo seu interesse social e pela possibilidade de alavancar a indústria nacional.

Estão aí os elementos centrais (políticos, sociais e econômicos) do “nacional-desenvolvimentismo”, que é, talvez, o pior conjunto de ideias capaz de explicar a baixa produtividade, a baixa competitividade, o atraso relativo e a distância que o Brasil vê aumentar em relação às economias avançadas, tanto pelo ponto de vista das nossas relações de trabalho e sociais quanto à nossa capacidade de participar da era da geração do conhecimento.

O “nacional-desenvolvimentismo” dos militares ainda tinha um componente focado em infraestrutura e ocupação de território, enquanto o “nacional-desenvolvimentismo” do lulopetismo desandou para a “nova matriz econômica” dos subsídios, proteções, controle de preços (mais prejudicial à Petrobrás que a totalidade da grana desviada pelos companheiros do PT, PMDB e PP) e anabolizantes de consumo via crédito.

Roberto Macedo*: Deputados? Vote em quem defende o voto distrital

- O Estado de S.Paulo

Sistema eleitoral atual prejudica a boa escolha e a representatividade dos eleitores

Nas eleições em andamento, parece que vamos escolher um rei ou imperador para receber a faixa dita presidencial. Nos meios de comunicação predomina fortemente o noticiário sobre os candidatos a ela. Muito abaixo nessa cobertura estão os candidatos a governador e a senador, nessa ordem. E bem lá em baixo, os candidatos a deputado federal e estadual. Pesquisas eleitorais só cobrem a eleição presidencial, para o governo dos Estados e para o Senado, com um viés enorme para o primeiro caso. Quanto à eleição de deputados, não me lembro de ter visto pesquisas de intenção de voto.

A razão é o enorme número de candidatos. No Estado de São Paulo há 1.686 (!) candidatos para 70 vagas de deputado federal e 2.174 (!) candidatos para 94 vagas de deputado estadual. Nesses casos, para pesquisas de intenção de votos seriam necessárias amostragens de enorme tamanho e custo.

Focarei no caso dos deputados federais, pois são os que têm grande influência nas questões políticas e econômicas que dizem respeito ao País como um todo. Quanto a eles, o já referido desequilíbrio na cobertura dos meios de comunicação contrasta com a enorme importância da Câmara dos Deputados no tratamento dessas questões. Os presidenciáveis falam muito de reformas, mas não de como vão combiná-las com os russos, os parlamentares, cuja maioria é avessa a mudanças que tratam de questões de grande interesse popular, como a previdenciária. Ou que afetam os seus interesses pessoais e dos grupos de interesse que defendem. Além dessa atitude defensiva relativamente a projetos reformistas, os parlamentares também atuam no ataque, como o fazem ao aprovar pautas-bomba cujo alvo são as contas governamentais.

Vera Magalhães: Efeito ‘cabo de guerra’

- O Estado de S.Paulo

As pesquisas num fluxo diário nesta reta final da sucessão presidencial captam uma espécie de cabo de guerra entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad: o crescimento de um causa, como reação, a subida do outro na rodada seguinte. Assim, se na medição anterior do Ibope/Estado/TV Globo, o petista aparecia estável e com a rejeição a galope e o candidato do PSL crescia, desta vez os dois apenas oscilam, mas Haddad um pouco mais.

A quatro dias do pleito, o cenário é de estabilidade após semanas de crescimento dos dois líderes. Bolsonaro precisaria ter mantido o ritmo intenso de alta para ter mais esperança na vitória já no primeiro turno – discurso que continuará a ser inflado nas redes sociais.

O Ibope joga água fria na tentativa de engrossar o caldo da terceira via. A despeito da tabelinha do debate da TV Record e dos apelos que têm feito, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva perderam musculatura, em vez de ganhar. Se continuarem a desidratar, podem contribuir com a tentativa de Bolsonaro de liquidar a fatura antecipadamente.

Ciro sonhava ser uma opção de centro-esquerda à aversão do eleitorado ao PT. Sua oscilação negativa mostra que esse discurso passa longe do grosso do eleitorado petista – nordestino, de baixa renda e baixa escolaridade.

Assim, ao menos por ora, Haddad estancou a sangria depois da delação de Antonio Palocci e das diatribes de José Dirceu. Tudo o mais constante, vai se desenhando o tão temido segundo turno dos extremos.

Números do desastre petista: Editorial | O Estado de S. Paulo

A trágica herança deixada pelos últimos anos da era lulopetista na economia fica evidente também nos dados sobre a demografia das empresas que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar. Em 2016, último ano da desastrosa passagem de Dilma Rousseff pela Presidência da República, o Brasil perdeu 70,8 mil empresas, o que resultou na demissão de 1,6 milhão de trabalhadores. É o que mostra o estudo Demografia das Empresas e Estatísticas de Empreendedorismo 2016 divulgado pelo IBGE.

O fato de esse ter sido o terceiro ano consecutivo em que o saldo total de empresas em operação no País foi negativo comprova, com estatísticas expressivas sobre a deterioração do ambiente empresarial, o que outros indicadores já mostravam. A crise que afetou duramente o País começara efetivamente em 2014. Foi o ano em que, escondendo dados sobre a realidade da economia e das finanças públicas e fazendo promessas que jamais poderia cumprir, Dilma iludiu boa parte do eleitorado e conseguiu sua reeleição.

