domingo, 20 de setembro de 2015

Opinião do dia – Hélio Bicudo

Porque ela cometeu crimes contra a boa administração, cometeu crimes. As “pedaladas fiscais” são crime de responsabilidade. Você pune um menino de rua que rouba alguma coisa e não vai punir as pessoas que estão no andar de cima? Não pode ser assim.
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Aos 93 anos, o jurista Hélio Bicudo, que ajudou a construir o PT, é o responsável pelo principal pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Entrevista em O Globo, 20 de setembro de 2015.

Planalto aposta n Senado para barrar impeachment

Planalto conta votos no Senado e confia em Renan para barrar impeachment

• Para PT, pedido de impedimento só poderá ser derrubado no Congresso com a ajuda do peemedebista, um aliado de Dilma

Erich Decat e Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Diante do apoio recebido na Câmara dos Deputados pelo movimento em favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o Palácio do Planalto passou a apostar no Senado como a última e mais segura barreira para evitar a interrupção deste segundo mandato da petista.

O Senado é responsável por dar seguimento ao processo após a Câmara dos Deputados autorizar sua abertura. Na quinta-feira passada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recebeu o pedido de impeachment assinado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior.
O texto conta com o apoio de uma frente de oposição e foi considerado reservadamente pelo Palácio do Planalto como sendo o mais bem fundamentado e consistente entre os 13 que atualmente estão na Casa.

Por causa disso, anteontem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com Cunha para pedir a ele que não leve adiante o pedido, tamanha a preocupação com essa possibilidade. No entanto, o diagnóstico do Planalto é de que o presidente da Câmara, rompido com a presidente Dilma, não deverá acatar o pedido de Lula.

Diante dessa adversidade, os governistas mapearam o apoio a Dilma no Senado e já iniciaram o corpo a corpo com a base de apoio à presidente. Desde o retorno do recesso parlamentar, no início de agosto, o governo melhorou suas relações com o presidente da Casa, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o que favorece as articulações.

“Não podemos brincar. Está todo mundo atento ao andamento na Câmara”, afirmou o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). Nas contas realizadas por integrantes da articulação política, haveria 43 votos a favor do impeachment no Senado. Esse número asseguraria a permanência de Dilma na Presidência. Para que ela seja impedida de concluir o mandato são necessários ao menos 54 senadores a favor.

O mapeamento dos votos do governo também foi feito no calor das discussões da cúpula do Palácio do Planalto a respeito da próxima sessão do Congresso, prevista para terça-feira. Na ordem do dia, estarão os vetos presidenciais à chamada “pauta bomba”, integrada por propostas que podem elevar os gastos do governo federal.

Termômetro. Entre as principais preocupações do Executivo está a derrubada do veto ao projeto que estabelece o aumento do Judiciário, que pode causar rombo de cerca de R$ 26 bilhões ao Orçamento da União para 2016. A derrubada de algum veto será considerado um termômetro pelo governo para o processo de impeachment.

A avaliação de integrantes da cúpula do Senado e até lideranças de oposição da Casa é a de que, ao contrário da Câmara, o processo ainda não “está maduro” para o impedimento da petista. Essa foi a constatação feita na madrugada da quarta-feira passada, quando líderes do PMDB se reuniram com Renan.

O entendimento inicial é de que as reações contrárias dos parlamentares da base e do próprio PT aos principais itens do novo pacote deixarão o ambiente em Brasília sob uma nuvem de “total incerteza” quanto aos rumos do atual governo.

No encontro, parte dos presentes considerou que não cabe à cúpula do Senado, neste momento, incentivar um “rompimento democrático”. Parte do grupo ligado a Renan tem o entendimento de que, em meio à falta de solução para as crises política e econômica, assumir o comando do País com o vice Michel Temer (PMDB) traria apenas desgaste à legenda, que trabalha para lançar uma candidatura presidencial em 2018. Segundo esse grupo, é impossível fazer um prognóstico do que pode acontecer no curto prazo e um posicionamento contra ou a favor de um rompimento seria estrategicamente errado.

Mesmo uma coalizão com partidos de oposição, caso Temer assuma o lugar de Dilma, é vista como frágil, uma vez que legendas como o PSDB não detêm uma militância forte que pudesse blindar reações de movimentos sociais ligados ao PT.

Nas hostes da cúpula do PSDB do Senado, também há tucanos, ligados ao presidente da legenda, senador Aécio Neves (MG), derrotado por Dilma na eleição presidencial do ano passado, que consideram que assumir o País agora é “entrar no salão, no fim da festa, e ter que arrumar toda a bagunça deixada pelos adversários”.

Na Câmara, base está fragilizada
A estratégia de focar no Senado parte da avaliação de que a base aliada na Câmara está se desfazendo e hoje conta com entre 150 e 200 deputados fiéis ao governo, margem muito arriscada em se considerando que são necessários 342 dos 513 votos possíveis para o processo ser instaurado. A oposição tem outros números: contabiliza o apoio de 286 deputados. Oficialmente, oposicionistas dizem que o número aumentou, mas não o divulgam.

Errático formulário para gestão da crise vai perdurar

Caio Junqueira - O Estado de S. Paulo

O governo colocou no balcão da política nos últimos dias dois pacotes para serem claramente negociados com a sua base aliada. Um, indigesto, é repleto de medidas impopulares, tem viés econômico e como principal destaque a volta de um imposto em um momento em que a inflação, o desemprego e o endividamento das famílias crescem. O outro é mais digerível, tem viés político e um nome, reforma administrativa. Visa diminuir gastos no próprio governo de modo a capacitar um discurso que sustente a defesa do aumento de impostos do pacote econômico. É vendido como um aceno à sociedade, mas se trata de um prato a ser saboreado apenas pela classe política, tendo em vista seus efeitos praticamente nulos em termos de economia de recursos públicos.

Na ligação entre um e outro pode estar a sobrevida da presidente Dilma Rousseff ou a sua queda. Se o Planalto colocar em negociação os espaços da reforma administrativa, utilizá-los para reaglutinar sua base no Congresso e conseguir aprovar ao menos parte do pacote de medidas econômicas, o governo pode até conseguir respirar por mais um tempo. A um ano das eleições municipais, o meio político está evidentemente com o olho na macropolítica de Brasília e seu imprevisível desfecho. Mas político só sobrevive com voto, que vem das bases, que são movimentadas pelos 5.565 prefeitos do País.

Assim, aprovar aumento de receitas compartilhado com os municípios atende tanto à engrenagem da micropolítica quanto ao redesenho da Esplanada de forma que aliados possam ter mais acesso, por dentro da administração, a recursos financeiros da União que acabem sendo drenados para as prefeituras.

É imensa, contudo, a capacidade da atual gestão de errar na estratégia política. A possibilidade de algum respiro para a presidente nestes dois pacotes tem capacidade de se esvair facilmente se o governo e o PT quiserem manter o desproporcional tamanho de sua presença na Esplanada em relação a seus aliados e, pior, não trazer para o jogo político quem o entende e domina, o PMDB.

Não surpreende, mas os sinais emitidos pelo Planalto foram dados neste sentido. O ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, a despeito da alta rejeição dentre os aliados, fica onde está. Além disso, assume a articulação política o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, ex-presidente do PT que, apesar do bom trânsito no Congresso, mostra que mesmo com uma presidente sob alto risco de queda, o errático formulário petista para gestão da crise vai perdurar.

PMDB já discute quando deixar o governo

• Falta de compromisso com corte significativo de despesas frustra aliados, que preveem aprofundamento da crise

• Decisão do TCU sobre as contas do governo e congresso do PMDB em 15 de novembro são tidos como cruciais

Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - As dificuldades encontradas por Dilma Rousseff para equilibrar o Orçamento do próximo ano ampliaram o distanciamento entre ela e o PMDB, e o partido, que assumirá o poder se a presidente deixar o cargo antes da conclusão do seu mandato, já faz cálculos para tentar prever o melhor momento de abandonar o governo e aderir ao movimento pelo impeachment.

Há consenso na cúpula peemedebista sobre a fragilidade de Dilma e o melhor caminho para lidar com ela. Nas palavras de um líder do partido ouvido pelaFolha na semana passada, o PMDB não deve "enforcar o governo", mas "deixará a corda solta para que este mesmo o faça".

Os peemedebistas acham que a deterioração do cenário econômico nos próximos meses aumentará a insatisfação da população com o desempenho da presidente e não veem possibilidade de reação que tire Dilma das cordas. Segundo o Datafolha, a presidente tinha apenas 8% de aprovação em agosto.

Na avaliação da cúpula do PMDB, dois eventos próximos serão cruciais para a evolução da crise: a esperada reprovação das contas do governo Dilma pelo TCU (Tribunal de Contas da União), na primeira semana de outubro, e o congresso marcado pelo PMDB para 15 de novembro, quando o partido pode oficializar o rompimento com o Palácio do Planalto.

