quinta-feira, 7 de maio de 2020

Opinião do dia – Tavares Bastos*

Considerai agora o lado propriamente político dessa vasta questão, que mal podemos esboçar. Dispensando, contendo ou repelindo a iniciativa particular, anulando os vários focos da atividade nacional, as associações, os municípios, as províncias, economizando o progresso, regulando o ar e a luz, em uma palavra, convertendo as sociedades modernas em falansterios como certas cidades do mundo pagão, a centralização não corrompe o caráter dos povos, transformando em rebanhos as sociedades humanas, sem sujeitá-las desde logo a certa forma de despotismo mais ou menos dissimulado. Por isso é que, transplantada do Império Romano, a centralização cresceu nas monarquias modernas e com ele perpetuou-se em todas, tirante a Inglaterra. Por isso é que não pode coexistir com a república semelhante organização do poder. Assim, absolutismo, centralização, império, são expressões sinônimas.

*Tavares Bastos (1839-1875), foi deputado, escritor e jornalista. É considerado um precursor do federalismo, por sua luta contra a centralização administrativa durante o Segundo Reinado. “A Província: Um estudo sobre a descentralização no Brasil”. P.21, São Paulo: Ed. Brasiliana, 1937.

Merval Pereira - Pistas

- O Globo

Confirmada a hipótese de o vídeo ter sido apagado, ficará claro que há alguma coisa a esconder

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro deu uma pista importante em seu depoimento à Policia Federal no inquérito que investiga a possível tentativa de interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.

Disse que será possível verificar na Polícia Federal e na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que todas as informações “legais” foram passadas à presidência da República, não se justificando a reclamação do presidente.

Não é uma simples disputa entre chefe e subordinado sobre o cumprimento de funções, mas a pista para se confirmar que Bolsonaro não estava satisfeito com os limites legais que o impediam de ter acesso a outras informações da Polícia Federal, ato que passaria a ser ilegal.

Se é verdade que o procurador-geral da República Augusto Aras tende a arquivar o inquérito porque em seu depoimento o ex-ministro Sergio Moro não acusou Bolsonaro de nenhum crime, será uma decisão absurda que o desmoralizará, pois foi ele próprio quem identificou os diversos crimes que poderiam estar indicados no depoimento de Moro ao pedir demissão do ministério da Justiça.

Cabe ao procurador-geral investigar, e não a Moro acusar. Além dos indícios de provas que serão ou não investigados pelos promotores, há o vídeo citado por Moro da reunião ministerial onde Bolsonaro o teria ameaçado de demissão por não dar informações sobre a PF, e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) explicado que aquele tipo de informação não poderia ser fornecida.

Neste caso, ficaria caracterizada a tentativa do presidente de interferir indevidamente na PF. Por absurdo, confirmada a hipótese de o vídeo ter sido apagado, ficará claro que há alguma coisa a esconder, o que configuraria obstrução da Justiça, um crime óbvio.

Foi assim que terminou a presidência do então presidente Richard Nixon, no caso Watergate nos Estados Unidos, quando parte de uma gravação de conversa em seu gabinete foi deletada pela secretária do então presidente americano, alegadamente por acidente. Alegação que se tornou ridícula.

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, é o titular da ação penal, o que significa que é um ato de soberania sua oferecer a denúncia ao final do inquérito, ou arquiva-lo. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, relator do inquérito, não tem autoridade para discordar da decisão em caso de arquivamento. Mas o Supremo pode não aceitar eventualmente uma denúncia.

Luiz Carlos Azedo - Onde mora o perigo

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Ramagem voltou à direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com superpoderes, depois de indicar seu braço direito para o comando da PF”

Uma parte da oposição considera o governo Bolsonaro protofascista. Discordo do conceito por dois motivos: primeiro, porque vivemos numa ordem democrática; segundo, porque a fascistização do governo não é inexorável. Toda vez que o presidente da República faz um gesto autoritário, tipo mandar um jornalista calar a boca, ou prestigia uma manifestação a favor de uma intervenção militar, porém, a narrativa do protofascista ganha novos argumentos: “E agora, você ainda acha que não estamos caminhando para o fascismo?”, questiona um velho amigo jornalista. Diante das circunstâncias, no entanto, vejo que é melhor explicar minha avaliação.