As mentiras com que Dilma e sua companheirada animaram a campanha eleitoral tinham pernas curtas, a recessão se instalou, as pedaladas fiscais com que o governo petista tentou esconder a gravidade da crise das contas públicas se evidenciaram e a presidente, afinal, foi definitivamente afastada do cargo no dia 31 de agosto de 2016. Os efeitos de sua danosa gestão, porém, persistiram por vários meses após seu impeachment. Desse modo, comprometeram o início do governo de seu sucessor legítimo, Michel Temer, a despeito do esforço deste para iniciar um severo controle das contas públicas destroçadas nos anos anteriores.

Merval Pereira: Tiros a esmo

- O Globo

A cada pesquisa que indica dianteira de Bolsonaro, PT se desentende e dá margem a que adversários cresçam

Há muitas explicações para a subida de Bolsonaro nas pesquisas de opinião, reafirmada ontem pelo Ibope, e são tão variadas que o PT não sabe para onde atirar. O fogo amigo certamente é um deles. O ex-ministro José Dirceu assustou muita gente anunciando que o PT não apenas ganharia a eleição, mas tomaria o poder.

Outro ex-ministro poderoso, Antonio Palocci teve sua delação premiada divulgada, incriminando diretamente os ex-presidentes Lula e Dilma nas falcatruas em que o partido se meteu nos quase 13 anos em que esteve no poder.

A confirmação de que Lula era quem organizava a quadrilha, com a participação direta de Dilma, que seria beneficiada pelo financiamento ilegal das campanhas de 2010 e 2014, reforça a imagem de um partido mergulhado na corrupção e aumenta a rejeição de seu principal líder, encarcerado em Curitiba por corrupção e lavagem de dinheiro.

A passeata #Elenão acabou se transformando em uma manifestação política de esquerdistas, e não uma crítica suprapartidária ao candidato Bolsonaro. Tanto que a aprovação dele cresceu entre as mulheres e, nas redes sociais, ele está explorando situações que aconteceram nas passeatas, como protestos de topless, para criticar as “mulheres esquerdistas” e exaltar as “de direita”, que seriam mais educadas e respeitadoras.

Como o candidato oficial do PT, Fernando Haddad, não existe por si só, e ele mesmo faz questão de demonstrar que quem manda é Lula, ao consultá-lo pessoalmente toda semana, não tem culpa nem pela subida vertiginosa nas pesquisas nem pelo aumento da rejeição, que o está fazendo empacar neste momento por volta dos 20%.

Ascânio Seleme: Agradeça a Lula

- O Globo

Não importa quem vá para o segundo turno. Não importa quem ganhe a eleição no fim do mês. O vitorioso terá de agradecer ao ex-presidente Lula pelos eu sucesso. Se Fernando Haddad se credenciara gora elevar o pleito do dia 28, o poste terá vencido graças à genialidade do seu criador e mentor. Se Bolsonaro ganhar, aproveitando a onda antipetista que varre o país, será graças à política insistente do “nós contra eles” de Luiz Inácio.

Esse discurso começou no já remoto mensalão. Primeiro, quando o furúnculo explodiu mostrando o carnegão do esquema de compra de partidos em troca de apoio político, Lula disse que não sabia de nada, que foi traído e mandou alguns dos seus velhos companheiros para a guilhotina, como Genoino, Gushiken, Dirceu, Delúbio e João Paulo. Depois, quando percebeu que podia ir mais longe, passou anegara existência do esquema que resultou na condenação e prisão de 24 pessoas, seis delas do PT.

Lula começou então a nomear o “culpado” pelo mensalão. Foram “eles”, na palavra do líder que cumpre pena em Curitiba. Foram “eles” que inventaram a história para impedir que o brasileiro continuasse a comer três vezes por dia e a andar de avião, repetia. No princípio, nem os próprios companheiros de Lula acreditavam naquela bobagem. Mas ela foi se consolidando entre políticos e militantes que se recusavam a enxergara verdade e precisavam de uma saída honrosa.

Nenhum pedido de desculpas jamais foi feito por este ou pelo outro grande escândalo da era petista, o petrolão. Afinal, eles não existiram mesmo, afirmava o líder de todos. A culpa era “deles”, que queriam acabar com as conquistas do povo obtidas durante o governo do PT. É incrível como tanta gente de esquerda, honesta e inteligente, se agarrou àquela explicação patética como se fosse verdade. Muitos nunca acreditaram na lorota, e alguns deixaram o partido envergonhados, é bom que se diga.

Bernardo Mello Franco: A mentirada que influencia a urna

- O Globo

O eleitor de Bolsonaro é quem mais se informa pelas redes sociais. Para o Datafolha, a indústria das ‘fake news’ tem ajudado a impulsionar o capitão

Manuela D’Ávila usou uma camiseta com a inscrição “Jesus é travesti”. O médium Chico Xavier previu a vitória de Jair Bolsonaro. Fernando Haddad disse que as crianças vão virar propriedade do Estado, que poderá escolher seu gênero.

As três frases acima são exemplos recentes de fake news, o nome da moda para as notícias falsas. A mentirada pode soar absurda ao leitor, mas tem enganado muita gente nas redes sociais. A fabricação de boatos se intensificou nos últimos dias e ameaça influenciar o resultado das urnas.

A tapeação virtual impulsionou a eleição de Donald Trump nos EUA. Agora ajuda a alavancar a campanha de Jair Bolsonaro, que não perde uma chance de imitar o presidente americano. Ontem Haddad protestou contra o bombardeio. “São acusações muito vulgares, com imagens vulgares”, reclamou.

Os eleitores do capitão são os que mais se informam (ou se desinformam) pelas redes sociais. De acordo com o Datafolha, 61% leem sobre política no WhatsApp. Entre os eleitores de Haddad, o índice recua para 38%. É difícil medir a força da boataria no aplicativo, que não deixa rastros fora dos celulares.

