sábado, 20 de junho de 2020

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

A política dos governantes que aí estão se encontra desalinhada das tendências benfazejas que ora se afirmam em todos os cantos do planeta. Sob a pressão da pandemia em curso, a linguagem da cooperação se universaliza, com forte intensidade na dimensão da ciência onde se fazem presentes vigorosas denúncias do estado de coisas reinante no mundo, que adoece pelas desigualdades sociais, pela degradação da natureza e da vida em geral. Coube a nós viver essa quadra inclemente sob a condução de ideologias de hospício, hostilizados pelo bestiário de dirigentes que afrontam o mundo e o que há de melhor em nosso país. Isso que aí está não pode durar, não vai durar.


*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. “Não há mal que sempre dure”, IHU, 19/6/2020

Merval Pereira - Malabarista chinês

- O Globo

Que a vaca foi para o brejo, ninguém duvida. A questão agora é calcular a distância do brejo e a velocidade da vaca

O silêncio eloquente do presidente Bolsonaro sobre a prisão de seu amigo de longuíssima data Fabrício Queiroz explicita a gravidade da situação. A depender do que os investigadores da Polícia Federal encontrarem nos celulares e documentos apreendidos em Atibaia, a situação pode levar a crise institucional a um desfecho que se prevê desde os primeiros escândalos do governo Bolsonaro.

O caminho para o impeachment parece ser inevitável, já está marcado no GPS político, só não se sabe a velocidade em que isso se dará. Que a vaca foi pro brejo, ninguém duvida. A questão agora é calcular a distância do brejo e a velocidade da vaca. O centrão é especialista nesses cálculos, e tudo indica que seus membros vão partir com mais sede ao pote para aproveitar o que resta do governo.

Engano achar que alguém compra o centrão. Só aluga, e sem multa rescisória. Foi assim com Dilma, quando a situação ficou insustentável do ponto de vista político e econômico. O governo Bolsonaro caminha para essa impossibilidade diante da tragédia econômica de uma queda do PIB de 10%, cuja recuperação exigirá um esforço nacional de anos seguidos, impossível de se obter em um governo beligerante e errático como o que temos, com um presidente incapaz de unir até mesmo os seus.

A partir da crise, após a reforma da Previdência, as demais reformas perderam o timing político, ainda mais em ano de eleição. A situação é tão difícil que nem mesmo as condições mínimas para implementar um novo pacote social existem. Os governantes anteriores ao PT já haviam criado diversos programas sociais, e a união de todos eles no Bolsa Família, sob o comando das prefeituras, foi uma jogada eleitoral proposta pelo então ministro Patrus Ananias, para substituir o fracassado Fome Zero, coordenado por Frei Betto, que tinha uma visão menos eleitoral e mais de ativismo político, uma tentativa de empoderar os líderes comunitários em substituição aos políticos locais.

Ascânio Seleme - Um homem cada vez mais só

- O Globo

Este é o momento de maior isolamento de Jair Bolsonaro desde o dia 18 de fevereiro de 2018, quando iniciou sua caminhada para a solidão com a demissão de seu primeiro ministro, Gustavo Bebiano da Secretaria-Geral da Presidência. Aos poucos, mas com uma determinação impressionante, que parece um auto flagelo deliberado, o presidente foi construindo muros e destruindo pontes de modo a ficar praticamente ilhado. Hoje, além dos seus três zeros, de alguns ministros que se identificam ideologicamente com ele, dos puxa-sacos habituais e dos que ganharam uma boquinha no governo, Bolsonaro não tem com quem contar. Nem com os seus generais.

Não vale citar a turma desvairada das redes sociais. Muita gente ali nem gente é, todos sabem como funcionam os robôs do bolsonarismo, e com que velocidade. Os alucinados que vão às ruas com cartazes contra o STF e o Congresso tampouco importam neste cálculo. No Congresso, o centrão se aproxima, mas basta um vento leve para fazê-lo mudar de direção. O pragmatismo desse agrupamento político é que o orienta. Vai sugar o que for possível do governo, mas sem se comprometer com o seu fracasso.