Estou entre os que veem no governo Bolsonaro um viés bonapartista, porque se coloca acima da sociedade e busca se apoiar nas Forças Armadas, com respaldo político-ideológico de pequenos proprietários, empreendedores e corporações ligadas aos setores de transportes e segurança pública, além dos truculentos e embrutecidos de um modo geral. Mais ou menos como Luís Bonaparte, o sobrinho de Napoleão I. A diferença é que, no bonapartismo, o parlamento foi completamente subjugado pelo estamento burocrático-militar, o que não é o nosso caso, embora tenhamos um governo no qual generais da reserva e da ativa estão dando as cartas. A lógica desse processo é o aparelho burocrático-militar avançar em relação aos demais poderes, em aparente neutralidade arbitral. Na França de 1851, o golpe de estado de 2 de dezembro pôs fim ao regime parlamentar.

Ricardo Noblat - O que Bolsonaro quer esconder – e por quê

- Blog do Noblat | Veja

Em jogo, seu destino
Até ontem, eram apenas os exames que fez para saber se contraíra o coronavírus que o presidente Jair Bolsonaro se recusava a mostrar por mais que lhe cobrassem. Ele jura que testou negativo para a doença, e que mostrar os resultados violaria sua privacidade.

Desde ontem, porém, Bolsonaro tenta esconder outra coisa – desta vez o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último onde teria ameaçado de demissão o então ministro Sérgio Moro se ele não trocasse o superintendente da Polícia Federal no Rio.

Por quatro vezes, a Justiça ordenou que ele mostrasse os resultados dos exames, mas Bolsonaro ainda não o fez. Quanto ao vídeo, rogou a Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal, que revogue a decisão que o obrigaria a apresentá-lo em 72 horas.

No caso dos exames, o temor de Bolsonaro é ser flagrado mentindo. Se adoeceu, pior do que mentir foi ter circulado sem máscaras a apertar mãos e abraçar autoridades e bolsonaristas em manifestações de rua podendo tê-los contaminados.

Há oito dias, Bolsonaro chegou a dizer que divulgaria a gravação da reunião ministerial. Explicou-se assim:

– Eu comecei hoje a reunião de ministros pedindo uma autorização para eles, porque a nossa reunião é filmada. E fica no cofre lá, o chip. Eu falei: ‘senhores ministros, eu posso divulgar o que eu falei na última reunião de ministros?’. Ninguém foi contra. Eu falei, tá certo? Mandei legendar, mandei legendar, talvez tenha chegado no meu WhatsApp agora e eu vou divulgar.

Há seis dias, voltou atrás com a seguinte justificação:

– Eu tenho a última, a última, a última: o conselho que eu tive é não divulgar, para não criar turbulência, uma reunião reservada, então é essa a ideia.

William Waack - Um 'novo' governo

- O Estado de S.Paulo

Mas as pessoas só querem saber quando vão acabar a crise e a desagregação

O governo dono da plataforma com a qual foi eleito Jair Bolsonaro terminou no começo de maio, aos 16 meses de vida. Seus dois fortes apelos eram a campanha anticorrupção, associada à mudança da forma de se fazer política, e a grande reforma do Estado, ali incluída uma ambiciosa agenda de reformas econômicas de cunho estruturante e “liberal”.

O homem visto como campeão da luta anticorrupção, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, desceu da carruagem dizendo que o fazia por não acreditar que a campanha prosseguiria como tinha sido nos tempos da Lava Jato. Bolsonaro o chama agora de mentiroso e traidor. Em seu depoimento à Polícia Federal, Moro deixou claro como pretende seguir o roteiro: chamando Bolsonaro para a briga no campo da ética e da política – suas acusações não surgem até aqui capazes de levar o procurador-geral da República a oferecer denuncia contra o presidente.

Mas está claro que um pedação significativo da bandeira anticorrupção foi arrancado das mãos de Bolsonaro, e essa não é uma disputa que se encerra no curto prazo. Ela vai para 2022, e o motivo é como Bolsonaro decidiu fazer política agora: do mesmo jeito que seus antecessores fizeram, ou seja, oferecendo cargos em troca de apoio. Não importa como Bolsonaro justifique essa mudança de rumo a seguidores capazes de acreditar em qualquer palavra de ordem, nem se ele agiu por medo, cálculo, pressão, desespero ou burrice. O fato incontestável é o da presença ainda mais dominante da “velha” política.

Fernando Schüler* - Repactuação política

- Folha de S. Paulo

Arranjo que permitiu o ciclo de reformas se perdeu e precisa ser refeito

O governo Bolsonaro anda de lado. Os sinais são óbvios. Perdeu seu ministro mais popular, reagiu mal à crise e as pesquisas não andam lhe favorecendo. Há um conjunto de investigações delicadas em curso e o último levantamento do Datafolha diz que 45% dos eleitores apoiam seu impedimento.

Tudo isso pode ser apenas conjuntural e a crise se dissolver, quando a pandemia passar, mas intuo que há algo mais estrutural nesse processo.

