- Valor Econômico
Proposta de Guedes para IR pode ir parar no Supremo
A proposta de reforma do Imposto de Renda (IR) apresentada por Paulo Guedes, responsável pela área econômica em eventual governo do candidato Jair Bolsonaro, fere o texto constitucional. De acordo com relato da jornalista Mônica Bergamo, da "Folha de S.Paulo", Guedes disse, em conversa com investidores, que vai propor uma alíquota única de 20% de IR para as pessoas físicas e jurídicas. A Constituição estabelece que o Imposto de Renda precisa ser progressivo, ou seja, aqueles que ganham mais devem pagar mais.
Isto não parece ser, no entanto, um obstáculo definitivo. Se eleito, Bolsonaro poderá enviar ao Congresso uma proposta de emenda constitucional (PEC) mudando o texto da Constituição que trata da progressividade do IR. Quase todas as reformas de tributos implicam alterações nas regras constitucionais vigentes. A dificuldade legal poderia, portanto, ser contornada com certa facilidade.
Alguns tributaristas consultados pelo Valor chamaram a atenção para o artigo 145 da Constituição, que define os princípios gerais do sistema tributário nacional. Lá está dito que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. O objetivo deste princípio é promover uma maior justiça fiscal, pois ele determina que a tributação seja diferenciada de acordo com o nível de renda, incidindo com maior força sobre aqueles que ganham mais.
A questão levantada pelos tributaristas é que, como princípio estabelecido pelos constituintes de 1988 para formatar o sistema tributário nacional, ele não poderia ser revogado. Nem mesmo por uma emenda constitucional. Seria uma espécie de "cláusula pétrea". Assim, mesmo que a PEC proposta por Bolsonaro seja aprovada pelo Congresso, ela poderá ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) por seus adversários. Caberia ao Supremo a decisão final.
A proposta que estaria sendo estudada por Guedes, ainda não detalhada, prevê isenção do IR para quem ganha até cinco salários mínimos. Pode-se argumentar, com isso, que a proposta não prevê alíquota única, mas duas: de zero por cento para quem ganha até cinco salários mínimos e outra de 20% para quem ganha acima desse valor.
Assim, com a existência do limite de isenção estaria atendido o princípio da progressividade do IR, pois a alíquota de 20% incidiria apenas sobre a renda que ultrapassasse cinco salários mínimos. Não haveria sequer necessidade de alteração do texto constitucional, pois o princípio da progressividade estaria preservado.
Resta saber se esta interpretação seria acolhida, no caso de a mudança ser submetida ao STF, o que poderá ocorrer por iniciativa de partidos que defendem uma maior progressividade do IR, incluindo a criação de alíquotas de 30% e 35% para as rendas mais elevadas.
Atualmente, existem quatro alíquotas para o IR das Pessoas Físicas (IRPF): 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. O limite de isenção é de R$ 1.903,98. No passado, a progressividade do IRPF no Brasil foi bem maior, pois chegou-se a ter alíquota máxima de 65% e até 12 faixas de tributação, de acordo com o texto para discussão 2.190, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de autoria dos economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair.
Em 1964, os militares reduziram a alíquota máxima para 50% e, em 1989, o então presidente José Sarney diminuiu abruptamente o número de faixas do IRPF de 11 para apenas três, com alíquota máxima de 25%. Na época, a tributação do Imposto de Renda passava por uma grande revisão em todo o mundo, com a redução da progressividade. Houve toda uma construção teórica para justificar a mudança, que não cabe aqui discutir.