O presidente nem partido tem. Ao romper com o PSL, arrumou uma dúzia de novos desafetos com mandatos federais. Está cada vez mais claro para quem faz política partidária que não vai ser fácil para Bolsonaro recompor sua base, que já era pequena, mesmo distribuindo ministérios, diretorias de estatais e de autarquias, contrariando frontalmente a sua mais importante promessa eleitoral, de não entrar no jogo de troca cargos por apoio político. No caso, aliás, o que Bolsonaro busca não é apoio para governar, mas sim para não cair antes do fim do seu mandato. Para governar, o presidente precisaria do apoio de 257 deputados. Para barrar seu impeachment, bastam 172.

Bolsonaro perdeu esta semana a cumplicidade dos generais do Palácio. Embora continuem no governo, dando suporte administrativo ao presidente, Heleno, Braga e Ramos não topam defender os malfeitos dos filhos. A prisão de Fabrício Queiroz disparou o alarme. O caso é grave e tem desdobramentos que podem chegar ao presidente, embora legalmente ele seja inalcançável. Mesmo que ele e sua mulher sejam incriminados em razão do dinheiro que Queiroz depositou na conta de Michelle, o crime terá sido cometido fora do mandato e Bolsonaro só terá de se explicar à Justiça depois de terminado o seu mandato. Ainda assim, os generais preferem não se misturar com essa bagunça.

Míriam Leitão - A escalada do vírus entre nós

- O Globo

O Brasil chegou a um milhão de infectados disputando o campeonato de pior país do mundo no combate a pandemia

Um milhão é um número assustador e sabemos que ele é apenas o que está registrado. O Brasil superou esse número de infectados pelo novo coronavírus sem uma luz no fim do túnel. Foram pouco mais de três meses de intensidade vertiginosa, de erros colossais, de tumulto extra produzido pelo próprio presidente da República. O mundo inteiro está aprendendo com a pandemia, alguns países mais rapidamente do que outros.

Para se ter uma ideia da velocidade, e de como a pandemia nos pegou despreparados, um integrante da equipe econômica me disse no começo de março, quando o Brasil tinha quatro infectados, que o país seria pouco afetado. A tese era que o Brasil é fechado, do ponto de vista econômico e comercial. É, de fato, país de muitas barreiras ao comércio e pouco integrado às cadeias globais de produção. Ainda assim tem uma intensa relação com o mundo, muitos voos internacionais, e tem na China o seu maior parceiro comercial.

Talvez baseado nesse diagnóstico, o ministro Paulo Guedes chegou a falar numa entrevista à revista “Veja”, no dia 13 de março, quatro dias antes da primeira morte, que “com R$ 3, R$ 4, R$ 5 bilhões a gente aniquila o coronavírus. Porque já existe bastante verba na saúde, o que precisaríamos seria de um extra. Mas sem espaço fiscal não dá.” Na semana seguinte, no dia 17, o governo pediu ao Congresso que reconhecesse o estado de calamidade pública. O pedido foi publicado no Diário Oficial do dia 18 e aprovado no Senado no dia 20. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, propôs um “orçamento de guerra”.

Oscar Vilhena Vieira* - O conflito como fim

- Folha de S. Paulo

Com a pandemia e a crise ficou claro que governar jamais foi objetivo desse grupo

Em recente artigo sobre a pandemia, o filósofo político David Runciman, professor da Universidade de Cambridge, sugere que nos últimos tempos nossas escolhas políticas fundamentais parecem ter se resumido a “duas formas rivais” de governos tecnocráticos.

De um lado, há o modelo chinês, onde prevalece um governo de engenheiros, sob a tutela e de um partido único. Já no ocidente, temos governos dominados por economistas e banqueiros, operando sob a sombra de instituições liberais.

Onde, no entanto, a desconfiança nas instituições políticas ou a eficácias dos tecnocratas entrou em declínio, o populismo tem surgido de maneira cada vez mais frequente como uma alternativa as duas formas de tecnocracia que nos fala Runciman.

O populismo, como já mencionei nesse espaço, é uma espécie de síndrome política, que floresce da desconfiança nas instituições e se nutre da sua destruição. Populistas, por definição, não se submetem à racionalidade tecnocrática, às determinações do partido único e muito menos às condicionantes das instituições democráticas.