O governo Bolsonaro é fruto de um arranjo instável entre três movimentos difusos na sociedade brasileira: o conservadorismo cultural, os movimentos contra a corrupção (o lavajatismo) e a agenda liberalizante, apoiada pelo mercado.

A agenda conservadora nunca andou. Ninguém se lembra mais de temas como Escola sem Partido ou a redução da maioridade penal. Coisas como o excludente de ilicitude e a nova regulamentação do porte de armas rodaram no Congresso.

A agenda em torno de Sergio Moro igualmente andou muito pouco. Temas caros ao ex-ministro, como a introdução do "plea bargain" e a prisão em segunda instância foram derrotadas ou simplesmente não andaram, no Congresso, e de quebra ele teve de assistir à instituição do juiz das garantias, depois suspensa pelo STF.

Maria Cristina Fernandes - Por quem dobram os cotovelos

- Valor Econômico

Gesto que irritou presidente é de autopreservação de Forças Armadas que veem crescer o contágio em suas fileiras

Há 1.813 militares infectados e sete óbitos, num efetivo de cerca de 390 mil nas Forças Armadas. A proporção de casos (0,5%) é dez vezes maior que o contágio do total da população brasileira. O elevado número de contagiados reflete a exposição dos militares em operações de combate à covid-19, da desinfecção de hospitais e higienização de áreas de grande circulação ao transporte de alimentos e equipamentos hospitalares. A mortalidade entre infectados, por outro lado, é um milésimo daquela observada no país, resultado, em grande parte, do monitoramento precoce dos casos e atendimento nos hospitais militares.

Alguns desses números foram expostos no tenso encontro que, no fim de semana, reuniu os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ao Palácio da Alvorada com o presidente da República e seus ministros militares. Na véspera, o general Edson Leal Pujol e todo o generalato presente à cerimônia de transmissão do Comando Militar do Sul haviam dobrado o cotovelo ante um presidente surpreendido.

Com os números, ofereceu-se uma explicação. Para continuar a colaborar com o combate à covid-19, que hoje mobiliza 29 mil militares em todo o país, os militares precisam se cuidar. Os comandantes bateram na tecla, que vêm pautando as portarias militares desde o início da pandemia, de que devem se proteger para proteger o país.

No dia seguinte, o comandante supremo estamparia o divórcio.

Míriam Leitão - Bolsonaro terá de falar

- O Globo

Bolsonaro será ouvido presencialmente. Temer pôde responder por escrito, mas Celso de Mello mostrou que tem outro entendimento

Se o presidente Jair Bolsonaro for ouvido nesta investigação iniciada a partir das declarações do ex-ministro Sergio Moro, a oitiva dele será presencial e não por escrito como ocorreu com o ex-presidente Michel Temer. É a conclusão de especialistas a partir do que está escrito na decisão do ministro Celso de Mello. Presidentes dos poderes podem optar por responder às perguntas por escrito, mas o problema é que Celso de Mello avisou que isso só se aplica à autoridade que for testemunha ou vítima no inquérito. Não será o caso de Jair Bolsonaro.

A parte do texto que chamou a atenção de um procurador, da cúpula do MP, é a que estabelece a “aplicabilidade somente às testemunhas da prerrogativa fundada no artigo 221 do Código de Processo Penal”. Pelo artigo, parágrafo primeiro, presidente e vice-presidente e presidentes do Senado, Câmara e STF quando forem ouvidos em um inquérito podem fazê-lo por escrito. O problema é que o ministro Celso de Mello disse que apenas se a autoridade em questão estiver na condição de testemunha. A dúvida que fica é se o PGR vai mesmo requerer essa diligência.

Em 2017, o ministro Luís Roberto Barroso, durante o inquérito dos Portos, respondeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República de ouvir o ex-presidente Temer afirmando que “mesmo figurando o senhor presidente como investigado, seja-lhe facultado indicar data e local onde queira ser ouvido pela autoridade policial, bem como informar se prefere encaminhar por escrito sua manifestação, assegurado ainda seu direito constitucional de permanecer em silêncio”.

Bernardo Mello Franco - Moro ficou devendo a ‘bala de prata’

- O Globo

O depoimento de Sergio Moro não forneceu uma prova demolidora contra Bolsonaro. Ele apontou caminhos para a investigação, mas evitou incriminar o ex-chefe

O depoimento de Sergio Moro frustrou quem esperava uma prova demolidora contra Jair Bolsonaro. Diante dos delegados, o ex-ministro fugiu do papel de acusador. Chegou a dizer que “não afirmou que o presidente teria cometido algum crime”.