Entre uma data e outra, Dilma seguirá seu calvário. Na próxima semana, ela deverá enfrentar um primeiro teste de fogo na votação dos vetos que impôs a três projetos aprovados pelo Congresso que aumentam as despesas do governo, ameaçando o equilíbrio fiscal.

Mais do que um risco financeiro imediato, uma derrota nessas votações reforçaria as dúvidas sobre a capacidade que a presidente ainda tem de governar.

Outra prova difícil surgirá provavelmente no fim de setembro. Eduardo Cunha indicou a aliados que poderá abrir, a partir do dia 29 de setembro, a discussão sobre o recurso que a oposição quer usar para deflagrar o impeachment de Dilma.

Na próxima semana, ele definirá o rito que seguirá para a votação do recurso, cujo objetivo é autorizar a criação de uma comissão especial para analisar um dos pedidos de impeachment apresentados contra Dilma, liderado pelo advogado Hélio Bicudo, fundador do PT que rompeu com o partido há alguns anos.

Caberá a essa comissão analisar o pedido e submeter seu parecer ao plenário da Câmara, onde serão necessários os votos de 342 dos 513 deputados para autorizar a abertura do processo de impeachment, que levaria ao afastamento de Dilma do cargo e a seu julgamento no Senado federal.

Entre os peemedebistas ouvidos pela Folha nos últimos dias, alguns calculam em dois meses o tempo necessário para que a situação política se defina. Outros preveem que a temperatura da crise continuará elevada no início de 2016.

O governo apresentou, na semana passada, um pacote fiscal de R$ 64,9 bilhões, incluindo cortes de despesas e aumentos de impostos, para equilibrar suas contas, mas seus aliados no Congresso já indicaram que a aprovação das medidas será dificílima.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que se tornou recentemente o único fiador de peso do Executivo no Congresso, confidenciou a amigos na semana passada estar cansado de apoiar um governo que comete erros em sequência, na sua avaliação.

Depois do rebaixamento do país pela agência internacional de classificação de risco Standard & Poor's, Renan esperava que a equipe econômica de Dilma acertasse o passo com o pacote fiscal, mas não encontrou ali sinais de compromisso com cortes significativos de despesas.

Aliados afirmam que o presidente do Senado não pretende fazer nenhum gesto explícito de rompimento como o que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fez em julho, mas poucos veem em Renan disposição de se sacrificar pelo governo.

Agenda da crise

Vetos
Na terça (22), o Congresso poderá derrubar vetos de Dilma a projetos que aumentam gastos públicos e ameaçam o Orçamento

Impeachment
No fim de setembro, a Câmara dos Deputados pode votar recurso para fazer andar um pedido de impeachment de Dilma

Contas
O Tribunal de Contas da União deve julgar as contas de 2014 de Dilma no dia 7 de outubro. A tendência é que sejam reprovadas

Congresso do PMDB
Em 15 de novembro, o PMDB fará um congresso para apresentar um novo programa e pode romper com o governo Dilma

Hélio Bicudo sugere 'governo interino' até nova eleição

• Para jurista, que assinou pedido de impeachment protocolado na Câmara, crise política não se resolve só com saída de Dilma

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

Para o jurista Hélio Bicudo, de 93 anos, um dos signatários do principal pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff protocolado na Câmara dos Deputados, a crise política não se resolverá apenas com a saída dela do Palácio do Planalto. “O melhor seria convocar novas eleições gerais. Mudar toda a Câmara e o Senado seria o remédio mais democrático”, disse ele ao Estado.

Sua ideia sobre a antecipação das eleições prevê um governo interino do vice-presidente Michel Temer que duraria 90 dias. “É possível antecipar por meio de um decreto partindo do Executivo. Vamos convocar e ver que bicho dá.”

Cortejado pela oposição desde que decidiu assinar a petição, Bicudo passou a ser criticado pelos petistas nas redes sociais, que questionam o fato de ele ser classificado como “fundador do PT”. Para “corroborar” a tese de que o jurista estaria sendo “manipulado”, defensores da presidente divulgaram um texto escrito por um dos sete filhos de Bicudo, José Eduardo Pereira Bicudo, que afirmou que o pai “está sendo usado pelos articuladores do golpe”.

“Criei meus filhos democraticamente. Nunca exigi fidelidade aos meus pontos de vista. Atuo segundo minha consciência”, afirma. O jurista foi candidato a vice de Luiz Inácio Lula da Silva em sua primeira disputa eleitoral, para o governo de São Paulo, em 1982. Depois disso, foi deputado federal pelo PT e ocupou vários cargos na sigla, tendo sido vice-prefeito de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo. Seu rompimento com o partido ocorreu em 2005, após a divulgação do caso do mensalão.

“Essas pessoas que me criticam hoje nas redes sociais talvez nem me conheçam. Faz dez anos que deixei o PT.” Apesar de dizer que não se incomoda com críticas de ex-aliados, Bicudo responde no mesmo tom. “O PT tornou-se ponto de partida para enriquecimento ilícito.”

Ele também se irrita quando alguém classifica sua iniciativa como “golpe”. “Impeachment não é golpe coisa nenhuma. É um processo legal, jurídico. Dizer que é golpismo é escapismo, é fazer discussão política de baixo nível”, afirmou o jurista.

Parceria. A parceria com Miguel Reale Júnior , que foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, no pedido de impeachment reuniu pela primeira vez os dois juristas no mesmo campo político. Em um ato simbólico, os dois foram juntos na semana passada a um cartório de São Paulo para registrar o documento que foi protocolado na Câmara. Na hora da assinatura, ativistas entoaram palavras de ordem contra o PT e foram aplaudidos por Bicudo.

Ao falar sobre a aproximação com Reale, ele recordou de uma passagem curiosa. “Quando fiz a Faculdade de Direito na São Francisco nos anos 1940, nós estávamos unidos contra a ditadura do Getúlio Vargas. Havia na época uma reação muito forte contra o professor Miguel Reale, pai do Reale Júnior, porque ele era do Partido Integralista. Havia repulsa por ele ser professor. No dia em que foi dar sua primeira aula de Filosofia do Direito, em 1946, foi uma gritaria na Faculdade de Direito.” Segundo Bicudo, naquele tempo, o Largo de São Francisco era uma “praça de guerra”.

Jurista atuou contra grupo de extermínio
Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo na turma de 1947, Hélio Bicudo, de 93 anos, é uma referência na militância pelos direitos humanos.

Como procurador de Justiça no Estado de São Paulo, ficou conhecido internacionalmente por combater o Esquadrão da Morte, durante a ditadura militar, e conduzir investigações sobre violações dos direitos humanos. Em 1982, foi candidato a vice de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pelo governo de São Paulo pelo PT.

Em 1986, disputou o Senado pelo partido, ficando em terceiro lugar, atrás dos eleitos Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, então no PMDB. Foi secretário de Assuntos Jurídicos de São Paulo na gestão de Luiza Erundina de 1989 a 1990. Naquele ano, elegeu-se deputado federal.

Em 2000, foi eleito vice-prefeito de São Paulo na chapa de Marta Suplicy, que governou a capital até 2004. Em 2016, Bicudo diz que pretende fazer campanha para que ela volte ao cargo, agora filiada ao PMDB.

Filiado ao PT desde a sua fundação, saiu do partido em 2005, depois do escândalo do mensalão. Em 2010, declarou apoio a Marina Silva (PV) no 1.º turno e a José Serra (PSDB) no 2.º turno.

União incha quadro de pessoal de 18 estatais

• Empresa do inexistente trem-bala e a bem-sucedida Embrapa estão no grupo

Número de funcionários cresce 11 mil desde 2009, e gasto com folha dobra em cinco anos. Tesouro desembolsa R$ 15 bi, mas companhias destinam menos de um terço do dinheiro a investimentos

As 18 estatais que dependem de recursos da União têm 47.333 funcionários e dobraram seus gastos com a folha de pagamentos nos últimos cinco anos. Juntas, receberam R$ 15 bilhões do Tesouro Nacional em 2014, mas destinaram apenas 28% desse orçamento a investimentos, informam RUBEM BERTA, CÁSSIA ALMEIDA e MARCELLO CORRÊA. O grupo inclui desde a Embrapa, referência em pesquisa agropecuária, até a Empresa de Planejamento Logístico (EPL), criada para planejar o trem-bala, que não saiu do papel.

Estatais dependentes e inchadas

• Gastos com 18 empresas da União chega a R$ 15 bilhões, e custo de pessoal dobra em cinco anos

Ruben Berta, Cássia Almeida e Marcello Corrêa - O Globo

Há nomes pouco conhecidos como Amazul, Imbel e EPL. Outros que, à primeira vista, podem remeter a um passado distante, como a CBTU. E aqueles que são sinônimo de referência no setor onde atuam, como a Embrapa. Mas o fato é que, nos anos que antecederam a atual crise econômica, um grupo de 18 estatais, classificadas como dependentes do Tesouro Nacional, inchou seus quadros de pessoal às custas da União, sem que o volume de investimentos crescesse no mesmo ritmo.