Em algumas circunstâncias extremas, populistas autocráticos negam a própria essência da política que, desde sua origem, está associada à criação da ordem e coordenação pacífica de conflitos. Não necessariamente uma ordem liberal ou democrática, mas simplesmente ordem pacífica.

Quando isso ocorre, a política se transveste numa guerra. Para o jurista conservador Carl Schmitt, que colaborou com o nazismo em sua origem, a essência da política não é a competição eleitoral voltada ao exercício de um governo submetido à constituição, mais sim uma relação “amigo-inimigo”, em que o objetivo fundamental a ser perseguido pelo líder é a eliminação daquele que é colocado na condição de inimigo.

Demétrio Magnoli* - Vai ter putsch?

- Folha de S. Paulo

Cooptação em massa de oficiais da reserva ameaça fragmentar dique institucional

"Vai ter golpe?", indagou-me um amigo dileto pouco tempo atrás. Retruquei com uma negativa convicta: a geração atual de comandantes das Forças Armadas aprenderam com a história e não repetirão, como farsa, a tragédia de 1964.

"Vai ter putsch?", meu amigo pergunta agora. Respondi-lhe com mais um "não", acompanhado por argumentos razoáveis. Contudo, pensando melhor, acho que perdi uma parte da paisagem.

Putsch é um intento golpista fadado, de antemão, ao fracasso. No célebre Putsch da Cervejaria de Munique (1923), Hitler e seus seguidores não obtiveram o esperado apoio de setores do Exército ou da polícia da Baviera.

Mas aquela escória nazista, forjada no caldeirão fervente da derrota alemã na guerra europeia, mostrou-se disposta a combater e morrer de verdade. Já a escória de fanáticos bolsonaristas é feita do material lânguido fabricado pelas redes sociais. Deles, nada surgirá, exceto ameaças anônimas digitadas a distância ou fogos de artifício numa esplanada deserta.

A fuga de Weintraub rumo a uma bem remunerada diretoria inútil do Banco Mundial comprova, para quem ainda nutria dúvidas, que esses cachorros barulhentos não mordem. A parte que perdi da paisagem é outra. Até que ponto o bolsonarismo conseguirá limar a disciplina militar?

Hélio Schwartsman - Voto flexível

- Folha de S. Paulo

O poder público não tem moral para impor a obrigatoriedade de comparecimento à urna

Aprovar já uma emenda constitucional adiando as eleições municipais de outubro para dezembro poderá se revelar uma decisão pouco sábia. Até aqui, nenhum modelo epidêmico se mostrou tão preciso que permita afirmar com segurança que a curva dos contágios em dezembro estará melhor do que em outubro.

Um dos cenários previstos por epidemiologistas é o de que, à primeira onda de Covid-19 que agora enfrentamos, se sucedam vários picos menores, hipótese em que dezembro poderia ser até pior do que outubro. Isso sem mencionar que a situação poderá ser marcadamente diferente em diferentes cidades do país.

O que precisamos para realizar essas eleições com segurança é flexibilidade. O mais sensato, portanto, é optar por uma emenda constitucional que conceda à Justiça Eleitoral, excepcionalmente neste pleito, o poder discricionário de alterar datas, prazos e vários outros aspectos do processo. No limite, as datas nem precisam coincidir. Se uma cidade qualquer atravessar um momento muito crítico, poderá fazer sua votação num outro período. Não estamos, afinal, num pleito nacional.

Julianna Sofia – Azul anil

- Folha de S. Paulo

Guedes e seu time oscilam entre respostas escalafobéticas e ausência de planos

A equipe econômica segue obstinada em dar sinais aos investidores de que não arreda o pé de sua cruzada fiscalista. Em apuros para cumprir os parâmetros que hoje regem a gestão das contas públicas, propõem os defensores do pensamento único --e liberal-- criar mais uma regra para orientar a política fiscal. O plano é definir meta para a dívida do setor público.

Indispensáveis, os gastos para atenuar o impacto da pandemia na vida das famílias e das empresas devem levar o endividamento a quase 100% do PIB. Nada que não esteja ocorrendo mundo afora. Mas o raquitismo crônico da economia brasileira e a instabilidade política alimentada diariamente pelo ocupante do Palácio do Planalto completam o vórtice a nos tragar.