Depois de deixar o governo atirando, o ex-juiz recolheu as armas. Ficou claro que ele busca se proteger da possibilidade de virar réu por denunciação caluniosa ou prevaricação, por ter silenciado durante muito tempo sobre as práticas do chefe.

Moro apontou caminhos para comprovar a tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. O próprio presidente voltou a se complicar na noite de terça, ao admitir mais uma vez sua enorme preocupação com o caso Marielle Franco.

Maria Hermínia Tavares* - Entre a morte e a vida

- Folha de S. Paulo

Minoria criminosa repete o brado do general fascista espanhol Millán-Astray em 1930

É muito o que não se sabe sobre o avanço da Covid-19 no país. Ainda assim, parece que não nos saímos tão mal até aqui, como apontou nesta Folha o colunista Vinicius Torres Freire. Comparando a proporção de mortos por 1 milhão de pessoas, nos 40 dias depois da décima vítima, ele calculou que, mesmo descontada a subnotificação, a proporção de casos letais no Brasil era menor que nos Estados Unidos, Alemanha, Itália, Reino Unido e Espanha. Ressalvou, porém, que tudo poderia piorar, pois a progressão dos óbitos não dá margem a muito otimismo.

O mérito daqueles resultados alentadores tem de ser creditado por inteiro ao SUS e às suas equipes, aos governadores e aos prefeitos que adotaram a tempo medidas de distanciamento social e fizeram a parte que lhes cabe na mobilização do sistema público de saúde. Por terem seguido o caminho indicado pelos especialistas, alguns se tornaram alvo de Bolsonaro e das minorias abestadas que o seguem.

Mas o que os governos subnacionais podem fazer tem limites. Na saúde, assim como em outras áreas sociais, o modelo brasileiro é o federalismo centralizado. Nele, a União detém grande poder normativo, regulatório e financeiro, enquanto aos estados —e especialmente aos municípios— cabe a implementação das ações.

Nesta crise, ao mesmo tempo em que o tosco chefe do Executivo sabota políticas razoáveis, por palavras e atos —mudando o ministro da Saúde, opondo-se ao isolamento social e dando como certos os ainda duvidosos benefícios de drogas tidas por miraculosas, de cujos efeitos colaterais, aliás, desdenha—, a máquina sob o seu desgoverno tem respondido de forma lenta e errática.

Em artigo certeiro no site Poder360 —"A velha falta de prioridade e uma nova tragédia anunciada"—, o economista José Roberto Afonso e a procuradora Élida Pinto lembram que não é de hoje o sub-financiamento do SUS. Mostram também o abismo entre o que já está aprovado e o que efetivamente foi desembolsado pela União para a saúde, como se o combate à pandemia não fosse urgência urgentíssima.

Ascânio Seleme - Três sugestões contra o vírus

- O Globo

Se opositores forem ao Alvorada haverá confronto?

Já deu para perceber que não há remédio para Jair Bolsonaro. Ele não dá trégua ao bom senso, não faz concessão ao contraditório, ignora apelo em favor do entendimento. Como mandar o presidente calar a boca é exagerar nos seus próprios termos, aqui algumas sugestões para superar o tormento.

1) Jornais, sites de notícias, emissoras de TV e rádio deveriam abandonar a cobertura das manhãs presidenciais no Palácio da Alvorada. Poderia se fazer um pool, e cada dia apenas um cinegrafista, um operador de áudio e um fotógrafo gravariam a saída diária de sua excelência, sem perguntas e sem transmissão ao vivo. Ninguém mais seria ofendido por Bolsonaro, e as bobagens que ele disser para a sua claque ficariam registradas. E, claro, só se publicaria o que de fato importasse.

As perguntas do dia seriam feitas em atos públicos no Palácio do Planalto ou em cerimônias oficiais do presidente. Bolsonaro continuaria falando tontices, podem ter certeza, notícia não faltaria. Só que sem o apoio da claque matinal não teria os arroubos agressivos habituais. Duvido que o capitão tivesse coragem de gritar com um jornalista, mandar ele calar a boca, em frente a uma plateia menos cega e tansa do que a das manhãs do Alvorada.

Luis Fernando Verissimo - Aldir e a sombrinha

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Quase hino também falava da esperança que subsistia nos tempos negros

O Jaguar sabia da nossa admiração por ele e organizou uma excursão à Zona Norte. Objetivo: conhecer o Aldir Blanc. Ele nos recebeu em sua casa, na Rua Garibaldi, Tijuca. Me lembro que uma das peças da casa era ocupada por uma mesa de sinuca profissional, o que me pareceu adequado, assim como a sua barba de profeta. Aldir era um lacônico notório, e como eu não sou de falar muito, o Jaguar tinha previsto que nosso encontro seria uma troca de silêncios. Não foi, conversamos. 

