segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Fernando Gabeira - A emoção num museu de grandes novidades

O Globo

Suspeito que o próximo passo será criar CPI numa tentativa de jogar a culpa do quebra-quebra do 8 de Janeiro nos adversários

Um dos traços que tornam diferente o Brasil de hoje é o comportamento diante das eleições. No passado recente, divulgado o resultado, todos, vencedores e vencidos, voltavam para suas atividades cotidianas e iam pensar no assunto quatro anos depois.

Nesta semana, a disputa no Senado representou mais um turno de um confronto interminável. A extrema direita perdeu, mas tem uma incrível capacidade de racionalização. As derrotas são transformadas em vitória, e logo inventarão uma nova luta.

Suspeito que o próximo passo será criar uma CPI numa tentativa de jogar a culpa do quebra-quebra de 8 de Janeiro nos adversários. Dirão que petistas infiltrados foram os responsáveis, com a cumplicidade do governo federal. É um pouco a tática de culpar a vítima pela violência que se comete contra ela.

Edu Lyra - O Estado contra a pobreza

O Globo

Poder público precisa se abrir às experiências de ONGs e demais entidades que vêm revolucionando o combate aos problemas sociais

Uma andorinha só não faz verão, diz a sabedoria popular. O mesmo vale para a área social: iniciativas pontuais de combate à pobreza melhoram a vida de um grupo de pessoas, mas não têm a escala necessária para enfrentar nossos problemas estruturais.

O que fazer para que um programa desenvolvido no terceiro setor fique mais abrangente e impacte um número maior de comunidades?

A Gerando Falcões desenvolve há cerca de dois anos o Favela 3D — Digna, Digital, Desenvolvida. O cerne do programa é encarar a pobreza da favela como um fenômeno complexo, multidimensional, que, portanto, requer soluções simultâneas para vários problemas, do desemprego ao saneamento básico, da capacitação profissional à regularização dos imóveis. Trata-se de criar, em parceria com a própria favela, uma trilha para a dignidade, um modelo de ação que não se limite a amenizar a pobreza, mas que almeje derrotá-la.

Demétrio Magnoli - A fronteira ianomâmi

O Globo

Criminalidade amazônica conta com poderosos escudos políticos

 ‘Fazer a América’ — era essa a expressão empregada na América Portuguesa para a pilhagem de recursos naturais conduzida pelos colonos. O governo Bolsonaro removeu uma frágil linha de defesa que circundava a Terra Yanomami. Os garimpeiros estão lá “fazendo a América” — como fazem outros garimpeiros, madeireiros, evangelizadores, traficantes de drogas e armas nas vastidões amazônicas.

O Brasil moderno nasceu de sucessivas expansões da fronteira econômica. Na segunda metade do século XX, após a Marcha para o Oeste que culminou com a construção de Brasília, a Amazônia converteu-se na derradeira fronteira. “Integrar para não entregar” — sob o lema de curiosos tons “antiimperialistas” da ditadura militar, ondas de colonos nordestinos e sulistas deslocaram-se para o sistema de florestas e campinas equatoriais. Naquela hora, os povos indígenas começaram a ser exterminados.

Bruno Carazza* - Reconstrução e União, ou sem brigas por favor

Valor Econômico

Lula indica pouca ambição em suas prioridades para 2023

O jogo começou. Empossados os novos (e velhos) parlamentares e (re)escolhidos os presidentes da Câmara e do Senado, o ano político de 2023 iniciou-se oficialmente na quarta-feira (1/2).

Seguindo o protocolo, Lula enviou ao Congresso uma Mensagem Presidencial apresentando suas prioridades para o ano. O documento está estruturado em três partes: uma saudação inicial, um capítulo apresentando seu “Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil” e o relatório da Equipe de Transição sobre o estado em que receberam o país de Bolsonaro.

Sergio Lamucci - Com ataques ao BC, Lula dificulta o próprio caminho

Valor Econômico

Críticas seguidas do presidente pioram as expectativas de inflação

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resolveu intensificar as críticas à autonomia do Banco Central (BC) e ao nível dos juros e das metas de inflação. Num cenário de desaceleração da economia, é possível que os ataques de Lula e de outros líderes petistas à autoridade monetária se ampliem, seguindo uma estratégia surrada e contraproducente. Lula já colheu uma piora significativa das expectativas de inflação e uma alta expressiva dos juros futuros, o que deteriora as condições financeiras. O resultado tende a ser o adiamento do início do ciclo de cortes da Selic, afetando as perspectivas de retomada da atividade econômica.

Carlos Pereira - Juiz forte é a crença dominante

O Estado de S. Paulo.

A sociedade tem preferido um Judiciário forte e discricionário mesmo com riscos

Desde o julgamento do mensalão, observa-se um crescente protagonismo do Judiciário, especialmente do STF, na política. Com tal protagonismo, surgem também controvérsias sobre os limites da atuação “política” dos juízes. A maioria das interpretações desse comportamento proativo tem se concentrado na atuação individual de alguns juízes, como Joaquim Barbosa (mensalão), Sérgio Moro (Lava-Jato) e, atualmente, Alexandre de Moraes.