A proposta ventilada pelo Ministério da Economia é estabelecer gatilhos para redução da dívida a partir de 2021, fixando patamares em escadinha. A venda de ativos e de parte das reservas internacionais garantiria o abatimento inicial.

Alvaro Costa e Silva – A paisagem do vilão

- Folha de S. Paulo

Ir preso é garantia de sucesso nas urnas

Quanto mais atos infames e criminosos, melhor. É assim que certos grupos —todos, incrivelmente, são ou já estiveram ligados a Bolsonaro— fazem política no Brasil. Fugido do governo, pode apostar que o jagunço Weintraub virou candidatíssimo.

Ir preso, de preferência do modo mais midiático possível, é garantia de sucesso nas urnas. Afinal, você pode apelar aos tribunais para fugir da cana dura, não importa se minutos antes estivesse jogando fogos de artifício no STF. O mesmo vale para o empresário que, depois de financiar a fábrica de mentiras que nega a gravidade da pandemia, fica indignado porque agentes da PF entraram em sua casa sem tirar os sapatos, desobedecendo as recomendações sanitárias.

Bolívar Lamounier* - Pensando o impensável

- O Estado de S.Paulo

Resultado mais provável da ruptura da ordem parece-me ser um longo período de anarquia

Um momento histórico que eu gostaria de ter presenciado aconteceu no dia 1.º de novembro de 1944: um breve encontro entre o ministro da Justiça, Marcondes Filho, e o general Eurico Dutra. O relato está no ótimo livro de Paulo Brandi Vargas: da Vida para a História (Zahar, 1985, pág. 178).

Desde a entrada do Brasil na guerra contra o fascismo, Getúlio pressentia que não conseguiria manter sua ditadura. Em 1943, o Manifesto dos Mineiros desafiou a censura e escancarou o debate sobre a redemocratização. A presença da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, com apoio dos Estados Unidos, apontava para um ponto sem retorno. Nos meses seguintes, a pressão contra Getúlio alastrou-se rapidamente nas Forças Armadas. No final de outubro os generais Góes Monteiro e Eurico Dutra procuraram-no para insistirem na convocação de eleições. Getúlio aquiescia sem aquiescer. Cogitava de transitar para um regime híbrido, cujo comando permanecesse em suas mãos. Foi nessa altura que se deu o encontro de Marcondes Filho com o general Eurico Dutra.

O ministro havia rascunhado um projeto de lei eleitoral de teor corporativista, ou seja, baseado na representação por categorias profissionais, formato característico da tradição fascista. Foi quando, respondendo a Marcondes Filho, Eurico Dutra disse-lhe, curto e grosso: “Não é isso, não, dr. Marcondes, é eleição mesmo...”.

José Roberto Batochio* - A democracia convoca seus defensores

- O Estado de S.Paulo

Inoculado o mal, o remédio para tantas ofensas a ela será sempre a resistência

“Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança”
Benjamin Franklin, no ‘Almanaque do Pobre Ricardo’

Uma das inteligências mais portentosas de seu tempo, Benjamin Franklin não só dominou a eletricidade como iluminou o caminho do homem pela saga virtuosa da liberdade. De suas numerosas contribuições ao progresso da humanidade há a destacar a colaboração para o texto da Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, um dos documentos-síntese da grande marcha humana pela igualdade, fraternidade e liberdade, que, avant la lettre, 13 anos depois inspiraria a Revolução Francesa. Um dos brasileiros que mais se identificaram com Franklin em sua época, José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, foi além ao afirmar que “a liberdade é um bem que não se pode perder senão com a vida”.

A democracia evoluiu desde então, com salvaguardas que garantem a vida comunitária ao mesmo tempo livre e em segurança. Porém, como todo núcleo e toda fonte de valores civilizatórios, o sistema democrático está sempre exposto à corrosão do mal – com a particularidade de, malgrado sua enorme resistência, estar sujeito a recaídas. Nem sempre se imuniza como um corpo resiliente, isto é, não retorna imediatamente ao estado original depois de sofrer ele uma ação deformadora. Daí, como diz o bordão, a necessidade da eterna vigilância.