Fomos conversando no caminho da casa ao Bar da Dona Maria, na esquina, onde nos esperavam pastéis de bacalhau inesquecíveis e o compositor Moacyr Luz , parceiro do Aldir em muitas músicas, com seu violão. A noite acabou na Casa da Mãe Joana, que eu não sei se ainda existe, com show do Walter Alfaiate e canja do Aldir no tamborim, igualmente inesquecíveis. O grande letrista, grande cronista e grande cara também era bom no tamborim!

Mariliz Pereira Jorge – Bolsovírus

- Folha de S. Paulo

Presidente infectou o país com raiva e desesperança

Estamos todos doentes. Não bastasse o drama que vivemos com a crise da Covid-19, temos que lidar com o rastro de destruição deixado por um germe patogênico incapacitante: o bolsovírus, como foi apelidado.

Jair Bolsonaro conseguiu a façanha de contaminar a população com seu discurso inescrupuloso, seu apreço pela ignorância e seu desprezo pela humanidade. Deixou um país inteiro infectado pela raiva e pela desesperança.

Estamos todos mentalmente desequilibrados. Quem não está cego e não perdeu toda a capacidade de discernimento e a decência sente os efeitos dessa infecção devastadora provocada pelo bolsovírus de uma forma também bastante severa: as pessoas estão tristes, abatidas, exaustas com o festival diário de asneiras, de grosserias e de ataques à democracia.

Assistindo ao noticiário, que dedica boa parte do seu tempo a descrever a crise institucional que não abandona o país, tenho a falsa e perigosa sensação de que não temos outro problema ainda maior, o coronavírus. A gravidade da pandemia acaba diluída diante dos mandos e desmandos desse brutamontes que enlameia a cadeira da Presidência.

Roberto Dias - Os Faria Limers e a crise

- Folha de S. Paulo

Os muitos que aterrissam no mercado financeiro encontram uma fauna problemática

É ótimo que a cultura de investimento no mercado financeiro venha se popularizando por aqui. Dez anos atrás havia mais brasileiros na prisão do que na Bolsa.

A tendência não arrefeceu com a crise. No meio da pandemia e do declínio dos juros, pessoas físicas continuam acreditando em ações. Já os estrangeiros fogem do Brasil, a despeito de o país estar uma pechincha.

A fauna à espera de quem aterrissa na Bolsa vai sendo recomposta após o meteoro das fintechs. Os grandes bancos sangram clientes para instituições que oferecem retornos maiores e burocracias menores. Quem vai investir tem alternativas.

Os que navegam entre essas opções são disputados por pessoas que distribuem recomendações. Gente por vezes autointeressadíssima, que tortura números e usa comparações sem sentido para propagar as teses mais convenientes. São torcedores não amadores. Quem os vê opinar sobre um ativo não sabe se estão comprados ou vendidos nele.

Bruno Boghossian – Bolsonaro sabotou Guedes

- Folha de S. Paulo

Presidente autoriza mudança em projeto de servidores e prova que não fala a língua do ministro

Na semana passada, Jair Bolsonaro foi até a portaria do Palácio da Alvorada para desfazer a impressão de que Paulo Guedes era alvo de sabotagem no governo. O presidente disse que seu auxiliar, que posava satisfeito a seu lado, era "o homem que decide economia no Brasil". Dias depois, o próprio chefe ajudou a sabotar os planos do ministro.

Bolsonaro deu sinal verde para desidratar uma das bandeiras de Guedes no pacote econômico do coronavírus. Foi o presidente quem autorizou a retirada de todos os policiais da proposta que congelava salários de servidores para compensar as despesas com a pandemia.

A equipe econômica se queixou dos parlamentares que votaram a favor da blindagem de diversas carreiras do funcionalismo e apontou o dedo para o líder do governo na Câmara, que negociou as mudanças no projeto. Numa espécie de delação, o deputado Vitor Hugo (PSL) entregou o presidente e disse que partiu dele o aval para a traição a Guedes.

A disposição de Bolsonaro para proteger o funcionalismo não é novidade. O presidente fez carreira como representante sindical de militares e, no poder, continuou trabalhando a favor de algumas categorias.

Carlos Alberto Sardenberg - Gasto público é inevitável. Desperdício, não

- O Globo

Governos que aproveitaram anos de crescimento para ajustar contas estão em posição mais confortável para gastar

Lá pelas tantas, já na saída da crise de 2009, a revista “Economist” referiu-se à gigante GM, a maior montadora de veículos dos EUA, como “Government Motors”. Para salvar a companhia, o governo de Barack Obama havia comprado ações da empresa em tal quantidade que se poderia chamar de estatização. Não era esse o objetivo.