O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, acredita que a disseminação de boatos tem ajudado a turbinar a subida de Bolsonaro nas pesquisas. “O material está chegando fartamente pelo WhatsApp, o que certamente influencia o eleitor”, afirma.

Haddad diante de movimento antipetista: Editorial | O Globo

Rejeição recrudesceu na campanha, assim que candidato da legenda ameaçou Bolsonaro

Já se tornou lugar-comum considerar esta uma das mais importantes eleições pós-redemocratizacão. É certo que cada uma delas, desde a primeira, em 1989, tem sua marca. Naquele ano, pelo fato de ser a volta das eleições diretas para presidente, depois do apagão da ditadura militar, o pleito foi relevante por si só.

Veio o ciclo dos tucanos no poder, com o PSDB aliado à centro-direita (PFL/DEM), de 1995 a 2002, desembocando em outro fato histórico, o do período lulopetista, em que a esquerda chegou ao Planalto pelo voto, tendo à frente um metalúrgico sindicalista, Lula. E foi também dentro do estado democrático de direito, sem ferir a Constituição, que o período lulopetista chegou ao fim, no impeachment de Dilma Rousseff, na primeira parte do seu segundo mandato. Por crime de responsabilidade cometido em manobras contrárias à Lei de Responsabilidade Fiscal, para escamotear a situação dramática das contas públicas.

A História caminha e, na atual eleição, o PT vive a inédita situação de disputar o pleito com seu líder carismático Lula preso em Curitiba, por corrupção e lavagem de dinheiro. E, representando o impugnado Lula, o candidato petista, Fernando Haddad, ministro da Educação do ex-presidente e de Dilma, começa a enfrentar um movimento antipetista, o que não era observado em grandes dimensões desde a vitória de Lula em 2002.

Daniela Lima: A era dos falsos profetas

- Folha de S. Paulo

A história deveria ensinar: usar a mentira como arma eleitoral cobra um preço caro

Direto e reto, o estado da coisa é o seguinte: mães estão deixando de vacinar seus filhos contra poliomielite e sarampo, por exemplo, por causa de notícia falsa que se alastra pelo WhatsApp. A Secretaria de Comunicação da Presidência da República tenta agora fazer frente ao fenômeno com uma publicidade digital comovente.

Chamados a uma sala para supostamente responder a uma pesquisa, mulheres e homens explicam que são contra a vacinação porque ouviram falar que faz mal, que não presta, que tem efeitos colaterais. Receberam a informação pelas redes sociais e pronto.

A “entrevistadora”, então, entrega a eles um envelope fechado. Dentro, fotos dela de quando tinha cinco anos e andava. Só ali as pessoas descobrem que desde então ela está em uma cadeira de rodas porque não foi imunizada pela família. A peça encerra com um alerta: fakenews matam.

Os brasileiros que vão às urnas no domingo (7) nunca foram tão bombardeados com boatos dos mais variados tipos, alguns que beiram o absurdo. A sanha por disseminar “informação” —entre aspas mesmo, porque se trata de uma ironia—, seja qual seja, já é uma das marcas dessa eleição.

Algumas invenções detectadas pelos institutos de checagem atentam contra a própria democracia.

Um panfleto digital com as fotos de Lula, Fernando Haddad e Manuela D’Ávila diz que eleitores do PT devem evitar ir às urnas no domingo (7), porque há risco de conflito. A orientação, diz o texto, é votar no dia seguinte, 8. Fala sério, pode pensar o leitor. Alguém acredita nisso? Sim. Aliás, não custa ressaltar: é mentira.

Quem faz campanha para aumentar a abstenção e ganhar por W.O. não tem apreço pelo Estado de Direito. Não, não é exagero. Disseminar informações de que o PT quer distribuir mamadeiras com bico em formato de pênis não é só bizarro. É desonesto. Não faltam motivos para criticar o partido. Precisa recorrer a isso? Mas tem dos dois lados, para todos os gostos.

Bruno Boghossian: Planeta vermelho

- Folha de S. Paulo

Em apelo a eleitor lulista, PT corre risco de frustrar expectativas

O PT tentará travar nos próximos quatro dias uma batalha de reconquista. O crescimento de Jair Bolsonaro e a resistência a Fernando Haddad devem obrigar o partido a reforçar apelos ao eleitorado mais pobre no momento em que planejava emitir sinais para ampliar o alcance de seus domínios.

Os petistas já esboçavam um novo contorno em tons pastéis para sua imagem no segundo turno. A migração dos apoiadores de Lula era dada como certa e a campanha estudava a melhor maneira de acenar a investidores e a eleitores de centro-direita para superar Bolsonaro.

Os últimos dias demonstraram uma alteração desse curso. No debate da Record, Haddad comparou o rival a Michel Temer ao dizer que o programa de Bolsonaro seria uma continuação do pacote de austeridade do governo atual. Depois, levou à TV uma propaganda que acusava o adversário de ter votado contra a valorização do salário mínimo.

O discurso busca reproduzir a velha identificação dos oponentes petistas com o eleitorado mais rico, em uma tentativa de estabelecer uma espécie de monopólio do partido na defesa dos mais pobres.

Haddad era visto como um candidato que poderia se beneficiar dos votos de Lula nos segmentos de baixa renda e ainda expandir o eleitorado petista sob uma plataforma econômica moderada. O escorregão registrado nas últimas pesquisas e o leve avanço do candidato do PSL em redutos lulistas levou a campanha do PT de volta ao planeta vermelho.

Matias Spektor*: 30 anos

- Folha de S, Paulo

Onde erramos? 30 anos de Nova República

Nesta sexta-feira (5), completam-se 30 anos da Constituição, e uma legião de comentaristas vem dedicando grande esforço para refletir sobre as causas por trás do declínio da Nova República que este ciclo eleitoral traz à tona com força surpreendente.