Nossos tempos e costumes estão repletos de tais abusos e usurpações. Levantamento do V-Dem, o Instituto de Variações da Democracia, observatório da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, registra que pela primeira vez no idealizado século 21 a democracia se mostra em minoria no mundo. Enquanto 87 nações vicejam no regime democrático, 92 definham sob o tacão autoritário – e o Brasil corre o risco de passar do primeiro para o segundo grupo.

João Gabriel de Lima - Os comunistas e os brasileiros do meio

- O Estado de S.Paulo

Qualquer sismo na economia pode jogar esses ‘brasileiros do meio’ na pobreza

Chico Buarque fez jingle para Fernando Henrique. Bruna Lombardi deu apoio aos que se opunham à ditadura. A campanha eleitoral de 1978 foi uma das primeiras a trazer artistas para os palanques – e reuniu, do mesmo lado, futuros protagonistas da política nacional. FHC saiu para senador com o apoio de Lula. Eduardo Suplicy se elegeu deputado estadual. Na mesma chapa, José Serra deveria sair para federal. Serra, no entanto, foi barrado pela ditadura, pois era considerado “comunista” – mais perigoso que Lula, FHC ou Suplicy.

Suplicy passou grande parte da vida defendendo um programa de renda mínima. Agora é Serra quem apresenta, no Senado, uma proposta ao estilo de seu ex-colega de palanque. Ah, esses comunistas... (A palavra “comunista”, nesta coluna, é sempre usada como piada.

Como se sabe, nunca houve comunismo a sério no Brasil. Ontem como hoje, usa-se o termo para aterrorizar adultos impressionáveis, da mesma maneira que a expressão “homem do saco” assustava crianças malcriadas).

O auxílio emergencial desencadeou no Brasil um debate sobre renda mínima. Políticos do PP à Rede, passando pelo PSDB de Serra, apresentaram ideias ou escreveram artigos. As filas para receber o auxílio emergencial – imagem que se tornou emblema da tragédia brasileira do coronavírus – chamaram atenção para um contingente que precisamos conhecer melhor: o dos “brasileiros do meio”.

Um desastre de gerações – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao submeter saúde e educação a seus propósitos deletérios, Jair Bolsonaro compromete o futuro de gerações. Essas áreas são a essência da construção da cidadania

O governo de Jair Bolsonaro, ao submeter a saúde e a educação do Brasil a seus propósitos deletérios, compromete o futuro de gerações. Essas duas áreas, mais do que quaisquer outras, são a essência da construção da cidadania. Um país de doentes e semiletrados jamais alcançará um patamar de desenvolvimento considerado satisfatório.

A degradação do Ministério da Educação talvez seja o maior símbolo de um governo cujo espírito é essencialmente destrutivo. O presidente Bolsonaro, que vê comunistas em toda a parte, entende que é preciso arruinar o sistema educacional do País porque este, supostamente, está dominado por doutrinadores de esquerda. Por isso escolheu a dedo seus ministros da Educação.

O primeiro foi Ricardo Vélez Rodriguez, que durou exatos 97 dias no posto. Assumiu o cargo dizendo que “Jair Bolsonaro prestou atenção à voz entrecortada de pais e mães reprimidos pela retórica marxista que tomou conta do espaço educacional”. Sua curta gestão foi marcada por tropeços, mal-entendidos e descontrole, e Vélez Rodriguez acabou demitido por Bolsonaro porque, segundo o presidente, “não tinha essa expertise com ele”. Ou seja, Bolsonaro levou pouco mais de três meses para perceber o que todos já sabiam no instante em que o nome de Vélez Rodriguez foi anunciado - que ele não tinha a menor tarimba para ser ministro da Educação.

Tendo uma segunda chance para acertar em área tão sensível, Bolsonaro dobrou a aposta na mediocridade e no destempero e colocou no Ministério o economista Abraham Weintraub. Ao longo dos 14 meses de sua passagem pela pasta, Weintraub fez exatamente o que o presidente esperava: transformou o Ministério da Educação em cidadela da guerra imaginária do bolsonarismo contra o “marxismo cultural”.

O fator Queiroz – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro não explicou a prisão de ex-assessor do filho na casa de seu advogado

A prisão do policial militar aposentado Fabrício Queiroz apanhou de surpresa o presidente Jair Bolsonaro, que deixou patente seu desconcerto ao se manifestar sobre o assunto na quinta-feira (19).