A tremenda recessão que se seguiu ao desastre financeiro deixou a GM e muitas outras empresas à beira da falência: sem consumidores e sem crédito. As opções, portanto, eram três: deixar quebrar (paciência, são coisas do mercado); emprestar dinheiro público (já que os bancos privados não queriam se arriscar); ou comprar ações, o governo tornando-se sócio das companhias.

No final das contas, houve uma combinação disso tudo. Muitas empresas eram mesmo inviáveis, a crise apenas apressando o fim. Mas outras — em número incalculável, de gigantes a pequenas — foram resgatadas pelo governo via empréstimos ou aquisição de ações.

No geral, deu certo. Tanto que o período de Obama foi marcado por uma forte aceleração do crescimento. Ele assumiu em janeiro de 2009, na crise, com a taxa de desemprego subindo para 10%. Em janeiro de 2017, entregou o governo com os EUA de novo liderando o crescimento global, com taxa de desemprego a 4,5% — nível considerado de pleno emprego.

Ribamar Oliveira - Maior rigor no controle do gasto com pessoal

- Valor Econômico

Mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal terá forte efeito sobre a administração

Não recebeu a devida atenção uma mudança feita na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pelo projeto de lei complementar 39/2020, aprovado na terça-feira pela Câmara dos Deputados e ontem pelo Senado. O noticiário ficou restrito ao montante e à distribuição da ajuda financeira da União aos Estados e municípios, com pouca luz sendo jogada sobre uma alteração que terá caráter permanente e vai melhorar o controle sobre os gastos com a folha salarial dos servidores.

A alteração do artigo 21 da LRF, feita pelo PLP 39, torna nulo o ato que resulte em aumento da despesa com pessoal em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Executivo, do Judiciário, do Legislativo, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.

Ou seja, não vale mais aquela prática, bastante difundida, de conceder reajuste salarial em várias parcelas a serem pagas pelos governos seguintes. Prática que, na esfera federal, foi usada em governos do PT. A ex-presidente Dilma Rousseff foi obrigada a pagar parcelas significativas de reajustes salariais concedidos pelo ex-presidente Luiz Inácio da Silva. A nova regra valerá para os três Poderes e órgãos da União, dos Estados e dos municípios.

Os aumentos concedidos durante o governo do ex-presidente Michel Temer tiveram parcelas pagas a várias categorias até o ano passado.

Mario Mesquita* - Política monetária sob tensão

- Valor Econômico

No caso do Brasil, é plausível que a deterioração da situação fiscal acabe pressionando as expectativas de inflação

O choque da pandemia da covid-19 tem apresentado grandes desafios aos responsáveis pela política econômica pelo mundo afora. Em linhas gerais, temos assistido um forte movimento de expansão fiscal e, também, monetária. As economias do G-20 terão déficits expressivos e, assim, crescimento significativo da dívida pública - cerca de 15 pontos percentuais do PIB, em média, somente em 2020.

Analogias marciais têm sido utilizadas com frequência nesta crise, e, do lado fiscal, parecem apropriadas: tamanho crescimento sincronizado das dívidas públicas de tantos países remonta aos conflitos mundiais da primeira metade do século passado. Se existem sérios desafios fiscais, as perspectivas para a política monetária também são pouco triviais.

À época da grande crise financeira (GCF) de 2008-9, o endividamento do setor público também cresceu muito: de 65% do PIB em 2007 para 95% em 2010 nos EUA, de 42% para 75% no Reino Unido, de 64% para 82% na Alemanha, por exemplo. Com taxas de juros atingindo o limite nulo, os bancos centrais tiveram que recorrer, também, a medidas de expansão quantitativa que aumentaram consideravelmente seus balanços. Diante desse quadro, muitos analistas começaram a alertar para o risco de elevação da inflação, o que acabou se mostrando um alarme falso. Para ser mais preciso, houve, sim, inflação de preços de ativos, mas não dos preços de bens e serviços.

Vinicius Torres Freire - Juro real deve ir a zero até junho

- Folha de S. Paulo

Dúvida é saber se BC vai tomar alguma atitude com as taxas mais longas

O Banco Central disse na prática que a taxa real de juros básica vai a zero até junho, mês da próxima decisão sobre a Selic, afora a hipótese de novos choques dentro deste choque terrível da pandemia.

No atacadão do mercado de dinheiro, já está em 0,3% ao ano (taxa para negócios de um ano, descontada a inflação esperada nos próximos 12 meses). Ainda é muito.