Dados levantados pelo GLOBO no site do Departamento de Coordenação e Governança de Empresas Estatais (Dest) mostram que essas empresas saíram de um total de 36.488 funcionários em 2009 para 47.433 em 2013, um aumento de 30%, ou quase 11 mil contratações. Os números se completam com os dados do Orçamento federal que revelam que, entre 2009 e 2014, os recursos destinados ao pagamento da folha dessas companhias saltaram de R$ 3,5 bilhões para R$ 7,3 bilhões no ano passado. Enquanto os recursos dobraram, os investimentos dessas empresas tiveram um crescimento mais modesto, de 47,2% no período. Os valores investidos somaram R$ 4,3 bilhões e representaram menos de um terço (28,5%) do Orçamento da União com essas empresas, que foi de R$ 15,1 bilhões.

O papel das estatais é posto em xeque no momento que o Brasil perdeu o grau de investimento de uma das principais agências de classificação de risco, a Standard & Poors, este mês, por não ter conseguido cortar gastos públicos, e o país corre o risco de ter o terceiro déficit fiscal seguido no ano que vem.

Professor e pesquisador da Fundação Dom Cabral nas áreas de logística, planejamento e transportes, Paulo Resende é categórico ao analisar o papel das estatais no Brasil:

— Estatais operadoras estão em extinção no mundo desenvolvido.

O professor pesquisou o papel das estatais nos Estados Unidos, na Alemanha e no Canadá. Nesses locais, o Estado cuida do planejamento, da regulação e da fiscalização. A operação fica com a iniciativa privada. Para ele, adotar esse modelo traria grande redução da máquina pública:

— A iniciativa privada capta dinheiro, tem que pagar a longo prazo. Transforma o projeto que ela está gerenciando, implementa imediatamente no DNA do processo a visão de longo prazo, para ter o melhor retorno possível.

O Dest, que avalia o quantitativo máximo de contratação das estatais, argumenta que o aumento do quadro de pessoal foi necessário para “a substituição de terceirizados (grande parte para atender determinações do Tribunal de Contas da União) e para a ampliação do atendimento à população em áreas como mobilidade urbana e saúde”.

Ao todo, a União tem 143 estatais, segundo os dados mais recentes do Dest, de 2013. A maioria faz parte do Grupo Petrobras (54) ou da Eletrobras (20). Há também as independentes do Setor Produtivo Estatal (SPE): são 33 empresas não financeiras, nas quais a União quase sempre é acionista majoritária ou mesmo única. São exemplos a Telebras e companhias Docas de vários estados.

São 18, porém, aquelas classificadas como dependentes do Tesouro, que entram diretamente no Orçamento Fiscal da União. Entre essas, outro indicador que chama a atenção é o desempenho financeiro. Dois terços (12) fecharam 2013 no vermelho. Na soma de todos os balanços, houve um prejuízo de R$ 1,8 bilhão. Em 2009, foi de R$ 179 milhões. Apesar de servir como um dos indicadores da eficiência ou não das estatais, esse rombo, segundo o Dest, não é coberto com dinheiro do caixa da União.

Um bom exemplo desse Estado inchado é a Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Criada em 2012 para planejar a construção do trem-bala — projeto que não saiu do papel e cujo edital mais recente é de 2013 —, ela está entre as que aumentaram o número de funcionários. Foi fundada com 65, e hoje tem 161 — número que chegou a ser de 185, mas foi reduzido por causa do ajuste fiscal. Em nota, a EPL explicou que o aumento foi necessário para atender às demandas do Plano de Investimentos em Logística (PIL).

Para especialistas, a função da EPL — projetar obras de infraestrutura no país — poderia ser desempenhada pelo próprio Ministério dos Transportes.

— São empresas que, de certa forma, ajudam a gerenciar a ação do governo para o setor. A criação da EPL foi de certa forma o reconhecimento que, dentro do ministério, não havia essa expertise. É uma empresa que tem atribuições de ministério — explica Maurício Canêdo Pinheiro, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Metrô em Recife, sede no Rio
Outro caso que chama a atenção é o da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Criada em 1984, a empresa opera o metrô em quatro cidades do Nordeste e em Belo Horizonte, mas tem sede principal no Rio de Janeiro. — Na década de 1980, a CBTU teve um papel importante na formação do Sistema Estrutural Integrado de transportes de Recife, mas atualmente é quase que um elemento estranho, que não interage com as autoridades locais no planejamento futuro — avalia o professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Fernando Jordão. A CBTU vem acumulando prejuízo ano a ano. Em 2014, passou de R$ 700 milhões. Em março deste ano, começou a ser investigada pela Procuradoria Geral da República por suspeitas de “pagamento de vantagens indevidas” envolvendo a estatal, em 2012, com base em denúncias do doleiro Alberto Youssef. A estatal afirmou, através de sua assessoria de imprensa, que está colaborando com os órgãos de controle nas apurações do caso. A CBTU também alegou que vem aumentando o número de passageiros atendidos: em 2014, foi transportada uma média de 594,6 mil passageiros por dia útil, 5,3% mais que em 2013.

Congresso cobra cortes, mas aprova despesas bilionárias

• Governo tenta manter vetos de Dilma a projetos da pauta-bomba

Pauta do Congresso anula cortes propostos por Dilma

• Projetos aprovados em 2015 elevam gastos em R$ 22 bilhões no próximo ano

• Vetos da presidente a reajuste salarial de servidores e benefícios para aposentadorias serão analisados terça

Ranier Bragon, Mariana Haubert - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Apesar de cobrar reduções maiores nas despesas do governo, o Congresso aprovou em 2015 projetos que, se entrarem em vigor, levarão a um gasto extra anual de R$ 22 bilhões, que praticamente anula o corte proposto pelo governo Dilma Rousseff para tentar equilibrar o Orçamento em 2016, que é de R$ 26 bilhões.

Sob a liderança dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), os congressistas abriram os cofres públicos principalmente para os funcionários públicos e os aposentados.

Três dos projetos aprovados foram barrados pela caneta presidencial, mas poderão entrar em vigor na próxima terça-feira (22), quando o Congresso tem sessão marcada para analisar os vetos impostos por Dilma.

O Palácio do Planalto e congressistas consideram grandes as chances de a presidente ser derrotada nessas votações, o que contribuiria para aumentar as desconfianças sobre sua capacidade de reequilibrar as contas públicas.

Um dos grandes temores do Executivo é o projeto que dá reajuste salarial médio de 59,5% aos servidores do Judiciário nos próximos quatro anos. O impacto previsto pelo Planalto é de R$ 25,7 bilhões até 2018 e de R$ 10 bilhões por ano daí em diante.

Os servidores fizeram protestos barulhentos no Congresso nos últimos meses e prometem voltar na terça. Para que um veto de Dilma seja derrubado é preciso o voto de, pelo menos, 257 dos 513 deputados e 41 dos 81 senadores.

Os partidos que dão sustentação a Dilma no Congresso têm no papel número suficiente para evitar uma derrota, mas, na prática, sua fidelidade foi corroída pela baixíssima popularidade da presidente e pelas trombadas políticas dos últimos meses.

Outros dois projetos da pauta-bomba, vetados por Dilma, são o que estende a todos os aposentados a política de valorização do salário mínimo e o que cria uma alternativa ao chamado fator previdenciário, mecanismo que reduz o valor de aposentadorias precoces. A primeira medida, por si só, acarretaria um custo extra de R$ 135 bilhões até 2030, diz o Ministério da Previdência Social.

O líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), disse que, se o Planalto achar que há risco de derrota, adotará a mesma estratégia usada há mais de cinco meses: tentar esvaziar a sessão para que falte quórum para deliberar no plenário.

"A gente não pode fazer uma votação no Congresso se a gente não tiver a convicção do resultado com relação aos vetos", disse Delcídio. "Hoje, uma derrubada de vetos seria muito ruim, geraria uma instabilidade política forte."

Segundo Delcídio, a manutenção dos vetos da presidente representaria uma grande vitória e abriria "uma avenidona aí pela frente para debater os projetos econômicos".

Paternidade
O debate sobre a paternidade da aprovação desses projetos em um momento de aperto orçamentário divide opiniões. Reservadamente, o Palácio do Planalto aponta o dedo para Cunha e Renan, responsáveis pela decisão de colocar os temas em votação.

Os dois peemedebistas, porém, lembram que todos esses projetos foram aprovados com o apoio de ampla margem da base governista, incluindo o PT, e que o Planalto só se moveu de fato para tentar negociar quando o caldo já estava para entornar.

Em praticamente todos os temas da chamada pauta bomba, a oposição votou pelo aumento de gastos –inclusive a bancada do PSDB, partido que criou o fator previdenciário, com o argumento de que a medida já havia cumprido seu ciclo histórico.