Quando se toma o conjunto daquilo que vem sendo escrito sobre o assunto, é possível diferenciar dois grandes grupos de pensamento.

Para um lado, o atual predicado nacional é deprimente porque os principais atores políticos vêm cometendo erros táticos e conjunturais desde a eclosão dos protestos cinco anos atrás. Com isso, o centro da cena política teria ficado esvaziado, criando brechas para extremistas dos dois lados.

Para o outro lado, o problema não é tático nem conjuntural, mas reside no desenho institucional capenga da Carta de 1988. Nesta visão, militares e elites civis do período autoritário conseguiram introduzir elementos nas regras do jogo democrático para reduzir o impacto do sufrágio universal nos privilégios do establishment.

Essa tese diz que a Constituição democrática preservou bolsões autoritários e —esta parte do argumento é crucial — o fez de propósito. Grupos de interesse mancomunados com a velha elite autoritária garantiram para si ascendência sobre a nova democracia, criando um sistema viciado.

A partir de 2014, com as delações premiadas, o esquema teve as entranhas expostas, implodindo qualquer apoio popular à velha elite governante, seus métodos e suas instituições —inclusive a nossa imperfeita democracia.

O sintoma mais gritante do declínio da ordem de 1988 é a expansão da conversa pública a respeito de cenários alternativos para eventuais golpes de Estado.

Vinicius Torres Freire: Bois, Bíblias e balas de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Candidato da extrema direita quer fazer um partido com um catadão nas bancadas conservadoras

Os aliados de Jair Bolsonaro cozinham a criação de um partido. O catadão deve ter adeptos das bancadas do boi, da Bíblia e da bala (BBB), que na média têm 46% das cadeiras da Câmara.

Parece muito. Quase três de cada quatro deputados federais pertencem a pelo menos um desses grupos, que incluem parlamentares até do PT, no entanto. Quanta bala pode ter Bolsonaro, então? A migração pode ser grande, em caso de vitória do capitão da extrema direita.

Quando o então ainda vermelho-rosa Lula da Silva venceu a eleição de 2002, houve uma debandada de parlamentares de partidos que eram a base de Fernando Henrique Cardoso. A maioria migrou para equivalentes do centrão ou centroides, que negociavam apoio ao PT no poder. O PFL, hoje DEM, foi amputado, por exemplo.

Difícil imaginar que o adesismo fosse menor em caso de vitória de Bolsonaro —ao contrário, neste país muito mais direitista. Convém lembrar que o sucesso do ex-presidente da Câmara e agora presidiário Eduardo Cunha se devia ao apoio do BBBismo. Esse é o núcleo e o osso duro de roer do centrismo bebebista.

Um teste de fidelidade ao conservadorismo dos deputados pode ser sua filiação simultânea aos três Bs: boi, Bíblia e bala. Isto é, às frentes parlamentares da Agropecuária, Evangélica e de Segurança Pública. Os triplos B são 55 de 513 parlamentares. Deputados filiados tanto às frentes do boi e da Bíblia são 83.

O grosso desses políticos é do MDB e dos partidos da coligação de Geraldo Alckmin (PSDB), cada vez mais bolsonarizada de corpo e alma.

O partido com maior identificação com a bancada do boi é o MDB (74% de seus deputados). A seguir, dos partidos maiores, vem o pessoal do DEM, do PTB e do PP, na coalizão de Alckmin (mais de 50% dos deputados).

Constituição, 30: Editorial | Folha de S. Paulo

Carta permitiu período democrático mais longo da história do país

Com apenas 30 anos, completados nesta sexta-feira (5), a atual Constituição já se afigura como a segunda mais longeva da história republicana do Brasil, perdendo apenas para a de 1891. Seu maior mérito é justamente o de ter proporcionado três décadas de democracia e normalidade institucional.

Não se pode dizer que o país tenha vivido tempos fáceis —de 1988 para cá, houve pelo menos dois períodos de intensa turbulência política, que levaram a processos de impeachment de presidentes da República. Tudo transcorreu, porém, conforme os cânones da Carta.

Outros pontos positivos incluem um núcleo robusto de direitos e garantias individuais e o estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos que, se não é o ideal, mostrou-se razoavelmente eficaz e permitiu, por exemplo, que o Judiciário e o Ministério Público se tornassem mais independentes.

Evidente que não há apenas virtudes no texto constitucional. Até pelas circunstâncias históricas em que se deu sua negociação, ele cristalizou uma série de contradições, privilégios e equívocos teóricos que precisam ser corrigidos.

Vale lembrar que a Constituinte não surgiu de uma revolução nem de outro movimento de ruptura violenta. Ao contrário, ela se caracterizou como uma tentativa de reunir, numa grande solução de compromisso, tanto as forças que haviam apoiado o regime militar como aquelas que se opuseram a ele.

Naquele contexto, quem teve condições cuidou de perenizar seu interesse, fosse regional, econômico ou corporativo.

Algumas das falhas conceituais, como o juro máximo de 12% ao ano, já estão solucionadas, mas restam problemas de diferentes proporções. Um dos motivos da crise que enfrentamos é que a Constituição estabeleceu direitos sociais de forma generosa, ao lado de privilégios mais difíceis de justificar.

O arranjo vai deixando de se sustentar à medida que cresce a população idosa e encolhe a margem para alta da carga tributária. Impõem-se reformas na estrutura de receitas e despesas públicas, em busca de justiça social, equilíbrio orçamentário e eficiência econômica.