Nesta quarta-feira (6), o BC reduziu a Selic de 3,75% para 3% ao ano. Afirmou em comunicado que, em junho, pode reduzi-la em outro tanto, no máximo, para até 2,25%, parando por aí, excetuada a hipótese de novos desastres.

E daí?

Nada disso vai mudar de modo notável a taxa de juros nos bancos. Não é disso que se trata, obviamente. A dúvida é saber se o BC vai enveredar pela grande novidade, no caso brasileiro, de comprar títulos do Tesouro a fim de achatar as taxas de juros de prazo mais longo, o que estará autorizado a fazer em breve, pelo Congresso.

Na teoria mais ou menos padrão, o BC poderia fazê-lo caso a Selic fosse a zero (em termos nominais, não a taxa real). Por ora, como visto, parece que não vai a zero. As taxas ditas longas, no entanto, deram um salto desde meados de março, com o pânico pandêmico.

Eugênio Bucci* - Como a indústria da desinformação vai demolindo uma imprensa indefesa

- O Estado de S.Paulo

Há conexão com o projeto fascista que se manifesta na Esplanada dos Ministérios

O que aconteceria se milícias rivais se associassem para abrir quiosques de agiotagem pelas esquinas do Brasil, emprestando dinheiro barato para todo mundo, sem pagar imposto e sem legalizar suas operações? O que aconteceria se distribuíssem cédulas falsas, mas ninguém ligasse? O que aconteceria se os desavisados afluíssem em massa para tomar empréstimo e fazer tilintar a caixa registradora da bandidagem? O que aconteceria se os quiosques, além de dinheiro suspeito, distribuíssem panfletos para xingar o sistema bancário de ladrão da Pátria e acusar o Poder Judiciário de ser cúmplice da ladroagem dos banqueiros? O que se passaria se esse novo negócio ilegal contasse com o presidente da República como seu garoto-propaganda? E se, para completar, uma turba saísse pelas praças do País, travestida de seleção canarinho, estapeando bancários a caminho do trabalho?

Ora, até aí, você dirá, a resposta é fácil: o que aconteceria seria o caos – o caos generalizado e a convulsão social. Só que esse caos não nos ameaça, você dirá também, pois os bancos, para o bem e para o mal, sabem se defender. Mas, atenção: e se, em vez das instituições bancárias, a vítima dos novíssimos quiosques clandestinos das milícias fosse, não as instituições bancárias, mas a instituição da imprensa? Agora a pergunta deixa de ser hipotética. Na verdade, se você olhar a cena nacional, verá que isso já está acontecendo. Existe, de fato, uma guerra aberta contra algo que talvez seja ainda mais valioso para uma sociedade livre do que o capital bancário (ou financeiro): o capital simbólico de credibilidade e de independência que o jornalismo representa. E aí? O que nos vai acontecer?

Roberto Macedo* - A PEC do ‘orçamento de guerra’ e da ‘bazuca’ de afrouxamento monetário

- O Estado de S.Paulo

O afrouxamento monetário precisa vir e ficar como opção de política monetária

Essa proposta de emenda à Constituição (PEC) surgiu em 1.º de abril na Câmara dos Deputados, onde recebeu o n.º 10/2020. Originalmente se limitava à área fiscal federal. Estabelece que, “em razão de emergência de saúde pública (...) decorrente de pandemia, a União adotará regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações (...), nos termos definidos” nessa emenda. E o “Executivo (...) poderá adotar processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras que assegurem (...) competição e igualdade de condições a todos os concorrentes, dispensada a observância” de vários dispositivos legais que usualmente regulam esses processos.

Ou seja, há esse estado de calamidade pública, seu combate é uma guerra, e é dada à União essa “arma” que facilita a gestão orçamentária, o que explica a referência a essa PEC como a do “orçamento de guerra”.

Na mesma linha guerreira, “bazuca” é o termo com que tem sido chamada outra PEC cuja minuta foi apresentada ao Congresso pelo presidente do Banco Central (BC) e incluída na PEC 10/2020. Essa outra PEC propôs a adoção de medida moderna de política monetária, o relaxamento quantitativo da oferta de dinheiro, internacionalmente chamado de quantitative easing, ou QE.

Há quase um ano, com base na experiência do banco central dos EUA, conhecido como Fed, na crise de 2008, e na do Banco Central Europeu (BCE) em 2012, passei a pregar a adoção do QE no Brasil. O Fed voltou ao QE neste ano e o BCE, no ano passado. Vários países em desenvolvimento também passaram a usá-lo.