Um dos deputados que atuaram na linha de frente pela aprovação dos projetos pró-aposentados, Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), acha que não há como negociar um meio-termo com o governo. "Antes da crise política e econômica, há uma crise de credibilidade. Esse governo não tem nenhuma", disse o deputado.

Ele afirma ter orientado as associações de aposentados a pressionar os senadores. Em sua avaliação, na Câmara já há votos suficientes para derrubar os vetos de Dilma.

A recente retirada do selo de bom pagador do Brasil pela agência internacional de classificação de risco Standard & Poor's também provocou embates entre o governo Dilma e o Congresso.

A agência rebaixou a nota brasileira apontando como justificativa a situação frágil das contas públicas e a decisão do governo de mandar sua proposta de Orçamento para 2016 com deficit de R$ 30,5 bilhões. Em seu relatório, a Standard & Poor's apontou a "dinâmica fluida no Congresso" como uma das fontes de risco para a política fiscal do governo Dilma.

Além dos projetos da pauta bomba, o Congresso também reduziu a economia prevista no pacote de ajuste fiscal elaborado pelo governo Dilma no primeiro semestre.

'Avançaram sobre o dinheiro público', diz Gilmar Mendes

• 'O que vem se revelando na Lava Jato indica que era preciso verter recursos diretamente para o partido', disse o ministro do STF

José Maria Tomazela - O Estado de S. Paulo

CAMPINAS (SP) - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes voltou a acusar o PT de retirar recursos públicos de forma ilícita da Petrobrás para financiar o partido. "Eles avançaram sobre o dinheiro público, pois esse era o dinheiro da estatal", afirmou, na abertura do 4º Fórum Nacional de Agronegócios, neste sábado, 19, em Campinas. Instado a explicar o termo 'cleptocracia', que havia utilizado numa referência ao governo do PT, ele confirmou que em grego significa o poder nas mãos de ladrões.

De acordo com Mendes, o termo lhe ocorreu durante a discussão sobre o financiamento de partidos políticos no Supremo. "Chamei a atenção, a partir do meu voto sobre a questão do financiamento dos partidos. O que vem se revelando na Lava Jato indica que era preciso verter recursos diretamente para o partido. Um terço pelo menos dos recursos que eram tirados extraordinariamente dos contratos da Petrobrás, segundo as delações, tinham de ir para o partido. Isso significa que o patrimônio público pertence ao partido. Instalou-se uma forma de retirar recursos de uma forma ilícita. Isso tinha que ser denominado. O que é isso, é uma cleptocracia."

À menção do repórter de que, para os gregos, cleptocracia significa o poder na mão de ladrões, ele assentiu. "Sim, é isso." Ao ser lembrado de que o PT pretende processá-lo pelos ataques ao partido, Mendes desdenhou: "Espero que não me imputem ter matado o Celso Daniel", referindo-se ao ex-prefeito de Santo André, do PT, assassinado em 2002 por supostamente ter se oposto a um esquema de corrupção na prefeitura. Perguntado sobre a possibilidade jurídica do pedido de impeachment da presidente proposto pela oposição, ele disse que não iria emitir juízo, pois se trata de competência do Congresso. "Mas a gente percebe que tem de haver uma solução política para uma grave crise política.

Sobre a decisão do STF de barrar doações de empresas para partidos políticos e candidatos, Mendes disse que não concorda, mas vai cumpri-la. Ele disse preferir o desgaste dos debates, inclusive entre os poderes, à "paz de cemitério". Para o ministro, proibir a doação de empresas não impede a corrupção. "Já existe o dinheiro, o dinheiro de caixa dois que será distribuído por CPF. Estamos criando mais uma jabuticaba, criando algo que só existe no Brasil."

Perguntado se o Brasil voltou à era Collor, ex-presidente que sofreu impeachment, ele disse que são momentos diferentes. "Hoje o país está mais ativo, mas em termos de dimensão de escândalos é evidente que hoje é muito mais grave.

Durante o evento, que teve a participação de lideranças do agronegócio, ex-ministros e parlamentares, Gilmar Mendes falou sobre temas caros aos ruralistas, como o direito de propriedade, a questão dos quilombolas e a demarcação de terras indígenas. "É fundamental que enfatizemos a necessidade de segurança jurídica e que não subvalorizemos o direito de propriedade. Chamei a atenção para a questão dos quilombolas, das terras indígenas de das fronteiras entre Estados, porque são questões que geram insegurança jurídica", explicou.

Contra impeachment, Dilma quer negociar três ministérios para o PMDB

Valdo Cruz, Flávia Foreque – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff sinalizou que vai negociar com o PMDB a indicação de pelo menos três nomes para compor seu novo ministério e atender principalmente os grupos do Senado, da Câmara dos Deputados e do vice-presidente Michel Temer.

Principal aliada do governo, a legenda vem sofrendo pressões para liderar o movimento de impeachment da petista. O Palácio do Planalto teme que o partido rompa com a presidente, abrindo espaço para a aprovação na Câmara de um pedido de afastamento da petista.

Segundo a Folha apurou, a ministra Kátia Abreu (Agricultura), senadora pelo PMDB, entrou em contato com peemedebistas e transmitiu o desejo da presidente de negociar a indicação de nomes ligados ao vice-presidente, ao presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e ao líder do partido na Câmara, deputado federal Leonardo Picciani (RJ).

O fato de os primeiros contatos terem sido feitos pela ministra peemedebista causou desconforto dentro do partido porque ela não seria a liderança peemedebista indicada para falar oficialmente em nome do partido.

Até o início da tarde deste sábado (19), a presidente Dilma não tinha conversado diretamente com o vice Michel Temer, que retornou de viagem à Rússia na sexta-feira (18).

Com o agravamento da crise política e econômica, Dilma busca se aproximar de lideranças do PMDB, como sugeriu o ex-presidente Lula –os dois se reuniram na quinta (17) em Brasília.

No comando do Senado, Renan tem papel relevante na votação da chamadaAgenda Brasil, lista de propostas apresentada pelos senadores para a retomada do crescimento econômico do país.

Na Câmara, Picciani comanda a maior bancada da Casa, onde um eventual processo de impeachment tem início. Sem o apoio do PMDB, a oposição dificilmente conseguiria aprovar a abertura de um processo de impeachment contra a petista.

Reforma
Neste sábado, a presidente reuniu-se no Palácio da Alvorada com os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Nelson Barbosa (Planejamento) para discutir a reforma administrativa e ministerial que prometeu anunciar até a próxima quarta-feira (23).

A presidente prometeu cortar pelo menos dez ministérios, o que pode reduzir o número de pastas destinadas a aliados no governo.

Hoje, o PMDB comanda os ministérios da Agricultura, Minas e Energia, Turismo, Pesca, Portos e Aviação Civil. Na reestruturação do ministério, algumas destas pastas podem ser fundidas com outras, tirando espaço do PMDB no governo Dilma.

Atualmente, o senador Renan Calheiros não conta com nenhum nome de sua indicação no ministério da presidente Dilma. Picciani também não. Já o vice-presidente conta com nomes de sua confiança em pelo menos duas pastas, Aviação Civil com Eliseu Padilha e Henrique Eduardo Alves no Turismo.

Alckmin nega apoio à CPMF e defende que governo federal diminua custos

Luiz Felipe Leite – Folha de S. Paulo

CAMPINAS (SP) - O governador Geraldo Alckmin (PSDB) negou neste sábado (19) apoio para a criação da CPMF, uma das iniciativas do governo federal para tentar equilibrar as contas públicas e conter a crise econômica.

A declaração foi feita após a abertura de um evento para empresários do agronegócio, realizado em Campinas (93 km da capital paulista).

Segundo o mandatário tucano, antes de criar mais taxas, é necessário "diminuir o tamanho do governo", pois é perigoso onerar a sociedade em um momento de recessão.

"Essa iniciativa não terá nosso apoio. Claro que há momentos de exceção, mas antes é preciso diminuir os custos para depois gerar receitas. Isso impede o crescimento do Brasil", disse.

Por incidir sobre qualquer movimentação financeira, a cobrança da CPMF atinge consumidores individuais que possuem conta em banco e qualquer empresa que faça transferências de valores no sistema bancário.

Alckmin também falou sobre as ações que estão sendo feitas no Estado mais rico da federação para tentar conter a crise econômica, porém não citou valores e nem prazos.

"Nós cortamos uma secretaria [Desenvolvimento Metropolitano, extinta em fevereiro do ano passado], também tiramos três fundações, além das vendas de um helicóptero e um avião pertencentes ao governo. Também estipulamos uma meta para redução de custos para cada secretaria", disse.

As fundações, segundo ele, foram o Cepam (Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal), Ceret (Centro Educativo, Recreativo, Esportivo do Trabalhador) e a Sutaco (Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades).

