Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
O Prêmio Nobel de Economia Edmund Phelps está se preparando para uma cruzada que promete ser pelo menos polêmica: ele tem conversado com colegas, mas ninguém do governo ainda, sobre um modelo de incentivo governamental para que os bancos financiem os empreendedores, empresários que estejam dispostos a, mesmo neste momento de crise, lançar seus produtos, testar nichos, apostar nas inovações.
Phelps, no Brasil participando do II Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade, está convencido de que as iniciativas do governo americano de investir em desenvolvimento de setores como energia, saúde, preservação do meio ambiente em órgãos governamentais, mesmo que tenham êxito, não terão a mesma abrangência do que se fossem investidos no setor privado da economia.
Para Phelps, a chave da recuperação econômica do mundo está no estímulo à inovação, que deve ser incentivado com subsídios governamentais à iniciativa privada.
A ideia de que a crise do capitalismo abriu uma nova era em que os governos ganharão mais importância no controle da economia parece a Edmund Phelps um equívoco, mas ele não defende a manutenção do sistema financeiro que provocou toda essa confusão no mundo.
Ao contrário, embora prefira não culpar apenas um setor pelos problemas acontecidos, ele acredita que os bancos perderam seu foco quando, em vez de se dedicarem ao financiamento dos negócios, passaram a se dedicar à especulação pura e simples.
Um sistema bancário sólido e forte, como o brasileiro, por exemplo, mas que não financia o setor privado, está desvirtuado, diz Phelps.
O economista americano baseia seu pensamento em valores antigos, como a solidariedade e o humanismo.
Mas é cético o suficiente para fazer graça com o próprio humanismo.
Perguntado por mim se considerava que a crise econômica havia sido detonada devido a uma quebra da “regra de ouro”, com países como os Estados Unidos consumindo excessivamente e outros, como a China, poupando além do limite, situação que Phelps chama de “ineficiência dinâmica”, ele sorriu e disse que provavelmente essa combinação terá contribuído. Frisou, porém, que diversos outros fatores podem ser apontados, como a imprudência dos mercados financeiros.
Ele acha que temos que usar nossos valores humanísticos para reestruturar as disfuncionalidades do capitalismo, que provocaram o afastamento do setor financeiro da produção, mas não culpa apenas a ganância por essas distorções: “Mesmo o mais humanista dos cidadãos é capaz de se aproveitar do sistema para comprar uma casa maior”, comenta, referindose ao sistema de hipotecas dos Estados Unidos que se transformou em uma verdadeira pirâmide financeira causadora inicial da crise.
Para ele, que é considerado um economista liberal, o sistema capitalista funciona melhor com a proteção do governo aos investidores, contra as fraudes, e quando as inovações tecnológicas estão voltadas para a vida real, o bem-estar do cidadão, e não para artifícios financeiros.
Ele se declarou preocupado com a insistência em que no Brasil se fala sobre nossas “reservas naturais”, como se elas fossem a salvação do país.
Lembrou a “maldição” que cerca os países que têm muito petróleo ou outros recursos naturais, e se contentam com isso, perdendo produtividade e capacidade de inovação. “O preço das commodities sobe e desce, e as economias que dependem delas melhoram ou pioram. Mas isso não é suficiente para um país se desenvolver”, ressaltou em determinado momento.
Phelps sempre lembra que a produtividade da economia só fez crescer a partir do século XIX, trazendo consigo uma melhora no padrão de salários em todo o mundo.
Ele diz que a questão da inclusão social sempre foi bem resolvida pelo capitalismo, e dá o exemplo dos Estados Unidos, que receberam imigrantes de várias partes do mundo e os integrou na sociedade.
Se existem regiões em que essa integração é falha, para Phelps é mais culpa dos governos, que não exercem seu poder para integrar as minorias, do que do sistema capitalista ou da globalização.
Com relação ao meio ambiente, Edmund Phelps acredita que é possível manter um padrão de conforto e bem-estar no mundo moderno reduzindo os riscos de contaminação, mas ele insiste em que o modelo solidário de sociedade tem que ser exercitado.
Durante o debate foi lembrado que o padrão de consumo que dominava a sociedade dos Estados Unidos até a crise ficar explícita tornouse insustentável, e terá que ser alterado no novo modelo que será montado a partir de seus escombros.
Lembrei então de um trabalho do geógrafo Jared Diamond, autor de livros como “Colapso”, em que ele propunha um exercício: imaginar que a China consiga atingir o nível de consumo dos países desenvolvidos.
O resultado seria dobrar a média de consumo mundial.
E se, além disso, todos os países em desenvolvimento conseguissem atingir os índices de consumo do Primeiro Mundo, seria como se o mundo passasse a ter 72 bilhões de habitantes. Diamond diz que, em vez de pensar que esse aumento de consumo seria um problema, teríamos que pensar que a solução seria reduzir esse nível para que todos pudessem ter um consumo razoável, evitando os desperdícios.
O economista Edmund Phelps, que ganhou o Prêmio Nobel devido a um trabalho sobre como a expectativa da inflação futura influencia a economia e a taxa de desemprego, acha que o Banco Central brasileiro é um dos mais eficientes em atividade, e acredita que a inflação no mundo, no momento, é um problema sob controle.
Mas adverte que o Fed (Banco Central dos Estados Unidos) tem que estar preparado para aumentar a taxa de juros, assim que a economia se estabilizar e as pressões inflacionárias aparecerem.