O caminho para fazê-lo é o preconizado pela própria Carta —as emendas constitucionais, que são naturais para textos extensos e detalhistas como o nosso.

Luiz Carlos Azedo: Cadeira vazia

- Correio Braziliense

“Sem Bolsonaro , o último debate na tevê será um confronto entre Haddad e Ciro Gomes, que intensificou sua campanha de voto útil e propõe uma aliança com Alckmin e Marina”

No Twitter, o candidato Fernando Haddad (PT) desafiou Jair Bolsonaro (PSL) a comparecer ao debate de hoje à noite, na TV Globo, chamando-o de covarde e acusando-o de propagar notícias falsas por meio de mensagens nas redes sociais, principalmente no WhatSapp, onde as fake news são mais difíceis de serem combatidas. Bolsonaro não vai ao debate, alega que gostaria de ir, mas foi proibido pelos médicos. Com isso, evita uma situação em que seria alvo de todos os candidatos, inclusive o petista, que somente agora passou a atacá-lo frontalmente. Até então, o PT atirava contra Geraldo Alckmin, enquanto o tucano tentava desconstruir Bolsonaro.

Em sua casa, na Barra da Tijuca, ontem, o candidato do PSL recebeu os médicos que o operaram no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O cirurgião Antônio Luiz Bonsucesso Macedo e o clínico cardiologista Leandro Echenique explicaram as razões do veto: “Nós contraindicamos participação em debates ou em qualquer atividade que pudesse cansá-lo ou obrigá-lo a falar por mais de 10 minutos”, disse Macedo. Bolsonaro se recupera da facada que recebeu em 6 de setembro, em Juiz de Fora, onde foi operado pela primeira vez. Desde então, ficou fora das ruas.Em contrapartida, intensificou sua campanha nas redes sociais, que está muito segmentada e pesada, o que provocou uma mudança de tática de Haddad.

Em entrevista à Rádio Jornal do Recife (PE), Haddad subiu o tom dos discursos. Atribuiu a subida de Bolsonaro nas pesquisas a mentiras espalhadas pelo adversário e admitiu a dificuldade para combatê-las: “Se ele [Bolsonaro] fosse valente, como diz que é, enfrentaria isso olho no olho, e não pelo WhatsApp. WhatsApp é coisa de covarde. Não é coisa de político sério.” No mais, manteve a retórica contra o mercado financeiro e desmentiu qualquer influência do líder petista José Dirceu num eventual governo petista.

Ontem, pesquisa do Ibope/Estadão mostrou oscilação nas intenções de votos de ambos: Bolsonaro subiu de 31% para 32% e Haddad, de 21% para 23%. Ciro (PDT) e Alckmin (PSDB) caíram um ponto e agora estão, respectivamente, com 10% e 7%. Marina se manteve com 4%. A situação dos demais é a seguinte: Amoêdo (Novo) e Meirelles (MDB) com 2%; Álvaro Dias (Podemos) e Cabo Daciolo (Patriotas), 1%; os outros não pontuaram, inclusive Boulos (PSol). Os votos brancos e nulos somam 11%; não sabem nem responderam, 6%. Esse resultado, porém, trouxe novo alento para a campanha de Haddad em relação a Bolsonaro, porque, na simulação de segundo turno, o petista aparece na frente do adversário: 43% a 41%. Pesquisa do DataFolha que analisamos ontem apresentou Bolsonaro como possível vitorioso no segundo turno. A rejeição de Bolsonaro caiu de 44% para 42% e a de Haddad também oscilou um ponto para baixo; na pesquisa do Ibope, está em 37%.

Sem Bolsonaro no debate, a disputa principal provavelmente será entre Haddad e Ciro Gomes, que intensificou sua campanha de voto útil, com a circulação de um manifesto apelidado de Alcirina, que propõe uma aliança do candidato do PDT com Alckmin e Marina, que, nesse caso, retirariam as candidaturas. É improvável que isso venha a ocorrer, mas Ciro insiste na proposta porque está de olho nos eleitores que admitem mudar o voto, para evitar um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. A candidatura de Marina Silva vem em queda desde o começo da campanha eleitoral, enquanto a de Alckmin, no decorrer da semana, começou a ser cristianizada nos redutos eleitorais do PSDB, principalmente em São Paulo e Minas.

Maria Cristina Fernandes: As lições de 1989 na revoada final de votos

- Valor Econômico

O desprendimento de Brizola em busca de um herdeiro

Ciro Gomes chega ao último debate da campanha sob a pressão de dois movimentos. Um busca fazer confluir para sua candidatura os votos do centro a fim de catapultá-lo ao segundo turno. O outro o pressiona a reprisar o desempenho de Leonel Brizola no último encontro do gênero do primeiro turno da eleição de 1989. São apostas para evitar que a campanha acabe no domingo e para conter uma diferença pró-Jair Bolsonaro intransponível num eventual segundo turno.

Naquela campanha, o fundador do partido de Ciro pediu aos eleitores indispostos a escolhê-lo, que votassem em qualquer outro candidato à exceção de Fernando Collor de Mello por todas as razões que os brasileiros só descobririam dois anos depois.

O desempenho deu a Brizola a credencial para levantar o braço do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva e dizer aos eleitores que todos, para o bem do país, deveriam engolir aquele sapo barbudo no segundo turno. O que se passou depois disso foi um dos fenômenos mais fulminantes de transferência de voto da história do país.

No mesmo Rio Grande do Sul em que hoje Bolsonaro nada de braçada, Brizola teve 69,4% dos votos e o então candidato petista, 6,5%. No segundo turno os votos brizolistas caíram no colo de Lula que alcançou 75,6% no Estado.