Zeina Latif* - Sobre problemas reais e quimeras

- O Estado de S.Paulo

A julgar pelas dificuldades de gestão da crise no atual governo, há razões para temer o uso ineficiente dos recursos públicos

O Brasil tem sido um exemplo de fracasso no combate a covid-19 no mundo. Seria simplismo apontar a falta de recursos como a razão para a escalada de óbitos e a saturação do sistema público de saúde. O principal problema é a falha de gestão.

Erramos na saúde e precisamos conter os erros na economia.

A elevação dos gastos e da dívida do governo é inevitável, sendo a decisão mais acertada no momento. No entanto, é crucial que o recurso público seja utilizado de forma justa e eficiente. Que a deterioração fiscal valha a pena, pois ela nos custará caro.

Isso sem contar que, com a economia tão fragilizada, será necessário esforço fiscal ainda maior no futuro para garantir a estabilidade da dívida pública como proporção do PIB. O cumprimento da regra do teto não será suficiente para isso, como aponta a A. C. Pastore e Associados.

A julgar pela baixa qualidade da ação estatal e pelas dificuldades de gestão da crise no atual governo, há razões para temer o uso ineficiente dos recursos públicos. Preocupam os excessos e a má alocação, fora as despesas de natureza permanente.

Por ora, a medida com maior impacto no orçamento é o auxílio emergencial de R$ 600 por 3 meses, que está orçado em R$ 123,7 bilhões – a previsão inicial era R$ 98 bilhões. A tendência é de mais aumento, pela grande demanda e pela possibilidade de extensão do programa. Será necessário calibrá-lo e preparar seu desmonte adiante.

Algumas despesas poderão se tornar permanentes, como as decorrentes da inevitável elevação da inadimplência de empresas e entes da federação que contam com garantia da União em seus empréstimos.

O ineditismo da crise estimula a busca por saídas fáceis.

Everardo Maciel* - Um futuro muito incerto

- O Estado de S. Paulo

Sem limites, competição e eficiência se convertem em práticas predatórias, que se voltam contra elas próprias

Kristalina Georgieva, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), no blog da instituição (20/4/2020), qualificou, com precisão, a pandemia da covid-19 como uma “crise como nenhuma outra”, porque mais complexa, mais incerta e verdadeiramente global.

São abundantes as previsões, com base frequentemente em pífias e macabras estatísticas, sobre os desdobramentos da pandemia e suas consequências econômicas e sociais. Todas elas são, entretanto, meras aproximações da realidade – provavelmente distantes –, porque sobre o vírus, como se disse a respeito da China, não há um verdadeiro conhecimento, mas graus variáveis de ignorância. Por igual razão, são precárias as especulações sobre suas consequências sociais e econômicas. Caminhamos no domínio da incerteza, em que fica evidente a impossibilidade de estimativa e cálculo, como conceituava o economista americano Frank Knight (1885-1972).

A despeito disso, ouso, com consciente risco de errar, explorar questões associadas à crise da pandemia.

Em artigo anterior (Generosidade e responsabilidade em tempos de catástrofe, 2/4/2020), atribuí a crise ao descaso internacional com a segurança planetária, com destaque para a prevenção de pandemias e catástrofes naturais, a atenção com o meio ambiente, a correção das desigualdades entre pessoas e entre países e o enfrentamento do crime transnacional e do planejamento tributário abusivo.

A esse descaso se acrescentam uma crescente abdicação do multilateralismo e esvaziamento das instituições multilaterais, em direção oposta à intensa globalização dos negócios.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Aliança despudorada e ruinosa – Editorial | O Estado de S. Paulo

Nociva em tempos normais, a maneira despudorada com que parcela não desprezível dos congressistas costuma decidir sobre o destino do dinheiro público pode ser ruinosa para o País no momento em que os recursos humanos, materiais e financeiros deveriam ser canalizados prioritariamente para salvar vidas ameaçadas pela covid-19. Sem nenhum pejo, porém, e desconectada da grave realidade dos brasileiros, essa parcela – agora amiga íntima do governo do presidente Jair Bolsonaro e sua parceira em transações com recursos orçamentários – agiu decididamente para que a Câmara dos Deputados desfigurasse o projeto de auxílio financeiro para Estados e municípios e nele incluísse benefícios para várias categorias de servidores.

A versão aprovada pelo Senado já favorecia algumas categorias especiais. Era o máximo que se podia conceder para estimular o trabalho dos profissionais que cuidam de vítimas da covid-19 sem comprometer a necessária austeridade financeira. Mas, com a ativa participação do líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), e do líder do PP, deputado Arthur Lira (PP-AL), a lista foi ampliada para atender a interesses eleitorais específicos de um determinado grupo político.

Música | Choro Negro - Paulinho da Viola e Fernando Costa

Poesia | José Saramago - Fala do velho do restelo ao astronauta

Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.