No mês passado, quando o governo estudava a possibilidade de propor a recriação da CPMF, Alckmin já havia se manifestado contra o imposto.

Alckmin diz que não vai apoiar ajuste fiscal e CPMF

• Para governador de São Paulo, Brasil tem governo demais e PIB de menos e, como 'não cabe um no outro, tentação é aumentar impostos para equilibrar as contas'

José Maria Tomazela - O Estado de S. Paulo

CAMPINAS (SP) - O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), disse neste sábado, 19, em Campinas, que seu governo não vai apoiar o plano de ajuste fiscal do governo federal e a possível recriação de uma contribuição nos moldes da extinta CPMF. “Não vai ter o nosso apoio. O que é preciso é enxugar o tamanho do governo”, afirmou. Ele disse que, ao perceber a crise, o governo de São Paulo fez o dever de casa, tendo fechado uma secretaria e três fundações – a quarta ainda será extinta. “Vendemos um avião a jato, um helicóptero, reduzimos frota de automóveis, diárias, horas extras”, relatou.

Segundo Alckmin, o Brasil tem governo demais e Produto Interno Bruto (PIB) de menos. “Como não cabe um no outro, a tentação é aumentar impostos para equilibrar as contas, o que, num momento de recessão, vai agravar a crise. Em momentos excepcionais isso até pode ser necessário, mas o primeiro esforço tem de ser de redução de despesas.” Ainda segundo o governador, o Planalto precisa acelerar o crescimento. "Se o país não retomar o crescimento, o ajuste fiscal não funciona porque a arrecadação vai cair mais. O foco está equivocado e a solução, de aumentar a carga tributária, ainda mais equivocada.”

Perguntado sobre a afirmação do ministro Gilmar Mendes, de que o Brasil vive uma cleptocracia, Alckmin disse que é necessário apoiar a investigação que está em curso. “Estamos passando por um processo importante de investigação, apuração e punição, o que é fundamental. Os crimes do colarinho branco, você tem em muitos lugares, o que não pode ter é impunidade. O que a gente verifica é que não são casos isolados. Você tem de maneira mais sistêmica na área federal, e principalmente no caso das estatais, uma promiscuidade entre o público e o privado que precisa ser corrigida.”

‘Não vejo Temer conspirando’, diz Serra

Entrevista. José Serra

• Senador tucano condiciona apoio a eventual governo do vice de Dilma, de quem é próximo, à adoção do parlamentarismo em 2018

Adriano Ceolin – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA- José Serra (PSDB) e Michel Temer (PMDB) quase sempre atuaram juntos na vida pública. Uma das exceções ocorreu na eleição de 2010, quando ficaram em lados opostos: o tucano disputou pela segunda vez a Presidência e o peemedebista integrou a chapa adversária, como candidato a vice de Dilma Rousseff (PT). Serra saiu derrotado e Temer passou a dar expediente de forma discreta num prédio anexo ao Palácio do Planalto.

Neste ano, com o agravamento das crises política e econômica, os dois ressurgiram como protagonistas. Para muitos, Temer personaliza a solução para o governo voltar a ter credibilidade e sair da paralisia. De volta ao Senado, Serra é apontando como um dos líderes no Congresso que podem ajudá-lo na tarefa.

Em entrevista ao Estado, o tucano diz por que o mandato de Dilma caminha para o seu fim e como deve se dar a adesão dos tucanos a um eventual governo Temer: “Certamente o PSDB apresentaria algumas condicionantes. Do ponto de vista político, para mim, uma das condições mais importantes seria a implantação do parlamentarismo, a partir de 2018”.

Neste ano, o senhor já se encontrou algumas vezes com o vice-presidente Michel Temer. O que conversou com ele?

Conheci o Michel no movimento estudantil. Ficamos próximos no governo Franco Montoro (1983-1987), quando fomos secretários do Estado. Em 2002, ele foi decisivo para que o PMDB me apoiasse para a Presidência. Na minha opinião, o Michel tem tido uma postura de equilíbrio em relação ao governo. Recentemente, tivemos poucas conversas. Não o vejo conspirando. Como há a possibilidade do impeachment, ele tornou-se uma figura central na política brasileira e, evidentemente, objeto de toda sorte de interpretações.

Temer seria um bom presidente da República neste momento de crise?

Ele tem muita experiência política e formação intelectual. O próximo presidente comerá o pão que o diabo amassou. Indigesto ou não, terá de fazer isso. É claro que é possível sairmos da crise. Quando houve o impeachment do Collor, o Itamar (Franco, vice-presidente) assumiu e conseguiu formar um governo de quase união nacional. Fatores inesperados são sempre essenciais. Vale lembrar o Machado de Assis no livro Esaú e Jacó: “O imprevisto é uma espécie de deus avulso, ao qual é preciso dar algumas ações de graças; pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos”.

Em caso de impeachment, o PSDB deve fazer parte de um governo Temer?

Certamente o PSDB apresentaria algumas condicionantes. Do ponto de vista político, para mim, uma das condições mais importantes seria a implantação do parlamentarismo, a partir de 2018.

Acredita que o PSDB faça essa exigência?

O PSDB sempre foi parlamentarista. Fernando Henrique, Mario Covas, Montoro, José Richa, eu mesmo e vários outros tentamos aprovar esse sistema de governo durante a Assembleia Constituinte. O PMDB, ao qual pertencíamos, se dividiu. Esse foi um dos motivos que nos levaram a fundar o PSDB, em 1988.

Mas como convencer a população de que a saída é o parlamentarismo?

O presidencialismo não é um sistema ágil para você promover a mudança de governo. Ao contrário. Num momento de crise como este, nós poderíamos fazer uma troca sem muita dificuldade. Recentemente, na Grécia, trocaram o primeiro-ministro quando ele perdeu o apoio de um terço do seu partido e foi preciso reconstruir uma maioria. A Austrália, que tem uma economia estável e uma democracia consolidada, mudou quatro vezes de primeiro-ministro nos últimos anos. Isso não trouxe maior instabilidade.

Mas como fazer a população confiar no Congresso?

No parlamentarismo, o Congresso fica mais responsável. O parlamentar vota de forma mais consciente. Se aqueles que apoiam o governo votarem contra projetos do primeiro-ministro ou apoiarem alguma loucura fiscal, ele cai e tem de ser formado novo governo, com outra maioria e outro programa de ação. Isso coloca em risco o poder do próprio parlamentar. As eleições para a Câmara podem até ser antecipadas. Por isso, quem pertence à maioria passa a ter mais compromisso.

Como convencer os demais partidos? O PT, por exemplo, é presidencialista.

Quando foi fundado, havia muitos parlamentaristas no PT. Isso mudou depois, principalmente durante a votação do plebiscito sobre sistema de governo em 1993, quando eles acharam que o Lula poderia chegar à Presidência. Mas o PT vai estar muito enfraquecido nos próximos anos.

Como o senhor avalia a crise?

Vivi duas grandes crises políticas. A do João Goulart, em1964, que foi deposto por um golpe militar, e a do Salvador Allende, em 1973, no Chile, onde eu morava, no exílio. A crise do governo Dilma é, sob certo ângulo, mais difícil. Porque ela é política, econômica e moral. Mesmo nas vésperas do golpe que o derrubou, o Jango tinha uma popularidade alta. O país estava dividido. Hoje 90% da população está contra a presidente.

O senhor acredita que ela não termina o mandato?

Não tenho bola de cristal nem estou fazendo torcida, mas está ficando cada vez mais difícil ela permanecer.

O rebaixamento da nota do País pela agência de risco Standard & Poor’s aumentou a temperatura para o impeachment?

Fragilizou ainda mais o governo, trouxe maior insegurança quanto ao seu futuro. Agora, o rebaixamento se deveu à inabilidade da presidente, que não devia ter enviado ao Congresso um Orçamento com um déficit primário.

O que o senhor achou do pacote da equipe econômica?

Independentemente do seu mérito e possível eficácia, o anúncio chegou muito atrasado. Isso é incompreensível. O governo devia ter feito quando apresentou seu programa de ajuste, no início de 2015.

Há algo de bom no pacote?

Com certa boa vontade, posso dizer que o maior controle para que o teto de remuneração do serviço público não seja fraudado é correto. É preciso criar um sistema que impeça que o teto seja ultrapassado. A renegociação dos contratos também é uma medida adequada, mas tardia.

E a CPMF?

Independentemente do mérito, não há tempo para aprovar. A tramitação de uma proposta de emenda constitucional é muito lenta. A base do governo está cada vez mais desarticulada. O Congresso sempre resiste a votar aumento, renovação ou criação de impostos. Em 2007, quando o Lula detinha alta popularidade e os governadores, como eu e o Aécio (Neves), apoiávamos a prorrogação da CPMF – contanto que ela fosse mesmo destinada à Saúde – o Senado derrotou a proposta. Nas atuais condições, acho uma missão praticamente impossível.