A migração de votos para Ciro neste primeiro turno esbarra na atração do candidato do PSL sobre setores representativos do eleitorado de centro, como os ruralistas. Por outro lado, a reprise de Brizola exigiria de Ciro o desprendimento que faltou a Lula e a seu partido quando estes roeram a corda de uma aliança com o candidato do PDT. O PT rejeitou a chapa porque pretendia fazer da disputa eleitoral um plebiscito sobre a permanência de Lula na cadeia. E permitiu a formação daquele que hoje parece o maior partido do país, o antipetismo.

Só uma aliança do gênero possibilitaria ao adversário de Bolsonaro disputar um eventual segundo turno com chances. Contas experientes indicam que o Datafolha, transposto para as urnas, se traduz hoje em 36,7 milhões de votos para Bolsonaro, 24,1 milhões e para Haddad. Outros 44 milhões de votos se distribuiriam entre os demais candidatos e as opções pelo voto nulo ou em branco.

Ricardo Noblat: Sem capitão e sem cabo, qual será a graça?

- Blog do Noblat

Ciro e Haddad, as estrelas do debate da TV Globo

A ausência do capitão Jair Bolsonaro (PSL) e do Cabo Daciolo (PATRIOTAS) haverá de subtrair parte da paixão e da graça que marcaria o último debate entre os candidatos à presidência da República a partir das 22 horas de hoje na TV Globo.

Um atestado médico vetou a participação do capitão esfaqueado em Juiz de Fora. As regras do debate tiraram o cabo do ar. A não ser que Fernando Haddad (PT) se saia mal, muito mal, caberá a ele enfrentar o capitão em um eventual segundo turno.

Ciro Gomes (PDT) ainda é o candidato que derrotaria Bolsonaro com mais folga no segundo turno, como apontou ontem a nova pesquisa do Ibope. Mas é grande a distância que o separa de Haddad. Ciro e Haddad deverão protagonizar os melhores momentos do debate.

Se o PT tivesse juízo – ou melhor: desprendimento e interesse em livrar o país de um governo Bolsonaro -, essa seria a derradeira hora para se entender com Ciro. A lei permite que no segundo turno um candidato a vice possa ser substituído por outro.

O ex-governador da Bahia, Jaques Wagner, chegou a propor a Lula que o PT apoiasse Ciro para barrar as chances de Bolsonaro se eleger. Admitiu que nesse caso renunciaria a uma vaga certa de senador por seu Estado para ser vice de Ciro.

O guia genial dos povos da esquerda recusou a sugestão Wagner. Lula não seria quem é se não tivesse agido assim. Seu cálculo foi muito simples: se Haddad vencesse, seria ele, o encarcerado, quem teria vencido. Se perdesse, a derrota seria de Haddad e do PT.

A provável vitória final de Bolsonaro fará Lula mofar na cadeia.

Míriam Leitão: Mercado busca um personagem

- O Globo

Rali nas bolsas mostra que o mercado escalou Bolsonaro para exercer o personagem de candidato que fará as reformas econômicas

Rali é como o mercado define um momento de euforia que se reflete na bolsa, nos juros e no câmbio. É o que o país viveu nos últimos dois dias. Mas eles estão eufóricos com o quê? Até pouco mais de um mês, a maioria dos gestores de instituições financeiras acreditava que o candidato ideal era Geraldo Alckmin e tinha muitas dúvidas sobre Jair Bolsonaro. Agora passou a comemorar o crescimento do candidato do PSL. Para entender o momento, é preciso separar a adesão a um político da especulação de curto prazo.

Parte do mercado diz que Bolsonaro fará as reformas econômicas necessárias e equilibrará as contas públicas. Mas é uma convicção recente. Até pouco tempo atrás, tinha apenas dúvidas em relação a ele. Dado que Alckmin não teve o desempenho que esperaram, eles transferiram para Bolsonaro o papel do “candidato reformista”. Nem todos acreditam nisso. Um economista me disse que os operadores escolheram a “cegueira deliberada”, ao ignorar o conflito claro entre a agenda liberal e o conjunto de convicções de Jair Bolsonaro e de seu círculo mais próximo. Diante das contradições, um dos mais importantes economistas do mercado explica assim o momento:

— Estamos interessados nos preços dos próximos 30 dias. Se em junho do ano que vem o governo tiver fracassado, simplesmente o preço passará a ser outro.

Ontem os preços exibiam essa alegria curto prazista. O Banco do Brasil e a Eletrobras chegaram a disparar 10% durante o pregão e fecharam com altas de 9,07% e 8,64%. A Petrobras subiu 4,25% e desde a véspera tinha voltado a ser a mais valiosa do Brasil. O volume financeiro foi o mais alto deste ano, o dólar caiu a R$ 3,88, o menor valor em dois meses. Para sustentar esses preços, eles estão fazendo duas apostas de risco: começaram a dar como certa a vitória do PSL e acreditam que ele terá habilidade para superar a crise.

Ribamar Oliveira: Constituição veta alíquota única de IR

- Valor Econômico

Proposta de Guedes para IR pode ir parar no Supremo

A proposta de reforma do Imposto de Renda (IR) apresentada por Paulo Guedes, responsável pela área econômica em eventual governo do candidato Jair Bolsonaro, fere o texto constitucional. De acordo com relato da jornalista Mônica Bergamo, da "Folha de S.Paulo", Guedes disse, em conversa com investidores, que vai propor uma alíquota única de 20% de IR para as pessoas físicas e jurídicas. A Constituição estabelece que o Imposto de Renda precisa ser progressivo, ou seja, aqueles que ganham mais devem pagar mais.