Em pronunciamento numa rede social, o mandatário cometeu duas vezes o mesmo equívoco, ao dizer que o amigo e ex-assessor parlamentar fora preso sem que houvesse mandado judicial contra ele.

É certo que Queiroz não era foragido da Justiça, como talvez o presidente quisesse sugerir, mas não houve ilegalidade na prisão preventiva, determinada pelo juiz Flávio Itabaiana a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Bolsonaro indicou também que a detenção lhe pareceu desnecessária. Se as autoridades queriam interrogar o ex-assessor sobre as suspeitas que pesam contra ele, argumentou, bastaria marcar o depoimento e avisar seu advogado.

Os promotores tentam ouvir Queiroz há meses, sem sucesso. Ele evitou várias convocações no ano passado, quando tratava de um câncer, e foi poupado no período em que as investigações foram paralisadas por uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

O policial aposentado foi preso agora porque mensagens encontradas em telefones celulares apreendidos recentemente sugerem que ele vinha buscando meios de atrapalhar as investigações que o têm como alvo.

Bolsonaro deve se preocupar com o trabalho – Editorial | O Globo

O enquadramento do bolsonarismo às leis deveria levar o presidente a tratar dos problemas efetivos do país

Bolsonaro, família e seguidores vinham num crescendo de ameaças até que o Judiciário, que opera em outro ritmo, fez movimentos que começaram a fixar limites a devaneios políticos autoritários. Mandados de busca e apreensão determinados pelo juiz Alexandre de Moraes, do Supremo, no inquérito das manifestações antidemocráticas, alcançaram 11 parlamentares bolsonaristas e alguns empresários ligados ao grupo. Funcionaram como uma advertência a quem considera estar fora do alcance da lei porque Jair Bolsonaro se encontra no Planalto e mora no Alvorada.

Um outro inquérito, também com Moraes à frente, sobre a produção de fake news e ataques ao Supremo e a seus juízes, teve a sua constitucionalidade referendada pela Corte, ao mesmo tempo em que o habeas corpus impetrado pelo próprio ministro da Justiça, André Mendonça, um ineditismo, para a retirada do ainda ministro da Educação, Abraham Weintraub, deste caso, não foi aceito.

Weintraub continua sendo investigado devido à agressão que fez aos ministros do Supremo, na reunião ministerial de 22 de abril, ameaçando-os de prisão e chamando-os de “vagabundos”. Talvez considerasse estar longe do alcance da Constituição por se encontrar em uma sala do Planalto.

A desastrosa passagem de Weintraub pelo MEC, um posto estratégico devido aos problemas graves do Brasil na educação, deveria levar Bolsonaro a não nomear militantes para cargos que exigem conhecimentos técnicos.

Marcus Pestana - Estabilidade política e superação da crise

Para o sucesso do país na superação da pandemia e no enfretamento da grave recessão que se desenha no horizonte, um fator é fundamental: a estabilidade política. Por vezes, parece que estamos inacreditavelmente engolfados numa verdadeira marcha da insensatez em meio a uma tempestade quase perfeita.

Os últimos acontecimentos parecem fazer parte de um roteiro de thriller político povoado de fantasmas e ameaças, que tendem a intranquilizar a população, espantar investidores, desestabilizar a economia e tornar ainda mais complexa uma situação já dificílima.

Mantida a marcha atual dos acontecimentos podemos cair no buraco negro de um impasse. Todo impasse requer solução. E não há solução à vista. Seriam quatro os cenários possíveis de desdobramento da crise política.

O primeiro, o fantasma do autogolpe reproduzindo processos que ocorreram na Venezuela, Peru, Itália e Alemanha. Não me parece factível dada às reiteradas manifestações das Forças Armadas em torno da defesa da Constituição e da democracia. O próprio Presidente Bolsonaro, em solenidade recente, reafirmou o compromisso com a estabilidade constitucional, apesar de suas permanentes inquietações retóricas e de espírito.

O segundo seria o impedimento do Presidente pelo Congresso Nacional como ocorreu com Collor e Dilma, revelando a rigidez do sistema presidencialista. Não me parece que esta alternativa esteja na ordem do dia. A caracterização inequívoca de crime de responsabilidade não é questão trivial, não há maioria parlamentar a favor do impeachment e a não há ainda o necessário apoio popular a esta alternativa.