‘Ela (Dilma) cometeu crimes’, diz Hélio Bicudo

Aos 93 anos, o jurista Hélio Bicudo, que ajudou a construir o PT, é o responsável pelo principal pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, apresentado na Câmara dos Deputados. Hoje, ele se diz decepcionado com o partido e nega ter simpatia

Mariana Sanches - O Globo

Por que o senhor defende o impeachment da presidente Dilma?

Porque ela cometeu crimes contra a boa administração, cometeu crimes. As “pedaladas fiscais” são crime de responsabilidade. Você pune um menino de rua que rouba alguma coisa e não vai punir as pessoas que estão no andar de cima? Não pode ser assim.

O senhor acredita que a presidente Dilma tem responsabilidades nos crimes apurados na Operação Lava-Jato também?

Se eu não achasse que ela cometeu crimes, não teria feito o pedido.

Como o senhor imagina que seria um eventual governo Michel Temer?

Eu não tenho bola de cristal. Mas, se a Dilma cair, vai haver uma ruptura muito grande na estrutura de poder do país. Muitas coisas devem se reorganizar.

Alguns de seus filhos têm dito que o senhor cometeu um erro e está sendo manipulado ao fazer o pedido de impeachment. Como o senhor responde?

Problema de família trato dentro de casa, não em jornal. Se estou magoado ou não, o problema é meu.

Qual é a sua decepção com o PT?

Depois de chegar ao poder em 2002, e até um pouco antes, o PT perdeu a suas bandeiras. Foi um processo. Não só a bandeira da ética, mas outras tantas. O partido adotou posturas questionáveis para se manter no poder. O sentimento que tenho é de decepção.

Durante 25 anos, o senhor foi próximo ao expresidente Lula. Como o vê hoje?

Lula nunca é próximo de ninguém. Ele é próximo dele próprio e de seus interesses. Eu caí nessa armadilha, mas hoje eu sei que ele só está em busca de vantagem para ele e para sua família.

O senhor acha que o ex-presidente Lula buscou enriquecimento pessoal e pode vir a ser pego na Operação Lava-Jato?

Eu acho que se (os investigadores) quiserem pegar, vão pegar.

“As ‘pedaladas fiscais’ são crime de responsabilidade. Você pune um menino de rua que rouba alguma coisa e não vai punir pessoas no andar de cima?”

Luiz Sérgio Henriques* - De novo, o centro político

- O Estado de S. Paulo

Na política brasileira, este não será um tempo revolucionário, em que os acontecimentos adquirem velocidade imprevista e transformações qualitativamente decisivas parecem concentrar-se em poucas horas ou semanas. Dito isso, a forma como se manifesta o fim da “hegemonia” lulopetista e se decide o destino do segundo governo Dilma, precoce e irremediavelmente envelhecido, não dará aos dias que correm a monótona sensação de serem um longo e único dia, como acontece aos períodos de relativa calmaria social e normalidade política.

Por mais áspero que seja o conflito - e por mais deletérias que sejam as possibilidades de regresso, já atingindo a mobilidade ascendente que se costuma associar erroneamente só aos governos petistas -, o fim daquela “hegemonia” não contém elementos catastróficos. O petista mais fervoroso não argumentará que os governos de Lula e Dilma significaram ruptura na formação histórico-social, da qual não é possível recuar a não ser tragicamente, com mortos e feridos em barricadas imaginárias. E o tucano menos afeito à dimensão social-democrata da própria sigla não se colocará contra a expansão do consumo privado (e, portanto, de relações mercantis) na primeira década do século. De fato, é caricata a imagem do opositor elitista ou racista a reclamar de aeroportos superlotados ou do caráter popular que, enfim, teria assumido o ensino na pátria educadora.

Extravagância retórica à parte, o fim de qualquer ciclo e a forte turbulência em torno do mandato de um governante eleito implicam emoções garantidas, torcidas organizadas e vaivéns inesperados. O palco de um drama desta natureza - de todo modo, bem menos agudo do que uma tragédia - nunca é unidimensional, envolvendo ao mesmo tempo cenas de rua e ambientes institucionais. Em tela de juízo, por força das coisas, um importante ator da esquerda realmente existente, não daquela que idealmente poderia ter-se constituído no correr da redemocratização, mais permeável às exigências de uma sociedade que recusa simplificações e que, pelo menos em tese, todos descrevem como a caminho de se tornar majoritariamente de classe média.

A legítima aspiração daquele ator a dirigir a sociedade, o que numa sociedade livre se disputa em última análise nas urnas e está sempre posto em questão, geralmente não recorreu às formas altas de hegemonia. Esta, corretamente entendida, ainda que modifique equilíbrios políticos, decisões econômicas e orientações de valor, requer a plena explicitação da dialética da democracia, respeitando-se invariavelmente a identidade dos adversários. Nada mais distante, pois, de uma estratégia de cooptação e decapitação das forças antagônicas, neutralizadas ou postas em posição subordinada, como vimos nos últimos anos.

Força organizada em torno de uma liderança carismática, com capacidade de domínio, certamente, mas longe de se pôr em condições de efetivamente dirigir a sociedade, o petismo recorreu, nos anos dourados, à tentativa de construção de um sistema de poder em que se entrelaçaram fundos de pensão, empresas públicas e partidos aliados (subalternos). Bem verdade que pôde contar com oposições que não entenderam (e já terão entendido?) o desafio de um partido de massas relativamente bem estruturado e continuaram a praticar um tipo tradicional de política, com escassos vínculos “orgânicos” com um mundo social em veloz transformação, como é próprio deste tempo de redes e de sobreposição de velhos e novos problemas.

Uma tentação autoritária sempre esteve claramente presente. Para decifrá-la recorreu-se em diferentes momentos a experiências como a do PRI mexicano ou a da safra recente de autoritarismos latino-americanos eleitoralmente competitivos. Mas não é verdade, em absoluto, que esse tipo de tentação só floresça “à esquerda”. O desmonte em curso do sistema de poder, efetuado por instâncias de controle externas ao mecanismo propriamente político, tem ocorrido mediante uma operação que só parece ter semelhança, em termos contemporâneos, com a Mani Pulite italiana, acontecida há pouco mais de 20 anos. E neste caso se tratava de esquema sedimentado em torno da tradicionalíssima Democracia Cristã e do Partido Socialista para manter uma espécie de “democracia bloqueada”, uma vez que, desde o segundo pós-guerra, não se reconheciam credenciais de governo ao partido (comunista) de oposição.

Agita-se, como desdobramento da Mãos Limpas, o espantalho da antipolítica, que logo se teria manifestado por meio de um personagem burlesco e autoritário, como Berlusconi. Mas também se mantiveram, com capacidade de governo, o PCI e suas várias metamorfoses, garantindo um mínimo de respostas razoáveis à crise italiana.

Entre nós, ao contrário, os petardos da operação judicial sobre os partidos ainda não explodiram com toda a força e ameaçam até uma formação estrategicamente relevante como o PMDB. Expressão de um “centro democrático” que os setores radicalizados jamais entenderam - haja vista, numa infinidade de outros exemplos, a recusa do apoio de um herói como Ulysses à candidatura de Luiz Inácio da Silva no segundo turno de 1989 -, a incorporação subalterna desse partido ao sistema petista supunha seu declínio e, ao mesmo tempo, marcaria um estágio mais grave de seu esvaziamento.

A oxigenação programática deste centro, que vai muito além do PMDB, pode ser um dos acontecimentos mais interessantes do fim de ciclo petista, quando menos como estímulo para abandonar este período de contraposições simplórias e deseducadoras. Num horizonte amplo, tal centro se tornaria, quem sabe, desafio produtivo para uma esquerda autorreformada, que assimilasse os valores da política democrática e largasse, como um molambo qualquer, a fantasia autoritária.

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* Luiz Sérgio Henriques: tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das 'obras' de Gramsci no Brasil

Fernando Gabeira - Imposto em cascata

O Globo - Segundo Caderno

Joaquim José da Silva Xavier. Foi traído e não traiu jamais a inconfidência de Minas Gerais. Dentro e fora do Brasil, impostos sempre geram conflitos. Tiradentes que o diga. Pagou em parcelas de carne e osso a ousadia de combatê-los no Brasil Colônia. Vivi quase uma década na Suécia, país de impostos altos. Algumas pessoas reclamavam de tarifas progressivas. Argumento: trava o estímulo para produzir mais. Nunca vi, entretanto, alguém negando a qualidade dos serviços que o governo prestava. Era uma evidência cotidiana.

Em 2013, milhões de pessoas foram às ruas no Brasil exatamente pedindo melhores serviços públicos. De lá para cá nada mudou, exceto a descoberta do maior escândalo do século na Petrobras. Com ele surgiram também outros escândalos menores. E a conclusão expressa até por ministros do Supremo: o sistema de poder que dominou o Brasil é na verdade uma organização criminosa. Hoje, as pessoas têm muitas razões para achar que seus impostos são tragados pela incompetência e pela corrupção.