Isto não parece ser, no entanto, um obstáculo definitivo. Se eleito, Bolsonaro poderá enviar ao Congresso uma proposta de emenda constitucional (PEC) mudando o texto da Constituição que trata da progressividade do IR. Quase todas as reformas de tributos implicam alterações nas regras constitucionais vigentes. A dificuldade legal poderia, portanto, ser contornada com certa facilidade.

Alguns tributaristas consultados pelo Valor chamaram a atenção para o artigo 145 da Constituição, que define os princípios gerais do sistema tributário nacional. Lá está dito que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. O objetivo deste princípio é promover uma maior justiça fiscal, pois ele determina que a tributação seja diferenciada de acordo com o nível de renda, incidindo com maior força sobre aqueles que ganham mais.

A questão levantada pelos tributaristas é que, como princípio estabelecido pelos constituintes de 1988 para formatar o sistema tributário nacional, ele não poderia ser revogado. Nem mesmo por uma emenda constitucional. Seria uma espécie de "cláusula pétrea". Assim, mesmo que a PEC proposta por Bolsonaro seja aprovada pelo Congresso, ela poderá ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) por seus adversários. Caberia ao Supremo a decisão final.

A proposta que estaria sendo estudada por Guedes, ainda não detalhada, prevê isenção do IR para quem ganha até cinco salários mínimos. Pode-se argumentar, com isso, que a proposta não prevê alíquota única, mas duas: de zero por cento para quem ganha até cinco salários mínimos e outra de 20% para quem ganha acima desse valor.

Assim, com a existência do limite de isenção estaria atendido o princípio da progressividade do IR, pois a alíquota de 20% incidiria apenas sobre a renda que ultrapassasse cinco salários mínimos. Não haveria sequer necessidade de alteração do texto constitucional, pois o princípio da progressividade estaria preservado.

Resta saber se esta interpretação seria acolhida, no caso de a mudança ser submetida ao STF, o que poderá ocorrer por iniciativa de partidos que defendem uma maior progressividade do IR, incluindo a criação de alíquotas de 30% e 35% para as rendas mais elevadas.

Atualmente, existem quatro alíquotas para o IR das Pessoas Físicas (IRPF): 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. O limite de isenção é de R$ 1.903,98. No passado, a progressividade do IRPF no Brasil foi bem maior, pois chegou-se a ter alíquota máxima de 65% e até 12 faixas de tributação, de acordo com o texto para discussão 2.190, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de autoria dos economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair.

Em 1964, os militares reduziram a alíquota máxima para 50% e, em 1989, o então presidente José Sarney diminuiu abruptamente o número de faixas do IRPF de 11 para apenas três, com alíquota máxima de 25%. Na época, a tributação do Imposto de Renda passava por uma grande revisão em todo o mundo, com a redução da progressividade. Houve toda uma construção teórica para justificar a mudança, que não cabe aqui discutir.

Primeiro turno antecipou a polarização do segundo: Editorial | Valor Econômico

Em um país com estrutura partidária fraca, e muitas legendas, a bússola eleitoral ficou sem norte, mesmo em uma disputa polarizada. O passado sempre vale alguma coisa, mas nesta eleição, não muito. Há condições fundamentais que mudaram o jogo. O financiamento das campanhas alijou as empresas, o fundo público beneficiou quase que exclusivamente as velhas cúpulas partidárias. Os principais partidos foram desmoralizados pelas investigações da Operação Lava-Jato, que continuam. O grande líder popular do país, Luiz Inácio Lula da Silva, está preso em Curitiba. Seus tradicionais opositores do PSDB foram chamuscados pelos mesmos escândalos de corrupção que abateram os petistas. E está à frente das pesquisas, como outsider, um deputado há 27 anos, egresso e cortesão da do Exército brasileiro.

O vácuo eleitoral foi preenchido pelo capitão reformado Jair Bolsonaro, que pretende encerrar a disputa no primeiro turno. Covardemente esfaqueado, teve a vantagem involuntária e preciosa de não precisar se submeter ao escrutínio nos debates públicos. É saudado pelos correligionários como mito, acepção dúbia: a palavra significa tanto um herói como alguém que passa um imagem falsa, sem correspondência na realidade.

Seu principal adversário, Lula, está preso, e só pode falar pela boca de seu candidato substituto, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad. Enquanto o Partido dos Trabalhadores evita uma autocrítica e procura esconder seu passado, Bolsonaro não tem currículo apresentável nem seu passado é marcante, exceto pelos desvios da quebra de disciplina militar.

O trabalho das equipes de marketing dos candidatos teve de se enredar pelas frestas de favoritos que, por um motivo ou outro não podem falar, como Lula e Bolsonaro. Os alvos se tornaram difusos, como prova a campanha de Geraldo Alckmin, do PSDB, o dono do maior tempo de TV, que praticamente não se moveu desde o início da campanha eleitoral.

A aposta de um embate tradicional no molde das últimas eleições contra o PT levou o tucano a tentar uma agenda parcialmente propositiva, reminiscente da longa administração de Alckmin no Estado mais rico da nação. Não funcionou. Depois, a mira se voltou contra Bolsonaro, numa competição para deslocar a extrema direita como principal adversária do petismo. Também não funcionou. Por fim, atacou Haddad e Bolsonaro, apostando que poderia ser o fiel da balança entre os dois polos. Não deu certo. No meio tempo, houve prisões de próceres do PSDB nos Estados e processos do MP contra o candidato.

Zeina Latif: A ironia do cenário econômico

- O Estado de S.Paulo

É necessário um compromisso com uma agenda responsável e modernizante

Para muitos players do mercado financeiro, o cenário econômico é binário, a depender do resultado das eleições. Julgam Jair Bolsonaro equipado para fazer reformas, enquanto Fernando Haddad representaria um risco de retrocesso.