Em que pese as características individuais dos juízes serem relevantes, ofereço uma interpretação institucional da grande latitude de poderes que juízes alcançaram ao longo dos anos. No livro “Deliberate Discretion? The institutional foundation of bureaucratic autonomy”, John Huber e Charles Shipan investigam como legisladores elaboram estrategicamente as regras do jogo para que os resultados das políticas sejam consistentes com seus interesses.

Marcus André Melo* - O drama do país

Folha de S. Paulo

Na armadilha do mau equilíbrio, crescerá a percepção de conluio rentista

"A escolha do presidente da República continua a constituir o maior drama do país, seu único drama", argumentava Hermes Lima em 1955. E concluía: sob o presidencialismo, "crises de governo são, por definição, crises do Executivo". Sim, a eleição presidencial é o drama por que passamos no momento.

Futuro primeiro-ministro em nossa experiência parlamentarista, chefe da Casa Civil e juiz do STF, Lima foi fino analista do presidencialismo brasileiro. Ele apontava então algo estrutural: "Ao tratar de escolher o presidente, o país entra em estado de alarma e de confusão. Por quê? Porque o que se vai escolher é um ditador legal, uma fonte de poder político irresponsável, o homem no qual se encarnará, segundo Rui, o poder dos poderes, o grande nomeador, o grande contratador, o poder da bolsa, o poder dos negócios, o poder da força".

Lygia Maria - Fake news estatal

Folha de S. Paulo

Não é função da EBC servir a interesses político-ideológicos do governo

O futuro presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), jornalista Hélio Doyle, disse em entrevista para a Folha que, se depender dele, os veículos da organização tratarão o impeachment de Dilma Rousseff (PT) como "golpe".

Em matérias opinativas, não há problema. Afinal, o evento gerou análises divergentes. Contudo, no noticiário factual, é um erro técnico.

O jornalismo é um processo de conhecimento, assim como a ciência, e mantém com ela semelhanças e diferenças. Ambos se baseiam em métodos profissionais que visam à aproximação mais objetiva possível da verdade —e objetividade tem a ver com o método, não com o sujeito.

Ana Cristina Rosa - "Assunto de preto"?

Folha de S. Paulo

Quando se trata de punir racismo, país tem improvisação e pouca efetividade

A esmagadora maioria festejou, mas confesso que fui tomada por uma sensação de estranhamento em relação à euforia quanto à sanção da Lei 14.532/2023, em janeiro.

O dispositivo alterou a legislação sobre crime racial e o Código Penal para tipificar a injúria racial como racismo e determinar penas de suspensão de direito em caso de o crime ser praticado no contexto de atividade esportiva ou artística, além de penalizar o racismo religioso, o recreativo e o praticado por funcionário público.

Num país onde a intolerância com religiões de matriz africana é crescente, pareceu esquisito que alguns dos principais problemas relacionados ao chamado "racismo religioso" não tenham sido contemplados. Temas como incitação ao ódio, indução à violência, ataques a templos, agressões físicas e constrangimentos a crianças nas escolas ficaram de fora.

Além disso, considerando o fato de que os problemas dos brasileiros, em geral, estão muito mais associados à insuficiência na aplicação do arcabouço legislativo existente do que à sua escassez, é possível que muito pouco ou nada se altere na prática.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Está na hora de rever os absurdos da Lei Eleitoral

O Globo

Depois de campanha marcada por reclamação de excessos do TSE, é preciso revisar legislação anacrônica

A campanha eleitoral foi marcada por reclamações de excessos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o objetivo de combater a desinformação, a Corte determinou suspensão de contas em redes sociais ou exclusão de conteúdos. Chegou a conceder direito de resposta ao então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, alvo de expressões e opiniões em comentários da rede Jovem Pan, acusada de desrespeitar o princípio da Lei Eleitoral que proíbe tratamento privilegiado (a emissora ficou sujeita a multa em caso de reincidência). A reação imediata foi tachar o TSE de censor.

Todas as ações do TSE foram tomadas com base na lei eleitoral vigente, apesar de a Constituição, num antídoto contra a censura, garantir a liberdade de expressão em termos quase absolutos. O início da nova legislatura é um bom momento para o Congresso examiná-la e rever os pontos estranhos a outras democracias — tanto naquilo que ela impõe quanto no que omite.

As eleições são o único momento em que não existe liberdade plena de informação e expressão no Brasil, ao contrário do que manda a Constituição. Com base numa visão paternalista, os legisladores impõem que a Justiça Eleitoral tome decisões que limitam a cobertura jornalística. Como resultado, os veículos de comunicação não têm segurança jurídica para exercer seu papel editorial de forma livre, privando o eleitor de informações, análises e opiniões úteis. Haverá sempre o risco de veículos agirem de má-fé, deixando de praticar jornalismo para fazer propaganda política. Noutras democracias, cabe ao público separar o que presta. Talvez a nossa ainda seja jovem, mas legisladores deveriam evitar formas draconianas de combater o mau jornalismo.

Poesia | Para viajar basta existir - Fernando Pessoa

 

Música | Escuta Boêmio - Coral Edgard Moraes e Getúlio Cavalcanti