O governo quer que elas se esforcem mais. Se as consultasse sobre a proposta, receberia um maciço “não”. Ainda assim, as pessoas perguntam na rua: vai passar? Em termos puramente teóricos seria rejeitada pelo Congresso. Afinal, os representantes devem expressar a vontade de seus eleitores. Mas todos sabemos que o buraco é mais embaixo.

O governo, no momento, não domina a maioria dos votos. Mesmo entre seus aliados, o instinto de sobrevivência política costuma falar mais alto. O que um governo decadente pode oferecer em troca da execração dos próprios eleitores?

Creio que muitas decisões vão depender desse cálculo. No Brasil de hoje é possível difundir com muita rapidez a lista com o voto de cada deputado.

Perto da CPMF, os outros improváveis cortes do pacote do governo são secundários. É este imposto que vai ser o centro da batalha nas próximas semanas. De um lado, Dilma Rousseff já nas cordas, de outro a grande rejeição ao novo imposto. Ouso dizer que a sociedade é a favorita nessa luta.

No debate, vai aparecer muita gente dizendo como o imposto é importante para fazer o bem. No passado, o bem da saúde, agora o bem dos velhinhos. Por convicção, não tenho resistência a impostos. Pagaria tudo sorrindo se soubesse que o dinheiro está sendo bem aplicado. Não é o caso.

Então o que fazer? O CPMF é um imposto em cascata cobrado automaticamente nas transações financeiras. Podemos protestar, mas lembro que já se protestou contra a incompetência, em 2013, e mais especificamente contra a corrupção em 2015.

Não creio apenas em grandes manifestações. Alguns jornalistas as medem com avidez e podemos ter menos de 300 pessoas: vão concluir que a CPMF triunfou. O governo trata as grandes manifestações como populações de risco tratam as tempestades. Se a casa não caiu, o dia seguinte é de alívio.

Agora será preciso também uma pressão cotidiana sobre os deputados. Pelo menos em tese, dificilmente uma sociedade que tenha passado por um governo incapaz e um pesado esquema de corrupção será obrigada a pagar a conta sozinha.

Dilma decreta o aumento zero para o funcionalismo. Semanas atrás foi aos Estados Unidos e gastou cerca de US$ 100 mil só com aluguel de carros, e, naturalmente, uma limusine.

É toda uma cultura do próprio governo que precisa mudar. Além da incompetência e da corrupção, os governantes se comportam como nababos.

Mesmo na Suécia, onde se prestam serviços eficazes, as pessoas cairiam de susto se vissem uma conta de US$ 100 mil em aluguel de carro por um passeio oficial na Califórnia. Pode-se argumentar: o dinheiro não foi gasto, o governo deu o cano. Então vamos adiante: se os suecos soubessem que o governo contratou os serviços por US$ 100 mil e ainda por cima deu o cano, o próprio gabinete cairia.

Já vivo no Brasil há muitos anos, para não confundir realidades diferentes. Mas existem aspirações universais numa democracia. Uma delas é receber serviços decentes em troca dos impostos. A outra é exigir competência dos que se dispõem a dirigir o país. A ideia de que os governantes devam imitar o padrão de vida dos milionários é uma ilusão, embora a cena política tanto aqui como nos EUA seja povoada de celebridades e fortunas.

Quando me perguntam se a CPMF vai passar, respondo que pela lógica não. Mas não devemos apenas confiar na lógica. A CPMF é apenas um imposto. É toda uma visão de mundo que está em jogo.

Instale-se um governo confiável, eficaz e austero, aí então podemos conversar. O estrago foi muito grande. Se temos de pagar alguma coisa, é razoável que não seja pago exatamente aos responsáveis pelo prejuízo.

A CPMF é um processo kafkiano que se abre contra uma sociedade que não cometeu nenhum crime. Apenas escolheu mal numa eleição que, no fundo, era um tecido de mentiras.

Dora Kramer - Denúncia vazia

- O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff está ficando cansativa. Por repetitiva. Insistente no discurso vazio em que aponta intenções golpistas na discussão sobre a interrupção de seu mandato via impeachment ou renúncia.

Duas hipóteses absolutamente legais. Se Dilma as repudia é outra história. Ambas estão claramente descritas nos artigos 79, 80 e 81 da Constituição, que tratam da vacância do cargo e dos procedimentos para substituição. Não quer renunciar? Um direito que lhe assiste. Não está premida por justificativa jurídica? Melhor para ela.

Isso não lhe dá autorização para interditar um debate e muito menos para imputar crimes aos debatedores. Que, aliás, debatem à luz do dia.

Seria um caso peculiar de conspiração em praça pública e nos conformes da lei. A presidente da República banaliza o conceito de golpismo e põe em xeque o próprio dever conferido pelo posto de atuar contra tal natureza de infração e tais tipos de infratores a cláusulas pétreas da Carta.

Ela tem instrumentos na legislação para isso. O que não tem são motivos providos de substância.
Aponta ilegalidade onde vigora a plena legalidade. No que tange ao raciocínio lógico – terreno estranho à presidente – coloca-se, assim, na defesa de uma tese à margem da lei.

Não há “uso” da crise. Há uma crise, cuja saída depende de quem está no comando. Não apenas pelo fato de ser a responsável pela situação crítica, mas principalmente porque foi eleita para resolver os problemas, levar o País a superar as dificuldades.

Portanto, conviria à presidente perceber as circunstâncias. Estas apontam para a necessidade premente de uma solução efetiva, consistente. Se ela se mostrar capaz de conduzir o Brasil na direção da saída da crise, terá readquirido legitimidade para completar o mandato para o qual foi eleita. Se não, perderá as condições políticas para governar.

Não será adotando o modelo caça golpista que vai reconquistar a confiança não diria nem da maioria absoluta, mas ao menos daquela maioria da população que a considerou apta para exercer um segundo mandato e hoje se mostra arrependida, conforme demonstram as pesquisas.

O discurso do golpe poderia até servir como palavra de ordem ao PT. Caso o PT ainda existisse como força política competitiva. Não existe mais. Dilma está desguarnecida do ponto de vista partidário. Bem como não dispõe de guarnições robustas no governo nas áreas cruciais da política e economia.
A presidente da República está só, refém de disputas internas e externas pelo espólio do partido ou pela herança do poder.

A cantilena do golpismo não leva a lugar algum. Apenas põe a presidente na situação do combatente que se desloca para a defesa com armas de ataque. Nada combina com nada. Todas as variantes contrariam as regras básicas da lógica.

As premissas não se coadunam com a conclusão e, nessa barafunda de ideias, a chefe da Nação acaba permitindo que seja pega no flagrante delito da má intenção, quando argumenta que nunca usou o poder para bloquear investigações.

Tal menção, feita ao molde de orgulho, considera a hipótese de o governante usar de seu poder para solapar as atribuições dos demais poderes. Quando Dilma diz “não fiz” ao mesmo tempo considera que “poderia ter feito”, mas “não quis”.

No desespero final, o mesmo argumento utilizado por Fernando Collor no apelo à clemência da Câmara quando do julgamento do pedido de abertura do processo de impeachment.

Collor não interferiu porque não podia. Dilma pode não tê-lo feito pelos motivos certos, mas justifica o gesto pelas razões erradas.

Merval Pereira - Pelo capitalismo

O Globo

O plano apresentado pelo governo prevê que a metade do esforço de ajuste de R$ 66 bilhões virá de um imposto que o próprio governo, há duas semanas, dizia descartar, por ser rejeitado pelo país. E projetos de reformas estruturais, como a da Previdência, ficam apenas como promessas de longo prazo.

Para o economista Fabio Giambiagi, que reconhece elementos positivos no ajuste, há outros caminhos que podem e devem ser trilhados, com destaque para a necessidade de “o país encarar, de uma vez por todas, o desafio previdenciário”.

No momento em que a economia está estagnada, é preciso encontrar os caminhos para aumentar a produção, afirma o economista. Enquanto sociedades de países da Europa e dos EUA se destacam pela obsessão pela produtividade, o Brasil, em contraposição, está entre os 25% menos produtivos da América Latina: a produtividade do trabalho no Brasil, segundo estudo recente de Roberto Ellery, do Ipea, é de US$17.295 por trabalhador, enquanto nos EUA é de US$ 93.260 e, na Coreia do Sul, de US$ 59.560.

Para Fabio Giambiagi, na moderna história política brasileira, o sistema capitalista sempre foi visto como uma extravagância. Ele decidiu colocar o dedo nessa ferida em seu mais recente livro, “Capitalismo — Modo de usar” (editora Campus/Elsevier), em que percorre a trajetória da história política e econômica do país para demonstrar que, mesmo após o sepultamento do socialismo no mundo e a ascensão do capitalismo como o sistema dominante em quase todo o planeta, o Brasil mantém um componente anticapitalista densamente enraizado na sociedade.