Ricardo Noblat - Weintraub quer deixar o Brasil às pressas para escapar da Justiça

- Blog do Noblat | Veja

Cresce a oposição à sua ida para a direção do Banco Mundial

Subiu no telhado a indicação do ex-ministro Abraham Weintraub, da Educação, para diretor do Banco Mundial. Nunca antes na história do banco uma indicação foi tão bombardeada dentro e fora do país que a patrocinou. Só Weintraub é que comemora.

Manifestos colhem assinaturas para barrar a ida dele para Washington, onde fica a sede do banco. Assinado, um deles, por diplomatas, intelectuais e artistas como Chico Buarque, os manifestos são dirigidos também a governos de outros oito países.

É que o ocupante da vaga na direção do banco que cabe ao Brasil fala também pelos governos da Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trinidad e Tobago. Um nome controverso não interessa a esses países

Luiz Carlos Azedo - Colhendo a tempestade

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense (19/06/2020)

“Weintraub é o terceiro ministro que deixa o governo com projeção na base eleitoral de Bolsonaro. Mandetta, da Saúde, e Moro, da Justiça, passaram à oposição”

Nas circunstâncias atuais, qualquer presidente da República já estaria diante de uma grande borrasca, em razão da pandemia de coranavírus e da recessão econômica dela decorrente. Jair Bolsonaro, porém, conseguiu transformar a crise sanitária e econômica numa tempestade perfeita, ao agregar às contingências exógenas de seu governo uma crise política multifacetada, que, ontem, resultou na saída do polêmico ministro Abraham Weintraub, da Educação. O 10º ministro a deixar o governo, o segundo da pasta, que agora virou objeto dos desejos dos partidos do Centrão.

A saída do Weintraub — histriônico, incompetente e politicamente trapalhão —, desde a semana passada, era pedra cantada. Para a turma do deixa disso, serviria para desanuviar as relações do Palácio do Planalto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, foi eclipsada pela prisão de Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro e ex-assessor parlamentar e motorista do seu filho, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que estava escondido num sítio em Atibaia (SP). O caso Queiroz tira Bolsonaro do sério, pois o amigo e ex-assessor do filho é um homem-bomba: além de suspeito de ser operador financeiro do clã, é peça-chave nas históricas relações do presidente com as milícias do Rio de Janeiro.

Há três dias, Bolsonaro alterna momentos de apatia e grande irritação. Com o apoio dos ministros militares do Palácio do Planalto, bateu de frente com o Supremo Tribunal Federal (STF) e tentou intimidar os ministros da Corte. Nesta semana, deu tudo errado: por 10 a 1, o Supremo resolveu dar prosseguimento ao inquérito das fake news presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, que Bolsonaro considera um desafeto. O magistrado vem promovendo sucessivas ações contra os bolsonaristas radicais.

Raul Jungmann e Mauro Marcondes Rodrigues* - Um presidente americano no BID?

- Capitalpolítico

A terça-feira, dia 16 de junho de 2020, pode ficar marcada na história pela ruptura de um acordo não escrito entre os países latino-americanos e caribenhos e os Estados Unidos, para a condução de uma das instituições financeiras multilaterais mais importantes para os países da Região.

Neste dia, a administração Trump decidiu indicar um cidadão americano, Mauricio Claver-Carone, diretor de assuntos latino-americanos no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, para presidir o Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID.

Embora semelhante ao Banco Mundial, o BID, fundado em 1959, fruto de uma muito bem-sucedida negociação com os americanos, foi estruturado com base numa arquitetura institucional e de governança equilibrada entre os membros beneficiários dos empréstimos (latino-americanos e caribenhos) e os EUA, Canadá e demais membros não regionais.

Os latino-americanos e caribenhos detém, em conjunto, a maioria do capital do BID (50,015%) e, pela regra não escrita desde sua criação, indicam seu Presidente, enquanto os EUA, com 30% do capital votante, sempre ocuparam a posição de Vice-Presidente Executivo da Instituição.

Música | Chico Buarque l A História de Lily Braun / A Bela e a Fera

Poesia | Ferreira Gullar - Cantiga para não morrer

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.