No entanto, ambos enfrentarão grandes dificuldades para governar e aprovar reformas estruturais, pois carecem de experiência política e administrativa, e não têm projeto para o País ou agenda econômica bem definida.

A situação é grave e demandaria um presidente com maior envergadura política. O Brasil vive a mais grave crise fiscal da história, o que implica risco de shutdown de serviços públicos e de o presidente incorrer em crime fiscal nos próximos anos. Isso vale também para os governadores. A recuperação cíclica da economia poderá frustrar, tendo em vista a provável alta da inflação e dos juros pelo Banco Central. Tudo isso em meio a uma sociedade indignada e instituições fragilizadas.

Os desafios de cada candidato são diferentes, já de largada. Para Haddad, será renegar a equivocada agenda econômica petista e montar uma equipe econômica competente e com credibilidade. Será necessária grande dose de coragem e humildade. Atributos raros.

Bolsonaro precisará enfrentar o desafio da política para construir uma base de apoio sólida e com partidos que exerçam liderança no Congresso, cedendo espaço no governo. O deputado é pouco hábil politicamente, a julgar pelas frequentes mudanças de partido e pela pobre performance na Câmara, onde é associado ao “baixo clero”, apesar de estar em seu sétimo mandato parlamentar.

César Felício: Esquerda vive desalento e perplexidade reina no centro

- Valor Econômico

O sentimento de desalento com a ascensão de Jair Bolsonaro (PSL) nas pesquisas para a Presidência era predominante entre políticos de esquerda presentes na terça-feira no debate da TV Globo em São Paulo com os candidatos a governador. Entre tucanos e emedebistas a sensação era de perplexidade. "Tenho a sensação de que é irreversível e de que pode se resolver no primeiro turno", disse a deputada federal Luiza Erundina (Psol-SP).

Segundo Erundina, este é o sentimento que colheu, em atos de campanha com eleitores "de todas as classes sociais". "Há um sentimento de medo que leva à irracionalidade. Ciro Gomes (PDT), que poderia enfrentar isso, não cresce. E os traumas com o PT ainda são muitos recentes, o que desfavorece Fernando Haddad" disse. Para a veterana deputada, será preciso um diálogo entre os partidos para a defesa da institucionalidade, mas as divisões São muito grandes para uma aliança efetiva no segundo turno. "É um processo que demandará tempo."

Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), as manifestações de sábado contra Bolsonaro desencadearam a alta do candidato nas pesquisas. "Aquilo foi uma radicalização e a esquerda não ganha com esses processos. Atiçou o outro lado. Foi como as mobilizações do 'Não vai ter golpe'", afirmou, referindo-se a atos entre 2015 e 2016.

De acordo com o ex-deputado Marcelo Barbieri (MDB), candidato ao Senado, Bolsonaro é uma febre no interior de São Paulo. Apoiador de Paulo Skaf para o governo estadual, diz que o segundo turno será um problema no cenário regional: "Para nós, estrita mente do ponto de vista eleitoral, será melhor resolver no primeiro turno, para descasar as eleições."

Um interlocutor do candidato tucano ao governo estadual, João Doria, observou que Geraldo Alckmin muito tardiamente teria desencadeado sua campanha no horário eleitoral batendo tanto em Bolsonaro quanto em Haddad. "Fez isso tarde demais e não capitalizou o antipetismo." Outro tucano, o ex-governador Alberto Goldman, comentou em uma roda o paradoxo da eleição: entre os quatro primeiros colocados, os dois mais fortes são batidos com facilidade em um segundo turno pelos dois mais fracos, que não devem passar pela primeira rodada.

Precisamos de união para retomar o crescimento, afirma Alckmin em reta final da campanha

Em agenda nesta quarta-feira na cidade mineira de Uberlândia, o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, destacou seu compromisso com a Saúde, maior preocupação dos brasileiros. Ao lado do senador Antonio Anastasia, candidato do partido ao governo de Minas Gerais, Alckmin reforçou sua confiança na correção e preparo do colega tucano.

“Se eu tivesse 10 votos, eu daria os 10 para o Anastasia. Uma das pessoas mais corretas, íntegras e preparadas que conheço”, afirmou.

A 4 dias da eleição, Alckmin avaliou que a disputa ainda está aberta. “Esses últimos dias são decisivos. Defendemos a terceira via, sem radicalismo de esquerda ou de direita. O radicalismo dificulta a retomada da economia. Precisamos de união para retomar o crescimento. Eu adquiri experiência para isso”, disse.

O tucano reiterou que seguirá trabalhando com coerência. “As grandes viradas ocorrem no final”, disse. “Estamos trabalhando firme”.

Sobre suas propostas para a Saúde, Alckmin afirmou que vai investir em saneamento básico, direcionando o imposto arrecadado das empresas pelo Pis/Pasep e Cofins ao setor. “Também tem havido muito problema na distribuição de remédios para a população, um quadro que vamos solucionar”, afirmou.

Alckmin reiterou que vai reabrir os mais de 30 mil leitos do SUS fechados por falta de verba para custeio, além de retomar e concluir as obras paradas. “Um exemplo é o hospital da Universidade Federal de Uberlândia, que está há anos com as obras paralisadas. Vamos concluí-las”, disse. O tucano lembrou que a área da Saúde é também grande geradora de emprego. “Vamos melhorar a vida das pessoas. Daqueles que estão doentes, dos idosos, com atendimento humanizado“, completou.

Mariene de Castro: Prece de pescador

Carlos Drummond de Andrade: Sentimento do mundo

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer esse amanhecer
mais noite que a noite.