Não por acaso, a epígrafe do livro cita uma reflexão do ex-presidente FHC dirigida a Armínio Fraga, ao prepará-lo para a sabatina no Senado em 1999: “o Brasil não gosta do sistema capitalista”.

Para Giambiagi, a cultura nacional mantém viva a noção de que a solução de todos os problemas virá dos favores estatais — com uma forte presença do Estado e suposta garantia de um bem-estar social amplo. “Ensina-se a ter antipatia ao capitalismo nas escolas secundárias e nas universidades”, alerta o economista.

O livro de Giambiagi vem em um momento histórico, do esgotamento de um ciclo econômico e político marcado pelo populismo e pela corrupção. Foram anos de incentivo irresponsável ao consumo, deixando em segundo plano a necessidade de ajustar as contas públicas e os necessários investimentos em infraestrutura. Sem falar nas reformas estruturais que foram abandonadas.

Ao mesmo tempo, o voto emblemático do PSDB em favor do virtual fim do fator previdenciário sugere que a cultura da generosidade estatal vai muito além da simples fronteira do petismo e dos grupos esquerdistas em geral. Ao negar o capitalismo e sua evolução natural, escolhemos o caminho do atraso, adverte Giambiagi.

Ele conduz o leitor a compreender melhor o sistema capitalista e os obstáculos existentes à sua evolução com uma linguagem leve e boas pitadas de humor e ironia. A principal conclusão é que o progresso futuro está rigorosamente atrelado às leis do capitalismo.

Para que uma economia tenha êxito, no mundo moderno, cabe aos governos um papel crucial na regulação e na coordenação de certas políticas, mas a chave do dinamismo é a competição travada no campo do setor privado. É para os EUA — país símbolo da competitividade — que devemos olhar, defende Giambiagi.

Nas palavras de Fabio Giambiagi, “o Brasil necessita, de uma vez por todas, se assumir como uma economia capitalista. Precisamos urgentemente passar por uma mudança de mentalidade” — dispara. É uma retomada do discurso com que Mario Covas assumiu sua candidatura à Presidência da República pelo recém-fundado PSDB em 1989: “O Brasil precisa de um choque de capitalismo”.

Mudança de mentalidade representada na atual visão do jornalista e antigo militante esquerdista Fernando Gabeira, que assina o prefácio do livro. Gabeira deixa de lado décadas de pregação socialista para reconhecer que o capitalismo é o caminho que o país deve buscar. “O confronto histórico com o socialismo realmente existente já revelou a superioridade esmagadora do capitalismo”, escreve o jornalista.

A descrença profunda no sistema capitalista e a ilusão com o ideal socialista podem ser superadas para tirarmos o Brasil do passado: é o recado que o economista Fábio Giambiagi deixa no livro.

Eliane Cantanhêde - Tensão pré-petrolão

- O Estado de S. Paulo

O fim do julgamento sobre doações privadas de campanhas, no Supremo Tribunal Federal, evidenciou dois fatos muito importantes: o clima na alta Corte está péssimo e a polarização já está claríssima. Se o presidente Joaquim Barbosa e o relator Ricardo Lewandowski só faltavam trocar sopapos ao vivo no mensalão, o agora presidente Lewandowski e o ministro Gilmar Mendes vão viver às turras, ao vivo e em cores, no petrolão.

Com a Lava Jato de vento em popa, logo os envolvidos que tenham mandato vão parar no Supremo e levar seus ministros novamente aos píncaros da glória e ao implacável julgamento da opinião pública – e da História. Depois do mensalão, que foi um marco jurídico, político e ético no País, tudo o que não for igualmente duro será considerado recuo. E debitado a Lewandowski.

Gilmar Mendes, porém, não está num mundo melhor do que o de Lewandowski. Se foi técnico, equilibrado e sobretudo discreto durante o julgamento do mensalão, pode-se dizer que o do petrolão nem começou e ele já está se expondo muito mais do que deveria.

Nem seus piores inimigos negam a Gilmar o reconhecimento do talento, da dedicação e da sólida formação, e não há como discordar do ponto central de seu voto a favor da manutenção das doações privadas de campanhas: com as campanhas cada vez mais sofisticadas e abrangentes, de onde virá o dinheiro?

Se os políticos não se contentarem subitamente com andar de ônibus, cuidar da própria agenda, da correspondência e da estratégia, fazer discursos em cima de caixotes em praças públicas e se apresentar em programas estáticos em preto e branco, é bem possível que uma decisão intrinsecamente boa, para acabar com a promiscuidade entre empresas e políticos, acabe tendo efeito inverso, o de disparar o caixa 2 a criminalidade nas campanhas.

Mas conteúdo é uma coisa, forma é outra, e um ministro do Supremo, que vai daqui a pouco julgar partidos e pessoas ligadas ao governo, possivelmente até algumas ocupando postos chaves no PT, não deve, ou não pode mesmo, sair falando em público o que considera verdades absolutas sobre o regime, o governo e o partido.

Após um evento na Fiesp, Gilmar disse que “o que se instalou no País nesses últimos anos e está sendo revelado na Operação Lava Jato é um modelo de governança corrupta, algo que merece o nome claro de cleptocracia”. E continuou: “Veja o que fizeram com a Petrobrás! É por isso que defendem com tanta força as estatais. Eles tinham se tornado donos da Petrobrás. Esse era o método de governança”.

Quem são “eles” na fala de Gilmar? São o PT e os petistas. Você pode até concordar com o que Gilmar falou, mas ministros do STF não podem sair por aí dizendo o que pensam, na hora que bem entendem, sobre personagens ou entidades que daqui a pouco poderão estar julgando.

Ao falar da perplexidade de uns e da euforia da maioria da sociedade diante do julgamento do mensalão, o ex-deputado Delfim Netto, do alto de seus 88 anos e de seu cativante brilho intelectual, me deu um veredicto impecável sobre os ministros do Supremo: “As pessoas ficaram surpresas com o que aconteceu, mas o fato é o seguinte: quem vai para o Supremo vai para escrever seu nome na História. O passado para eles não existe mais. O sujeito, lá, incorpora a missão, não se presta a patifarias. O sujeito pode até errar, mas não vai violar a Constituição, as leis, as normas jurídicas, não vai fazer nenhum acordão”.

Perfeito. Isso valeu profundamente para Joaquim Barbosa, mas vale também para todos os atuais onze ministros, que foram indicados por algum presidente, de algum partido, e “podem até errar”, mas têm caráter e julgarão com a maior lisura, honestidade de propósitos e atentos ao futuro, não ao passado. Como a mulher de César, porém, além de serem tudo isso, eles também precisam parecer, não é mesmo, ministro Gilmar e ministro Lewandowski? Muita calma nessa hora.

Bernardo Mello Franco - A oposição de toga

- Folha de S. Paulo

Em sabatina promovida pela Folha em 2009, o ministro Gilmar Mendes disse não concordar com o apelido de "líder da oposição" no Supremo Tribunal Federal. Na época, ele presidia a corte e criava polêmicas semanais com o governo Lula. "Não tenho nenhuma intenção de ser oposição", afirmou.

Com ou sem intenção, ninguém faz oposição no país como Gilmar. Seis anos depois da sabatina, o ministro tem sido a voz mais assídua e combativa da crise. Basta abrir os jornais ou ligar a tevê e lá está ele, dando declarações invocadas contra o governo Dilma e o PT.

A toga do ministro faz sombra sobre os políticos de carreira. Diante dele, o senador Aécio Neves, cada vez mais enfático nas críticas ao Planalto, corre o risco de ser confundido com um simpatizante do petismo.

Na semana em que a oposição levou um pedido de impeachment à Câmara, o ministro voltou a dominar o noticiário. Ao votar na ação contra o financiamento empresarial de campanhas, que guardou na gaveta durante um ano e cinco meses, ele fez um agressivo discurso contra o PT.

Além das frases de efeito habituais, acusou a OAB e a Faculdade de Direito da Uerj, uma das mais respeitadas do país, de agirem a serviço do partido. As entidades defenderam a tese jurídica de que as doações milionárias a políticos contrariam a Constituição. Ao atacá-las, o ministro também atingiu colegas que votaram de acordo com suas convicções. O Supremo proibiu o financiamento empresarial por ampla maioria: 8 a 3.

Ao fim do julgamento, Gilmar esbravejou quando o presidente da corte, Ricardo Lewandowski, permitiu que o representante da OAB contestasse os ataques. Em artigo no site jurídico "Jota", o professor Joaquim Falcão disse que a atitude revelou um temperamento autoritário, de quem não aceita o debate de ideias.

"Mendes recusou-se a ouvir, levantou-se e foi embora do plenário. Dessa vez, não levou os autos do processo com ele", ironizou Falcão.